Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
030489
Nº Convencional: JSTJ00004314
Relator: BARBOSA VIANA
Descritores: CORRUPÇÃO
MENORES
DOLO GENERICO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196107190304893
Data do Acordão: 07/19/1961
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS DE 08-08-1961 ; BMJ 109 , 437
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 7/1961
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: D 20431 DE 1931/10/24 ARTIGO 25 PARUNICO.
CPP29 ARTIGO 668 ARTIGO 669 PARUNICO.
CPC39 ARTIGO 763 ARTIGO 765.
CP886 ARTIGO 405.
Legislação Estrangeira: CP DE ITALIA ART530.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1953/12/04 IN JR ANO1953 PAG1045.
ACÓRDÃO RP PROC6408 DE 1960/05/20.
Sumário :
Para que se verifique o crime previsto e punivel pelo paragrafo unico do artigo 25 do Decreto n. 20431, de 24 de Outubro de 1931, não e necessario que o agente proceda com o fim de desmoralizar.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal Central de Menores de..., acusado pelo respectivo agente do Ministerio Publico de haver cometido o crime previsto e punido pelo paragrafo unico do artigo 25 do Decreto n. 20431, de 24 de Outubro de 1931, por isso que teria contribuido intencionalmente para a desmoralização da menor A..., fora condenado B... na pena de tres meses de prisão substituidos por igual tempo de multa a 50 escudos diarios, na indemnização de 10000 escudos a ofendida e no imposto de justiça de 500 escudos.
Levado recurso desta decisão para o tribunal da Relação de..., com fundamento essencial de que se não havia privado que das relações sexuais porventura mantidas entre eles tivesse resultado a desmoralização de A..., nem tão-pouco que o recorrente tivesse agido com especifica intenção de desmoralizar a mesma menor, foi proferido o douto acordão de folhas 152, datado de 20 de Maio de 1960, concedendo provimento ao recurso e absolvendo o reu com base em que dos factos que serviram de suporte a condenação apenas poderia concluir-se que o "mesmo agiu com intenção de satisfazer os seus instintos sexuais, como e normal e os autos não contrariam".


- Oprtunamente, o Excelentissimo Procurador da Republica junto daquela Relação, cumprindo o preceito do artigo 669 do Codigo de Processo Penal, interpos para este Supremo Tribunal o presente recurso extraordinario, a fim de que se fixasse a jurisprudencia, porquanto, o acordão da Relação de Lisboa, de 4 de Dezembro de 1953, publicado na Jurisprudencia das Relações, ano de 1953, pagina 1045, decidindo, tambem, sobre a verificabilidade de certo crime de desmoralização de ofendida menor, previsto e punido pelo paragrafo unico do artigo 25 do citado Decreto n. 20431, julgou provada e procedente a acusação estribado em razão interpretativa desse dispositivo legal traduzida nestas frases bastante esclarecedoras:
"E bem de ver que a palavra intencionalmente se opõe a negligencia de que fala o corpo do artigo".


"Esta em causa, simplesmente, voluntariedade".


- Admitido o recurso, seguiu-se a tramitação prescrita pelo artigo 765 do Codigo de Processo Civil, ex vi do paragrafo unico do artigo 669, referido ao paragrafo unico do artigo 668, ambos do Codigo de Processo Penal.
Na alegação do magistrado recorrente procurou-se demonstrar que entre o acordão recorrido e o acordão invocado no requerimento de interposição, existia a oposição exigida pelos artigos 763 do Codigo de Processo Civil e 668 do Codigo de Processo Penal.


Com a resposta de folhas 171, apresentada no Tribunal a quo, subiu o recurso ao Supremo tendo, aqui o Excelentissimo representante do Procurador-Geral da Republica opinado no sentido de que deveria decidir-se a sua prossecução ate final.


Efectivamente, assim o determinou o acordão proferido nestes autos a folhas 184 e seguintes, fundando-se nestes argumentos predominantes:
No dominio da mesma legislação, a Relação do Porto proferiu o acordão datado de 20 de Maio de 1960, em oposição com outro da Relação de Lisboa, lavrado em 4 de Dezembro de 1953, sobre a mesma materia de direito, de que não podia interpor-se recurso ordinario para o Supremo Tribunal de Justiça.


Interpretando, ambos os acordãos, o preceito do mencionado paragrafo unico do artigo 25 do Decreto n. 20 431, o da Relação do Porto considerou requisito subjectivo imprescindivel do crime de desmoralização de menores, o de o agente proceder intencionalmente para desmoralizar, ao passo que o da Relação de Lisboa inclinou-se para a solução de que o crime se verificava ainda mesmo quando o agente não tivesse agido com o fim de desmoralizar.
Seguidamente, no seu douto parecer de folhas 191, o Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico expos a sua opinião sobre a solução a dar ao conflito de jurisprudencia, sustentando o entendimento de que no crime previsto e punivel pelo paragrafo unico do artigo 25 do Decreto n. 20431, de 24 de Outubro de 1931, não e necessario que o agente proceda com o proposito de desmoralizar, sendo suficientes os requisitos gerais da intenção criminosa.


Correram os autos, depois, os vistos de todos os juizes deste Tribunal.
Cumpre-nos, pois, decidir.


- E sabido que o acordão que reconheceu a existencia de oposição, não impede que o Tribunal Pleno decida em sentido contrario.


Porem, não ha motivo para que tal aconteça, visto que os autos demonstram cabalmente, a face dos preceitos do artigo 669 do Codigo de Processo Penal e 763 do Codigo de Processo Civil, o condicionalismo indispensavel para que possa interpor-se recurso para o tribunal pleno e, a esta conclusão preliminar, começamos por atribuir o nosso assentimento.
- Entrando, agora, no conhecimento do objecto do recurso, salientaremos os elementos de facto da infracção visada pelo digno agente do Ministerio Publico que funcionou no processo de que adveio o acordão recorrido:
Tendo a ofendida A..., então com 12 anos de idade, ido servir, como criada, para casa dos pais do arguido, na freguesia de..., da comarca de..., em certa madrugada do mes de Março de 1955, B... foi com ela ao seu quarto e prometendo-lhe que a protegia, pondo-a por sua conta, e que com ela casaria, quando ele atingisse a maioridade, conseguiu convence-la a aceitar relações sexuais;


Depois destes primeiros contactos carnais, repetiram-se os mesmos por muitas mais vezes, ora na cama dela, ora nos sofas da sala de visitas da casa, ate que A... deixou de ser ali criada, em 25 de Agosto de 1956;
Mas, nem por isso, cessaram entre ambos tais relações, que continuaram persistentemente, realizadas sem qualquer recato ou pundonor, ate pelas bouças da freguesia de..., resultando de toda esta desfacatez a corrupção da menor, a que o arguido, conscientemente, deu causa.


Esta resenha de factos, determinou a condenação de B..., como autor do crime de desmoralização de menores, no Tribunal Central de Menores de..., com o fundamento de que as circunstancias em que decorreram as relações havidas entre aquele e a ofendida, designadamente, tendo em atenção a idade da A... quando elas se iniciaram, a situação de dependencia em que ela ficara e a promessa de que a não abandonaria, permitindo conjecturar uma desonesta promessa de mancebia, são motivos suficientes para considera-lo responsavel pela desmoralização da pobre rapariga, resultado este, para que ele dolosamente contribuira.
Todavia, desta conclusão discordou o Tribunal da segunda instancia, no seu acordão de 20 de Maio de 1960 afirmando que, para a verificabilidade do crime de desmoralização de menores era absolutamente indispensavel a demonstração de que o arguido tenha agido com a intenção caracteristica de desmoralizar, circunstancia que se não dava quando ele procura simplesmente saciar os seus instintos sexuais, sendo certo que o acordão invocado, de 4 de Dezembro de 1955, tenha decidido, como se disse, hipotese identica, raciocinando exactamente, como depois veio a raciocinar, o Senhor Juiz do Tribunal de Menores de...


Esta flagrante instabilidade de jurisprudencia, a que se pretende por cobro, com vista a sua uniformização, suscitou-se a volta do artigo 25 e seu paragrafo unico do Decreto n. 20 431, que se achavam assim redigidos:
"Artigo 25 - O pai, mãe, tutor ou outra pessoa encarregada da guarda de menores, que tiverem dado causa ou não tiverem impedido, podendo faze-lo, que eles se tornem delinquentes, alcoolicos, libertinos, ou por outra forma viciosos, ou que por alguma forma tenham contribuido para a desmoralização, perversão ou desamparo dos mesmos menores, incorrerão na pena de prisão correccional ate um ano e multa correspondente se tiverem procedido com intenção, ou so em multa ate 1 000 escudos se tiverem procedido com simples negligencia.


Paragrafo unico - Sera aplicada a pena de prisão correccional ate seis meses a quaisquer outras outras pessoas que intencionalmente praticarem os factos a que este artigo se refere".


Precisamente, a expressão adverbial "intencionalmente" usada neste paragrafo unico, fez deflagrar o conflito de jurisprudencia sobre que nos debruçamos: a) O acordão da Relação de... proferido nos presentes autos, atribui-lhe a significação juridica concernente ao dolo especifico;
Divergentemente, b) O acordão da Relação de Lisboa invocado pelo Magistrado recorrente, atribui-lhe o sentido juridico respeitante ao chamado dolo generico.


- Como inofensivo introito, podera dizer-se que os criminalistas costumam distinguir, desta maneira, essas duas especies de dolo:
Ao passo que a noção de dolo generico se confunde com a do proprio dolo, significando simplesmente intenção de cometer o facto, a noção de dolo especifico ja e mais complicada pois ao lado da intenção de cometer o facto, o agente teria de manifestar o proposito de conseguir um determinado fim.


E exemplo classico de dolo especifico, o que nos da o artigo 405 do Codigo Penal que, incriminando o lenocinio, descreve-o como sendo a corrupção
- "para satisfazer os desejos desonestos de outrem" que significa o mesmo que se dissesse "com o fim de satisfazer os desejos desonestos de outrem".
Ora, no artigo 25 e seu paragrafo unico do citado Decreto n. 20 431 nada nos indica que se tivesse querido apenas visar o dolo especifico.
Não nos podemos impressionar com as expressões - "procedido com intenção" e "intencionalmente praticarem" - empregadas, respectivamente, no corpo do artigo 25 e no seu paragrafo unico, ao estabelecerem as penalidades aplicaveis, para delas concluirmos que, para a verificabilidade do crime de desmoralização de menores, e condição indispensavel que o agente haja revelado o fim de desmoralizar.


Nos casos versados por estes dois dispositivos legais, a ilicitude punivel não esta dependente da atitude psicologica do agente em relação aos factos.
Ao reportarem-se, esses preceitos, a intenção, não tiveram como escopo a "intenção de desmoralizar", mas tão-somente a diferenciação da conduta dolosa, das que forem meramente culposas, por forma a punir, em relação a certas pessoas, no corpo do artigo 25, as condutas dolosas e culposas e, no paragrafo unico, apenas a conduta dolosa, em relação a quaisquer outras pessoas.

E quanto ressalta, claramente, do proprio texto da lei.
E, para reforçarmos estas asserções, bastar-nos-a servir destes dois argumentos cuja originalidade não reivindicamos:
I - Se tivesse que exigir-se o requisito subjectivo da intenção de desmoralizar o preceito normativo fracassaria na grande maioria dos casos em que se praticam actos que realmente desmoralizam os menores sem que os seus agentes queiram efectivamente da desmoralização dos mesmos mas, simplesmente, a saciedade dos seus anseios sexuais; e, desta maneira, ficaria sem tutela o bem juridico concernente a obstar, de uma maneira geral, a ma formação moral dos menores.
II - A doutrina italiana, uma das perenes fontes da nossa legislação dos ultimos tempos, com Manzini a sua frente, comentava desta maneira o artigo 530 do Codigo Penal italiano, de 1889:
"Não se exige que esteja provada a intenção de corromper, ja que a corrupção e tida como uma consequencia do facto, como um efeito normal da causa posta a existir pelo agente"...
- Diante do artigo 530 do actual Codigo Penal italiano, de 1930, outro insigne penalista exprimiu-se assim:
"Trata-se de delito doloso;
E necessario e suficiente a vontade do acto com o conhecimento de todos os elementos do facto tipico criminoso; mas não e preciso o fim de corromper a pessoa do menor...".
Esse artigo 530 do Codigo Penal italiano teria, pela sua semelhança com a mencionada norma do diploma portugues de 1931, servido de inspiração ao nosso legislador.
- Chega-se, assim, a conclusão de que o acordão da Relação do Porto, de 20 de Maio de 1960, seguiu, salvo melhor opinião, caminho errado.
Pelo exposto, a fim de fixar a jurisprudencia nos termos do citado artigo 669 do Codigo de Processo Penal, acordam os deste Supremo Tribunal da Justiça, funcionando em tribunal pleno, em formular o seguinte assento:
"Para que se verifique o crime previsto e punivel pelo paragrafo unico do artigo 25 do Decreto n. 20 431, de 24 de Outubro de 1931, não e necessario que o agente proceda com o fim de desmoralizar".
Sem imposto.


Lisboa, 19 de Junho de 1961

Barbosa Viana (Relator) - Morais Cabral - Jose Avelino Moreira - Pinto de Vasconcelos - Da Mesquita - Bravo Serra - Alfredo Jose da Fonseca - Jose Osorio - Lopes Cardoso - Carlos de Miranda - Amorim Girão - F. Toscano Pessoa - Eduardo Coimbra - Mario Cardoso.