Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
00A326
Nº Convencional: JSTJ00034783
Relator: LEMOS TRIUNFANTE
Descritores: EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CASO JULGADO
INVESTIGAÇÃO OFICIOSA DE PATERNIDADE
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
REQUISITOS
Nº do Documento: SJ20000503003261
Data do Acordão: 05/03/2000
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N497 ANO2000 PAG371
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM. DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ARTIGO 497 ARTIGO 498 N2.
CCIV66 ARTIGO 1813 ARTIGO 1864 ARTIGO 1865 N3 N5 ARTIGO 1866 ARTIGO 1868 ARTIGO 1869.
OTM78 ARTIGO 205 N2.
LOMP86 ARTIGO 5 N1 C.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1994/11/03 IN CJSTJ ANOII TIII PAG115.
Sumário : Não existe identidade de sujeitos, na perspectiva da excepção de caso julgado, entre a posição de autor, do M.P., numa acção oficiosa de investigação de paternidade, intentada ao abrigo do artigo 1865, n. 5, do CCIV, e aquela outra em que o M.P. intervêm em representação do menor, numa acção facultativa de investigação da paternidade, ao abrigo do poder-dever estatutário consignado na alínea c), do n. 1, do artigo 5, do Estatuto do M.P.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

- A Sra. Procuradora da República, no circulo judicial de Caldas da Rainha, em representação do menor A, intentou contra B, acção ordinária de investigação de paternidade, alegando factos atributivos da paternidade biológica daquele, e pedindo que se julgue procedente a acção e, se declare que o menor é filho do réu, ordenando-se o averbamento ao respectivo assento de nascimento do menor da dita paternidade e avocação paterna;
- citado, o réu contestou por excepção, alegando o caso julgado uma vez que o Ministério Público já antes propusera idêntica acção de investigação de paternidade que, por decisão transitada em julgado para julgada improcedente e impugnando toda a materialidade fáctica contida na petição;
- Não houve réplica;
- Foi proferido despacho saneador no qual se julgou procedente a excepção invocada e se absolveu o réu da instância;
- Da decisão proferida interpôs recurso o Ministério Público, o qual foi admitido como agravo e efeito suspensivo;
- E tendo, apenas, alegado o Ministério Público;
- conhecendo daquele, no Tribunal da Relação de Lisboa, veio a ser proferido Acórdão em que se concedeu provimento ao dito, revogando-se a decisão recorrida;
- Inconformado, recorreu, então, o réu, o que constitui o presente agravo, para este S.T.J.;
- Alegando para o efeito, veio a formular as seguintes conclusões;
- 1 - Configura-se nos presentes autos excepção de caso julgado;
- 2 - Pois, em 27 de Julho de 1987, foi instaurada pelo Ministério Público ao abrigo dos artigos 1865, n. 5 do Código Civil e, 205 da O.T.M., contra o ora Recorrente uma acção de investigação de paternidade;
- 3 - Tendo a mesma sido considerada improcedente, e subsequentemente transitado em julgado;
- 4 - Todavia, o Ministério Público, instaurou através dos presentes autos, nos termos dos artigos 1869 e seguintes do Código Civil, acção de investigação da paternidade novamente contra o ora recorrente;
- 5 - Ora, embora o Ministério Público aja em relação a cada qual ao abrigo de meios processuais distintos, e sob directivas normativas diferentes, fá-lo sempre em cumprimento de um dever legal e em representação do menor;
- 6- Não só existe identidade de pedido e de causa de pedir em relação às duas acções, como também identidade de sujeitos;
- 7 - Na medida em que, contrariamente ao entendimento versado no Acórdão, o menor é a parte processual em ambas as situações;
- 8 - Pois, não só em relação aos precedentes autos o Ministério Público intervém em juízo ou representação do menor, como também no que respeita à acção intentada em 27 de Julho de 1987, ao abrigo dos artigos 1865, n. 5, do Código Civil e 205 da O.T.M., funcionou o mesmo mecanismo de representação;
- 9 - É o interesse do menor que está na base do dever legal do Ministério Público em agir e intentar a competente acção de averiguação oficiosa de paternidade, pois é àquele que nos termos do artigo 26 do Código de Processo Civil, advém a utilidade derivada da procedência da acção, e não ao Estado;
- Termina, pela procedência do actual recurso, com revogação do Acórdão da Relação e, manutenção da decisão proferida pelo Tribunal de 1. Instância;
- Contra-alegou, o Procurador Geral Adjunto, na Relação de Lisboa, acompanhando, todavia o Acórdão recorrido, e concluindo pela sua confirmação;
- Na sua vista, o Ilustre Procurador Geral da República Adjunto neste Supremo, remeteu para as ditas contra-alegações, nada mais se lhe oferecendo requerer;
- Foram recolhidos, os vistos, dos Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos;
- Apreciando:
- Como constitui entendimento, genérico e pacífico, são as conclusões das alegações dos Recorrentes, que delimitam em princípio, o âmbito e o objecto dos recursos, com ressalva da matéria de conhecimento oficioso;
- Tal no quadro dos artigos 684, ns. 3 e 4, e 690, n. 1, do Código de Processo Civil;
- Nesse sentido também e designadamente os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Outubro de 1986, B.M.J., 360, 354, e da Relação de Lisboa, de 20 de Abril de 1989, Col. Jur., 1989, 2., 143, entre outros;
- Assim como, já e outrossim os Professores A. dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, 5., 308, 309 e 363, e Castro Mendes, Direito Processual Civil, 3., 65, e ainda o Dr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil 3., 286 e 389;
- Contudo, tal não significa, nem impõe que cumpra apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações, mas apenas e somente as questões essenciais suscitadas;
- Nesse alcance e significado, o referido Dr. Rodrigues Bastos, também, na sua já citada obra, 3., 147, assim como, entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal Justiça, de 15 de Setembro de 1989, B.M.J., 280, 496;
- Neste quadro, importa desde já, assumir, que a única questão a decidir, tem a ver se, em ambas as acções, propostas pelo Ministério Público, existe identidade jurídica, no que concerne ao Autor;
- Na verdade não se questiona "in casu", a identidade do pedido, e bem assim da causa de pedir, restringindo-se pois, o tema à dita identidade de sujeitos;
- Ponderando, ora, sobre a "inteligibilidade" do Acórdão recorrido, apontou-se, e, desde logo, neste existir, inequivocamente, tal identidade no que concerne ao pedido e causa de pedir, e uma vez em que em ambas as acções se invoca como causa de pedir a filiação biológica, e como pedido o reconhecimento judicial dessa filiação;
- Assim, e com efeito e questão apenas suscitada respeita aos sujeitos;
- Com efeito, e no quadro do artigo 497, do Código de Processo Civil, se uma causa se repetir depois da primeira ter sido decidida por uma sentença, que já não admite recurso ordinário, verifica-se a excepção de caso julgado;
- Ocorrendo tal repetição da causa, quando acontece a propositura de uma acção idêntica a outra, relativamente aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, nas fronteiras do artigo 498, do citado diploma adjectivo;
- Por sua vez, e como se explícita no Aresto "sub-judice", existe identidade de sujeitos no âmbito do n. 2 daquele dispositivo 498, quando as partes são as mesmas sob o prisma da sua identidade jurídica;
- Contudo, esse requisito da identidade subjectiva não se confunde com a identidade física, como se pôs em destaque, outrossim na Relação;
- Ou seja, as partes no novo processo, só serão idênticas às do anterior, quando sejam pessoas que, na relação em causa, segem a mesma posição que ao, tempo, as preenchiam ou ocupavam;
- Em conformidade, e assim, se alguém propõe uma acção na qualidade de representante de outrem, não fica impedido de, mais tarde, poder propor outra acção em nome próprio;
- Tal, no ensinamento, expedido pelo Professor A. dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, III, 98 já citado no Aresto "sub-judicio";
- Do mesmo modo, e a propósito desse instituto da identidade jurídica, o Professor Manuel de Andrade, Noções, 308 e 309, por igual referenciado na Relação, aponta que essa identidade, passa essencialmente, por os litigantes do novo processo, serem as próprias pessoas que pleitearam no outro, ou sucessores deles;
- O que significa, também, segundo esse Mestre que no caso de representação legal ou voluntária, a parte é, obviamente, o representado e não o representante;
- "In casu", para, e como se pós em relevo na Relação, e no concernente a esse requisito da identidade de sujeitos da mesma relação jurídica controvertida, interessava, portanto, apreciar se essa identidade ocorria, no tocante à intervenção do Ministério Público, nas duas acções propostas;
- Constatando-se, aí, que no cabeçalho da acção proposta, em primeiro lugar, a 24 de Julho de 1987, actuou o Agente do Ministério Público, na comarca, nos termos dos artigos 205, n. 2, da O.T.M., e 1865 n. 3 e 1866 do Código Civil;
- Por sua vez e enquanto, no cabeçalho da petição da acção proposta, posteriormente, em 25 de Junho de 1989, a actuação fica a dever-se à Senhora Procuradora da República junto do círculo judicial de Caldas da Rainha, em representação do menor, A e, no quadro do artigo 50, n. 1, alínea c), da L.O.M.P.;
- Assim, e como se explicitou, também, no Acórdão, em apreço, na primeira petição, a intervenção do Ministério Público, processou-se no cumprimento de um dever que lhe é imposto, ou consignado por Lei;
- Na verdade, esta, vincula ao Ministério Público a obrigação de averiguar a paternidade do menor, cujo registo de nascimento seja lavrado somente e apenas com a maternidade estabelecida;
- Vinculação essa, que se movimenta, no quadro dos artigos 1864 e 1865 do Código Civil, e 205 da O.T.M.;
- Isto é, ao Ministério Público, cumpre propor a respectiva acção de investigação se o Tribunal chegar à conclusão da existência de provas seguras da paternidade, no âmbito dos citados artigos 1865, n. 5, do mencionado diploma substantivo, e 205, n. 1, da apontada legislação de menores.
- Porém, e como se referiu, outrossim na Relação, não é, apenas e só, o Ministério Público, a quem é conferida, a legitimidade, para a propositura da acção de investigação de paternidade;
- Com efeito, confere-se, outrossim, tal legitimidade ao filho, nas fronteiras do artigo 1869 do Código Civil;
- Tendo-se expressado, também, no Acórdão "sub-judice", que no domínio da redacção de 1966, daquele texto legal, o artigo 1853, permitia, mesmo até, e expressamente, a propositura de nova demanda, em caso de improcedência da acção oficiosa prevista nos artigos 1845, 1848 e 1851, do Código Civil, e ainda, que porventura fundada nos mesmos factos;
- Daí que, e à luz daquele dispositivo se entendesse, e perfilhasse, que o pretenso filho poderia intentar acção de investigação, mesmo, e ainda que, alicerçada nas mesmas partes que tinham estado na base de idêntica demanda, e quando o Ministério Público não tivesse obtido vencimento na acção oficiosa;
- Na verdade, e como se expressou, também, na Relação, somente, ao Ministério Público, ficava vedada a possibilidade de intentar nova acção investigatória, em moldes oficiosos;
- Outrossim, se sustentava, como se expressa na Relação, que a acção de investigação ilegítima poderia, ainda, ser intentada pelo Ministério Público, como representante do menor ou incapaz, por via e no uso da faculdade conferida, então, pelo artigo 185, n. 1, alínea e), do Estatuto Judiciário;
- Ou seja, quando o Ministério Público, entendesse dever assumir a representação judiciária dos incapazes a equiparados, e o declarasse no processo respectivo;
- Com o que se deparava com um tipo de acção de natureza facultativa, como opinava o Dr. Santos Silveira, investigação de Paternidade Ilegítima, 190 e seguintes, por igual modo referenciado no Aresto sob apreciação;
- Ora, as disposições em vigor do actual Código Civil, supra indicadas, bem como o consignado no artigo 50, n. 1, alínea c), da L.O.M.P., vigente, autorizam, outrossim, e como se sustentou na Relação, que possa ser intentada nova acção, após ter sucumbido a de natureza oficiosa interposta pelo Ministério Público, pelo filho;
- E sendo permitido aí, ao Ministério Público, actuar nesta acção, em representação daquele, e desde que, seja incapaz ou menor;
- Ou seja, numa a actuação do Ministério Público revestiu-se de carácter oficioso, e no uso de um dever imposto pelo Estado, e na outra, actua em representação do menor, que é, ao fim e ao resto, o autor da acção, e, como se sintetizou na Relação;
- Daí a legítima conclusão, assumida no Acórdão, em análise, no sentido de que, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica o Ministério Público, não possa ser considerado o mesmo autor nas duas acções;
- Donde que, concomitantemente, que não se verifique, a invocada excepção de caso julgado que na 1. Instância conduzira à absolvição da instância;
- Devendo, pois e assim, o processo prosseguir para a competente decisão de mérito, até final;
- Ao conceder, portanto provimento ao agravo e revogando, a decisão, então recorrida da 1. Instância, o Acórdão da Relação, não merece qualquer censura ou reparo;
- Na verdade, não é defensável, a posição defendida pelo recorrente, no prisma de que existe, também, identidade de sujeitos, e porque tanto na acção oficiosa de investigação de paternidade, accionada no âmbito do artigo 1865, n. 5, do ac., rendido, como na acção de investigação de paternidade enquadrável no artigo 1869 daquele diploma substantivo, surge, o Ministério Público em representação do menor;
- Na verdade, tal entendimento carece de fundamento legal e, pelas razões que já ficaram aduzidas;
- Com efeito, na dita acção oficiosa de investigação de paternidade, o autor, é o Estado, representado, pelo Ministério Público;
- Nesse alcance e expressão, nomeadamente e também, os trabalhos dos Drs. Neves Ribeiro, o Estado nos Tribunais, 190, a 195, e Fernando Pinto, Filiação Natural, 94 e 295;
- Enquanto, na acção de investigação de paternidade, conhecida ou designada por "comum", o autor, é já o menor, representado pelo Ministério Público;
- Nesse significado, outrossim, o dito trabalho do Dr. Fernando Pinto, 320, assim como, entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Novembro de 1994, Col. Jur., Supremo Tribunal de Justiça, III, 1994, 115;
- Acresce, que da conjugação dos artigos 1813 e, 1868 do Código Civil, também resulta e, advém que a existência da primitiva referida acção, não faz, nem constitui, caso julgado, na exacta medida em que desses dispositivos, e portanto, em sede legal, mesmo, se estabeleceu, que a improcedência da focada acção oficiosa, não obsta, em si, a que seja intentada nova acção de investigação, ainda que fundada nos mesmos factos;
- Posição essa, que tem a ver não só com o interesse, privado e público na apreciação dessa investigação, como também, com a referida ausência "in casu", da identidade de sujeitos;
- Nesse alcance, ainda, e entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 1990, AJ., 5, 90, 10, ao abordar a aplicação analógica, a operar;
- E também, o expendido em geral, sobre o instituto do caso julgado, em si, nos seus limites, no ensinamento dos Professores A. dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, 3, 86 e seguintes, Manuel de Andrade, Noções, 304 e seguintes, Castro Mendes, Limites, 3, 276 e seguintes, Anselmo de Castro, Dir. Proc. Civil, 3, 383 e seguintes 3, Antunes Varela, Manual 287 a 289;
- Assim como, nessa sede, e entre outros, o Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Outubro de 1992, B.M.J., 420, 448;
- Por todo o exposto, e sem necessidade de outros considerandos, é evidente a improcedência genérica, das conclusões, alegativas, do recorrente, agravante;
- Com efeito, e na verdade, inexiste a violação normativa, veiculada naquelas.
- Assim, e no contexto dessa improcedência nega-se, provimento ao agravo, confirmando-se, em consequência o Acórdão recorrido;
- Custas, pelo Recorrente, agravante.

Lisboa, 03 de Maio de 2000.

Lemos Triunfante,
Torres Paulo,
Aragão Seia.
3. Juízo Tribunal Judicial de Caldas da Rainha - Processo 214/99.
Tribunal da Relação de Lisboa - Processo 6589/99 - 1. Secção.