Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A2210
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: INTERESSE EM AGIR
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS
Nº do Documento: SJ200809160022106
Data do Acordão: 09/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I) O Código de Processo Civil vigente não contempla o interesse em agir como excepção dilatória nominada, pelo que apenas, doutrinalmente, o conceito tem sido objecto de tratamento.

II) – O interesse em agir, sendo diferente da legitimidade tem, todavia, em comum com este conceito o dever ser aferido, objectivamente, pela posição alegada pelo Autor que tem de demonstrar a necessidade do recurso a juízo como forma de defender um seu direito.

III) – O interesse de agir não é mais que uma inter-relação de necessidade e de adequação; de necessidade porque, para a solução do conflito deve ser indispensável a actuação jurisdicional, e adequação porque o caminho escolhido deve ser apto a corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configurou.

IV) – As acções de apreciação positiva ou negativa não visam exigir do Réu uma prestação, mas antes dissipar um estado de incerteza, sério, juridicamente relevante, acerca de um direito ou de um facto.

V) - Porque se exige um real interesse do Autor e porque os Tribunais devem julgar questões concretas de relevante interesse, exige-se como requisito de tais acções, que o demandante demonstre a necessidade de usar o meio que a acção exprime, pois que, de outro modo, os Tribunais seriam enxameados de pleitos para se obterem decisões a que poderiam corresponder meros caprichos, ou propósitos de solução de questões puramente académicas, transformando os Tribunais em órgãos de consulta.
VI) – Para saber se, in casu, as AA. demonstram interesse em agir importaria, partindo do princípio de que são verdadeiras e aceites pela parte contrária as suas alegações, no mais que não se relaciona directamente com as concretas cláusulas divergentemente interpretadas, saber se, somente, através da acção de simples apreciação elas poderiam satisfazer a sua pretensão, ou seja, “se para evitar esse prejuízo, necessita exactamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais”.
Decisão Texto Integral: 1
Agravo.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, S.A. e; BB, S.A., intentaram pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa – 1ª Vara – acção de simples apreciação com processo ordinário, contra: CC, S.A.

Alegando a sua discordância relativamente aos valores cobrados pela Requerida, através dos Avisos de Lançamento que indicaram, por violarem o disposto no n.º4 das Cláusulas 1ª e 4ª do Contrato, requerendo ao Tribunal que “determinando qual o sentido da interpretação dos n.º 4 das Cláusulas 1ª e 4.ª do Contrato celebrado em 7 de Junho de 2002, declare:

a) - que a 1.ª Autora é devedora pelo capital de € 9.975.957,94;
b) -que a esse capital acrescem juros calculados à taxa anual de 3,572%, desde 8 de Fevereiro de 2002 até efectivo e integral pagamento (juros que em 16 de Novembro de 2005 ascendiam a € 1.344.333,85);
c) - que a 2.ª autora é responsável solidária pelos montantes devidos pela 1.ª autora;
d) - que para a remuneração do Contrato não foi prevista qualquer mora ou outros encargos para além dos fixados e das obrigações fiscais que incidem sobre os mesmos (como por exemplo, o imposto de selo) e;
e) -que não foi, nem está prevista a capitalização de juros”

A CC considera a 1ª Recorrente devedora de € 12.455.168,58 (doze milhões, quatrocentos e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos) enquanto que estas (e a 2ª Autora) cifram a sua dívida apenas nos € 11.320.291,79 (onze milhões, trezentos e vinte mil, duzentos e noventa e um euros e setenta e nove cêntimos).

A Ré contestou enfatizando o incumprimento das AA., do contrato a que aludem, sustentando que inexiste da parte delas, demandantes, interesse em agir.


Foi proferido despacho de fls. 329 a 335 que absolveu a Ré da instância por falta de interesse em agir.
Inconformadas as AA. recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 11.2.2008 – fls. 451 a 478 – negou provimento ao recurso, confirmado o despacho recorrido.


De novo inconformadas as AA. recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

1. As Recorrentes intentaram uma acção de simples apreciação com vista a que o Tribunal definisse se os montantes exigidos pela Recorrida eram ou não devidos – e em que medida – e se o nº4 das Cláusulas 1ª e 4ª do Contrato celebrado com as Recorrentes em 7 de Junho de 2002 (doravante, o “Contrato”), no qual a Recorrida funda as suas exigências, efectivamente, lhe confere os direitos a que se arroga.
II. No fundo, as Recorrentes, perante as exigências da Recorrida – que são desconformes e ultrapassam as obrigações a que aquelas razoavelmente se julgam vinculadas e que previsivelmente resultam do Contrato – pretendem que o Tribunal, ao definir a interpretação das cláusulas referidas no parágrafo anterior e das obrigações das partes, assegure, por essa via, que as Recorrentes estarão em condições de cumprir o Contrato.
III. Sucede, porém, que tanto o Tribunal de 1ª instância como o Tribunal da Relação de Lisboa, decidiram que às ora Recorrentes faltaria interesse em agir para intentar uma acção de simples apreciação.
IV. A decisão de tal Tribunal assenta em dois pressupostos fundamentais: as Recorrentes não se encontram numa situação de incerteza grave e objectiva causadora de prejuízos relevantes e, por outro lado, a acção de simples apreciação não é o meio processual adequado para reagir atento o circunstancialismo do caso concreto.
V. Não podem, no entanto, as Recorrentes conformar-se com essas decisões.
VI. Antes mesmo de se analisar os fundamentos da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, cumpre, desde já, repudiar – veementemente – a ideia segundo a qual as Recorrentes não estariam interessadas em cumprir as suas obrigações e que a acção que deu causa ao presente recurso seria apenas um expediente quase preventivo para obstar a uma possível execução;
VII. Por outro lado, nota-se ainda que o interesse em agir é um pressuposto processual, e, por isso, deve ser aferido antes do Tribunal conhecer do mérito da causa e, consequentemente, antes do julgamento dos factos, pelo que a sua verificação – ou não -‘ deve basear-se tão-somente nos factos descritos pelo Autor e nos precisos termos em que este os configura, visto que ainda não houve oportunidade de produzir prova e assim destrinçar os factos provados dos não provados (cfr. ANTUNES VARELA, “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 195 e PAIS DE AMARAL, “Direito Processual Civil”, 6ª Edição, Almedina, 2006, pág.77);
VIII. Desta perspectiva, e em face da factualidade vertida no ponto I das alegações, para onde se remete, não se vislumbra como pôde o Tribunal da Relação de Lisboa ter considerado que não existia no caso em apreço incerteza grave e objectiva justificativa da intervenção judicial;
IX. De facto, na petição inicial corrigida, as Recorrentes vincaram as suas dúvidas e discordância sobre a interpretação do Contrato imposta pelo Recorrida, sobre as obrigações que, no entender da Recorrida, dele emergem e quanto aos valores cobrados pela Requerida, através dos Avisos de Lançamento já referidos, uma vez que – no seu entender – os mesmos violam o disposto no nº4 das Cláusulas 1ª e 4ª do Contrato;
X. Por isso, requereu-se ao Tribunal de 1ª instância que, a final, “determinando qual o sentido da interpretação dos nº4 das cláusulas 1ª e 4ª do Contrato celebrado em 7 de Junho de 2002, declare.
f) que a 1ª Autora é devedora pelo capital de € 9.975.957,94;
g) que a esse capital acrescem juros calculados à taxa anual de 3,572%, desde 8 de Fevereiro de 2002 até efectivo e integral pagamento (juros que em 16 de Novembro de 2005 ascendiam a €. 1.344.333,85);
h) que a 2ª autora é responsável solidária pelos montantes devidos pela 1ª autora,
i) que para a remuneração do Contrato não foi prevista qualquer mora ou outros encargos para além dos fixados e das obrigações fiscais que incidem sobre os mesmos (como por exemplo, o imposto de selo) e,
j) que não foi, nem está prevista a capitalização de juros”.

XI. Entende a boa Doutrina que existirá sempre interesse em agir quando da concessão da tutela judiciária pretendida resulte uma alteração da posição das partes perante o litígio;
XII. Seguindo estes ensinamentos, deveria o Tribunal ter reconhecido que apenas comparando a situação em que as Recorrentes se encontravam antes da propositura da acção, com aquela que existiria se a tutela desejada tivesse sido concedida, estaria o mesmo em condições de apurar se existe ou não interesse em agir das Recorrentes (cfr. neste sentido MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “As partes, o objecto e a prova na acção declarativa”, Lex, pág. 98);
XIII. Sucede que dessa comparação, inevitavelmente, resulta que, se o Tribunal de 1ª Instância houvesse dispendido a tutela desejada, ter-se-ia definitivamente:
(i) fixado que a 1ª Recorrente é principal devedora de € 9.975.957,94 (nove milhões, novecentos e setenta e cinco mil, novecentos e cinquenta e sete euros e noventa e quatro cêntimos), e, que, sendo a 2ª Recorrente responsável solidária por essa dívida, não poderia a Recorrida voltar a interpelá-la para proceder a pagamentos indevidos ou de montante distinto daquele exigido à 1ª Recorrente;
(ii) reconhecido que o montante dos juros ascendiam, em Novembro de 2005, apenas a € 1.344.333,85 (um milhão, trezentos e quarenta e quatro mil, trezentos e trinta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), e não ao montante indevidamente liquidado pela Requerida;
(iii) estabelecido que para remuneração do Contrato não fora prevista qualquer mora ou outros encargos, ao contrário do que pretende a Recorrida; e
(iv) decidido não ser lícita qualquer capitalização de juros, o que impede a Requerida de cobrar ilicitamente juros sobre juros;
XIV. Em especial, essa decisão judicial viria impossibilitar a Recorrida de continuar a exigir às Recorrentes o cumprimento de uma prestação diversa daquela a que as Recorrentes razoável e presumivelmente se haviam vinculado;
XV. Desta perspectiva, deveria o Tribunal ter reconhecido a existência de interesse em agir, uma vez que a acção intentada altera substancialmente a posição relativa das partes, esclarecendo a incerteza que paira sobre o Contrato, e tem consequências muitíssimo relevantes no âmbito da vida patrimonial de cada uma das mesmas.
XVI. Deve também reconhecer-se que existe sempre incerteza quando o devedor – in casu, as Recorrentes –, que pretende cumprir as suas obrigações emergentes de certo contrato, se vê confrontada com uma situação em que o credor – a Recorrida –, lhe exige prestações substancialmente diferentes e/ou superiores àquelas a que se julgara adstrito e que razoavelmente poderia esperar que para si emergissem do contrato;
XVII. No caso concreto, essa situação de incerteza materializa-se em: (i) a Recorrida entende ser credora de € 12.455.168,58 (doze milhões, quatrocentos e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos) enquanto que as Recorrentes apenas se reconhecem devedoras de f 11.320.291,79; (ii) a Recorrida exige o pagamento de taxas de juros diferenciadas, enquanto as Recorrentes entendem que sobre o capital em dívida apenas acrescem juros calculados à taxa anual única de 3,572%, desde 8 de Fevereiro de 2002 até efectivo e integral pagamento (juros que em 16 de Novembro de 2005 ascendiam a € 1.344.333,85); (iii) a Recorrida, ao interpelar simultaneamente a 1ª e 2ª Recorrente, quando só uma delas é devedora principal da dívida, demonstra que, no seu entendimento, ambas as Recorrentes são devedoras do montante total de € 12.455.168,58 (doze milhões, quatrocentos e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos), o que as Recorrentes efectivamente contestam; (iv) as Recorrentes consideram que não foi prevista qualquer juro de mora ou outros encargos para além dos fixados no Contrato e das obrigações fiscais que incidem sobre os mesmos (como por exemplo, o imposto de selo); e (v) por último, as Recorrentes entendem, ao invés do que é defendido pela Recorrida, que não foi, nem está prevista, a capitalização de juros;
XVIII. Ora, sendo o Contrato um acordo mediante o qual as respectivas partes definiram as responsabilidades de cada uma e estabeleceram os termos e condições a que o respectivo pagamento deveria obedecer, deve reconhecer-se que as Cláusulas 1ª e 4ª do Contrato constituem o núcleo essencial do mesmo;
XIX. Por isso, o que se encontra em crise nos presentes autos não é apenas uma mera interpretação do Contrato, mas sim o próprio Contrato, na medida em que a interpretação a dar àquelas cláusulas vai alterar profundamente o núcleo essencial de direitos e obrigações a que cada uma das partes se encontra adstrito;
XX. Na prática, a interpretação da Recorrida, ao modificar o conteúdo essencial do Contrato, transforma-o noutro que as Recorrentes previsivelmente não quereriam celebrar ou que, por não corresponder às obrigações que haviam assumido, previsivelmente não poderiam cumprir;
XXI. As Recorrentes, embora queiram efectivamente cumprir, não o querem fazer apenas porque a Recorrida assim o exige ou nos termos que esta lhes impõe. De resto, nem sequer é razoável que se exija às Recorrentes que cumpram uma prestação quando a mesma ultrapassa e difere das obrigações a que se tinham previsivelmente vinculado no momento da celebração do Contrato;
XXII. Se assim não fosse, estariam as Recorrentes reféns da vontade da Recorrida, a qual poderia exigir, de acordo com a interpretação que melhor lhe aprouvesse, uma prestação qualquer, diferente e/ou superior àquela que previsivelmente resultaria do Contrato;
XXIII. No caso concreto, esse entendimento corresponderia a aceitar que a Recorrida poderia alterar o núcleo essencial do Contrato e, transformá-lo num outro, com outras e mais gravosas obrigações;
XXIV. Nestes casos de profunda divergência entre credor e devedor sobre o núcleo essencial do contrato que os vincula, rectius quando existe uma verdadeira divergência quanto a saber que contrato os vincula e que obrigações efectivamente dele emergem, é forçoso que haja a possibilidade de chamar um terceiro – o Tribunal – para que arbitre essa divergência, defina os termos e condições aplicáveis e assegure que o Contrato poderá ser razoavelmente cumprido;
XXV. Acresce que a divergência entre as partes é, no caso sub judice, agravada pelo facto de a Recorrida ter praticado sucessivas ilegalidades, erros, lapsos e contradições, designadamente a liquidação de montantes indevidos, cobrança de juros inaplicáveis e erro sobre a pessoa do devedor, que criaram nas Recorrentes a dúvida legítima sobre quais os termos concretos do Contrato que haviam celebrado;
XXVI. Caso a interpretação da Recorrida não seja judicialmente sindicada, gerar-se-á uma situação de desequilibro das prestações que as Recorrentes contavam, nos termos contratualmente acordados, cumprir;
XXVII. Desequilíbrio esse que torna impossível às Recorrentes cumprir as novas obrigações que resultam da interpretação da Recorrida ou, pelo menos, que torna razoavelmente inexigível o cumprimento das mesmas, antes de aquela interpretação ser judicialmente escrutinada e, a final, fixados os termos do cumprimento;
XXVIII. De resto, este entendimento vai encontro com a Doutrina do Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual o devedor não poderá cumprir enquanto não souber quanto deve (Acórdão de 20.05.1986, disponível em www.dgsi.pt);
XXIX. Em rigor, qualquer devedor de boa fé que se encontrasse na situação das Recorrentes – em que lhe exigem algo de diferente ou superior àquilo ao que previsivelmente resultaria do contrato que celebrara – não teria outra opção senão recorrer aos Tribunais, entidades terceiras e equidistantes, pois só estes poderão impor e regular definitivamente a situação jurídica das partes e assegurar que as Recorrentes poderão efectivamente cumprir;
XXX. Deve, pois, concluir-se que não apenas existe interesse em agir na interposição da acção, como também uma verdadeira obrigação de jurisdição por parte do Tribunal;
XXXI. Com efeito, é obrigação dos Tribunais acautelar o pontual e integral cumprimento dos contratos;
XXXII. Se a decisão sobre a correcta interpretação das cláusulas 1ª e 4ª pacifica as partes, regula as relações entre ambas, define os termos em que o cumprimento por parte das Recorrentes deve ser feito, e, nessa medida, assegura o cumprimento da relação contratual, então não se vislumbra porque razão deverão aquelas ser impedidas de intentar a acção que deu causa a este recurso;
XXXIII. Por outro lado, a interpretação da Recorrida, ou melhor as diversas interpretações que a mesma já adoptou do Contrato, uma vez que estas variaram no tempo – o que, aliás, fica bem patente pela forma errática e inconstante como a Recorrida contabilizou a dívida, os juros e imputou as respectivas responsabilidades às Recorrentes – torna o Contrato demasiado falível;
XXXIV. As Recorrentes já não têm a certeza quais as obrigações que lhes poderão ser exigidas, nem quais as obrigações a que se encontram efectivamente vinculadas, razão pela qual não poderão cumprir as mesmas nos termos do Contrato;
XXXV. Em rigor, as interpretações da Recorrida não são consentâneas com aquelas que razoável e presumivelmente as Recorrentes faziam ab initio do Contrato;
XXVI. Diga-se, ainda, em abono da verdade, que este não é um problema de determinação do quantum devido, pois a interpretação da Recorrida fez as Recorrentes duvidar do conteúdo essencial do Contrato e dos vínculos que dele promanam. Não só o montante em dívida, mas também as condições de pagamento (ex: juros) e as garantias do mesmo (será a 2ª Recorrente devedora principal da dívida ou é apenas devedora solidária desta), foram colocadas em crise pela interpretação da Recorrida;
XXXVII. Esta situação de falibilidade do Contrato sempre provocaria o sério risco de as Recorrentes cumprirem as prestações exigidas pela Recorrida, descobrindo-se a posteriori que, a final, não era aquela a prestação devida ou que não era aquela a prestação que a Recorrida efectivamente deveria ou pretendia receber;
XXXVIII. Ou pior, se as Recorrentes decidissem, sem mais, não cumprir – nomeadamente por não saber o que cumprir – ficariam ainda sujeitas às consequências que resultam da responsabilidade contratual;
XXXIX. Cabe, pois, ao Tribunal assegurar o cumprimento razoável do Contrato, garantindo os direitos do credor, e obviando o risco de incumprimento por parte das Recorrentes;
XL. Assim, deve reconhecer-se que as Recorrentes não pretendem uma consulta jurídica. O Tribunal é chamado para garantir o cumprimento do Contrato e, simultaneamente, que esse cumprimento não ofende o devedor nem lhe exige mais ou algo de diferente do que aquilo a que se havia vinculado;
XLI. A este propósito, cumpre recordar que, nos termos do artigo 2° do Código de Processo Civil, a todo o direito deve corresponder a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo. É, hoje, comum o entendimento de que existe, em certas circunstâncias, um verdadeiro direito do devedor a cumprir (ver por todos, FERNANDO AUGUSTO CUNHA DE SÁ, “Direito ao cumprimento e direito a cumprir”, Almedina, 1997, pág. 68 e segs.);
XLII. No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.07.2003 decidiu que “o credor tem direito ao cumprimento e o devedor tem o dever e o direito a cumprir” (disponível em www.dgsi.pt).
XLIII. É precisamente esse direito de cumprir, pelo menos, na medida em que assiste ao devedor o direito de cumprir nos termos acordados e somente nesses termos, que as Recorrentes pretendem exercer;
XLIV. Se as Recorrentes tiverem que pagar € 12.455.168,58 (doze milhões, quatrocentos e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos), ou se estiverem obrigadas a pagar juros sobre juros, assim o farão – nos termos convencionalmente determinados – caso o Tribunal o decida. Mas o que as Recorrentes precisam de conhecer, e de saber que a Recorrida também que conhece e respeitará, é o conteúdo e as obrigações a que se encontra vinculada;
XLV. Só assim poderão as Recorrentes prevenir e a reagir contra os abusos da Recorrida que pretende impor uma interpretação do Contrato que, na prática e substancialmente, o modifica e transforma num outro que as Recorrentes não previram, nem visaram no momento da celebração;
XLVI. Existindo um direito ao cumprimento por parte do devedor, deve reconhecer-se que assiste às Recorrentes o direito de pedir em juízo que o Tribunal interprete o Contrato, defina as respectivas obrigações, e, assim, garanta e assegure as condições para o respectivo cumprimento;
XLVII. Mesmo que assim não se entenda, sempre deverá atender-se ao disposto no artigo 762°, nº2 do Código Civil que estabelece que “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício correspondente, devem as partes proceder de boa fé”;
XL VIII. O primeiro aspecto que ressalta é que a boa fé referida naquele normativo vincula não apenas o devedor como também o credor (a Recorrida), e respeita ao exercício do próprio direito de crédito;
XLIX. Sucede que, conforme se demonstrou, a Recorrida não tem pautado a sua conduta pela boa fé a que se encontra adstrita. De resto, a Recorrida, para além de exigir montantes que não são devidos, já alterou por diversas vezes a forma de calcular os juros e o entendimento sobre quem era responsável pelo pagamento das dívidas que emergiam do Contrato;
L. Em bom rigor, essas comportamentos contraditórios, violadores da confiança que as Recorrentes inicialmente depositavam na Recorrida e, em particular, da confiança que as mesmas depositavam no Contrato, revela um comportamento objectivamente reprovável e desconforme à lisura de comportamento que se deveria esperar de um Banco (certamente configuradores de venire contra factum proprio);
LI. Se a lei obriga o credor a exercer o seu direito de crédito de acordo com a boa fé – de onde decorre a proibição de abuso da sua posição creditícia – então é natural que o devedor, quando confrontando com essa abuso, possa contra ele reagir judicialmente, sob pena da previsão do artigo 762. °, nº2, do Código Civil não passar de letra morta!
LII. Por outro lado, cumpre ainda atentar nas Doutas palavras da Sentença do Tribunal de 1ª Instância: “a exigência de tutela ou actividade jurisdicional é determinada por um fenómeno que pode ser em certo sentido assimilado à violação enquanto desta constitui uma premissa: a contestação, no duplo sentido de um outro direito que o titular considera existente ou de uma jactância (vanto) acerca de um direito próprio no confronto com um sujeito que o reputa inexistente. Pense-se no sujeito que (...) se gaba de ser credor,” sem que efectivamente o seja;
LIII. No caso em apreço, basta ter em atenção que a interpretação defendida pela Recorrida provoca um agravamento das obrigações que as Recorrentes poderiam previsível e razoavelmente esperar que emergissem do Contrato, para se perceber que, na prática, tal interpretação transforma a Recorrida em credora de outras ou de mais gravosas prestações do que aquelas que as Recorrentes presumivelmente assumiram ab initio;
LIV. A prova cabal do exposto retira-se da obrigação de juros que, se o Tribunal não intervier, continuará a ser exigida, assumindo-se, por essa via, a Recorrida como credora das Recorrentes em tais montantes;
LV. Em suma, a interpretação da Recorrida aumenta o feixe de obrigações a que as Recorrentes se encontram obrigadas e simultaneamente toma-a credora dessas novas obrigações criadas por via interpretativa;
LVI. Nestes casos, deve ser admitido que o putativo devedor, que não concorda com esse incremento das suas obrigações, possa intentar uma acção na qual se reconheça que, a final, não é devedor dessas novas obrigações;
LVII. Salienta-se que esta dupla contestação se encontra devidamente documentada nos autos, pelas diversas interpelações admonitórias enviadas pela Recorrida (cfr. Docs. 5, 6, 8, 9, 11 e 12), em que esta se arroga credora de, pelo menos, € 12.455.168,58 (doze milhões, quatrocentos e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos), e pelas respectivas respostas enviadas pelas Recorrentes, nas quais estas contestam aquele direito de crédito invocado pela Recorrida;
LVIII. Bastando-se o pressuposto do interesse em agir com a afirmação da contestação ou jactância (cfr. pág. 3 da Sentença), e verificando-se, em concreto, uma gravíssima e objectiva situação de contestação/divergência, deve este Supremo Tribunal repor a legalidade e reconhecer o interesse em agir das Recorrentes;
LIX. As Recorrentes refutam também que da afirmação do Tribunal de 1ª Instância segundo a qual “no caso concreto as autoras estão em condições, elas mesmo o afirmam, de se oporem à execução que porventura contra elas seja instaurada a reclamar montantes que divirjam (...) dos termos do contrato” (cfr. pág. 6 da Sentença) se possa retirar algum argumento válido para efeitos de verificação do interesse em agir.
LX. De facto, tal afirmação das Recorridas deve ser interpretada correctamente, sob pena de se deturpar a intenção das Recorrentes ao instaurar a presente acção.
LXI. Assim, o excerto supra transcrito deve ser interpretado no sentido de que as Recorrentes, apesar da situação de incerteza decorrente do litígio existente, estão convictas da bondade dos seus argumentos, razão pela qual a instauração de uma qualquer execução por parte da Recorrida sempre seria pelas mesmas contestada.
LXII. Contudo, já será absolutamente ilegítimo procurar concluir que as Recorrentes, na sua petição inicial corrigida, implicitamente aceitam que os seus direitos venham a ser objectivamente definidos apenas quando a Recorrida assim o entender, em especial, numa situação de manifesta contestação em que a Recorrida se “gaba” de ser titular de direitos e credora de montantes que as Recorridas crêem não ser devidos.
LXIII. O meio processual adequado e idóneo para a tutela dos interesses das Recorrentes é a acção de simples apreciação, porquanto lhes basta que um Tribunal declare a correcta interpretação do nº4 das Cláusulas 1ª e 4ª do Contrato, para que (i) se defina de uma vez por todas o conjunto de vinculações a que se encontram adstritas, (ii) se coloque a execução e o cumprimento do Contrato novamente dentro do programa contratual que razoável e presumivelmente dele decorre, e (iii) possam as Recorrentes, com confiança e sem margem para dúvidas, cumprir as suas obrigações.
LXIV. Do exposto, resulta também prejudicada a eventual existência de um qualquer meio judicial, mais enérgico ou eficiente, aplicável ao caso concreto, pois, atendendo aos contornos do mesmo e à pretensão das Recorrentes, nenhum sentido faria em lançar mão de uma acção constitutiva – visto que, in casu, não se pretende que a autoridade judicial coadjuve à produção de um efeito jurídico novo, que altere a esfera jurídica da Recorrida, independentemente da vontade desta –, nem de uma acção de condenação – uma vez que igualmente não se pretende que o Tribunal obrigue a Requerida a realizar determinada prestação, com vista à reintegração de um direito das Recorrentes alegadamente violado (cfr. a este respeito, Pais do Amaral, “Direito Processual Civil”, 6ª Edição, Almedina, pág. 26 e 27).
LXV. Com efeito, para a satisfação da pretensão das Recorrentes e, de resto, para assegurar o cumprimento do Contrato, é suficiente que o Tribunal defina os direitos e obrigações das partes, visto que isso bastará às Recorrentes para, caso obtenham vencimento de causa, se oporem aos abusos da Recorrida e demonstrarem-lhe que do Contrato que celebraram não emergem as prestações que a Recorrida teima em exigir.
LXVI. Do mesmo modo, não é defensável que a alegada falta de interesse em agir das Recorrentes, pudesse resultar de estas poderem ou deverem aguardar por uma eventual execução, para que, então, e só então, se viessem defender e a esclarecer o âmbito, termos e limites do crédito da Recorrida.
LXVII. Não podem as Recorrentes ficar reféns de uma hipotética e eventual execução a instaurar pela Recorrida, para que, apenas então, possam fazer valer os seus direitos, pois o pagamento integral da dívida já lhes foi exigido (continuando, aliás, a acrescer juros até integral e efectivo pagamento).
LXVIII. Conforme referiu – e bem – a Douta Sentença do Tribunal de 1ª instância, “ (...) as acções de simples apreciação têm por função dar certeza. Mas não perante uma situação de incerteza qualquer. Exige-se que a incerteza não seja meramente subjectiva, ansiosa, antes deve ser concreta, actual, objectiva, radicando na contestação de outrem, ou na aparência do direito” (página 4 da Sentença).
LXIX. A verdade é que o referido Tribunal, quando confrontado com o caso concreto, não hesitou em considerar que a “natureza da incerteza invocada é inquestionavelmente objectiva”, pois as “autoras afirmam peremptoriamente não terem quaisquer dúvidas que à luz do clausulado o cálculo da ré está errado e sabem muito bem o que devem.” (pág. 5 da Sentença), muito embora este entendimento não tenha sido – inexplicavelmente, diga-se – sufragado pelo Douto Acórdão de que se recorre.
LXX. Não pode deixar de se concordar com o entendimento do Tribunal de 1ª instância, que encontra cabal acolhimento na Lição de ANTUNES VARELA (“Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2ª Edição, 1985, pág. 186): “será objectiva a incerteza que brota de factos exteriores, de circunstâncias externas, e não apenas da mente (…) do autor” (no mesmo sentido cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1995, Colectânea de Jurisprudência, Ano III, 1995, Tomo II, pág. 61).

LXXI. De resto, basta atentar nos factos plasmados na petição inicial corrigida, bem como no pedido que a mesma encerra, para se perceber que a dúvida ou incerteza das Recorrentes emerge de interpretações, factos, enganos, erros imputáveis à Recorrida, que se arroga titular de certos direitos e créditos, à luz de uma particular interpretação do Contrato (cfr. Avisos de Lançamento juntos à petição inicial como Docs. 5, 6 8, 9, 11 e 12), que as Recorrentes não reconhecem e contestam, pretendendo, por isso, uma tutela jurisdicional que esclareça e defina os seus direitos.
LXXII. Em primeiro lugar, cumpre recordar que, conforme se refere na Sentença proferida em 1ª instância, é “de admitir (.) que um indivíduo instaure uma acção em juízo para que o magistrado aprecie se ele tem ou não o dever jurídico de fazer certa prestação.” (cfr. pág. 7 da Sentença).
LXXIII. É precisamente esse o pedido que trespassa a petição inicial das Recorrentes e é precisamente isso – a existência ou não de um dever de prestar por parte daquelas – que se discute nos presentes autos.
LXXIV. Com efeito, e como claramente resulta do pedido expresso na petição inicial corrigida, pretendem as Recorrentes que, perante um cenário em que se vêem interpeladas para prestar e cumprir obrigações diferentes e mais gravosas do que aquelas a que se julgam vinculadas, pelo menos, no montante de € 1.000.000,00, venha um Tribunal restabelecer a legalidade e, com a força própria das suas decisões, interpretar o Contrato, e definir as obrigações que do mesmo emergem para as Recorrentes.
LXXV. Por essa via, estabelecer-se-á, em definitivo: (i) o montante de capital em dívida e da taxa de juro que a ele acresce; (ii) que até 16 de Novembro de 2005 esses juros ascendiam a € 1.344.333,85 (um milhão, trezentos e quarenta e quatro mil, trezentos e trinta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), e não ao montante indevidamente cobrado pela Recorrida; (iii) que a 2ª Recorrente, mera devedora solidária, não deve ser interpelada pela Recorrida para pagar montantes indevidos ou distintos dos devidos pela 1ª Recorrente; (iv) que as Recorrentes não se encontram em mora, pois a mesma fora contratualmente excluída; e (v) que a Recorrida não tem direito a capitalizar juros sobre juros.
LXXVI. Ora, a esta luz, não resta senão reconhecer que, no essencial, as Recorrentes pretendem que seja judicialmente definido o sentido das cláusulas essenciais do Contrato em questão, determinando assim a prestação que lhes compete realizar no âmbito da relação contratual com a Recorrida, o que permitirá comprovar que esta, para além de outras tropelias, lhes está a cobrar indevidamente mais de € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
LXXVII. De resto, não existe situação mais gravosa do que aquela em que as Recorrentes se encontram, porquanto vêem a Recorrida abusar da sua posição de credor para, com base numa interpretação sua do Contrato, lhes exigir prestação diferente e mais onerosa do que aquela que previsivelmente estariam à espera.
LXXVIII. Acresce que a indefinição gerada pela interpretação da Recorrida provoca ainda graves prejuízos às Recorrentes que, na prática, e conforme já se referiu, ficam sem saber se deverão ou não cumprir e em que termos.
LXXIX. Em boa verdade, essa indefinição certamente traria consigo as consequências normais da responsabilidade obrigacional e do incumprimento contratual, não tivessem as Recorrentes cuidado saber efectivamente quanto deviam.
LXXX. Não obstante, atente-se ainda na Doutrina definida pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos da qual, a gravidade da dúvida deve “medir-se pelo prejuízo material ou moral que a situação de incerteza possa criar ao autor” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1995, Colectânea de Jurisprudência, Ano III, 1995, Tomo II, pág. 61 e ANTUNES VARELA “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 187).
LXXXI. Ora, basta recordar a factualidade exposta nos pontos 15 a 36 supra, para que se compreenda e alcance a extrema gravidade da situação em que se encontram as Recorrentes, da qual emergem avultados prejuízos financeiros.
LXXXII. Com efeito, recorde-se que a Recorrida considera a 1ª Recorrente devedora de € 12.455.168.58 (doze milhões, quatrocentos e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos) enquanto que estas (e a 2ª Recorrente) cifram a sua dívida apenas nos € 11.320.291,79 (onze milhões, trezentos e vinte mil, duzentos e noventa e um euros e setenta e nove cêntimos).
LXXXIII. Ora, tendo em conta que esta dúvida ou incerteza sobre o montante efectivamente devido, se cifra no montante de € 1.134.876,79 (um milhão, cento e trinta e quatro mil, oitocentos e setenta e seis euros e setenta e nove cêntimos) e que, se a mesma não for judicialmente resolvida e esclarecida, a Requerida continuará a exigir o seu pagamento e a cobrar os respectivos juros, cumpre reconhecer a enorme gravidade que tão elevado prejuízo representa para o património das Recorrentes.
LXXXIV. Recorde-se, também, que aquela dúvida assombra e prejudica ilegalmente a 2ª Recorrente, pois esta já foi formalmente interpelada para o pagamento do montante em dívida, razão pela qual tem todo o interesse em que o Tribunal se pronuncie definitivamente sobre a interpretação do nº4 das Cláusulas 1ª e 4ª do Contrato, ajuizando, consequentemente, da legalidade da liquidação efectuada pela Recorrida.
LXXXV. Por outro lado, as Recorrentes sofrem também outros prejuízos muito substanciais.
Na verdade, o facto de a Recorrida (que, lembre-se é um banco) interpelar a 2ª Recorrente para proceder a um pagamento que não lhe deve ser exigido cria uma situação desprestigiante e pouco confortável para aquela empresa que verá o seu nome ser incluído (injustamente) em listas de devedores, o que não só mancha irremediavelmente o bom nome e reputação da Recorrida, como também pode dificultar – e muito – a relação com fornecedores, com outras entidades bancárias e pode criar alarme entre os credores sociais e os trabalhadores;
LXXXVI. Acresce que a situação de incerteza descrita produz ainda outros efeitos importantes na vida financeira e contabilística de ambas as Recorrentes, pois, em atenção às mais elementares regras de prudência contabilística e financeira, estas deverão fazer constar das suas contas e aprovisionar montantes para pagamento de dívidas, sem que estas sejam efectivamente devidas;
LXXXVII. Sublinhe-se ainda que as Recorrentes sofrem igualmente elevados prejuízos quando lhes são cobrados, em violação do contratualmente estabelecido, juros de mora ou capitalizados juros sobre juros;
LXXXVIII. O propósito dos presentes autos são claros: concretização e objectivação das obrigações do Contrato celebrado, necessidade essa tão mais premente quanto é certo que a Recorrida irá procurar exigir judicialmente o cumprimento do que entende ser devido. Designadamente, através de acção executiva, momento esse em que – face aos valores em causa – poderão as Recorrentes confrontar-se com a penhora do seu património sem qualquer audiência prévia;
LXXIX. Por último, atente-se nas reflexões de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA que, em estudo ex-professo, concluiu que “nas acções de simples apreciação negativa, esse interesse [processual] resulta de o réu imputar um dever ao autor que é negado por esta parte. Por isso, por exemplo, o autor tem interesse para instaurar uma acção de simples apreciação na qual pede que seja declarado que o réu não é titular do direito de crédito que afirma possuir contra o autor
(...)
Nesse caso, é reconhecido ao autor interesse processual para propor uma acção na qual é pedida a declaração de inexistência do direito invocado pelo réu.” (“As partes, o objecto e a prova na acção declarativa”. Lex, pág. 115).
XC. A ratio das certeiras palavras daquele Professor, aplica-se inteiramente ao caso sub judice, pois, na verdade, a pretensão das Recorrentes dirige-se à declaração judicial de que a Recorrida não é titular dos direitos de crédito que se arroga;
XCI. Atento todo o exposto, não resta senão concluir que a estreiteza com que o Tribunal da Relação de Lisboa avaliou e interpretou os requisitos específicos do interesse em agir na presente acção de simples apreciação, estreiteza essa que substancialmente conduz a uma restrição inadmissível do exercício do direito de jurisdição constitucionalmente garantido no nº1 do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa;
XCII. Deste modo, tendo em consideração os abusos da Recorrida (cfr. pontos 16, 17, 19, 20, 24, 25, 27 a 32 e 33 a 35 supra), que se traduzem, entre outros factos igualmente relevantes, na exigência de um montante indevido de mais de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), não podem as Recorrentes ficar reféns e impedidas de reagir judicialmente contra o comportamento ilegal daquela.
XCIII. Sempre que são postergados instrumentos de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e, nomeadamente, o direito de acção, que se materializa através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso aos Tribunais (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº23 8/97).
XCIV. Não obstante, não é obviamente inconstitucional que o Legislador estabeleça requisitos ou pressupostos processuais.
XCV. Sucede, porém, que o “princípio pro actione impede que simples obstáculos formais sejam transformados em pretextos para recusar uma resposta efectiva à pretensão formulada. A ideia de favor actionis aponta, outrossim, para a atenuação da natureza rígida e absoluta das regras processuais” (Jorge Miranda, Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, tomo 1, Coimbra Editora, 2005, pág.191).
XCVI. Assim, a garantia de acesso ao direito e aos Tribunais não admite a consagração, no plano legal, nem no seio da jurisprudência, de exigências processuais excessivas ou que redundem em consecutivas decisões judiciais que se fundem em meros aspectos formais e olvidem o conhecimento do mérito da causa.
XCVII. O princípio do favor actionis desdobra-se, pois, no princípio do direito a uma decisão de mérito.
XCVIII. No caso concreto, as Recorrentes, a quem são exigidas prestações que ultrapassam as obrigações que previsivelmente emergiriam do Contrato, e, por isso, são “remetidas” ou “forçadas” ao incumprimento, vêem-se, na prática, impossibilitadas de obter uma decisão de mérito que conheça o fundo da causa apenas porque o Tribunal da Relação se “apega” a uma visão restritiva do conceito de interesse em agir.
XCIX. Assim, e em suma, caso a decisão do Tribunal Relação não seja revogada – o que, atento o exposto, se afigura inconcebível e apenas se admite por mero dever de patrocínio –, isso seria o mesmo que sujeitar as Recorrentes à vontade da Recorrida, sem qualquer hipótese de recurso ou tutela pelo Direito, o que, como se referiu, claramente viola o disposto no nº1 do artigo 20°, da Constituição da República Portuguesa, e que desde já se alega para todos os devidos efeitos legais.

Nestes termos, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que reconheça o interesse em agir das Recorrentes.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado.


Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que, factualmente, releva o contrato celebrado pela Autora e pelas RR. através do qual as partes – as AA., enquanto mutuárias, e a Ré enquanto mutuante – mormente, a questão de saber qual a interpretação a dar às Cláusulas 1ª, nº4, e 4ª do Contrato de fls. 129 a 133 de 7.6.2002 – que visava definir, na sequência de Acordo anterior de 8.2.2002, as condições em que os empréstimos hipotecários concedidos às requerentes seriam amortizados.

As Cláusulas em questão têm a seguinte redacção:

Cláusula 1ª.

1. Em 21 de Dezembro de 1993 a CC e a AA celebraram entre si um contrato de mútuo com hipoteca, nos termos do qual a CC concedeu à AA um empréstimo no montante de 1.000.000,000$00 (mil milhões de Escudos).
2. Na data de celebração do presente contrato, o saldo devedor do empréstimo referido no n°l é, em capital, de € 4.987.978,97 (quatro milhões e novecentos e oitenta e sete mil e novecentos e setenta e oito euros e noventa e sete cêntimos).
3. Em execução do mencionado Acordo de 8 de Fevereiro de 2002, as partes reiteram aqui que o capital em dívida referido no n°2 anterior deverá ser reembolsado num prazo de três anos, contados daquela data, pelo que deverá ser integralmente pago até 8 de Fevereiro de 2005 (“Data do Vencimento”).
4. O referido capital em dívida vence juros desde 8 de Fevereiro de 2002 à taxa anual correspondente à EURIBOR a doze meses, em vigor naquela data, donde resulta a taxa nominal de 3,572 % ao ano.
5. Os juros serão liquidados e pagos quando ocorrer qualquer reembolso, parcial ou total, antecipado, voluntário ou obrigatório, do capital em divida à CC e / ou na Data do Vencimento”.


Cláusula 4ª.
1. Em 31 de Dezembro de 1990, a CC e a Grão-Pará celebraram entre si um contrato de empréstimo, nos termos do qual a CC concedeu à Grão-Pará um financiamento no montante de 2.000.000.000$00 (dois mil milhões de escudos).
2. Na data de celebração do presente contrato, o saldo devedor do empréstimo referido no n°l é, em capital, de € 4.987.978,97 (quatro milhões e novecentos e oitenta e sete mil e novecentos e setenta e oito euros e noventa e sete).
3. Em execução do mencionado Acordo de 8 de Fevereiro de 2002, as partes reiteram aqui que o capital em dívida referido no n°2 anterior deverá ser reembolsado num prazo de três anos, contados daquela data, pelo que deverá ser integralmente pago até 8 de Fevereiro de 2005 (“Data do Vencimento”).
4. Aplica-se ao contrato retendo na presente cláusula o disposto nos nºs 4 e 5 da cláusula lª.
5. Na presente data, a CC renuncia definitiva, incondicional e irrevogavelmente a todas e qualquer uma das garantias anteriormente prestadas, referentes às fracções autónomas relacionadas no documento complementar ao contrato de 31 de Dezembro de 1990, entregando à Grão-Pará documentos bastantes para o respectivo cancelamento”.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se as AA., atenta a causa de pedir e os pedidos, revelam interesse em agir, no contexto da acção de simples apreciação que intentaram, impetrando ao Tribunal que interprete e fixe o sentido com que devem valer as Cláusulas que antes transcrevemos;

- se a interpretação acolhida no Acórdão recorrido viola o princípio constitucional do acesso ao direito – art. 20º da CR.

Vejamos:

Previamente, importa afirmar que as extensas conclusões das alegações estão longe de ser as proposições sintéticas, através do qual o recorrente dá a conhecer ao Tribunal de recurso e à parte contrária, as razões da discordância com a decisão recorrida, de modo a que, cirurgicamente, o Tribunal “ad quem” aprecie a sua discordância e o recorrido possa tomar posição perante os argumentos do seu antagonista.

As Autoras lançaram mão da acção de simples apreciação, pedindo ao Tribunal que fixe a correcta interpretação das Cláusulas a que aludimos, argumentando que a interpretação que delas faz a Ré lhes causa sério prejuízo.

Usando as suas palavras – Conclusão LXXVI – “As Recorrentes pretendem que seja judicialmente definido o sentido das cláusulas essenciais do Contrato em questão, determinando assim a prestação que lhes compete realizar no âmbito da relação contratual com a Recorrida, o que permitirá comprovar que esta, para além de outras tropelias, lhes está a cobrar indevidamente mais de € 1.000.000,00 (um milhão de euros)”.

O Código de Processo Civil vigente não contempla o interesse em agir como excepção dilatória nominada, pelo que apenas, doutrinalmente, o conceito tem sido objecto de tratamento.

“O interesse processual (ou interesse em agir) pode ser definido como o interesse da parte activa em obter a tutela judicial de uma situação subjectiva através de um determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela”. Miguel Teixeira de Sousa, in “As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa” – pág.97.

O interesse em agir, sendo diferente da legitimidade tem, todavia, em comum com este conceito o dever ser aferido objectivamente pela posição alegada pelo Autor que tem de demonstrar a necessidade do recurso a juízo como forma de defender um seu direito.

“O autor tem interesse processual se, dos factos apresentados, resulta que necessita da tutela judicial...” – autor e obra citada, pág.99.

Além da necessidade de tutela judicial, ou seja do recurso à arma que o processo é, importa que a acção instaurada seja o meio processual ajustado para almejar a tutela do direito violado.

O interesse de agir não é mais que uma inter-relação de necessidade e de adequação.
De necessidade porque, para a solução do conflito deve ser indispensável a actuação jurisdicional, e adequação porque o caminho escolhido deve ser apto a corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configurou.

O interesse em agir apresenta-se como um interesse instrumental em relação ao interesse substancial primário, pressupondo “a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração ou tanto quanto possível integral satisfação” – Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. II, 1982, p. 253). – cfr. Ac. deste STJ, de 8.3.2001, in CJSTJ, I, 2001, pág.151.

“O interesse em agir constitui um pressuposto processual, que não se confunde com a legitimidade processual.
Nas acções de simples apreciação, onde este pressuposto assume particular relevo, o interesse em agir não se pode ter como verificado com a constatação de qualquer situação subjectiva de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou do facto, exigindo-se que seja objectiva e grave a incerteza relativamente à qual o autor pretende reagir e que, a proceder, a acção se revista de utilidade prática...” – cfr. o citado Acórdão.

Manuel de Andrade, cujo ensino mantém total acuidade, sustenta, in “Noções Elementares”, págs. 78/82 – que o interesse em agir, [na Alemanha designado por “necessidade de tutela jurídica”]:

“…Consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial”.
Não se trata de uma necessidade estrita nem tão-pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo intermédio de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece.
Nas acções de simples apreciação é onde este requisito mais avulta como quid inconfundível com o direito (lato sensu) do demandante.
Tem lugar quando se verifica um estado de incerteza sobre a existência ou inexistência do direito a apreciar”, incerteza que “pode não se referir ao direito em si, mas à pessoa do seu titular”.
A incerteza deve ser objectiva e grave.
Não basta a dúvida subjectiva ou o seu interesse puramente académico em ver definido o caso pelos tribunais.
Importa que a incerteza resulte de um facto exterior; que seja capaz de trazer um sério prejuízo ao demandante, impedindo-o de tirar do seu direito a plenitude das vantagens que ele comportaria…”.

Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, págs. 181 e 186/187, defende que se exige:

Uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção — mas não mais que isso” […] “só quando a situação de incerteza contra a qual o autor pretende reagir através da acção de simples apreciação, reunir os dois requisitos postos em destaque — a objectividade, de um lado; a gravidade, do outro — se pode afirmar que há interesse processual” […] Será objectiva a incerteza que brota de factos exteriores, de circunstâncias externas, e não apenas da mente ou dos serviços internos do autor [...].
A gravidade da dúvida medir-se-á pelo prejuízo (material ou moral) que a situação de incerteza possa criar ao autor”.

Importa, então, relacionar o interesse em agir com o meio processual utilizado pelo Autor, para saber da viabilidade da sua pretensão.

Além da necessidade de tutela judicial, ou seja, do recurso à arma que o processo é, importa que a acção instaurada seja o meio processual ajustado para almejar a tutela do direito violado.

O art. 4º do Código de Processo Civil define as acções judiciais como declarativas ou executivas.

Aquelas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas.

Nos termos da al. a) as de simples apreciação, têm por fim obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto.

Podem ser apreciação positiva ou negativa.

Como ensina Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 1999, pág.51:

As acções desta espécie destinam-se, pois, a acabar com a incerteza, obtendo uma decisão que declare se existe ou não certa vontade da lei, ou se determinado facto ocorreu ou não ocorreu; com isso se satisfaz; as respectivas decisões não são exequíveis.
A incerteza a que nos referimos deve ter carácter objectivo; não interessa a simples dúvida existente no espírito do autor, desde que se não projecte no exercício normal dos seus direitos”.

As acções de apreciação positiva ou negativa não visam exigir do Réu uma prestação, mas antes dissipar um estado de incerteza, sério, juridicamente relevante, acerca de um direito ou de um facto.

Mas porque se exige um real interesse do autor e porque os Tribunais devem julgar questões concretas de relevante interesse, exige-se como requisito, sobretudo, nas acções de apreciação, que o demandante demonstre a necessidade de usar o meio que a acção exprime, pois que, de outro modo, os Tribunais seriam enxameados de acções, para se obterem decisões a que poderiam corresponder meros caprichos. (1), ou propósitos de solução de questões puramente académicas, transformando os Tribunais em órgãos de consulta.

Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Almedina, vol. I, 1981, em nota 1 da página 13 afirma - “Não existe acção para as meras questões de direito, os chamados moot-cases”.

Como vimos antes na citação de Manuel de Andrade, o estado de incerteza que justifica o recurso às acções de simples apreciação tem de ser objectivo e grave.

A questão que as AA. colocam poderiam ser colocadas em milhares de acções em que se discute a interpretação dos contratos em situações em que as partes divergem, pelo que o interesse em agir, que se relaciona de modo muito chegado com este tipo de acções de simples apreciação, não se pode aferir como o fazem as AA. por aquilo que consideram os graves prejuízos que na sua perspectiva, resultam da interpretação das questionadas cláusulas feita pela Ré.

Essa gravidade deve ter em conta o prejuízo moral ou material que uma situação de incerteza possa causar ao Autor, mas esse prejuízo existirá sempre a partir do momento em que há um litígio e as partes se sujeitam às contingências do julgamento judicial.

O interesse em agir advém, afinal, da necessidade do pedido de intervenção da actividade jurisdicional do Estado, para que tutele um interesse que de outra forma não seria protegido.

Para ajuizar do interesse de agir, ao verificar as alegações do requerente, devem ser formuladas duas premissas, partindo-se do princípio (hipotético e preliminar) de que as afirmações dos demandantes são verdadeiras: - somente através da providência solicitada poderá ser satisfeita a
sua pretensão (necessidade da providência)? - Essa providência é adequada a proporcionar tal satisfação (adequação da providência)?

O tratadista brasileiro Humberto Theodoro Júnior, in “Curso de Processo Civil”, vol. I, Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 59 escreve:

“O interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a protecção ao interesse substancial.
Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exactamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais.
Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objectivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade, como adverte Allorio.
Essa necessidade se encontra naquela situação que nos leva a procurar uma solução judicial, sob pena de, se não o fizermos, vermo-nos na contingência de não podermos ter satisfeita uma pretensão (o direito de que nos afirmamos titulares).
Vale dizer: o processo jamais será utilizável como simples instrumento de indagação ou consulta académica. Só o dano ou o perigo de dano jurídico, representado pela efectiva existência de uma lide, é que autoriza o exercício do direito de acção”. (destaque e sublinhados nossos)

Em suma, para saber se, in casu, as AA. demonstram interesse em agir importaria, partindo do princípio de que são verdadeiras e aceites pela parte contrária as suas alegações, no mais que não se relaciona directamente com as concretas cláusulas, saber se, somente, através da acção de simples apreciação elas poderiam satisfazer a sua pretensão, ou seja, “se para evitar esse prejuízo, necessita exactamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais”.

A nossa resposta é negativa.

Não se verifica o interesse em agir quando as AA. têm outros meios de fazer vingar a sua tese, tanto mais que parece resultar dos autos que a aqui Ré intentou acções executivas; se assim for as AA., enquanto executadas, poderão, na oposição que lhes é consentida legalmente, pugnar pela interpretação que reputam ser a juridicamente correcta.

Neste entendimento não merece censura a decisão recorrida.

Sustentam as recorrentes que, a manter-se o Acórdão recorrido, isso seria o mesmo que sujeitar as Recorrentes à vontade da Recorrida, sem qualquer hipótese de recurso ou tutela pelo Direito, considerando assim violado o art. 20°, da Constituição da República Portuguesa.

Salvo o devido respeito, não se vislumbra que a divergente interpretação dos termos do contrato pela Ré sujeite as AA. à sua vontade, em termos de impedir a discussão da divergência nos tribunais; seria uma entidade privada no contexto de um litígio também privado a impedir o acesso aos Tribunais e à Justiça o que constituiria um perfeito absurdo.

O facto do Tribunal confirmar a decisão recorrida – especialmente tendo em conta a peculiar natureza da acção de simples apreciação – não as priva de aceder ao judiciário para defesa dos seus interesses, pelo que não existe a temida inconstitucionalidade.

Decisão:

Nestes termos nega-se provimento ao agravo.

Custas pelas recorrentes.


Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Setembro de 2008

Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso de Albuquerque
Azevedo Ramos
________________________

(1) - Porque os tribunais têm por função compor litígios reais, a admissão da acção de simples apreciação levou a doutrina a apurar o conceito de interesse processual, como pressuposto, depois generalizado aos outros tipos de acção, do recurso à juízo (vejam-se Lebre de Freitas, “Introdução” cit., p. 27, nota 17, os arts: 17-e e 100-1 do Anteprojecto da comissão Varela e os arts. 19-e e 100-1 do Projecto da mesma comissão)” – Lebre de Freitas/ João Redinha /Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, pág. 14.