Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
208/22.8JELSB.L1-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CELSO MANATA
Descritores: RECUSA
JUÍZ DESEMBARGADOR
FUNDAMENTOS
PRAZO
IMPARCIALIDADE
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 03/13/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ESCUSA / RECUSA
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :
I – O incidente de recusa, previsto no artigo 43º, nº 1, do Código de Processo Penal, tem por objetivo central obstar a que comunidade desconfie da imparcialidade do juiz, por existir motivo sério e grave que consubstancie o risco dessa perceção.
II – Por isso mesmo, o estabelecimento de prazos para a apresentação desse incidente visa que a recusa seja apresentada antes de o magistrado esgotar o seu respetivo poder jurisdicional, perdendo qualquer sentido em momento posterior.
III - O requerimento de recusa de juiz desembargador, na fase de recurso, só é admissível até ao início da conferência, nos termos do disposto no artigo 44.º do Código de Processo Penal.
IV – Ultrapassado tal momento e tendo sido proferido acórdão, o pedido de recusa dos respetivos juízes desembargadores deve ser rejeitado, por inobservância no prazo fixado na lei.
V – A mera circunstância de o coletivo ter proferido acórdão, não constitui, só por si, motivo suficiente para justificar o pedido de recusa.
VI - O simples receio ou temor de que os juízes, no seu subconsciente, já tenham formulado um juízo sobre as questões não pode ser suficiente para o deferimento do pedido de recusa pois, para o seu deferimento, impõe-se uma especial exigência probatória quanto à objetiva gravidade e seriedade da invocada causa de suspeição.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

A. Relatório


A.1. O Requerimento de recusa


AA e BB, arguidos no processo acima identificado, vieram, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 45º do Código de Processo Penal, deduzir incidente de recusa dos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa CC, DD e EE, o que fazem com os seguintes fundamentos (transcrição integral):


“I


Segundo alguma jurisprudência, o nº 1 do artigo 43º do CPP consagra a conceção de que não basta ser.


É preciso parecer.


Por exemplo, veja-se o acórdão da Relação de Guimarães de 16 de março de 2009 (in www.dgsi.pt, proc. nº 438/07.2PBVCT).


O que está aqui em causa não é apurar se o magistrado recusado é ou não imparcial.


É tão-somente uma questão de aparência.


Um dado juiz é pessoa honesta, séria e imparcial. Determinadas circunstâncias especiais podem surgir num certo processo. Mas ainda assim, ele continuará a ser o mesmo de sempre: isento e correto, não se deixando levar por tendências ou facões, mantendo a imparcialidade que o carateriza. Simplesmente, esse circunstancialismo particular poderá conduzir a que se corra um risco que pode ser eliminado: o de algumas pessoas eventualmente suspeitarem da sua intervenção, porque ocorre motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.


Para não haver desconfianças, para não criar suspeitas e para não correr riscos, opta-se por afastar uma pessoa que, de todo o modo, atuaria sempre com integridade e proferiria uma decisão imparcial.


É o que sucede, por exemplo, nos casos em que um juiz intervém num outro processo envolvendo algumas das mesmas pessoas. Ou então, quando o juiz interveio acidentalmente, em fase anterior do mesmo processo, não estando impedido de realizar o julgamento, ou seja, fora dos casos previstos no artigo 40º do CPP. Suponha-se que, pontualmente, o juiz aplica a medida de apresentação periódica a um arguido. Depois, cabe-lhe intervir no julgamento desse arguido, no mesmo processo ou noutro. Atente-se noutras situações: o filho da juíza trabalha no escritório do advogado (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de janeiro de 2015, proc. 6099/13.2TDPRT, www.dgsi.pt), o advogado é namorado da juíza (acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proc. 31/13.oYEVR de 4 de abril de 2013, www.dgsi.pt), a arguida é amiga da mãe da juíza (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de maio de 2016, proc. 209/14.PBVIS, www.dgsi.pt), o advogado é irmão da juíza (acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de setembro de 2015, proc. 144/15.4YRGMR, www.dgsi.pt), a queixosa é filha da empregada doméstica do juiz (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de fevereiro de 2009, proc. 804/09.9YRLSB, www.dgsi.pt). Certamente, o juiz iria proferir a decisão de modo totalmente imparcial. Seguramente, é pessoa idónea. Mas, para evitar um risco, sendo pedida a recusa, há que ponderar a sua concessão. Assim o determina o nº 2 do artigo 43º do CPP.


Não está em causa a probidade do juiz. Condições específicas de um processo recomendam que ele não intervenha.


A imparcialidade, a equidistância, o equilíbrio assim como a aparência de imparcialidade, equidistância e equilíbrio exigem que não esteja presente aparência de simpatia, empatia ou antipatia.


II


O que se passa nos presentes autos é a situação que se descreverá.


Os arguidos interpuseram recurso da sentença proferida em primeira instância no processo nº 208/22.8JELSB.


Invocaram a existência de contradição insanável na fundamentação da sentença.


Requereram a realização de audiência.


Em sede de exame preliminar, o primeiro visado proferiu o despacho de 14 de fevereiro de 2024, que julgou como não verificada a alegada contradição e indeferiu a realização da audiência.


Encontra-se a correr o prazo para reclamação do mencionado despacho, por forma a que a conferência aprecie a mesma.


Em 20 de fevereiro de 2024, foi proferido acórdão em conferência, portanto sem prévia realização de audiência, julgando como não verificada a invocada contradição e sem apreciar nenhuma reclamação, que não foi ainda apresentada.


A 22 de fevereiro de 2024, os arguidos invocaram a invalidade deste acórdão, por haver sido proferido sem que tivesse sido julgada a reclamação ou decorrido o respetivo prazo sem que a reclamação houvesse sido apresentada.


III


Mais do que nunca, quando todos reconhecem a importância da confiança na justiça, é necessário estar muito atento às aparências.


Para o observador externo, a aparência que fica é a de que os magistrados visados poderão apresentar já uma ideia formada, quase um viés, uma convicção no sentido de que não se verifica a aludida contradição e de que é dispensável a realização de audiência, sem que os arguidos tenham ainda explicado por que motivo deve ser julgado procedente a questão da contradição, não obstante os argumentos constante do despacho de 14 de fevereiro de 2024, e por que razão se impõe a realização de audiência antes da prolação do acórdão.


Agora, os arguidos apresentam a sua reclamação e duas questões terão de ser decididas:


- tal como se declara no despacho de exame preliminar, não se verifica a contradição insanável alegada pelos recorrentes?


- tal como decidido nesse despacho, pode ser proferido acórdão em conferência e não se realizar a audiência requerida pelos recorrentes?


Para se deliberar, ter-se-á de considerar o que os recorrentes vierem a expor na sua reclamação.


Ora os visados já se orientaram numa direção, que é precisamente a de responder afirmativamente em ambos os casos.


A imagem com que se fica é que de pouco servirá aos recorrentes explicar as razões da sua reclamação, pois os visados já se anteciparam, encetaram um caminho e já chegaram às suas conclusões.


A reclamação não poderá ser decidida por estes magistrados.


A deselegância, o léxico empregue e a terminologia constante do despacho de 14 de fevereiro e do acórdão de 20 desse mês serão objeto de apreciação em sede diversa.


IV


A norma constante do nº 1 do artigo 43º do CPP contraria o nº 4 do artigo 20º e o nº 1 do artigo 32º da constituição, quando interpretada no sentido de que não devem ser recusados os magistrados que, antes de ser apresentada reclamação do despacho de exame preliminar, proferem acórdão em conferência.


V


Assim, as questões que o arguido pretende ver decididas pelo tribunal da Relação são as seguintes:


- Este circunstancialismo significa que se corre um risco?


- O risco é o de que seja considerada suspeita a intervenção dos magistrados?


- Existe motivo adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade dos magistrados?


- Tal motivo é sério?


- Reveste gravidade?


- Verifica-se inconstitucionalidade?


Termos em que deverá ser julgado procedente o incidente de recusa.”


A.2. A posição dos Magistrados


Em obediência ao disposto no nº 3 do artigo 45º do Código de Processo Penal, os magistrados visados pronunciaram-se nos seguintes termos (transcrições integrais):


A.2.1. Juiz Desembargador CC


“Colendos Conselheiros.


Não se alcança de todo o alegado qualquer motivo sério para o efeito, tão somente o de então serem patentes a improcedência do requerimento de realização da audiência e a circunstância de se tratar de processo com arguidos presos, não se justificando por isso a demora agora revelada ter sido pretendida. Ademais, sempre os recorrentes poderiam reclamar para a conferência, como aliás já fizeram.


Posto que a realização da audiência não foi indeferida na decisão sumária tão somente pela falta de verificação de contradição insanável (depois, confirmada no acórdão final), mas principal e primeiramente, porque o correspondente requerimento era inadequado ao efeito, por decisão singular do relator, nada obsta a que a correspondente reclamação para a conferência possa ser atendida, dependendo da maioria a formar naquela.


E não é por ter tomado posição sobre esta particular questão (falta de verificação de contradição insanável) que algum dos membros do colectivo fica afectado na sua imparcialidade (nem mesmo na aparência).


Se assim fosse e sempre que o relator decidisse no exame preliminar, por ter de o fazer logo que requerida a renovação da prova no recurso - a qual se destina a apreciar os vícios a que alude o nº 2 do artº 410º, por via do disposto no nº 1 do artº 430º, ambos do CPP, tendo de singularmente determinar ali se sim ou não se verificam tais vícios - incorreria “ipso facto” em impedimento, ou causa de recusa daí em diante, o que harmonicamente teria de ser previsto naquele diploma e não está, de todo.


Seja como fôr e na esteira do já patenteado pelos demais membros do colectivo, não tem também o signatário qualquer tipo de apego ao presente processo.


V.Exas. decidirão como fôr de Justiça.”


A.2.2. Juíza Desembargadora DD


“Foi suscitado incidente de recusa de juiz, nos termos do art. 43º do C.P.Penal, com o fundamento na existência de “uma ideia formada” no sentido de que não se verifica a contradição insanável na fundamentação da sentença e de que é dispensável a realização de audiência porquanto, em 20.02.2024, foi proferido acórdão em conferência (sem prévia realização de audiência) e, em 22.02.2024, os arguidos invocaram a invalidade deste acórdão, por haver sido proferido sem que tivesse sido julgada a reclamação ou decorrido o respetivo prazo sem que a reclamação houvesse sido apresentada.


Nos termos do disposto no art. 45º, nº 3 do C.P.Penal, cumpre à signatária recusada – na qualidade de 1ª Adjunta - referir o seguinte:


- em 20.02.2024, foi proferido acórdão em conferência;


- em 22.02.2024, os arguidos invocaram a invalidade deste acórdão, por haver sido proferido sem que tivesse sido julgada a reclamação ou decorrido o respetivo prazo sem que a reclamação houvesse sido apresentada,


- por requerimento de 26.02.2024, os arguidos/recorrentes reclamaram para a conferência do despacho proferido em 14 de fevereiro de 2024 que indeferiu a realização da audiência que havia sido requerida pelos recorrentes.


No nosso modesto entender, a sequência exposta não constitui motivo gerador de desconfiança sobre a minha imparcialidade pois não tenho qualquer interesse no desfecho dos autos e sempre desempenhei as minhas funções com zelo, dedicação, total imparcialidade e no estrito cumprimento da legalidade.


Vossas Excelências, Colendos Conselheiros, farão, como sempre, melhor justiça.”


A.2.3. Juíza Desembargadora EE


“Mostra-se deduzido incidente recusa, nos termos do disposto nos artigos 43.º e ss do Código de Processo Penal, com fundamento na existência de que já foi formada convicção de que não se verifica a contradição insanável na fundamentação da sentença alegada pelos recorrentes e de que é dispensável a realização de audiência porquanto, em 20.02.2024, foi proferido acórdão em conferência (sem realização de audiência requerida e liminarmente indeferida por decisão sumária do Relator) e em 22.02.2024, os recorrentes invocaram a invalidade deste acórdão.


Perante o presente incidente de recusa cumpre à signatária recusada – EE, na qualidade de 2ª Adjunta – dizer o seguinte:


- não tem qualquer interesse no desfecho dos autos;


- sempre desempenhou as suas funções com zelo, dedicação, total imparcialidade e no estrito cumprimento da legalidade, tal como ocorre também nos presentes autos.


Contudo, Colendos Conselheiros, Vossas Excelências decidirão.”

B. Fundamentação


B.1. Considerações gerais


Nos termos do disposto no artigo 202º da Constituição da República Portuguesa, os Tribunais “administram a justiça em novo povo” e, para o poderem fazer adequadamente, são, nos termos do artigo 203º da Lei Fundamental, “independentes e apenas estão sujeitos à lei”.


Por outro lado, e como desde longa data refere o Tribunal Constitucional, “a independência dos tribunais pressupõe e exige a independência dos juízes1


Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros2 “a independência dos juízes – de cada juiz – pressupõe e reclama a sua não submissão às partes em litígio e, designadamente a sua exterioridade em face dos interesses em confronto. Exige, em palavras simples, a respetiva imparcialidade ou tercialidade (…) “independência e imparcialidade são verso e reverso da mesma realidade fundamental e a imparcialidade (…) é uma nota essencial do próprio conceito de tribunal”.


Vários instrumentos jurídicos internacionais a que Portugal está vinculado estabelecem que todo o cidadão tem direito a um processo justo, apreciado por um tribunal independente e imparcial, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 10º) o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 14º, corpo), a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (artigo 6º, nº 1) e, mais recentemente, a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 47º).


Aliás, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela primeira vez sobre a independência e imparcialidade dos juízes no seu acórdão 114/953, convocando a jurisprudência à luz do art. 6º, nº 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, segundo o qual qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, em prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, com alcance de que, num estado de direito, o juiz que preside ao julgamento o faça com independência, ou seja, à margem de quaisquer pressões, e imparcialidade, numa posição distanciada, acima dos interesses das partes, sendo desejável também que o povo, em nome de quem exerce a justiça, nele tenha confiança, surgindo aos olhos daquele o julgamento como objetivamente justo e imparcial, impondo-se a predefinição de um quadro legal orientado para tal finalidade.


Por outro lado, e como é referido em acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça4:


“Tem sido uma constante da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que a imparcialidade deve apreciar-se segundo critérios subjetivos e objetivos, como resulta, entre outros do acórdão de 13 de novembro de 2012, no caso Hirschhorn c. Roménia, Queixa n.º 29294/02 e do acórdão de 26/07/2007, no caso De Margus c. Croácia, Queixa n.º 4455/10. Jurisprudência também seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente, nos acórdãos de 6 de setembro de 2013 (proc. n.º 3065/06) e de 13 de fevereiro de 2013 (proc. n.º 1475/11.8TAMTS.P1-A.S1).”


Em sequência e citando, mais uma vez, a jurisprudência deste Alto Tribunal5:


“I - Na sua vertente subjectiva, a imparcialidade do juiz significa uma posição pessoal, do foro íntimo do juiz, caracterizada pela inexistência de qualquer predisposição no sentido de beneficiar ou prejudicar qualquer das partes com a sua decisão.


II - Na vertente objectiva, a imparcialidade traduz-se na ausência de quaisquer circunstâncias externas, no sentido de aparentes, que revelem que o juiz tenha um pendor a favor ou contra qualquer das partes, afectando a confiança que os cidadãos depositam nos tribunais”.6


Por outro lado, importa ainda recordar que o artigo 32º, nº 9 da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio do “juiz natural”, configurado como uma garantia fundamental do processo criminal e assegurando, também por esta via, todas as garantias de defesa em processo criminal.


No intuito de garantir a imparcialidade da jurisdição e concomitantemente assegurar a confiança da comunidade em relação à administração da justiça o Código de Processo Penal estabeleceu, nos artigos 39º e sgs., o regime de impedimentos e de suspeições, subdividindo-se estas em escusas e recusas.


No que concerne a estas últimas dispõe o artigo 43º do Código de Processo Penal:


“Artigo 43.º


(Recusas e escusas)


“1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.


2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º


3 - A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.


4 - O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos n.os 1 e 2.


5 - Os actos processuais praticados por juiz recusado ou escusado até ao momento em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo; os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.”


Uma última nota para, desde já, sublinhar a circunstância de o legislador ter consignado que a recusa está dependente da existência de motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz.


Como refere Rui Patrício:7


“A imparcialidade é sempre aferida no caso concreto e de acordo com o circunstancialismo do mesmo (cfr. por exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de abril de 20142), sendo que a “presunção” a favor da imparcialidade — na sua vertente objetiva ou na sua vertente subjetiva, ou em ambas — fica posta em causa, não só quando existe interesse pessoal do juiz ou quando intervenções processuais concretas do mesmo mostram falta de isenção, mas também quando uma intervenção anterior com alguma intensidade a pode comprometer “


Ou seja, para elidir a “presunção” a favor da imparcialidade – e afastar o princípio do juiz natural - não servem quaisquer razões, devendo o respetivo incidente estar fundado em motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz.


Por outro lado, a aludida qualificação do motivo tem de ser objetivamente considerada, não bastando o simples convencimento do requerente para que se defira a recusa, devendo antes a mesma ser aferida em função do juízo do cidadão médio representativo da comunidade. Com efeito, neste domínio impõe-se uma especial exigência quanto à prova da objetiva gravidade da invocada causa de suspeição pois, de outro modo, estava facilmente encontrado o meio de contornar o princípio do “juiz natural” (neste sentido Ac. do STJ proferido no Incidente de recusa nº 1022/22.6T9VIS-A.S1 de 07 de março de 2024).


Assim, a título de exemplo, no incidente de recusa de juiz não cabem meras discordâncias jurídicas quanto a decisões dos juízes, as quais devem ser impugnadas pelos meios próprios.


Com efeito, e neste sentido e a propósito de incidente de recusa, já decidiu o Supremo tribunal de Justiça o seguinte:8 “A discordância da arguida em relação à decisão proferida devia ser veiculada apenas pelo meio próprio, o recurso”


Concluindo, para terminar este excurso e como referido no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 07 de março de 2024 atrás referenciado:


“Em suma, para sustentar a escusa ou recusa do juiz é necessário verificar:

- se a intervenção do juiz no processo em causa corre “o risco de ser considerada suspeita”;

- e, se essa suspeita ocorre “por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”, para o que deverão ser indicados factos objetivos suscetíveis de preencher tais requisitos, a analisar e ponderar segundo as circunstâncias de cada caso concreto, de acordo com as regras da experiência comum e com “bom senso” (acórdão de 13.04.2023, Proc. 16/23.9YFLSB-A).”

B.2. O caso concreto


B.2.1. Os factos


Da leitura dos presentes autos, bem como da consulta, realizada através do citius, do processo principal, extrai-se o seguinte:

• Os Requerentes AA e BB foram condenados, através de acórdão proferido a 10 de novembro de 2023 pelo Juízo Criminal de Lisboa (Juiz 11) e pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (previsto e punível pelos artigos 21º e 24º al. c) do Dec. Lei 15/93, de 22 de janeiro) nas penas de, respetivamente, 9 anos e 6 meses e 8 anos, tendo este último sido ainda condenado na pena acessória de expulsão do território nacional por 6 anos.

• Inconformados com essa decisão dela vieram recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa sendo que, no fim da respetiva motivação, requereram o seguinte (transcrição):


“45º.


Termos em que deve a douta sentença recorrida ser declarada nula ou, caso assim não se entenda, revogada.


Provas a renovar: depoimentos das testemunhas FF, GG, HH, Relatório de exame pericial de folhas 490, datado de 28 de novembro de 2023, Aditamento ao relatório de exame pericial datado de 18 de julho 2023, com a referência Citius 36578680, oficiar o Estado Maior da Armada, para que faculte a identificação do navio que abordou o veleiro e faculte cópia do correspondente diário de bordo (logbook) relativo aos dias 20 a 28 de maio de 2022 inclusive, inquirição como testemunhas dos membros da respetiva tripulação e prestação de esclarecimentos pelos peritos II, JJ e KK identificados nos relatórios do Laboratório de Polícia Científica.


Os arguidos mantêm interesse em todos os recursos intercalares que se acham retidos e que subirão com o presente, designadamente no recurso interposto a 22 de outubro de 2023, relativamente aos despachos de 9 de outubro de 2023.


Nos termos do nº 5 do artigo 411º do CPP, requer a realização de audiência, com vista a debater os seguintes pontos:


Alteração de factos


Omissão de pronúncia


Utilização da língua portuguesa


Aplicabilidade da lei penal portuguesa


Competência dos tribunais portugueses


Proibição de prova


Impugnação da matéria de facto


Diligências probatórias indeferidas


Contradição insanável


Fundamentação


Penas


Inconstitucionalidade.“

• Recebido o recurso naquele Venerando Tribunal, o juiz relator, na sequência do exame preliminar a que alude o art. 417º do Código de Processo Penal, proferiu despacho, datado de 14 de fevereiro de 2024 e com o seguinte teor (transcrição integral):


“Recurso legalmente recebido, na forma, efeitos e tramitação.


*


Requerem os recorrentes a realização de audiência, nos termos do nº 5 do artº 411º do Código de Processo Penal, para debater “alteração de factos, omissão de pronúncia, utilização da língua portuguesa, aplicabilidade da lei penal portuguesa, competência dos tribunais portugueses, proibição de prova, impugnação da matéria de facto, diligências probatórias indeferidas, contradição insanável, fundamentação, penas e inconstitucionalidade.”


Ora, no requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.


No caso concreto, os recorrentes requerem a realização da audiência para debater todos os pontos da sua motivação, o que resulta bem claro das conclusões do recurso.


A Lei nº 48/2007, de 29.8, não só suprimiu as alegações escritas, como abandonou a regra da audiência no tribunal de recurso em processo penal, tendo o legislador considerado que a supressão da possibilidade de apresentação de alegações escritas se justificava, na medida em que aquelas acabaram por se revelar actos processuais supérfluos, pois a experiência demonstrou constituírem pura repetição das motivações (ver a motivação da proposta de lei 109/X). Além disso, com o mesmo objectivo de celeridade processual e ponderando que a audiência já constituía um direito renunciável, o legislador consagrou a audiência no tribunal de recurso como uma excepção (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque - Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009, pag. 1118 - e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8.2.2017, processo 577/14.3TAALM-3).


A norma processual acima citada, fixa assim uma condição de realização da audiência, qual seja, o ónus processual de identificação concretizada dos pontos da motivação de recurso que se pretende discutir.


E como se salienta no Ac. T.C. nº 163/2011, disponível no correspondente sítio da “Internet” “tal medida tanto permite ao julgador (e aos recorridos, em particular ao Ministério Público, que exerce a acção penal) preparar(em) as questões a discutir em audiência de julgamento – note-se, a este propósito, que cabe ao Relator junto do tribunal recorrido, elaborar uma “exposição sumária sobre o objecto do recurso, na qual enuncia as questões que o tribunal entende merecerem exame especial” (artigo 423º, nº 1, do CPP) – como, simultaneamente, implica um esforço adicional dos recorrentes na compressão e síntese dos pontos da motivação a discutir, oralmente, em audiência”.


Ora, os recorrentes, como vimos, não excluem nenhum ponto da sua motivação, o que é demasiado genérico. Faltam, pois, elementos/factos/pontos concretos relativamente aos quais o debate em audiência acrescente algo à motivação. Recorde-se que são objecto da audiência as questões que o tribunal entende merecerem exame especial (nº 1 do artº 423º do Código de Processo Penal) sendo que, no caso concreto e se fosse seguido o requerimento dos recorrentes, não seria possível formular questões concretas, tornando-se evidente que a audiência mais não seria do que uma repetição do que já foi dito.


Por conseguinte e citando o acórdão desta Relação de Lisboa, de 8.6.2016, processo n.º 51/15.0YUSTR.L1 “não podemos considerar que o pedido efectuado de modo algum satisfaz tal requisito, já que remete para a globalidade da motivação apresentada, sendo que, a sua aceitação, levaria a que o preceito em causa se transformasse em letra morta e desprovido de qualquer eficácia”.


A omissão do cumprimento daquelas exigências processuais impede o julgador de proceder à realização da audiência de recurso, não havendo sequer lugar a convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso pois, não existindo norma que o permita, o convite ao aperfeiçoamento constituiria, na verdade, a renovação do prazo para exercício de direito renunciável, contrariando a vontade do legislador (neste sentido o Ac. R.G. de 9.11.2009, Proc. 371/07.8TAFAF.G1).


*


Os recorrentes invocam no seu recurso a contradição insanável da fundamentação, para de seguida e ao requerer a realização da audiência, se proceder à renovação da prova que alinham.


Na sua versão tal contradição ocorreria porque «a sentença dá como provado que “os arguidos saíram da Ilha ..., nas ...” numa “embarcação [...] carregada com 47 fardos de cocaína”. Fizeram-no “na prossecução” de “um plano que se traduzia na introdução de cocaína em Espanha”. Porém, “a Marinha Portuguesa abordou a embarcação onde seguiam os arguidos” quando estes “navegavam nas coordenadas 44°23'36''N 14°16'42''W” e “nessa sequência o veleiro foi conduzido para um porto nacional pela Marinha Portuguesa”.


Simultaneamente considera demonstrado que “os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços e no desenvolvimento de um plano previamente arquitetado, com o propósito concretizado de [...] introduzir em Espanha o supracitado produto estupefaciente”.


Por um lado, diz-se que os arguidos concretizaram o seu plano de introduzir cocaína em Espanha.


Por outro, afirma-se que, no percurso, foram abordados pela Marinha Portuguesa e, pela mesma, conduzidos a um porto nacional.»


Ora, a convocada contradição, para que exista terá de ser insanável, nas palavras da lei, o que no caso, manifestamente, não sucede.


Como se verifica pela leitura de todo o texto em causa (logo, sem ser truncado, como certamente por lapso fez o ilustre subscritor do recurso) a contradição é meramente aparente, pois entende-se perfeitamente que “…o propósito concretizado de receber, ter consigo e introduzir em Espanha o supracitado estupefaciente…” objecto da acção dos arguidos, apenas se frustrou quanto à introdução. Como assim, entende-se perfeitamente que apenas foi concretizado relativamente ao demais.


*


Finalmente, perspectivando o indeferimento da realização da audiência, o Ministério Público junto desta Relação, no seu visto, requereu que os autos lhe voltassem, para o mesmo efeito.


Essa duplicação não está legalmente prevista, já que no visto prévio e em todos os processos, o Ministério Público junto do tribunal superior pode sempre optar por se limitar a tomar conhecimento dos mesmos, sem que por isso signifique uma menor salvaguarda dos interesses que lhe cumpre preservar.


O legislador vedou assim tal possibilidade em caso de requerimento da audiência, portanto, sem a salvaguardar no caso do indeferimento da correspondente realização e em diploma que regulamenta minuciosamente este momento processual.


Ou seja, neste caso particular, optou o legislador por solução que sempre seria uma das possíveis para estabelecer o respectivo ritualismo depois da declaração de inconstitucionalidade da versão original do artº 416º do Código de Processo Penal.


*


* *


Termos em que vai indeferida a realização da audiência e bem assim a requestada


vista.


Aos vistos.


À conferência de 20.2.”

• Esse despacho foi notificado aos arguidos a 15 de fevereiro de 2024 através de ofícios expedidos a 15 de fevereiro de 2024 (referências citius nºs 21153357 e 21153358)

• No dia 20 de fevereiro foi realizada conferência e proferido acórdão pelos Juízes da 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se julgou o recurso improcedente e se manteve a decisão da primeira instância.

• No dia 22 de fevereiro de 2024 é apresentado requerimento pelos arguidos, no qual, em síntese, defendem a invalidade do acórdão, em virtude de ainda estar a decorrer o prazo para a impugnação do despacho liminar.

• Às 13 horas, 46 minutos e 9 segundos do dia 26 de fevereiro de 2024 é suscitado o presente incidente de recusa dos magistrados que proferiram o aludido acórdão, nos termos atrás transcritos integralmente.

• E às 15 horas, 1 minuto e 56 segundos desse mesmo dia é apresentado reclamação para a conferência do despacho proferido pelo Juiz relator a 14 de fevereiro de 2024 e que atrás se deixou transcrito.


B.2.2. Apreciação


O incidente de recusa deve ser apresentado, nos processos em fase de recurso, até à realização da conferência.


Com efeito, estabelece o art. 44º do Código de Processo Penal:


“Artigo 44.º


(Prazos)


O requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate.”


E compreende-se que assim seja pois que, com a realização da conferência e a prolação do acórdão, esgota-se o poder jurisdicional do tribunal de recurso (cfr. artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal).


No caso dos autos, o despacho preliminar proferido pelo juiz relator - a 14 de fevereiro de 2024 e no qual se rejeita o pedido de audiência bem como a renovação de prova - foi notificado aos requerentes no dia 15 de fevereiro de 2024.


Assim ficaram os mesmos, designadamente, a saber, que a conferência se realizaria no dia 20 de fevereiro de 2024.


Contudo, apenas vieram apresentar o requerimento de recusa a que se reportam os presentes autos no dia 26 de fevereiro de 2024.


Donde se conclui que tal requerimento foi apresentado depois do momento estabelecido na lei para o efeito e, como tal, não pode ser aceite.


Neste sentido, e apenas a título exemplificativo, veja-se a seguinte jurisprudência:


“I - O incidente de recusa deve ser deduzido até ao início da conferência no recurso perante o Tribunal da Relação, ou seja, antes da intervenção decisória dos Desembargadores a quem fora distribuído, isto é, antes da prolação da deliberação.


II - Por já ter sido decidido do mérito do recurso que os requerentes interpuseram da decisão condenatória proferida pelo tribunal colectivo, a recusa que deduzem após a prolação da deliberação já não será adequada a evitar o risco de parcialidade.


III - Não tendo sido deduzida no prazo delimitado pelo art. 44.º do CPP, ou seja, até à conferência no recurso interposto perante o Tribunal da Relação, a recusa é intempestiva, devendo a mesma ser rejeitada.”


Ac. do STJ de 25 de janeiro de 2017 – Proc 10/11.2JALRA.C1-A in www.dgsi.pt


“Sendo o requerimento de recusa admissível só “até ao início da conferência nos recursos”, tendo ocorrido o julgamento em conferência aquando da sua apresentação, o requerimento é manifestamente infundado atenta a ostensiva extemporaneidade. “


Ac. do STJ de 09 Dezembro 2022 – Proc. 299/22.1YRPRT-A.S1 in www.dgsi.pt


“I. Na determinação de uma suspeição que justifique o afastamento do juiz do processo por recurso à cláusula geral enunciada no n.º 1 do artigo 43.º do CPP deve atender-se a que esta revela que a preocupação central que anima o regime legal é prevenir, impedir, o perigo de a intervenção do juiz ser encarada com desconfiança e suspeita pela comunidade


II. Na disciplina do processo, a recusa do juiz está sujeita a prazos determinados, limitados e conformados em função dos momentos processuais em que se expressa e esgota o poder jurisdicional do juiz – do juiz de instrução, do juiz de julgamento e do juiz do recurso, conforme o caso –, de modo a evitar que a sua participação na decisão possa suscitar “o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”.


III. Proferida a decisão que ao juiz compete, em cada uma dessas fases processuais, esgotou-se o seu poder jurisdicional (cfr. artigos 613.º, 666.º e 685.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 4.º do CPP). O risco da desconfiança, que justifica o regime da recusa, já não poderá ser evitável.


IV. O requerimento de recusa de juiz desembargador, na fase de recurso, só é admissível até ao início da conferência (artigo 44.º do CPP).


V. Tendo o requerimento sido apresentado após a conferência em que foi adotado o acórdão de que o juiz desembargador é relator, impõe-se a sua rejeição, por inobservância do prazo estabelecido neste preceito.”


Ac. do STJ de 13-07-2023 – Proc. 4332/04.0TDPRT.P4-A.S1 in www.dgsi.pt


* *


De qualquer forma, sempre o presente pedido de recusa seria improcedente.


Com efeito, desde logo os requerentes começam por afastar (pelo menos em alguma medida…) a parcialidade dos juízes desembargadores visados, ao consignar no seu requerimento frases como “(o) que está aqui em causa não é apurar se o magistrado recusado é ou não imparcial” ou “(n)ão está em causa a probidade do juiz” ou, ainda, “(é) tão-somente uma questão de aparência”


Depois, em vez de apresentarem factos que justifiquem a concessão da recusa, optam por formular perguntas (retóricas, compreende-se…) para, finalmente, manifestarem o entendimento segundo o qual a circunstância de magistrados visados já terem proferido o acórdão de 20 de fevereiro de 2024 conduz, inevitavelmente, a que “já se orientaram numa direção” e que “de pouco servirá aos recorrentes explicar as razões da sua reclamação, pois os visados já se anteciparam, encetaram um caminho e já chegaram às suas conclusões.”


Ou seja, baseiam o pedido de recusa no seu mero convencimento de que, por já terem proferido o acórdão referenciado, os visados irão indeferir a reclamação que apresentaram contra a decisão do juiz relator de 14 de fevereiro de 2024.


Mas, como desde logo bem sublinha este magistrado, assim sendo, nenhum juiz relator que, na sequência de exame preliminar do processo tivesse indeferido o que quer que fosse, poderia – como pode - intervir na conferência em que se apreciasse reclamação desse seu despacho.


E, continuando neste exemplo, caso a reclamação tivesse sido apresentada antes da conferência e esta a deferisse, determinando a realização de audiência e a renovação da prova, o juiz relator não poderia – como pode - participar nessas diligências e elaborar o projeto do respetivo acórdão.


Por outro lado, a mera circunstância de o coletivo ter proferido acórdão, não constitui motivo, só por si, suficiente para justificar o pedido de recusa.


Com efeito, o facto de a argumentação expendida pelos requerentes na respetiva reclamação, bem como a invocação de jurisprudência no sentido que defendem apenas terem sido apresentadas depois da conferência, conduz a que o coletivo examine novamente as questões antes apreciadas e possa tomar uma posição igual ou diversa da anteriormente adotada.


De qualquer forma, o que é seguro é que o simples receio ou temor de que os juízes, no seu subconsciente, já tenham formulado um juízo sobre as questões colocadas não pode ser suficiente para o deferimento do pedido de recusa pois, como já atrás deixámos assinalado, para o seu deferimento, impõe-se uma especial exigência probatória quanto à objetiva gravidade e seriedade da invocada causa de suspeição.


Aliás, em caso semelhante ao dos autos, já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que:


“Não integra o conceito motivador da recusa de Juiz, terem os Juízes Desembargadores em apreço participado em Conferência que, por via do requerimento no sentido de ser anulado o julgamento, deveria ser um Audiência.”


Ac. do STJ de 22 de janeiro de 2013 – Proc. 673/02.0TAVIS.C1-A.S1 in CJ (STJ), 2013, T1, pág.196


Em suma, não existem elementos no processo que permitam considerar que a intervenção dos juízes no processo possa ser considerada suspeita nem – muito menos – que os requerentes tenham indicado e provado factos objetivos que constituem motivo, sério e grave, para gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

C. Decisão


Pelo exposto, nos termos do artigo 45.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, acorda-se em recusar o requerimento de recusa apresentado pelos requerentes AA e BB, por ter sido apresentado fora do prazo previsto no artigo 44.º do mesmo diploma e se mostrar infundado.


Custas pelos requerentes fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC, nos termos do artigo 7.º, n.º 4, e da Tabela II do Regulamento das Custas Processuais ex vi artigo 524.º do Código de Processo Penal.


Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada


(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)


Celso Manata (Relator)


Vasques Osório (1º Adjunto)


Leonor Furtado (2º Adjunto)


__________________________________________

1. Ac. do Tribunal Constitucional nº 135/88↩︎

2. “Constituição da República Anotada”, Tomo III, pág. 39↩︎

3. Diário da República II Série de 22 de abril de 1995↩︎

4. Ac. de 22 de abril de 2022 - Proc. 44/19.9YGLSB-A.S1 in www.dgsi.pt↩︎

5. Ac de 22 de janeiro de 2013 – Proc. 673/02.0TAVIS.C1-A.S1 in www.dgsi.pt↩︎

6. Ac. do STJ de 13 de setembro de 2006 – Proc. 0GP3065 in www.dgsi.pt↩︎

7. “Imparcialidade e Processo Penal Três realidades distintas”, revista “Julgar”, nº 30, pág. 43 e sgs.↩︎

8. Ac. de 13 de setembro de 2006 – Proc. OGP3065 in www.dgsi.pt↩︎