Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2192/13.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
BANCO
SIGILO BANCÁRIO
HERDEIRO
Data do Acordão: 11/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - SITUAÇÃO JURÍDICA BANCÁRIA / SEGREDO / INFORMAÇÃO / RESPONSABILIDADE.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- Menezes Cordeiro, na Revista Temas de Direito Bancário, n.º 8, 2014, 33 e 39.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 573.º, 574.º, 575.º, 2024.º, 2139.º, 2157.º E 2159.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º2, 615.º, N.º1, AL. D), 636.º, N.º2, 1045.º A 1047.º,.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 14/11/2000, NA CJ, CONTRATOS COMERCIAIS, DIREITO BANCÁRIO E INSOLVÊNCIA (CIRE) – JURISPRUDÊNCIA 2000/2009, 579.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 21/03/2000, NA CJ/STJ, ANO VIII, TOMO I, 130.
-DE 07/10/2010, PROC. N.º 26/08.6TBVCD.P1.S1, NA CJ/STJ, ANO XVIII, TOMO III/2010, 111.
Sumário :
I - A nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia existe quando determinada questão colocada no recurso, relevante para a decisão do litígio por se integrar na causa de pedir ou em alguma excepção invocada, não é objecto de apreciação – arts. 615.º, n.º1 al. d) e 608.º, n.º 2, ambos do CPC.

II - Não é nulo o acórdão da Relação que analisou os pressupostos da obrigação de informação a cargo do réu previstos nos arts. 573.º e 575.º, ambos do CC, a que se reconduzem os dados de facto em que o recorrente baseia a arguição da nulidade.

III - A jurisprudência e a doutrina são hoje praticamente unânimes no reconhecimento de que o sigilo bancário é inoponível aos herdeiros do cliente que provem a sua qualidade.

IV - Tendo o autor provado ser filho e herdeiro de dois titulares e co-titulares de várias contas bancárias sedeadas no banco réu, onde existiram depósitos, aplicações financeiras e outros valores que lhes pertenceram, e alegado precisar de informações/documentos bancários para apurar se a cabeça-de-casal sonegou bens da herança e, por via dos mesmos, determinar o conteúdo do seu direito hereditário, estão verificados os pressupostos da obrigação de informação a cargo do réu previstos nos arts. 573.º e 575.º, ambos do CC.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Síntese dos termos essenciais da causa e do recurso

AA propôs uma acção especial para apresentação de documentos, nos termos dos artigos 1045º e seguintes do Código de Processo Civil, con­tra o BANCO BB, SA.

Os documentos a apresentar - especificados no nº 92 da petição inicial - são contas ban­cárias tituladas (e co-tituladas) por CC e DD, pais do autor.

Alegou, em resumo, ser filho dos referidos CC e DD; que sua mãe fale­ceu em 0/0/01 e seu pai em 00/0/04; que a herança da mãe nunca foi partilhada, apenas tendo sido executada parte do testamento, que só contemplava determinados bens; que foram feitos vários legados; que seu pai foi testamenteiro, aquando do falecimento da mãe, não tendo a execução do testamento incluído os restantes bens de sua mãe, designa­damente depósitos bancários e aplicações financeiras existentes em contas bancárias por ela tituladas ou co-tituladas; que, por carta do Réu, e após a morte de sua mãe (já em 13/10/11), veio a saber que esta era co-titular de uma conta bancária no Banco Réu; que este, em 2/9/13, lhe comunicou que sua mãe era co-titular de outra conta; que o cabeça-de-casal nunca mencionou tais depósitos, nem os participou às Finanças; que, relativa­mente à herança de seu pai, foram habilitados o Autor e sua irmã EE, sendo esta cabeça de casal;  que o seu pai, já muito debili­tado, e em estado crítico, fez testamento (três meses antes da morte), nomeando testa­menteira sua irmã; no testamento apenas fez a disposição dos bens imóveis, nada dizendo quanto aos depósitos bancários; que a cabeça de casal, após a morte da mãe, tornou-se co-titular das contas com o pai, movimentou-as, abriu novas contas e escamoteou cópias dos respectivos documentos; que esses valores nunca foram partilhados; que o Réu vem-se recusando a fornecer os documentos ao Autor, designadamente os extractos bancários, impedindo-o de pedir contas à herança e lograr a partilha.

Indicou, a final,  quais os documentos de  que  necessita e cuja apresentação, por isso, pretende.

O Banco Réu contestou, alegando essencialmente não ter de apresentar todos os docu­mentos ao Autor, pois tudo se passa no âmbito de um processo sucessório a que é alheio, sendo sujeito passivo a cabeça de casal.

Forneceu, no entanto, alguns documentos.

Na 1ª instância a lide foi considerada supervenientemente inútil; entendeu-se, por um lado, que os documentos pedidos estão a coberto do sigilo bancário, e, por outro, que este processo especial é “um instrumento adjectivo que não está pensado para fins probatórios, com vista à instauração de uma acção judicial”, para a qual existe o mecanismo dos artigos 429º seguintes do CPC, estando o Autor “a seguir um percurso que se poderá desenhar como além do interesse legí­timo do demandante e que extravasa a finalidade da acção”.

O Autor apelou.

Por acórdão unânime de 3/3/16 a Relação de Lisboa concedeu provimento ao recurso, decidindo assim:

“Termos em que acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso e, revo­gando a decisão apelada, determinar que o Réu apresente ao Autor todos os documentos elencados no nº 92º da petição inicial, referentes a quaisquer contas bancárias, tituladas ou co-tituladas pelos seus pais CC e DD”.

Inconformado, o réu interpôs recurso de revista, concluindo, em resumo e no essencial, do seguinte modo:

1ª - Na contestação, nomeadamente nos artigos 11º e seguintes, alegou que “sendo o direito do autor um direito sucessório - como ele próprio o qualifica, de resto - esse direito só existe por referência a bens, crédi­tos, contas ou direitos que existissem ao tempo do óbito dos de cujus, isto é, ao tempo da (s) abertura (s) da (s) sucessão (ões)”, acrescentando que “ O que se refere é relevante na medida em que, como o Banco reiteradamente referiu ao Autor, algumas das contas relativamente às quais o Autor solicita informação foram canceladas antes da abertura da sucessão”; alegou ainda que “....quanto a outras contas, à data da abertura da sucessão, o Autor da sucessão havia já deixado de ser o respetivo titular”;

2ª - Tais fundamentos da defesa do recorrente não foram apreciados pelo Tribunal de 1ª instância nem pela Relação;

3ª - O tribunal a quo limitou-se a constatar o óbvio - o dever de segredo bancário não é absoluto - olvi­dando por completo o que fora alegado pelo Recorrente quanto à inexistência do direito à informação, maxime a invocação de que este se cinge às contas bancárias de que os seus pais fossem - à data dos res­pectivos óbitos - titulares ou co-titulares;

4ª - O tribunal não apreciou, nomeadamente, os argumentos arrolados pelo recorrente nas diversas alí­neas do artigo 74.º da contestação, embora estivesse obrigado a tal;

5ª - Dos autos resultam controvertidos os seguintes factos:

- Que contas bancárias se encontravam canceladas à data da abertura da sucessão? - De que contas ban­cárias o autor da sucessão já não era titular à data da abertura da sucessão? - Quais foram as informa­ções prestadas pelo Recorrente? - As informações prestadas foram suficientes?

6ª - A procedência de cada um dos pedidos formulados pelo autor no artigo 92º da petição inicial encon­tra-se dependente da pronúncia do tribunal sobre as referidas questões;

7ª - Caso entenda que os fundamentos da defesa do requerido são improcedentes deveria o tribunal per­mitir, também nesta situação, que as partes produzissem prova, na medida em que tal facto é manifesta­mente controvertido;

8ª -  Atento o disposto no artigo 615º, n.º 4, do CPC, o STJ deverá suprir a nulidade ora arguida, pronunciando-se sobre existência/inexistência do direito à informação invocada no referido articulado;

9ª - No caso dos autos não está demonstrado nenhum dos fundamentos da acção, a saber: a) Que o pos­suidor ou detentor desses documentos não os queira facultar; b) Que essa recusa se faça sem ter motivos fundados para se opor à apresentação; c) Que o requerente tenha um interesse juridicamente atendível na apresentação do documento ou no seu exame;

10ª - O dever de prestação da informação em causa nos presentes autos recai, primacialmente, sobre a cabeça de casal da herança aberta por óbito dos pais do recorrido, já que é ela a recusante (o recorrido imputa-lhe a sonegação de bens da herança);

11ª - As informações prestadas pelo recorrente são detalhadas, estão documentadas e não se inscrevem, nesta fase processual, numa recusa de informação; não é, por isso, um “recusante”, nos termos e para os efeitos do artº 1045º do CPC;

12ª - A sucessão apenas abarca os bens que pertenciam à pessoa falecida à data do seu decesso, conforme estabelecem os artºs 2024º e 2069º do CC; por isso, o direito à prestação de informação do recorrido ape­nas poderá incidir sobre as contas bancárias do de cujus à data do respectivo óbito, isto é, ao tempo da abertura da sua sucessão;

13ª - O dever de prestação de informação ao recorrido encontra-se limitado às contas bancárias de que os seus pais fossem - à data dos respetivos óbitos - titulares ou co-titulares e, por isso, deve improceder o seu pedido de informação acerca de contas bancárias canceladas à data da abertura da sucessão (alíneas e), j), m), s), t) e ab) do artº 92º da petição inicial);

14ª - Inexiste, igualmente, o direito à informação quanto às contas bancárias de que o autor da sucessão já não era titular à data da abertura da sucessão (alíneas h), i), k), I), r), u) do artº 92º da petição ini­cial);

15ª - O recorrente prestou toda a informação que lhe era exigível, não podendo o recorrido almejar obter os elementos requeridos no artigo 92.º, alíneas a), b) f), g), n), q) da petição inicial;

16ª - Tendo em linha de conta os fins almejados pelo recorrido, não se mostra pertinente o conteúdo dos extractos bancários referentes ao período que medeia entre a abertura das contas bancárias e a data do óbito do de cujus;

17ª - A pretensa sonegação de bens por parte da cabeça de casal invocada pelo recorrido visa averiguar a gestão dos bens pertencentes à herança aberta e aceite, e não o que eventualmente existiu e esteve na dispo­nibilidade do autor da sucessão enquanto vivo; daí que o recorrido não tenha direito às informações pedi­das no artigo 92.º, alíneas c), d), w), x) e aa), da petição inicial;

18ª - O processo especial para apresentação de coisas e documentos corporiza um instrumento adjectivo que não está pensado para fins probatórios, com vista à instauração de determinada acção judicial; por isso, o recorrido devia dirimir o presente litígio com a cabeça de casal, pois é sobre esta que incide o dever de informação que procura imputar ao recorrente;

19ª - O acórdão recorrido deverá, assim, ser substituído por outro, que avalie a existência/inexistência do direito à informação face a cada um dos pedidos formulados pelo recorrido no artigo 92.º da petição inicial, ou que remeta essa decisão à 1ª instância.

O recorrido contra alegou, defendendo a manutenção do julgado.

Precedendo a admissão da revista, a Relação pronunciou-se em acórdão de 2/6/16 sobre a arguição de nulidade por omissão de pronúncia suscitada nas alegações do recorrente, negando a existência desse vício.

Tudo visto, cumpre decidir.

2. Fundamentação

a) Nas oito primeiras conclusões da minuta levanta-se a questão da nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia, que consistiu, na tese do réu, no facto de não te­rem sido apreciados os fundamentos da sua defesa expostos nos artigos 11º e seguintes da contestação e especificamente referidos na 1ª conclusão.

Parece evidente, todavia, a sua ausência de razão.

De omissão de pronúncia só pode com propriedade falar-se quando determinada questão colocada ao tribunal - e relevante para a decisão do litígio por se integrar na causa de pe­dir ou em alguma excepção invocada - não é objecto de apreciação. Efectivamente, o artº 608º, nº 2, do CPC diz que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solu­ção dada a outras; e diz ainda que ele não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Em linha com esta disposição, estabelece mais adiante o artº 615º, nº 1, d), que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Ora, no caso presente como, aliás, conscientemente ou não, se reconhece na conclusão 3ª - a Relação não omitiu o conhecimento de nenhuma questão a cuja apreciação estivesse obrigada, fosse ela de conhecimento oficioso, ou em tempo oportuno alegada pelas par­tes. Na verdade, é patente que o problema suscitado nos artigos da contestação referidos na minuta do recurso e, mais precisamente, os dados de facto em que repousa, tem que ver com os pressupostos da obrigação de informação a cargo do réu (e o correspondente direito do autor), tal como estão em abstracto configurados nos artºs 573º/575º do CC, pressupostos esses cuja verificação em concreto, afirmada pelo autor e negada pelo Banco réu, foi objecto de análise no acórdão recorrido, bem como na sentença da 1ª instância, embora com resultados práticos diversos. Não há, portanto, nenhuma nulidade por omis­são de pronúncia a considerar; e pode mesmo dizer-se com toda a segurança que ao alegar e concluir do modo como o fez o réu está a imputar ao acórdão recorrido, não exacta­mente uma nulidade (no sentido de vício formal da decisão), mas antes um verda­deiro e próprio erro de julgamento (no sentido de vício substancial, respeitante à definição do direito e da correlativa obrigação que na acção se discutiram – à sua existência e ao seu conteúdo). De qualquer modo, mesmo tendo obtido ganho de causa na 1ª instância, como obteve, e prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo autor (ape­lante), o réu dispôs da oportunidade, conferida pelo artº 636º, nº 2, do CPC, de a título subsidiário arguir a nulidade da sentença ao contra alegar na apelação; abstendo-se de o fazer, fechou por sua própria iniciativa a porta que se encontrava aberta para em eventual recurso de revista conseguir a reapreciação da questão; e fechou essa porta porque, como é sabido, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, apenas podendo incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas (salvo, naturalmente, as de co­nheci­mento oficioso, que aqui não estão em causa).

Improcedem, consequentemente, as conclusões 1ª a 8ª.

b) Nas restantes conclusões da revista a questão posta é a de saber se estão ou não verifi­cados os pres­supostos de que a lei faz depender a existência da obrigação de informação e de apresen­tação de documentos a que aludem os artºs 573º/575º do CC e 1045º/1047º do CPC.

Dando procedência à apelação do autor, o acórdão recorrido respondeu afirmativamente a esta questão, e a nosso ver com inteira razão, mostrando-se improcedente a argumenta­ção em contrário apresentada pelo recorrente.

Com efeito, está documentalmente provado - o próprio Banco recorrente não o colocou em dúvida na sua contestação - que o autor é filho e herdeiro de DD e de CC, falecidos, respectivamente, em 9/5/2001 e 23/4/2004; e encontra-se de igual modo provado que enquanto vivos os pais do autor foram ambos titulares e co-titu­lares de vá­rias contas bancárias no Banco réu onde existiram depósitos, aplicações finan­ceiras e ou­tros valores que lhes pertenceram.

Ora, o artº 1045º do CPC dispõe:

“Aquele que, nos termos e para os efeitos dos artigos 574º e 575º do Código Civil, pre­tenda a apresenta­ção de coisas ou documentos que o possuidor ou detentor lhe não queira facultar justifica a necessidade da diligência e requer a citação do recusante para os apresentar no dia, hora e local que o juiz designar”.

O artº 574º, nº 1, do CC, por seu turno, diz:

“Ao que invoca um direito, pessoal ou real, ainda que condicional ou a prazo, relativo a certa coisa, móvel ou imóvel, é lícito exigir do possuidor ou detentor a apresentação da coisa, desde que o exame seja necessá­rio para apurar a existência ou o conteúdo do direito e o demandado não tenha motivos para fundada­mente se opor à diligência”.

Finalmente, o artº 575º estabelece que “As disposições do artigo anterior são, com as ne­cessárias adaptações, extensivas aos documentos, desde que o requerente tenha um inte­resse jurídico atendível no exame deles”.

No caso dos autos, do que se trata, em suma, é da obrigação de informar relativa a contas bancárias existentes no Banco réu e de que os pais do autor foram titulares.

Sucede que a tal respeito a jurisprudência e a doutrina são hoje praticamente unânimes: o sigilo bancário é inoponível aos herdeiros do cliente, a partir do momento em que estes provem esta sua qualidade.

Assim, como bem se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 14/11/2000 (CJ – Con­tratos Comerciais, Direito Bancário e Insolvência (CIRE) – Jurisprudência 2000/2009pág. 579“falecendo o titular ou um dos titulares duma conta bancária, o Banco não pode, invocando o sigilo bancá­rio, recusar informações aos herdeiros. Esses herdeiros não são terceiros. O banco apenas tem de assegurar-se da qualidade de herdeiros do re­querente da informação”.

No mesmo sentido, no acórdão deste STJ de 21/3/2000 (CJSTJ –Ano VIII-Tomo I- pág. 130), decidiu-se que “Falecido um dos titulares de uma conta bancária conjunta, os seus herdeiros passam a ser os beneficiários do segredo bancário, podendo, para conhecer o património hereditário, pedir informações e conhecer a evolução das contas bancárias antes e depois do óbito”.

Por último, e de modo muito claro e impressivo, este mesmo STJ decidiu no seu acórdão de 7/10/10 (Procº 26/08.6TBVCD.P1.S1-6ª) - CJSTJ, Ano XVIII, Tomo III/2010, P. 111 – o seguinte:

1 - O titular de uma conta bancária, para aceder às informações sobre os seus movimentos ou obter um qualquer extracto bancário, não necessita, para além de comprovar que é titular da conta, de demonstrar um qualquer interesse concreto na obtenção de informa­ções.

2 - O direito à informação e, designadamente, o direito à obtenção de informações do­cumentadas sobre os movimentos bancários resulta directamente da lei e do contrato bancário celebrado com vista à abertura da conta.

3 - Tal direito deverá considerar-se transmitido aos herdeiros, uma vez que os depósitos, enquanto bens, fazem parte do acervo da herança aberta por morte do depositante.

4 - Os herdeiros de um depositante bancário não podem ser tidos como terceiros, relati­vamente às contas do mesmo, razão por que não lhe pode ser oposto o segredo bancário.

5 – Os bancos réus não têm qualquer fundamento legal para recusarem a apresentação dos extractos bancários solicitados, designadamente quanto ao período decorrido desde a abertura das contas até à data do óbito da mãe da autora, na medida em que o acesso a tais documentos, sendo um direito de sua mãe, se transmitiu para a recorrente, sua her­deira, que assim legalmente o poderá exercer.

6 – Por via hereditária, a autora ingressa na titularidade da situação jurídica pertencente a sua mãe, passando a assistir-lhe todos os direitos que àquela pertenciam, na medida do seu respectivo quinhão.

Num estudo publicado na Revista Temas de Direito Bancário, nº 8, 2014, o Prof. Mene­zes Cordeiro escreve a dado passo - pág 33 - que “o  sigilo bancário conhece algumas excepções. Perante o Direito privado, o segredo só cede em face de quem tenha um direito bastante relativo ao bem que esteja – ou possa estar – na posse do banqueiro. É o que sucede em face dos sucessores do cliente ou os seus credores, em processo executivo.” E um pouco mais adiante - pág. 39 - depois de afirmar que “nas relações privadas o levantamento do sigilo bancário só pode ocorrer em conjunturas muito parti­culares. No fundo, o que se verifica é uma situação global que faz, ao sigilo, perder o seu alcance.”  - alude a diversos acórdãos dos tribunais superiores que ilustram esta ideia, destacando, justamente, aqueles que decidiram não poder o sigilo bancário ser oposto aos herdeiros do cliente do banqueiro.

Perante o exposto, afigura-se nada mais ser necessário dizer para demonstrar que as con­clusões do presente recurso são improcedentes. Na verdade, muito embora não invoque frontalmente o dever de sigilo bancário para se recusar a prestar as informações pretendi­das pelo autor, o réu fá-lo de modo indirecto ao dizer que a sua obrigação está circuns­crita às contas de que os pais do autor eram titulares ou co-titulares à data dos respecti­vos óbitos. Mas não é, nem pode ser assim: precisamente por se tratar duma sucessão here­ditária, o chamamento à titularidade das relações jurídicas patrimoniais do autor da he­rança envolve necessariamente, por força da lei, a transmissão para os herdeiros do ti­tular da conta bancária do direito a obter os documentos relativos aos movimentos efec­tuados, quer antes, quer depois da sua morte (artºs 2024º, 2139º, 2157º e 2159º do CC); e não afasta nem impede o exercício efectivo desse direito, sob pena de o tornar, na prática, despido de conteúdo, o facto de à data da morte do de cujus a conta ou contas já não existirem ou estarem canceladas, ou mesmo a circunstância dele já não ser então seu titu­lar, pois as infor­mações a prestar pelo banco reportam-se, ainda e sempre, a bens deposi­tados na(s) conta(s) e que por via sucessória se terão transmitido para os herdeiros.

Na situação apreciada no presente processo a conclusão exposta sai reforçada na medida em que, nos termos exigidos pelo artº 575º do CC, o autor estava obrigado a demonstrar um interesse jurídico atendível no exame dos documentos especificados no artº 92º da petição; e tal comprovação mostra-se efectuada já que, sem contestação do recorrente, alegou precisar das informações bancárias em causa para apurar com a indispensável segu­rança se sua irmã, cabeça de casal da herança aberta por morte de DD, pai de am­bos, sonegou bens nela incluídos (designadamente, e no que interessa para o caso, valores existentes nas contas bancárias ajuizadas); ora, afirmar isto corresponde praticamente a dizer que o exame dos documentos se tornou necessário para determinar com precisão o conteúdo do seu direito hereditário, necessidade esta que constitui o requisito essencial de que o artº 574º do CC, como acima se viu, faz depender a existência do direito aqui acci­onado contra o Banco réu.

Improcedem, assim, ou mostram-se deslocadas todas as conclusões do recurso.

3. Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 8/Novembro/2016

Nuno Cameira (Relator)

Salreta Pereira

João Camilo