Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1302/05.5GBFSNT-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
PENA DE MULTA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL
CUMPRIMENTO DE PENA
Data do Acordão: 04/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: PROCEDÊNCIA/DECRETAMENTO
TOTAL
Área Temática: DIREITO PENAL - PENAS
DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMUNICAÇÃO DOS ACTOS - NULIDADES - MEDIDAS DE COACÇÃO/ MODOS DE IMPUGNAÇÃO
Doutrina: -Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, págs. 296, 297.
-J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 113.º, N.º9, 119.º, N.º9, 220.º, N.º1, 222.º, N.º2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 43.º, N.º2, 49.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 07-08-2009, PROCESSO N.º 188/08.2PBEVR-A.S1, DE 14-08-2009, PROCESSO N.º 178/08.5GTEVR-A.S1, DE 26-01-2011, PROCESSO N.º 7/11.2YFLSB E DE 02-03-2011, PROCESSO N.º 732/03.1PBSCR-A.S1, TODOS DESTA SECÇÃO, E DE 04-04-2012, NO PROCESSO N.º 934/10.4GAVNG-A.S1, DA 5.ª SECÇÃO;
-DE 7 E DE 14 DE JANEIRO DE 2009, PROCESSOS N.º 2865/08 E N.º 2494/08 (CFR. ACÓRDÃO DE 26-01-2011, NO PROCESSO N.º 1349/06.4TBLSB.P1.S1).
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 61/88, PUBLICADO NO DR, II SÉRIE, DE 20-08-1998;
-N.º 59/99, DE 2-2-1999, PROCESSO N.º 487/97- 2.ª SECÇÃO, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, N.º 75, DE 30-03-1999, E ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME 42.º, E BMJ, N.º 484, PÁG. 48.
- N.º 109/99, DE 10-2-1999, PROCESSO N.º 747/98 – 3.ª SECÇÃO, IN DR, II SÉRIE, N.º 137, DE 15-06-1999, E ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME 42.º, E BMJ, N.º 484, PÁG. 140.
-N.º 433/2000, DE 11-11-2000, PROCESSO N.º 53/00, 2.ª SECÇÃO, IN DR, II SÉRIE, N.º 268, DE 20-11-2000, E ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME 48.º.
-N.º 87/2003, DE 14-2-2003, PROCESSO N.º 395/2002, IN DR, II SÉRIE, N.º 119, DE 23 DE MAIO DE 2003.
-N.º 274/2003, DE 28-5-2003, PROCESSO N.º 7/2003, DA 3.ª SECÇÃO, IN DR II SÉRIE, N.º 153, DE 05-07-2003 E ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME 56, PÁGS. 381 E SS..
-N.º 378/2003, DE 15-7-2003, PROCESSO N.º 821/2002-2.ª SECÇÃO, PUBLICADO IN ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME 56, PÁGS. 757 E SS..
-N.º 429/2003, DE 24-9-2003, PROCESSO N.º 749/2002-3.ª SECÇÃO, PUBLICADO NO DR, II SÉRIE, N.º 270, DE 21-11-2003.
-N.º 503/2003, DE 28 DE OUTUBRO DE 2003, PROCESSO N.º 37/2003, 1.ª SECÇÃO, IN DR, II SÉRIE, N.º 3, DE 5-01-2004.
-N.º 545/2003, DE 11-11-2003, PROCESSO N.º 799/02-1.ª SECÇÃO, IN DR, II SÉRIE, DE 6-01-2004.
-N.º 36/2004, DE 14-1-2004, PROCESSO N.º 627/2002-2.ª SECÇÃO, IN DR, II SÉRIE, N.º 43, DE 20-02-2004.
-N.º 476/2004, DE 2-7-2004, PROCESSO N.º 151/2004, DA 2.ª SECÇÃO, IN DR, II SÉRIE, N.º 190, DE 13-08-2004 E ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME 60, PÁGS. 163 E SS.
-N.º 77/2005, DE 15-2-2005, PROCESSO N.º 149/2004, IN DR, II SÉRIE, DE 30-03-2005 E ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME 61, PÁGS. 375 E SEGUINTES
-N.º 312/2005, DE 8-8-2005, PROCESSO N.º 856/2003, DR, II SÉRIE, N.º 151, DE 08-08-2005 E ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME 62, PÁGS. 719 E SEGUINTES.
-N.º 418/2005, DE 4-8-2005, PROCESSO N.º 435/05 – 2.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT
-N.º 422/005, DE 17-8-2005, PROCESSO N.º 572/2005 - 2.ª SECÇÃO, IN DR, II SÉRIE, N.º 183, DE 22-09-2005, E ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME N.º 62, PÁGS. 1121 E SS..
-N.º 206/2006, DE 22-3-2006, PROCESSO N.º 676/2005 – 1.ª SECÇÃO, IN DR, II SÉRIE, N.º 101, DE 25-05-2006.
-N.º 275/2006, DE 2-5-2006, PROCESSO N.º 23/2006 – 2.ª SECÇÃO, IN DR, II SÉRIE, N.º 110, DE 7 DE JUNHO DE 2006.
-N.º 111/2007, DE 15-2-2007, PROCESSO N.º 761/06-2.ª SECÇÃO, IN DR, II SÉRIE, DE 20-03-2007, E ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME N.º 67, PÁG. 537.
-N.º 489/2008, DE 7-10-2008, PROCESSO N.º 106/08 – 2.ª SECÇÃO, IN DR, II SÉRIE, DE 11-11-2008 E ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME N.º 73, PÁG. 277.
-N.º 549/2009, DE 27-10-2009, PROCESSO N.º 140/09, DA 3.ª SECÇÃO, IN ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME N.º 76, PÁGS. 183 E SS..
-N.º 483/2010, DE 09-12-2010, PROCESSO N.º 452/10, DA 3.ª SECÇÃO.
-N.º 17/2010, DE 12-01-2010, PROCESSO N.º 498/09, DA 2.ª SECÇÃO, IN DR, 2.ª SÉRIE, N.º 36, DE 22-02-2010.
Sumário : I  -  A providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente, «medida expedita» com a finalidade de rapidamente por termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: em caso de detenção ilegal, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.º 1 do art. 220.º do CPP e quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nas situações extremas de abusos de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.º 2 do art. 222.º do CPP.

II - O art. 222.º, n.º 2, do CPP, constitui a norma delimitadora do âmbito de admissibilidade do procedimento em virtude de prisão ilegal, do objecto idóneo da providência, nela se contendo os pressupostos nominados e em numerus clausus, que podem fundamentar o uso a garantia em causa.

III -O peticionante foi condenado em pena de prisão substituída por multa, pela prática de um dos crimes por que foi condenado, e em penas de multa pela comissão de outros, não tendo sido pagas as multas, do que resultou o «retorno» à pena de prisão no primeiro e à aplicação de correspondente prisão subsidiária, no segundo. Por não ter a multa substitutiva da prisão, nem a fixada a título principal sido paga, foi determinado a execução da pena de prisão, e convertida esta multa em prisão subsidiária, nos termos dos arts. 43.º, n.º 2, e 49.º, n.º 1, do CP.

IV - Entende o recorrente que se encontra ilegalmente preso, por ainda não ter transitado em julgado o despacho determinativo da sua prisão, falecendo «título executivo» para a consumada privação de liberdade, acrescendo que actualmente se mostram pagas as multas. Esta posição arranca do pressuposto de que se impunha no caso concreto a notificação pessoal do arguido do despacho que ordenou a execução da prisão, nos termos do art. 113.º, n.º 9, do CPP, não bastando a notificação ao defensor, efectuada por via postal registada.
V -  Na situação presente o arguido apenas foi notificado, na sua própria pessoa, da acusação e da sentença, tendo-se conformado com esta, mas esperando ser notificado para pagar as multas. Assim, o julgamento processou-se à inteira revelia do arguido, pois não foi notificado, na sua própria pessoa, nem para a nova residência que comunicou, tendo sido representado por uma defensora de escala, face à não comparência da nomeada, de tal forma que as subsequentes notificações foram feitas para aquela defensora de escala, ou seja, uma defensora «ad hoc».
VI - De acordo com o art. 119.º, n.º 9, do CPP, as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas a aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor oficioso.
VII - No caso presente a morada do TIR já não valia, e não se estabelecia um canal de comunicação entre a defensora e o arguido, colocando-se a questão da necessidade de notificação pessoal do arguido do despacho revogatório da pena substitutiva e da aplicação de prisão subsidiária. Com efeito, apesar de este tipo de despacho não se conter na letra do n.º 9 do art. 113.º do CPP, deve entender-se que tem de ser integrado no núcleo essencial defesa do arguido, sendo de exigir a notificação pessoal de decisões que podem conduzir a uma privação de liberdade como de resto ocorre com a eventual revogação da suspensão da execução da pena.

VIII - Na verdade, exigindo o citado preceito a notificação pessoal quando estão em causa garantias patrimoniais e dedução de pedido cível, não se vê como não albergar as hipóteses em que poderá haver lugar a privação da liberdade. Aliás, nestes casos, em que a posterior; a decisão versa sobre a execução da pena de substituição é ainda a sentença condenatória que está presente, tratando-se da sua execução, e portanto, devem estes casos ser considerados como abrangidos pela existência de notificação pessoal.

Decisão Texto Integral:     O cidadão nacional AA, condenado no processo n.º 1302/05.5GFSNT, pendente no ex-3.º Juízo Criminal de Sintra, actual Secção de Recuperação de Pendências de Sintra, encontrando-se preso no Estabelecimento Prisional de Caxias, em cumprimento de pena aplicada nesse processo, em petição elaborada pela Exma. Mandatária, veio, nos termos do disposto nos artigos 18.º, n.º 1 e 31.°, da C.R.P. e 222.°, n.º 2, alínea b), do C.P.P., requerer a providência de “Habeas Corpus”,  para tanto alinhando o seguinte somatório de razões (em transcrição integral):

“Porquanto no dia 2 de Abril de 2012 foi ilegalmente detido e conduzido ao E. P. de Caxias, onde se encontra a cumprir pena de prisão.

1. Assumindo a providência do habeas corpus uma natureza excepcional, utilizamo-la no caso sub judice porque falharam, em tempo útil, todas as demais garantias de defesa do direito à liberdade e porque, com o devido respeito, consideramos que a situação de privação de liberdade subjacente ao presente pedido consubstancia um inequívoco erro grosseiro.

2. Efectivamente, o ora requerente foi condenado, por sentença de 12 de Novembro de 2009, proferida no Proc° n° 1302/05.5GFSNT, que correu termos na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Sintra - Secção de Recuperação de Pendências, numa pena de prisão de cinco meses, substituída por 150 dias de multa à taxa diária de 5 €, e ainda a 240 dias de multa à taxa diária de 5 €.

3. No referido processo, o ora requerente foi constituído arguido e sujeito à medida de coacção T.I.R.

4. Ainda na fase de inquérito, tendo mudado de residência, e no cumprimento do dever imposto pela medida de coação, informou os autos, por escrito, a fls. 54, da alteração de morada, pelo que as notificações pessoais deveriam, a partir daí, passar a ser enviadas para a nova morada.

5. Mas uma série sucessiva de erros e omissões quanto à notificação pessoal do arguido fez com que, no caso, fossem postergadas todas as garantias de defesa que a C.R.P. põe à disposição dos seus cidadãos.

6. O ora requerente, que no referido processo era primário - e que mantém esse registo até ao presente -, não pôde, desde logo, defender-se na audiência de julgamento pois, apesar de ter informado os autos da mudança de residência, todas as notificações continuaram a ser enviadas para a morada do T.I.R.

7. Seria, no entanto, notificado, através de O.P.C., da douta sentença que o condenou, e com a qual, apesar de tudo, se conformou, aguardando ser notificado, na sua morada, das guias para pagamento das multas.

8. Só que todas as notificações posteriores passaram (novamente) a ser enviadas para a primeira morada, a do T.I.R, incluindo o despacho que o alertava para a recuperação da pena de prisão caso não pagasse a multa.

9. E foi assim que o tribunal, que fez “tábua rasa” da alteração de morada que o arguido comunicou aos autos, passou, “comodamente”, a considerá-lo notificado, por PD na morada do T.I.R., e na pessoa da defensora oficiosa (nomeada de escala no dia do julgamento), assim justificando o entendimento de trânsito em julgado do despacho que “recuperou” a pena de prisão.

10. Não consideramos atendível o argumento de que o ora requerente foi considerado notificado na pessoa da sua defensora oficiosa, pois o mesmo colaborou, na medida do exigível, com o tribunal quando comunicou, por escrito, aos autos, a alteração da sua morada (onde ainda hoje habita) e era, no mínimo, expectável que as notificações, muito especialmente as que “mexem” com a liberdade individual, lhe fossem comunicadas na sua pessoa.

11. Os cuidados que o tribunal teve para notificar pessoalmente, através de OPC, o ora requerente da sentença que o condenou, deveriam ter-se repetido para a notificação de um despacho que tornou exequível a prisão, precisamente por estar em causa a liberdade individual.

12. Refere um douto acórdão da Relação do Porto que “não obtendo a multa de substituição pagamento, total ou em prestações, e não justificando o arguido, atempadamente, que o respectivo incumprimento se ficou a dever a razão que não pode culposamente ser-lhe assacada, será de imediato ordenado o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença”.

13. Transpondo a douta posição para o caso dos autos, perguntamos: em que momento é que o ora requerente teve oportunidade de, atempadamente, cumprir ou demonstrar que não era culpado do incumprimento?

14. Pois bem, é nosso modesto entendimento que a interpretação conjugada dos art°s 43º/2 e 49º/3 do CP. deveria permitir, a todo o tempo - já que, no caso sub judice, nunca foi dada ao ora requerente a oportunidade de o fazer “atempadamente” - a suspensão da execução da pena de prisão para que provasse a razão do não pagamento.

15. Mas assim não aconteceu e no dia 2 de Abril de 2012, ao apresentar-se numa esquadra de polícia para efectuar uma queixa, o ora requerente foi confrontado com a existência do mandado de detenção e de seguida conduzido ao estabelecimento prisional.

16. Consideramos esse mandado de detenção ilegal (nulo), porquanto o despacho que tornou exequível a pena de prisão não transitou em julgado por omissão de notificação pessoal do condenado.

17. A prisão efectiva do ora requerente é, assim, um atentado ilegítimo à sua liberdade individual, pois o mesmo foi vítima de um caso judicial anómalo, em que falharam todas as garantias de defesa, já que, por razões alheias à sua vontade, a prisão resultou de uma sucessão de erros de secretaria e mecanismos processuais automáticos, os quais, com o devido respeito por opinião contrária, não se coadunam com o ordenamento jurídico de um estado de direito que possui uma Constituição que garante tratamento digno a qualquer ser humano.

18. Porque assim não aconteceu, e o ora requerente se encontra efectivamente preso, consideramos a prisão ilegal, nos termos do n° 222, n° 2, alínea b) do C.P.P, por referência ao art° 18.º, n° 1 da C.R.P.

19. O procedimento que consideramos consentâneo com as garantias de defesa que um verdadeiro estado de direito consigna na sua lei fundamental, será que o ora requerente seja de imediato restituído à liberdade e, eventualmente, mandado colocar à ordem do Supremo Tribunal de Justiça para o que for tido por conveniente.

Assim se fazendo JUSTIÇA!


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O Exmo. Juiz exarou a informação a que alude o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, de fls. 8 a 9 verso, consignando:

        “Perante o requerimento de habeas corpus apresentado, nos termos do art.° 223°, n.° 1, do Código de Processo Penal, cumpre informar das condições em que o arguido foi preso.

        O arguido AA foi detido em 2 de Abril de 2012 (cfr. fls. 282/287), tendo-lhe sido convertida a pena de 240 dias de multa em que foi condenado em 160 dias de prisão subsidiária, bem como, foi determinado o comprimento da pena de 5 meses de prisão, por despacho proferido nos autos a fls. 258/259, já transitado em julgado.

      De acordo com acta, datada de 02.11.2009, foi dado início a audiência de discussão e julgamento, tendo sido dado ora arguido como regularmente notificado.

      O arguido foi condenado nestes autos, por sentença de fls. 176/206, pela prática, em autoria material, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigos 347° do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, bem como, pela prática, em autoria material, de quarto crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181°, n.° 1 e 184°, com referência ao artigos 132°, n.° 2, alínea J), todos do Código Penal, nas penas parcelares de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, por cada um deles, e em cúmulo jurídico na pena única de 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e de 240 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.

       A 5 de Abril de 2010 (cfr. fls. 220/222) foi o arguido notificado, pessoalmente por O.P.C., da sentença proferida nos autos, não tendo interposto recurso, sentença esta que transitou em julgado.

      A fls. 249 dos autos foi determinada a notificação do arguido e Ilustre Defensora para se pronunciarem quanto a promoção constante de fls. 248 dos autos (cfr. fls. 248 a 252, 253 a 255).

      Por despacho proferido a fls. 258/259 dos autos, foi determinado o comprimento da pena de 5 meses de prisão, bem como, foi determinado a conversão da pena de multa em 160 dias de prisão subsidiária.

      O arguido e ilustre Defensora foram notificados (cfr. fls. 260/263), nada tendo informado ou requerido nos autos.

      A 2 de Abril de 2012 foi o arguido detido (cfr. fls. 282/287).

      Por requerimento de fls. 288/289 foi requerido a libertação do arguido, tendo sido objecto de apreciação por despacho de fls. 293/294, que indeferiu o requerido.

     Despacho este, que também, transitou em julgado.

     Aliás, saliente-se que nenhum dos despachos supra aludidos foi objecto de recurso, pelo que se encontram transitados em julgado.

     Por requerimento constante de fls. 304/309 dos autos, veio, novamente, o arguido requerer a sua libertação, tendo para o efeitos requerido a apreciação da falta de notificação de um dos despachos proferido nos autos, tendo sido objecto de apreciação por despacho proferido a fls. 313/314 dos autos.

     Nestes termos, a prisão deverá, pois, manter-se”.


                                                 *******

      Mostra-se junta certidão da sentença condenatória, bem como de notificações dirigidas à defensora, à morada actual do arguido no caso da acusação e as restantes para a morada constante do TIR e posteriormente modificada.   

     

      Convocada a Secção Criminal e notificado o Ministério Público e o Defensor, teve lugar a audiência.

      Realizada a audiência, cumpre apreciar e decidir.


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      Constam dos autos os seguintes elementos fácticos que interessam para a decisão da providência requerida:

I – No âmbito do processo comum singular n.º 1302/05.5GFSNT, da Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, Sintra - Secção de Recuperação de Pendências (ex-3.º Juízo Criminal da Comarca de Sintra), por sentença  de 12 de Novembro de 2009, o ora requerente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.° do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, substituída por 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5, e pela prática, em autoria material, de quatro crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.°, n.° 1 e 184.°, com referência ao artigo 132.°, n.° 2, alínea j), do Código Penal, nas penas de 90, dias de multa, à taxa diária de € 5, por cada um deles.

d) Em cúmulo jurídico das penas parcelares foi o arguido condenado na pena única de 5 (cinco) meses de prisão, substituída por 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros) e de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros).

II – No dia 5 de Abril de 2010, pelas 15h50, o arguido foi notificado na sua morada em Massamá, pela PSP, da sentença, a qual transitou em julgado em 26-04-2010.

III – Por despacho de 07-04-2011 foi ordenada a notificação do arguido para se pronunciar sobre promoção do Ministério Público no sentido de ser determinado o cumprimento da pena de prisão em que fora condenado e a conversão da pena de multa principal em prisão subsidiária.  

IV – A defensora do arguido foi notificada por via postal registada emitida em 11-04-2011 (fls. 250, aqui fls. 70).

V – Na mesma data foi emitida via postal registado com prova de recepção dirigida para a Rua N… Go…, n.º x, x.º esq., M… M….

VI – Por despacho datado de 23-05-2011, fazendo fls. 258/9 do processo, foi determinado o cumprimento, pelo arguido, da pena de prisão de 5 meses em que foi condenado, bem como foi convertida a pena de multa de 240 dias, na pena de prisão subsidiária de 160 dias.

VII – Para tanto, o referido despacho teve em consideração que “O arguido não procedeu ao pagamento da pena de multa, seja da substitutiva da pena de prisão aplicada, seja da aplicada como pena principal. Para além disso, não requereu a sua substituição por dias de trabalho a favor da comunidade, nem fez prova de que o não pagamento não lhe é imputável (…) Por fim, não foi possível obter o pagamento coercivo da referida multa, em virtude de não lhe serem conhecidos bens penhoráveis”.

VIII – Foi determinada no mesmo despacho a emissão de “mandados de detenção para o cumprimento da pena ora determinado, fazendo, ainda, menção de que o arguido podia evitar a execução da prisão subsidiária (de 160 dias) procedendo ao pagamento, no todo ou em parte da multa de 240 dias, nos termos do n.º 2 do artigo art. 49.º, do Cód. Penal.

IX – Em 31-05-2011 foi emitida a “notificação por via postal registada” dirigida à Dra. I… O… M…, defensora presente na audiência de julgamento e que se encontrava então de escala (fls. 260, aqui fls. 79), do despacho proferido em 23-05-2011.

X – Em 31-05-2011 foi emitida a “notificação por via postal registado com prova de recepção” dirigida para a antiga morada do arguido constante do TIR, e já modificada - fls. 261 (aqui fls. 80), visando a notificação do mesmo despacho.

XI – O arguido foi preso em 2 de Abril de 2012.

XII – O arguido apresentou requerimento alegando não ter sido notificado do despacho que determinou o cumprimento de pena e requerendo a sua libertação.

XIII – Na sequência de promoção nesse sentido (fls. 98), foi proferido em 05-04-2012 despacho, a fls. 293, entendendo-se o arguido notificado do despacho de fls. 258/9, na pessoa da sua defensora (quando refere fls. 250) e indeferindo o requerido.

XIV – O arguido apresentou novo requerimento, defendendo não ter transitado em julgado o despacho que dava conta da “recuperação” da pena de prisão original caso não fosse paga a multa que a substituiu, e encontrando-se pagas as duas multas em que foi condenado, entende-se não subsistir razão para que continue preso, devendo ser restituído à liberdade – fls. 288/9.

XV – Tal pretensão foi indeferida por despacho de 5 transacto, tendo sido notificada a Exma. Advogada constituída e emitido ofício para o arguido dirigido ao EP de Caxias, com a mesma data – fls. 293/6 (99 a 102) – tendo o arguido sido notificado em 9 (fls. 111), ou 13 de Abril (fls. 114 verso).

No que toca à morada do arguido e tentativas de notificação destinadas ao insucesso:

Na prestação de TIR, em 7-07-2005, o arguido indicou como sua residência a seguinte: Rua N… G…, n.º x, x.º Esq. M… – M.. M….

Em 10 de Abril de 2007 o arguido dirigiu ao processo informação escrita de alteração de residência, indicando como nova morada a Rua do M…, n.º xx, x.º B, M… – fls. 54, aqui fazendo fls. 12.

Nas notificações subsequentes a tal informação, verificou-se o seguinte:

A única carta enviada correctamente para esta última direcção corresponde à notificação da acusação em 27-04-2007 (fls. 59 e 67, aqui fls. 16 e 17).

As seguintes, porque se ignorou a informação do arguido, foram todas remetidas para a morada constante do TIR.

Assim aconteceu em 30-09-2009, com a notificação para julgamento (fls. 79-80-91 e ora fls. 20/2), a que o arguido não compareceria, o que não impediu o Tribunal de o ter considerado como regularmente notificado, tendo inclusive sido condenado em multa, atendendo à morada do TIR e “notificação” de fls. 91, como se consignou no despacho ditado para a acta.

No relatório da sentença consta mesmo o arguido como sendo residente na antiga morada do TIR - fls. 176 (26).

Na tentativa de notificação da sentença em 17-11-2009, a fls. 210 (59), foi indicada a antiga morada, tendo resultado, naturalmente, em certidão negativa, lavrada em 23-02-2010 (fls. 212, aqui fls. 61).

De seguida foi enviado novo pedido para a PSP, mas agora com a indicação da morada correcta (fls. 219 a 222 e 62 a 65), sendo a notificação da sentença efectuada na pessoa do arguido em 5 de Abril de 2010.

Anote-se que é de ter por correcta esta informação, face ao que o requerente afirma no ponto 7 do pedido, pois do teor da certidão (?) elaborada pela PSP não consta exactamente essa notificação, pese embora o pedido, procedendo-se como se estivesse em causa a notificação para uma qualquer diligência – cfr. fls. 221 (aqui fls. 64).

Do mesmo modo, consta a desactualizada morada constante do TIR nos boletins de registo criminal – fls. 249 (66).

A morada constante do TIR subsiste na tentativa de notificação do despacho de 07-04-2011, em conexão com a promoção de 4-4-2011 (fls. 248-9 e 251-2, aqui fls. 68, 69, 71-2), devolvida ao remetente e ainda no ofício enviado à PSP de Rio de Mouro em 28-04-2011, para notificação do arguido (fls. 253, aqui fls.73), que conduziu uma vez mais a informação negativa (fls. 255-75).

O mesmo aconteceu com o mandado de detenção, conforme fls. 85 a 92, que só não terá dado certidão negativa, face às circunstâncias em que se processou a prisão e descritas no ponto 15 do pedido.

Apreciando.

                                                                      

Incluída no capítulo «Direitos, liberdades e garantias pessoais», a providência de habeas corpus é uma garantia fundamental privilegiada (no sentido de que se trata de um direito subjectivo «direito – garantia» reconhecido para a tutela do direito à liberdade pessoal, cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág. 296) e citando este e J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, a figura do habeas corpus é historicamente uma instituição de origem britânica, remontando ao direito anglo - saxónico, mais propriamente ao Habeas Corpus Amendment Act, promulgado em 1679, passando o instituto  do direito inglês para a Declaração de Direitos do Congresso de Filadélfia, de 1774, consagrado pouco depois na Declaração de Direitos proclamada pela Assembleia Legislativa Francesa em 1789, sendo acolhido pela generalidade das Constituições posteriores e introduzido entre nós pela Constituição de 1911, tendo como fonte a Constituição Republicana  Brasileira de 1891, muito influenciada pelo direito constitucional americano.  A Constituição de 1933 consagrou igualmente o instituto que só veio a ser regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 35043, de 20-10-1945, cujas disposições vieram a ser integradas no Código de Processo Penal de 1929 pelo Decreto-Lei n.º 185/72, de 31-05, sendo que no pós 25 de Abril de 1974 teve a regulamentação constante do Decreto-Lei n.º 744/74, de 27-12-1974 e Decreto-Lei n.º 320/76, de 04-05-1976.

A Lei n.º 43/86, de 26-09 - lei de autorização legislativa  a cujo abrigo foi elaborado o Código de Processo Penal vigente - estabeleceu a garantia no artigo 2.º, n.º 2, alínea 39.

Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade.

Trata-se de uma garantia do direito à liberdade com assento na Lei Fundamental que nos rege, prevista no artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa, dispondo o n.º 1, na redacção dada pela 4.ª revisão constitucional – artigo 14.º da Lei Constitucional n.º 1/97, publicada no DR-I.ª Série - A, de 20-09-1997 - que «haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente».

            Sendo o direito à liberdade um direito fundamental – artigo 27.º, n.º 1, da CRP - e podendo ocorrer a privação da mesma, «pelo tempo e nas condições que a lei determinar», apenas nos casos elencados no n.º 3 do mesmo preceito, a providência em causa constitui um instrumento reactivo dirigido ao abuso de poder por virtude de prisão ou  detenção ilegal.

Ou, para utilizar a expressão de Faria Costa, apud acórdão do STJ de 30-10-2001, in CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 202, atenta a sua natureza, trata-se de um «instituto frenador do exercício ilegítimo do poder».

            A providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente «medida expedita» com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: em caso de detenção ilegal, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.º 1 do artigo 220.º do CPP e quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nas situações extremas de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal.

Sendo a prisão efectiva e actual o pressuposto de facto da providência e a ilegalidade da prisão o seu fundamento jurídico, esta providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar (assim, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II volume, pág. 297) há-de fundar-se, como decorre do artigo 222.º, n.º 2, do CPP, em ilegalidade da prisão proveniente de (únicas hipóteses de causas de ilegalidade da prisão):

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

O artigo 222.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, constitui a norma delimitadora do âmbito de admissibilidade do procedimento em virtude de prisão ilegal, do objecto idóneo da providência, nela se contendo os pressupostos nominados e em numerus clausus, que podem fundamentar o uso da garantia em causa.


                                                           *******

Vejamos se a pretensão do requerente se enquadra no referido preceito.

No caso concreto, o que está em discussão é a questão de saber se a prisão do requerente é ilegal, cabendo indagar da razão do argumento invocado – o previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 222.º, do CPP.

Segundo a alínea b) do preceito, a ilegalidade da prisão provém de ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite.

     Analisando a questão.

     Este Supremo Tribunal já se debruçou sobre pedidos de habeas corpus em situações decorrentes de aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código Penal, em que teve lugar a revogação da substituição da pena de prisão pela de multa, renascendo a pena “primitiva” de prisão, como ocorreu nos acórdãos de 07-08-2009, processo n.º 188/08.2PBEVR-A.S1, de 14-08-2009, processo n.º 178/08.5GTEVR-A.S1, de 26-01-2011, processo n.º 7/11.2YFLSB e de 02-03-2011, processo n.º 732/03.1PBSCR-A.S1, todos desta Secção, e de 04-04-2012, no processo n.º 934/10.4GAVNG-A.S1, da 5.ª Secção, mas sempre em situações em que o despacho a ordenar a execução da pena de prisão havia transitado em julgado, após notificação pessoal do condenado.

     Em primeiro lugar há que clarificar a situação do requerente, uma vez que não é disso que se trata aqui.

     O peticionante foi condenado em pena de prisão substituída por multa pela prática de um dos crimes por que foi condenado e em penas de multa, pela comissão de outros, não tendo sido pagas as multas, do que resultou o “retorno” à pena de prisão no primeiro caso e a aplicação de correspondente prisão subsidiária, no segundo.  

     Estabelece o artigo 43.º, n. º 1, do Código Penal, na versão actual, que “A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa de liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º”.

     De forma clara injunge o n.º 2 que “Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença”.

     Mas acrescenta que “É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49.º”.

     O que significa que pode não ocorrer a decretada prisão originária, substituída por multa “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa (substitutiva) lhe não é imputável”, podendo então a execução da prisão “ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro”.  

     Por outro lado, como se viu, o requerente foi condenado em pena de multa, que veio a ser convertida em prisão subsidiária.

     O requerente não pagou a multa substitutiva da prisão, nem a fixada a título principal, tendo sido determinada a execução da pena de prisão, e convertida esta multa em prisão subsidiária, nos termos dos artigos 43.º, n.º 2 e 49.º, n.º 1, do Código Penal.

                                                              *

     O peticionante coloca a questão de não ter sido oportunamente notificado na sua pessoa do despacho que determinou a notificação para se pronunciar sobre o promovido pelo M.º P.º e sobre o despacho que determinou a execução da pena de prisão e a conversão da multa em prisão subsidiária, defendendo não ter transitado em julgado o despacho que ordenou a execução da pena de prisão de cinco meses e de 160 dias de prisão subsidiária.

     Por outras palavras, entende o requerente que se encontra ilegalmente preso, por ainda não ter transitado em julgado o despacho determinativo da sua prisão, falecendo “título executivo” para a consumada privação de liberdade, acrescendo que actualmente se mostram pagas as multas.

     Esta posição arranca do pressuposto de que se impunha no caso concreto a notificação pessoal do arguido do despacho que ordenou a execução da prisão, nos termos do artigo 113.º, n.º 9, do CPP, não bastando a notificação ao defensor, efectuada por via postal registada emitida em 11-04-2011 e em 31-05-2011 (fls. 250 e 260).

     Antes de avançarmos, não será despiciendo convocarmos a específica tramitação deste processo, em que o arguido veio aos autos comunicar uma nova morada, que nem sempre foi atendida, como deveria ser, pelo tribunal.   

     Como vimos, na sua própria pessoa o arguido foi apenas notificado da acusação e da sentença, tendo-se conformado com esta, conforme ponto 7 do pedido, mas esperando ser notificado para pagar as multas.

     O julgamento processou-se à inteira revelia do arguido, pois que não notificado, na sua pessoa, nem para a nova residência que teve o cuidado de comunicar, o que não impediu a sua condenação em multa pela ausência, tendo sido representado, por uma defensora oficiosa de escala, face à não comparência da nomeada, que ao que parece, perdeu o rasto do processo, de forma tal que as subsequentes notificações foram feitas para aquela defensora de escala, ou seja, uma defensora “ad hoc”, colocando-se a questão de saber como funcionará em tais circunstâncias o “mandato”, para mais quando, pelo menos em sede de julgamento, não se chegaram sequer a cruzar.

      Ao que parece, a defensora nomeada pelo Tribunal foi substituída pela defensora de escala no dia do julgamento.

     De acordo com o artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor oficioso.

     A questão que se colocará então é a de saber se releva a notificação já feita à defensora, bastando esta, ou se se impõe a notificação pessoal ao arguido, só então se marcando o dies a quo do prazo de eventual interposição de recurso.

     Nesta óptica, e como argumentação adjuvante, dir-se-á que o Tribunal Constitucional já apreciou a constitucionalidade de normas relativas ao início do prazo para apresentação do requerimento de interposição de recurso em processo penal – questão que ora não está em causa, mas que importa ter em atenção para solução do caso presente – tendo-se pronunciado, por diversas vezes, sobre as exigências que devem rodear o acto de notificação do arguido da sentença/acórdão que o condena, ou do acórdão do Tribunal Superior, que reaprecia aquela decisão, nomeadamente, quando confirma a decisão condenatória, tendo em conta, em particular, as exigências decorrentes da protecção constitucional do direito de defesa, incluindo o direito ao recurso, por forma a que seja salvaguardado o núcleo essencial do princípio da defesa proclamado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, como acentuou no acórdão n.º 61/88, publicado no DR, II Série, de 20-08-1998, assegurando-se que o processo penal seja um processo equitativo e leal (a due process of law, a fair process, a fair trial), sendo recorrente a questão da conformidade constitucional do momento a partir do qual se deve contar o prazo de interposição de recurso: se o da notificação postal da sentença, se do seu depósito na secretaria, se é suficiente a notificação do mandatário ou defensor (primitivo ou ad hoc), ou se se impõe a notificação pessoal “tout court”, por contacto pessoal, e não presumida ou ficcionada.

     Nesse tipo de abordagem está em causa a problemática da notificação ao arguido da decisão condenatória, ou sua confirmação pelo tribunal superior, e a marcação do início do prazo para interposição de recurso, ou noutra perspectiva, a defesa do arguido ausente, considerada como assumida pelo defensor, estando sempre presente nesses acórdãos o cuidado de realçar e ter-se em vista as particularidades do caso sujeito, a especificidade de cada processo.

     Sobre esta temática versaram os acórdãos a seguir indicados, que poderão ser vistos em sumário mais alargado nos acórdãos de 7 e de 14 de Janeiro de 2009, nos processos n.º 2865/08 e n.º 2494/08 (cfr. ainda o acórdão de 26-01-2011, no processo n.º 1349/06.4TBLSB.P1.S1), relatados pelo ora relator, em que estava em causa a interposição de recursos por mandatários/defensores de arguidos em julgamentos in absentia (nos casos versados nos dois primeiros referidos acórdãos, os defensores dos arguidos ausentes haviam interposto recurso, apreciado pelo tribunal superior, e posteriormente, após notificação pessoal dos arguidos, foi interposto um “segundo recurso”, então rejeitado).

     São os seguintes os acórdãos que se debruçaram sobre esta temática:

     Acórdão n.º 59/99, de 2 de Fevereiro de 1999, Processo n.º 487/97- 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, n.º 75, de 30-03-1999, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 42.º, e BMJ, n.º 484, pág. 48. (Relator Conselheiro Bravo Serra).

     Acórdão n.º 109/99, de 10 de Fevereiro de 1999, Processo n.º 747/98 – 3.ª Secção, in DR, II Série, n.º 137, de 15-06-1999, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 42.º, e BMJ, n.º 484, pág. 140. (Relator Conselheiro Messias Bento).

     Acórdão n.º 433/2000, de 11 de Outubro de 2000, Processo n.º 53/00, 2.ª Secção, in DR, II Série, n.º 268, de 20-11-2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 48.º (Relator Conselheiro Guilherme da Fonseca).

     Acórdão n.º 87/2003, de 14 de Fevereiro de 2003, Processo n.º 395/2002, in DR, II Série, n.º 119, de 23 de Maio de 2003 (Relator Conselheiro Tavares da Costa). 

     Acórdão n.º 274/2003, de 28 de Maio de 2003, Processo n.º 7/2003, da 3.ª Secção, in DR II Série, n.º 153, de 05-07-2003 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 56, págs. 381 e ss. (Relator Conselheiro Bravo Serra).

     Acórdão n.º 378/2003, de 15 de Julho de 2003, Processo n.º 821/2002-2.ª Secção, publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 56, págs. 757 e ss. (Relator Conselheiro Paulo Mota Pinto).

     Acórdão n.º 429/2003, de 24 de Setembro de 2003, Processo n.º 749/2002-3.ª Secção, publicado no DR, II Série, n.º 270, de 21-11-2003. (Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza).

     Acórdão n.º 503/2003, de 28 de Outubro de 2003, Processo n.º 37/2003, 1.ª Secção, in DR, II Série, n.º 3, de 5-01-2004. (Relator Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira).

     Acórdão n.º 545/2003, de 11 de Novembro de 2003, Processo n.º 799/02-1.ª Secção, in DR, II Série, de 6-01-2004 (Relator Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira).

     O Tribunal, na linha do exposto nos acórdãos n.ºs 59/99, 109/99, 433/00 e 378/03, decidiu: «Não julgar inconstitucional a norma do artigo 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, conjugada com a do artigo 113.º, n.º 7, do mesmo Código (actual n.º 9 do artigo 113.º), ambos na redacção resultante da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, interpretada no sentido de a sentença lida perante o primitivo defensor nomeado, ou perante advogado constituído, se considerar notificada ao arguido».  

     Acórdão n.º 36/2004, de 14 de Janeiro de 2004, Processo n.º 627/2002-2.ª secção, in DR, II Série, n.º 43, de 20-02-2004 (Relator Conselheiro Paulo Mota Pinto).

     Acórdão n.º 476/2004, de 2 de Julho de 2004, Processo n.º 151/2004, da 2.ª Secção, in DR, II Série, n.º 190, de 13-08-2004 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 60, págs. 163 e ss. (Relatora Conselheira Maria Fernanda Palma).

     Acórdão n.º 77/2005, de 15 de Fevereiro de 2005, Processo n.º 149/2004, in DR, II Série, de 30-03-2005 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 61, págs. 375 e seguintes (Relator Conselheiro Paulo Mota Pinto).

     Acórdão n.º 312/2005, de 8 de Junho de 2005, Processo n.º 856/2003, DR, II Série, n.º 151, de 08-08-2005 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 62, págs. 719 e seguintes (Relator Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira).

     Acórdão n.º 418/2005, de 4 de Agosto de 2005, Processo n.º 435/05 – 2.ª Secção, disponível em www.tribunalconstitucional.pt (Relator Conselheiro Paulo Mota Pinto).

     Acórdão n.º 422/005, de 17 de Agosto de 2005, Processo n.º 572/2005 - 2.ª Secção, in DR, II Série, n.º 183, de 22-09-2005, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume n.º 62, págs. 1121 e ss. (Relator Conselheiro Mário Torres).

     Acórdão n.º 206/2006, de 22 de Março de 2006, Processo n.º 676/2005 – 1.ª Secção, in DR, II Série, n.º 101, de 25-05-2006 (Relatora Conselheira Maria Helena Brito).

     Acórdão n.º 275/2006, de 2 de Maio de 2006, Processo n.º 23/2006 – 2.ª Secção, in DR, II Série, n.º 110, de 7 de Junho de 2006 (Relator Conselheiro Mário Torres).

     O Tribunal decidiu: «Não julgar inconstitucional a norma que resulta da conjugação dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1 e 425.º, n.º 6, do Código de Processo penal, interpretados no sentido de o prazo para interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se contar a partir da notificação do acórdão da Relação ao advogado constituído do arguido, quando não é questionado o cumprimento, pelo mandatário, do dever de a comunicar ao arguido».                    

     Acórdão n.º 111/2007, de 15 de Fevereiro de 2007, Processo n.º 761/06-2.ª Secção, in DR, II Série, de 20-03-2007, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume n.º 67, pág. 537 (Relator Conselheiro Mário Torres).

     Decidiu: «Não julgar inconstitucional a norma derivada dos artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que pode ser efectuada por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e residência prestado pelo arguido, a notificação de sentença condenatória proferida na sequência de audiência de julgamento a que o arguido, ciente da sua realização, requerera ser dispensado de comparecer, por residir no estrangeiro, sentença que foi notificada ao defensor do arguido, que esteve presente na audiência de julgamento e na audiência para leitura da sentença». 

     Acórdão n.º 489/2008, de 7 de Outubro de 2008, Processo n.º 106/08 – 2.ª Secção, in DR, II Série, de 11-11-2008 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume n.º 73, pág. 277 (Relator Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro).

     Acórdão n.º 549/2009, de 27 de Outubro de 2009, Processo n.º 140/09, da 3.ª Secção, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume n.º 76, págs. 183 e ss., que versou sobre o acórdão por nós relatado em 14-01-2009, no processo n.º 2494/08, supra referido (Relator Conselheiro Vítor Gomes).

     Acórdão n.º 483/2010, de 09-12-2010, Processo n.º 452/10, da 3.ª Secção, versando caso de ausência do arguido apenas na sessão de leitura da sentença, mas em que o defensor assistiu à leitura e foi notificado da sentença (Relator Conselheiro Vítor Gomes).

     Nesse circunstancialismo considerou-se que deve considerar-se assegurada, se não o conhecimento efectivo, a plena cognoscibilidade da decisão condenatória pelo arguido, independentemente da respectiva notificação pessoal, bastando-lhe para o seu conhecimento efectivo que contactasse, logo de seguida à data que bem sabia ser aquela em que a decisão iria ser proferida, quer o seu defensor (que bem conhecia) quer a própria secretaria judicial.

     Aí se assinala que «O sistema pode em tais circunstâncias, no funcionamento normal das coisas que não foi ilidido, repousar na presunção de que o arguido se interesse pelo que se passe nesse decisivo transe do processo penal contra si dirigido e que o advogado cumpra o dever deontológico de acertar com ele a opção fundamental quanto à impugnação ou não da decisão».   

     Veja-se ainda, com algum interesse, o acórdão n.º 17/2010, de 12-01-2010, Processo n.º 498/09, da 2.ª Secção, in DR, 2.ª Série, n.º 36, de 22-02-2010, em que estava em causa a notificação do despacho que designa dia para julgamento.

     Para o presente caso particular interesse reveste o Acórdão n.º 422/005, supra referido.

     Decidiu o Tribunal com um voto de vencido: «Julgar inconstitucionais, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 335.º, n.º 5, do CPP, conjugadas com o artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, interpretadas no sentido de que o prazo de interposição de recurso pelo condenado de decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão se conta a partir da data em que se considera efectivada a sua notificação dessa decisão por via postal simples».

      Como se refere no acórdão n.º 111/2007, relatado pelo mesmo relator, no caso foi atribuída decisiva relevância às circunstâncias de, no caso, já não subsistir o termo de identidade e residência e obrigações conexas e de, tendo a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão sido tomada sem prévia audição do condenado, este não dispor de qualquer indicação da data em que iria ser proferida tal decisão.

     No caso presente a morada do TIR já não valia, e não se estabelecia um canal de comunicação entre a defensora e o arguido, colocando-se a questão da necessidade de notificação pessoal ao arguido do despacho revogatório da pena substitutiva e de aplicação de prisão subsidiária.

     Dir-se-á que este tipo de despacho não se contém na letra do n.º 9 do artigo 113.º do CPP, mas deve entender-se que este despacho tem de se ter por integrado no núcleo essencial de defesa do arguido, sendo de exigir a notificação pessoal de decisões que podem conduzir a uma privação de liberdade como de resto ocorre com a eventual revogação de suspensão da execução da pena, questão tratada no citado acórdão do TC de 2005.

    Exigindo o citado preceito a notificação pessoal quando estão em causa garantias patrimoniais e dedução de pedido cível, não se vê como não albergar as hipóteses em que pode haver lugar a privação de liberdade.

     Aliás, nestes casos em que a posteriori a decisão versa sobre a execução da pena de substituição é ainda a sentença condenatória que está presente, tratando-se da sua execução, e portanto, devem estes casos ser considerados como abrangidos pela exigência de notificação pessoal. 

Por último acontece que o despacho de 5 passado ainda não transitou em julgado, pois o ofício foi enviado para o EP no mesmo dia, constando como datas de notificação o dia 9 e 13 deste mês, como se referiu acima.

Conclui-se assim ser ilegal a prisão do arguido, sendo de deferir a providência.

Decisão

Pelo exposto, acordam neste Supremo Tribunal de Justiça em deferir a presente providência de habeas corpus relativa ao cidadão AA, ordenando-se a sua imediata libertação.

Sem custas.

 Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 26 de Abril de 2012 


Raul Borges (relator)
Henriques Gaspar
Maia Costa