Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
454/13.5TVPRT.P1.S3
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / ESTABELECIMENTO DA FILIAÇÃO / ESTABELECIMENTO DA MATERNIDADE / RECONHECIMENTO JUDICIAL.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
Doutrina:
-Guilherme de Oliveira, Caducidade das acções de investigação, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Vol. I, Direito de Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, pág. 51;
-Remédio Marques, in, artigo doutrinário intitulado O Prazo de Caducidade do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil e a Cindibilidade do Estado Civil: o acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 24/2012 – A (in)constitucionalidade do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009 e a sua aplicação às acções pendentes na data do seu início de vigência, instaurada antes e depois da publicação do acórdão n.º 3/2006, in Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, sob a coordenação de Guilherme de Oliveira, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, págs. 168 e169.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1817.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 16.º, N.º 1, 18.º, N.º 2, 25º, Nº1, 26.º, N.º 1 E 3, E 36.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 08.02.2018 (REVISTA Nº 5434/12.5TBLRA.C1.S1), DE 29.11.2012 (PROCESSO Nº367/10.2TBCVC-A.G1.S1), DE 13.02.2013 (PROCESSO Nº 214/12.0TBVVD.G1.S1), DE 15.05.2013 (PROCESSO Nº 787/06.7TBMAI.P1.S1), DE 18.12.2013 (PROCESSO Nº 3579/11.8TBBCL.S1), DE 18.02.2015 (PROCESSO Nº 4293/10.7TBSTS.P1.S1),DE 05.05.2015 (PROCESSO Nº 932/13.6TBLSD.P1.S1), DE 24.02.2015 (PROCESSO Nº 692/11.5TBPTG.E1.S1), DE 12.03.2015 (PROCESSO Nº 1261/12.8TBST.P1.S1), DE 28.05.2015 (PROCESSO Nº 2615/11.2TBBCL.G2.S1), DE 22.10. 2015 (PROCESSO Nº 1292/09.5TBVVD.G1.S1), DE 17.11.2015 (PROCESSO Nº 30/14.5TBVCD.P1.S1), DE 21.04.2016 (PROCESSO Nº 1974/13.7TBFAF.G1.S1), DE 23.06.2016 (PROCESSO Nº 1937/15.8T8BCL.S1), DE 08.11.2016 (PROCESSO Nº 4704/14.2T8VIS.C1.S1), DE 14.02.2016 (PROCESSO Nº 2302/13.7TBBCL.G1.S1), DE 02.02.2017 (PROCESSO Nº 1339/14.3TBPTM.E1.S1), DE 02.02.2017 (PROCESSO Nº 200/11.8TBFVN.C2.S1), DE 09.03.2017 (PROCESSO Nº 759/14.8TBSTB.E1.S1), DE 04.05.2017 (PROCESSO Nº 2886/12.7TBBCL.G1.S2), DE 08.06.2017 (PROCESSO Nº 513/16.2T8VFR.P1.S1), DE 20.06.2017 (PROCESSO Nº 440/12.2TBBCL.G1.S1), DE 29.06.2017 (PROCESSO Nº 3553/15.5T8LRS-A.L1.S1), DE 03.10.2017 (PROCESSO Nº 737.4TBMDL.G1.S1) E DE 13.03.2018 (PROCESSO Nº 2947/12.2TBVLG.P1.S2), DE 21.03.2013 (PROCESSO Nº 1906/11.7T2AVR.P1.S1), DE 14.01.2014 (PROCESSO Nº 155/12.1TBVLC-A.P2.S1), DE 27.05.2014 (PROCESSO Nº 165/13.1TBVRL.P1.S1), DE 31.01.2017 (PROCESSO Nº 440/12.2TBBCL.G1.S1) E DE 15.02.2018 (PROCESSO Nº 2344/15.8TB8BCL.G1.S2, DE 08.06.2010 (PROCESSO Nº 1847/08.5TVLSB-A.L1.S1), DE 2109.2010 (PROCESSO Nº 4/07.2TBEPS.G1.S1), DE 21.09.2010 (PROCESSO Nº 495/04.3TBOBR.C1.S1), DE 27.01.2011 (PROCESSO Nº 123/08.8TBMDR.P1.S1), DE 06.09.2011 (PROCESSO Nº 1167/10.5TBPTL.S1), DE 15.11.2011 (PROCESSO Nº 49/07.2TBRSD.P1.S1) , 10.01.2012 (PROCESSO Nº 193/09.1TBPTL.G1.S1, DE 15.10.2013 (PROCESSO Nº 1906/11.7T2AVR.P1.S1), DE 09.07.2014 (PROCESSO Nº 155/12.1TBVLC-A.P2.S1), DE 13.01.2015 (PROCESSO Nº 165/13.1TBVRL.P1.S1.




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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL;


- ACÓRDÃOS N.ºS 23/2006 DE 10.01.2006 (PROCESSO N.º 885/2005, 445/2011, 446/2011, 476/2011, 545/2011, 77/2012, 106/2012, 231/2012, 247/2012, 515/2012, 166/2013, 350/2013, 750/2013, 373/2014, 383/2014, 529/2014, 547/2014, 704/2014, 302/2015, 594/2015, 626/2015, 424/2016,
Sumário :
I. Constitui entendimento pacífico do Tribunal Constitucional que o legislador ordinário goza de liberdade para submeter as ações de investigação de paternidade a prazos preclusivos, desde que acautelado o conteúdo essencial dos direitos fundamentais em causa, cabendo-lhe fixar, dentro dos limites constitucionais admitidos pelo respeito pelo princípio da proporcionalidade, o concreto limite temporal de duração desses prazos.

II. A consideração do direito à verdade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, como direitos fundamentais, não impede que o legislador possa harmonizar ou até mesmo restringir o exercício de tais direitos em função de outros interesses ou valores igualmente tutelados, na medida em que não estamos perante direitos absolutos.

III. O “direito ao respeito da vida privada e familiar” não assiste apenas à pessoa que pretende saber quem são os seus pais e estabelecer o respetivo vínculo jurídico, mas também protege os investigados e suas famílias, pelo que é a necessidade de harmonização dos interesses subjacentes a estes direitos com o interesse público da segurança jurídica e da estabilidade social e familiar que legitima que o legislador estabeleça prazos para a propositura da ação de investigação da paternidade, não sendo, por isso, injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incer­teza indesejável.

IV. A fixação legal de prazos de caducidade para a propositura da ação de investigação da paternidade, não ofende o núcleo essencial dos direitos fundamentais à integridade e identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade e de constituir família, garantidos nos termos dos artigos 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 25º, nº1, 26.º, n.º 1 e 3, e 36.º, n.º 1, da Constituição da República, desde que tais prazos se mostrem proporcionados ou razoáveis.

V. O prazo geral estabelecido no at. 1817º, nº1, do C. Civil – ou seja, nos 10 anos subsequentes à maioridade ou emancipação – é um prazo razoável e proporcional que não coarta o direito à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade do filho impugnante, no confronto com o princípio da confiança na relação de filiação estabelecida e da tutela da estabilidade e paz familiar, tanto mais que o investigante pode ainda beneficiar do prazo especial fixado no nº 3 do mesmo artigo, desde que verificados os pressupostos aí estabelecidos. 

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I – Relatório


1. AA intentou, em 11.03.2013, ação de investigação de paternidade contra BB e CC, pedindo que fosse declarado que é filho biológico do investigado, DD, entretanto falecido.

2. Posteriormente foi admitida a intervenção principal, do lado passivo, de EE, FF, GG e de HH.

3. Prosseguindo os autos a normal tramitação processual, encontrando-se já designada data para realização de perícia para recolha de material genético do investigado, foi proferido pela Srª. Juíza “a quo” despacho em que determinou a notificação das partes para se pronunciarem acerca da eventual verificação da exceção de caducidade do direito do autor/ora Recorrente, considerado o disposto no artigo 1817º, nº1 do Código Civil, e o facto de terem decorrido mais de dez anos entre a data em que o autor atingiu a maioridade e a propositura da ação.

4. Pronunciaram-se o autor, a curadora nomeada ao abrigo do disposto no artigo 1819º, nº1 do Código Civil e os intervenientes EE, FF, HH e GG sustentando:

- A imprescritibilidade das ações de investigação da paternidade;

- A inconstitucionalidade de qualquer limitação temporal ao exercício do direito de investigar a paternidade;

- A inconstitucionalidade da norma do artigo 3º da Lei 14/2009 quando determina que o prazo de caducidade de dez anos aí previsto se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor;

- A inconstitucionalidade, por violação dos princípios da confiança e da igualdade, do artigo 1817º, nº1 do Código Civil, quando interpretado no sentido de que a contagem do prazo de 10 anos se inicia na data em que o investigante atingiu a maioridade.


Já as rés BB e CC pronunciaram-se pela caducidade do direito do autor.


5. Foi então proferido despacho judicial que, depois de tomar posição fundamentada sobre as objeções suscitadas pelo autor, concluiu que, tendo o autor nascido em 1950, à data da instauração da presente ação já se mostrava largamente ultrapassado o prazo de dez anos previsto no artigo 1817º, nº1 do Código Civil, pelo que julgou verificada a caducidade do direito do autor e absolveu os réus do pedido.


6. Inconformado com esta decisão, dela recorreu o autor para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 26.10.2017, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.


7. Inconformado, de novo, com este acórdão, o autor dele interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando para o efeito, a existência dos pressupostos da mesma referidos na alínea b) do nº 1 do artigo 672º do CPC, tendo o Coletivo da Formação a que alude o nº 3 deste mesmo artigo, decidido admitir excecionalmente a revista interposta pelo recorrente.


8. O autor terminou as suas alegações do recurso de revista excecional interposto para o Supremo Tribunal de Justiça com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«A - O douto Acórdão recorrido, a fls. 496, considerou que o prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo n.° 1817/1.° do Código Civil, conjugado com o disposto nos ns.° 2 e 3 do citado preceito é suficiente para assegurar o direito à ação de investigação de paternidade, não violando os direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo n.° 26/1.° e o direito a constituir família, previsto no artigo 36/1.°, ambos da constituição.

B - Salvo o devido respeito, pleiteia aqui o Recorrente pela inconstitucionalidade do estabelecimento do prazo de caducidade previsto no n. ° 1 do art. 1817. ° do CC para a investigação de paternidade, pela violação do disposto no artigo n.° 1871/1.° do CC e, ainda, do disposto nos artigos 16°, 18° n.° 2, 25° n.° 1, 26°, n.° 1 e 36° n.° 1 da CRP.

Ora vejamos:

C - A presente ação de investigação da paternidade foi instaurada, em 11/03/2013, pelo ora Recorrente, AA, com vista a que o mesmo fosse declarado filho biológico do investigado, DD, entretanto falecido.

D - O aqui investigado sempre afirmou que quando saísse da força aérea era sua intenção registar o filho em seu nome (à época estava vedado aos pilotos de aeronáutica militar contrair matrimónio, ter filhos e descendência) mas, por infortúnio da vida (acidente de viação), não veio a cumprir o seu desejo.

E - Não obstante, no dia 21 de Janeiro de 1952, o aqui Recorrente é baptizado na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, sita na …, no …, com o nome de AA, para efeitos de baptismo, o aqui Recorrente ficou registado como sendo filho de DD, o aqui investigado - V. boletim de baptismo junto aos autos.

F - Tendo atingido a maioridade em 1971 - fixada na época a maioridade aos 21 anos, mas nessa altura, o ora Recorrente, em nome e ao serviço da Nação e por via do Poder Pátrio, foi para a Guerra do Ultramar, em Angola, tendo apenas regressado em 1975 ao Continente, já com cerca de 25 anos de idade.

G - Com o passar da idade e constituindo família, tendo filhos e netos, começou a ser questionado pelos mesmos relativamente aos seus antepassados, chegando os mesmos inclusive a questionar por que motivo no seu cartão de identificação nada constava quanto à paternidade - é assim que em busca da sua identidade biológica, das suas raízes e antepassados que intenta a presente ação no dia 11/03/2013.

H - É entendimento do aqui Recorrente que o direito ao conhecimento da paternidade, às suas raízes familiares, à sua historicidade pessoal, o direito à identidade pessoal e identidade genética tal como o direito de constituir família, e à não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento têm uma dimensão protegida na constituição no patamar mais elevado dos direitos fundamentais.

I - Constituindo o não assentamento da paternidade do Recorrente, uma violação ao direito de constituir família,

J - Bem como uma violação do seu direito à identidade pessoal e genética e uma notória discriminação de um filho nascido "fora do casamento" (pois que como se referiu, ao tempo estava vedado aos militares, pilotos da força aérea, constituírem família).

K - Em nome da verdade, da justiça e de valores que merecem diferente tutela, deve prevalecer o direito à identidade em detrimento de quaisquer outros direitos relativos ao pretenso progenitor sob pena de violação dos arts 26 n° 1 e n° 3, art° 36 n° 1 e n° 4 e art° 18 da C.R.P.

L - Acresce que, à data em que a ação foi proposta, a jurisprudência maioritária da Relação e sobretudo do STJ consideravam como contrária ao texto constitucional qualquer limitação temporal ao exercício de ação desta natureza.

M - Diversos são os Acórdãos Supremo Tribunal de Justiça que propugnam pela imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade (designadamente: Ac. do S.T.J. de 27/1/2011 - Proc. 123/08; Ac. do S.T.J. de 6/9/2011 - Proc. 1167/10; Ac. do S.T.J. de 14/1/2014 - Proc. 155/12.1; Ac. do S.TJ. de 16/9/2014, Proc. 973/11.8.).

N - Num recente Ac. do STJ de 31-01-2017, Processo n.° 440/12.2TBBCL.G1.SI, Relator: Lima Gonçalves, decidiu o Venerando Tribunal, num caso em tudo idêntico e semelhante a este que: "A norma constante do n° 1 do artigo 1871° do Código Civil, na dimensão interpretativa que prevê um prazo limitador da possibilidade da A., enquanto filha, propor a presente ação de investigação de paternidade, com fundamento no facto biológico da filiação, é inconstitucional'.

O - Atualmente, são completamente irrelevantes os argumentos contra a imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade, porque aqueles não podem sobrepor-se à dignidade e dimensão constitucional do direito fundamental à identidade e integridade pessoal ou ao direito ao desenvolvimento da personalidade, que em si mesmos incluem o direito de conhecer e ver reconhecido a ascendência biológica e marca genética de cada pessoa.

P - Relativamente aos eventuais inconvenientes que a indagação do vínculo de filiação possa acarretar na esfera jurídica dos seus herdeiros, estes podem ser acautelados pelo recurso a outros meios jurídicos, que não contendam com os referidos direitos fundamentais, porque proporcionais aos interesses em confronto.

Q - Por outro lado, é nosso modesto entendimento que conflituando o direito ao conhecimento da ascendência e verdade biológica com a "tranquilidade" dos herdeiros a defenderem interesses puramente patrimoniais, sempre deveria prevalecer o primeiro.

R - Acresce que o estado não pode restringir o assentamento da filiação/identidade pessoal, através de prazos de caducidade, sejam eles quais forem.

S - Até porque se refira que a Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer prazo para garantia do direito do reconhecimento da identidade pessoal, da dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano (art° 26°, n°s 1 e 3 da CRP).

T - Além disso, em termos de direito comparado, podemos destacar e a título de mero exemplo, que os artigos 270.° do Código Civil Italiano e 210.° do Código Civil Holandês estabelecem a imprescritibilidade da ação para que o filho possa obter a declaração Judicial da paternidade ou da maternidade.

U - No que diz respeito ao caso concreto nos autos, já se encontrava marcada a diligência para exumação de cadáver para o dia 20 de Dezembro de 2016, pelas 10:30h, quando por douto despacho proferido pela Mma. Juíza com a referência n.° 375863055, datado de 23 de Novembro de 2016, é referido que "... o Tribunal equaciona conhecer oficiosamente da caducidade do direito do autor", (portanto mais de 3 anos após o aqui Recorrente instaurar a presente acção).

V - Tendo o aqui Recorrente lutado até ao limite, defendendo a apreciação/conhecimento da aludida questão da caducidade do direito do autor a propor a ação com base no prazo do n° 1 do art° 1817° do C Civil, após a realização da diligência de exumação do cadáver e toda a demais prova produzida em audiência de discussão e julgamento.

W - Tendo a curadora nomeada no processo, II e os Co-Réus EE, FF, HH e GG, subscrito e reiterado integralmente aquele entendimento.

X - O que não deixa de ser chocante é que o Tribunal de Primeira Instância, tendo passado mais de 3 anos da instauração do referido processo e tendo já marcado a diligência de exumação de cadáver, venha posteriormente a "lembrar-se" de um (alegado) prazo de caducidade!

Y - Concluímos assim que a fixação de tais prazos de caducidade condicionantes da instauração das ações de investigação da paternidade ou maternidade, são manifestamente inconstitucionais porque violam, de forma desproporcionada, os referidos direitos fundamentais (Art.°s 16° n.° 1,18° n.° 2, 26° n.° 1 da C.R.P.).

Z - Assim, o prazo de caducidade de dez anos estabelecido pelo art° 1817 n° 1 do C.C. é materialmente inconstitucional na medida em que é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho saber de quem descende.

AA - É que, caso assim não se entenda, está-se a sancionar o investigante pela data em que procura as suas raízes e os seus antepassados - a data da propositura da ação.

BB - Sendo assim possível e legítimo que o investigante tenha fundadas razões para só numa data mais tardia decidir-se pela instauração da referida ação - num momento em que ele próprio começa a constituir família, a juntar as peças de um puzzle" e a querer fortalecer os seus laços familiares, sem "prazo razoável" para exercer um direito inalienável como este!

CC - Verifica-se, deste modo, a inconstitucionalidade material do estabelecimento do prazo de caducidade previsto n° 1 do artigo 1871° do Código Civil, por tal prazo limitador consubstanciar uma restrição excessiva ou desproporcionada aos assinalados direitos fundamentais à identidade pessoal e ao direito de constituir família, bem como ao próprio direito geral de personalidade dos investigantes (cfr. artigo 70° do Código Civil), o que se requer seja declarada.

DD - Devendo julgar-se totalmente improcedente a exceção da caducidade do direito do ora recorrente de intentar a presente ação de investigação e seguindo o processo os seus ulteriores termos até final».


Termos em que requer que o presente recurso seja julgado procedente, e, em consequência, a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que julgue improcedente a exceção da caducidade do direito do ora recorrente de intentar a presente ação, determinando o prosseguimento dos presentes autos até final.


9. Os réus não contra alegaram. 

         

10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objecto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, a única questão a decidir consiste em saber se a norma do artigo 1817º, nº 1, do Código Civil, na redação dada pela Lei nº 14/2009, de 1 de abril, aplicável por foça do artigo 1873º do mesmo código, na medida em que limita a possibilidade de investigação da paternidade, a todo o tempo, pelo filho, enferma de inconstitucionalidade material.



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III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:


1. O autor nasceu em 21/01/1950;


2. A presente acção foi instaurada em 11/06/2013.



***




3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se com a questão da inconstitucionalidade material da estatuição legal do prazo de caducidade do direito do filho de investigar a sua paternidade.


3.2.1. Enquadramento preliminar

Estamos no âmbito de uma ação de investigação prevista nos artigos 1869.º e seguintes do Código Civil que, como é consabido, no atual ordenamento jurídico português, constitui um meio destinado à efetivação do direito fundamental ao estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade biológica, sendo também o meio mais eficaz de satisfação do direito ao conhecimento da ascendência biologicamente verdadeira quando o suposto pai recusa qualquer colaboração.

No que respeita ao prazo para a proposição da ação de investigação de paternidade, dispõe o art. 1817º, nº1do C. Civil, na redação dada pela Lei nº 14/2009, de 1 de abril e aplicável por força do art. 1873º do C. Civil,  que « a ação de investigação (…) só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação».

E estabelece o nº 3 deste mesmo artigo que « A acção pode ainda ser proposta no três anos posteriores  à ocorrência de algum dos seguintes factos:

a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso a paternidade do investigante;

b) Quando o investigante tenha conhecimento, após o decurso do prazo previsto no nº1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pelo pretenso pai;

c) Em caso de inexistência de paternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação».


Como nos dá conta o recente Acórdão do STJ, de 08.02.2018 (revista nº 5434/12.5TBLRA.C1.S1), «a problemática da “(im)prescritibilidade” das ações para reconhecimento de paternidade e para impugnar a paternidade presumida tem vindo a ser objeto de acesa discussão doutrinária e jurisprudencial, que desembocou, entre nós, em duas linhas essenciais de orientação.

De um lado, emergiu uma corrente inovadora, já significativa em 1977, a sustentar que o direito à identidade biológica como dimensão dos direitos fundamentais à identidade e à integridade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, robustecidos pela garantia da dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano, assentes nos artigos 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como o direito de constituir família (art.º 36.º, n.º 1, da mesma Lei Fundamental) é incompatível com o cerceamento, através de prazos de caducidade, do único meio de efetivar esse direito e que é a ação judicial. Nessa linha, considera-se, em síntese, que as razões de segurança jurídica, de ordem social e patrimonial, em torno da instituição familiar e em prol da estabilidade das relações de parentesco, e sobretudo de salvaguarda da reserva de intimidade da vida privada do investigado em que radicam tais prazos de caducidade não assumem, na atualidade, importância que deva ser equiparada ou sobreposta ao interesse inalienável do cidadão na sua filiação biológica.

De outro lado, perfilha-se uma orientação, de certo modo tributária da doutrina subjacente às soluções consagradas no Código Civil de 1966, no sentido de que o exercício dos referidos direitos fundamentais não deve ser irrestrito a ponto de sacrificar interesses de ordem pública e de natureza pessoal que se vão consolidando ao longo do tempo, para mais ante a inércia injustificada dos interessados no reconhecimento da verdade biológica da filiação, devendo, por isso, ser compatibilizados os interesses conflituantes através do estabelecimento de prazos de caducidade razoáveis».



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3.2.2. A norma cuja constitucionalidade é questionada no âmbito do presente recurso de revista é a do artigo 1817º, nº 1, do Código Civil, na redação dada pela Lei nº 14/2009, de 1 de abril, aplicável por força do artigo 1873º do mesmo código no segmento em que estabelece o prazo de caducidade da ação de investigação da paternidade, impondo que tal ação deva ser proposta pelo investigante nos 10 anos subsequentes à sua maioridade ou emancipação.


Ambas as instâncias sufragaram o entendimento de que este prazo-regra de dez anos, a contar da maioridade ou emancipação do investigante, é um prazo razoável e proporcional que não coarta o exercício do direito do investigante, no confronto com o princípio da confiança e da tutela dos interesses merecedores de proteção do investigado, e concluíram no sentido da norma prescritora de tal prazo não enfermar de inconstitucionalidade material. 


Persiste, porém, o recorrente na defesa da tese de que o respeito pela verdade biológica impõe a “imprescritibilidade” do direito do filho de investigar a sua paternidade, concluindo pela inconstitucionalidade material da referida norma, por constituir violação do direito à integridade, à identidade e dignidade pessoal, consagrados nos arts. 25, nº1 e 26º, nºs 1e 3 da CRP, bem como do direito de constituir família, plasmado no art. 36º, nº1 do mesmo diploma. 

Que dizer?

Desde logo que, se é certo ter o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 23/2006 do seu Plenário de 10.01.2006 (processo n.º 885/2005)[2], declarado « a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 16.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa»,  não menos certo é que este entendimento jurisprudencial  não se consolidou.

Com efeito, com a entrada em vigor da Lei nº 14/2009, de 01.04, que veio alargar os prazos de caducidade para a propositura da ação de investigação, estabelecidos no art. 1817º, nºs 1, 2 e 3 (que passaram de 2 para 10 anos e de 1 ano para 3 anos, respetivamente) do C. Civil, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 401/2011, do seu Plenário de 22.09.2011 (processo n.º497/10)[3], decidiu « Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante».

Os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 445/2011, 446/2011, 476/2011, 545/2011, 77/2012, 106/2012, 231/2012, 247/2012, 515/2012, 166/2013, 350/2013, 750/2013, 373/2014, 383/2014, 529/2014, 547/2014, 704/2014, 302/2015, 594/2015, 626/2015 e 424/2016[4], seguiram a linha de orientação explanada no supracitado Acórdão nº 401/2011 que, tomando posição expressa sobre a questão da constitucionalidade da previsão de limites temporais à propositura da ação de investigação da paternidade afirmou que:

« (…) o direito ao estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito absoluto que não possa ser harmonizado com outros valores conflituantes, incumbindo ao legislador a escolha das formas de concretização do direito que, dentro das que se apresentem como respeitadoras da Constituição, se afigure mais adequada ao seu programa legislativo. (…).  

Ao ter optado por proteger simultaneamente outros valores relevantes da vida jurídica através da consagração de prazos de caducidade, o legislador não desrespeitou, as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondo-lhe apenas o ónus de o exercer num determinado prazo.

É legítimo que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respectiva acção de investigação da paternidade, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante, não sendo injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incer­teza indesejável.

Necessário é que esse prazo, pelas suas características, não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica».

Neste mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem entendido que a existência de um prazo limite para a instauração duma ação de reconhecimento judicial da paternidade não é, só por si, violadora da Convenção, do “direito ao respeito da vida privada e familiar”, consagrado no artigo 8.º, n.º 1, da Convenção, importando verificar se a natureza, duração e características desse prazo resultam num justo equilíbrio entre o interesse do investigante em ver esclarecido um aspecto importante da sua identidade pessoal, o interesse do investigado e da sua família mais próxima em serem protegidos de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima ocorridos há já muito tempo, e o interesse público da estabilidade das relações jurídicas[5].  

Como não podia deixar de ser, a doutrina de todos estes arestos, teve importantes repercussões na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

Com efeito, após a prolação pelo Tribunal Constitucional do supracitado Acórdão nº 23/2006, fortaleceu-se e sedimentou-se, no STJ, o entendimento de que o ordenamento jurídico português deixou de prever prazos de caducidade para estabelecer a filiação jurídica com base na prova directa da filiação biológica[6], por se considerar que os direitos fundamentais à identidade pessoal, à integridade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade não se compadeciam com desproporcionadas restrições.

Nesta linha de entendimento, os Acórdão do STJ, de 22.06.2006 (revista nº 1457/06), de 14.12.2006 (processo nº 2489/06), de 17.04.2008 (processo nº 474/08) e de 03.07.2008 (processo nº 3451/07)[7], entre outros, decidiram no sentido da “imprescritibilidade” das ações de investigação de paternidade.

E mesmo, após a entrada em vigor da Lei nº 14/2009, de 01.04, que veio alargar os prazos de caducidade para a propositura da ação de investigação, estabelecidos no art. 1817º, nºs 1, 2 e 3 do C. Civil, o STJ continuou a defender, sem dissentimento particularmente relevante, que estes novos prazos de investigação eram também materialmente inconstitucionais, sendo imprescritível o direito a investigar a paternidade. Assim decidiram, entre outros, os Acórdãos do STJ de 08.06.2010 (processo nº 1847/08.5TVLSB-A.L1.S1), de 2109.2010 (processo nº 4/07.2TBEPS.G1.S1), de 21.09.2010 (processo nº 495/04.3TBOBR.C1.S1), de 27.01.2011 (processo nº 123/08.8TBMDR.P1.S1), de 06.09.2011 (processo nº 1167/10.5TBPTL.S1), de 15.11.2011 (processo nº 49/07.2TBRSD.P1.S1) , 10.01.2012 (processo nº 193/09.1TBPTL.G1.S1)[8].

A divergência de entendimentos, sobre esta matéria, começou a delinear-se com a prolação pelo Tribunal Constitucional do citado Acórdão nº 401/2011, no seu Plenário de 22.09.2011.

Com efeito, a par dos vários arestos do STJ que continuaram a pronunciar-se no sentido da inconstitucionalidade dos prazos de caducidade estabelecidos no art 1817º para a propositura da ação de investigação de paternidade, mesmo na atual redação dada pela referida Lei nº 14/2009, por serem limitadores da possibilidade de investigação, a todo o tempo, começou a registar-se, no STJ, a adesão significativa à tese segundo a qual não ofende a Constituição o estabelecimento de prazos razoáveis de caducidade, por não se tratar de uma restrição do núcleo essencial de direitos fundamentais, maxime dos direitos à identidade e à integridade pessoal, mas, antes, de e condicionamentos ao respetivo exercício[9].

Assim, alinharam pela tese da “prescritibilidade” das ações de investigação, considerando que a norma constante do art. 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação conferida pela lei nº 14/2009 de 01.04, não enferma de inconstitucional material, na medida em que o prazo nela previsto é razoável e proporcional, no confronto com o princípio da confiança e da tutela dos interesses merecedores de protecção, ente outros, os Acórdãos do STJ, de 29.11.2012 (processo nº367/10.2TBCVC-A.G1.S1), de 13.02.2013 (processo nº 214/12.0TBVVD.G1.S1), de 15.05.2013 (processo nº 787/06.7TBMAI.P1.S1), de 18.12.2013 (processo nº 3579/11.8TBBCL.S1), de 18.02.2015 (processo nº 4293/10.7TBSTS.P1.S1),de 05.05.2015 (processo nº 932/13.6TBLSD.P1.S1), de 24.02.2015 (processo nº 692/11.5TBPTG.E1.S1), de 12.03.2015 (processo nº 1261/12.8TBST.P1.S1), de 28.05.2015 (processo nº 2615/11.2TBBCL.G2.S1), de 22.10. 2015 (processo nº 1292/09.5TBVVD.G1.S1), de 17.11.2015 (processo nº 30/14.5TBVCD.P1.S1), de 21.04.2016 (processo nº 1974/13.7TBFAF.G1.S1), de 23.06.2016 (processo nº 1937/15.8T8BCL.S1), de 08.11.2016 (processo nº 4704/14.2T8VIS.C1.S1), de 14.02.2016 (processo nº 2302/13.7TBBCL.G1.S1), de 02.02.2017 (processo nº 1339/14.3TBPTM.E1.S1), de 02.02.2017 (processo nº 200/11.8TBFVN.C2.S1), de 09.03.2017 (processo nº 759/14.8TBSTB.E1.S1), de 04.05.2017 (processo nº 2886/12.7TBBCL.G1.S2), de 08.06.2017 (processo nº 513/16.2T8VFR.P1.S1), de 20.06.2017 (processo nº 440/12.2TBBCL.G1.S1), de 29.06.2017 (processo nº 3553/15.5T8LRS-A.L1.S1), de 03.10.2017 (processo nº 737.4TBMDL.G1.S1) e de 13.03.2018 (processo nº 2947/12.2TBVLG.P1.S2) [10].

Entre os acórdãos do STJ que continuaram a pronunciar-se no sentido da inconstitucionalidade dos prazos de caducidade estabelecidos no citado art 1817º, contam-se os Acórdãos do STJ, de 21.03.2013 (processo nº 1906/11.7T2AVR.P1.S1), de 14.01.2014 (processo nº 155/12.1TBVLC-A.P2.S1), de 27.05.2014 (processo nº 165/13.1TBVRL.P1.S1), de 31.01.2017 (processo nº 440/12.2TBBCL.G1.S1) e de 15.02.2018 (processo nº 2344/15.8TB8BCL.G1.S2)[11].

De notar, todavia, que, nos quatro primeiros destes acórdãos, a decisão foi, entretanto, invertida na sequência de uma pronúncia por parte do Tribunal Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade, daí emergindo, em conformidade com este juízo, os Acórdãos do STJ, de 15.10.2013 (processo nº 1906/11.7T2AVR.P1.S1), de 09.07.2014 (processo nº 155/12.1TBVLC-A.P2.S1), de 13.01.2015 (processo nº 165/13.1TBVRL.P1.S1) [12] .

De registar ainda que o Juiz Conselheiro Relator do Acórdão de 31.01.2017, proferido no processo nº 440/12.2TBBCL.G1.S1, veio a alterar a sua posição, conforme se vê do Acórdão de 13.03.2018, por ele assinado na qualidade de Juiz-Adjunto.

Daí que ante a panorâmica traçada, não tenhamos dúvidas em afirmar que a tendência atual deste Supremo Tribunal é no sentido do entendimento de que não é inconstitucional a fixação dos prazos de caducidade vertidos no citado art. 1817º.



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3.2.3. Feita esta incursão pela Jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça e, procurando tomar posição sobre qual das teses a perfilhar, no caso dos autos, importa realçar que se é certo que a lei civil portuguesa não adotou a regra da “imprescritibilidade” do direito de investigação da paternidade, tendo, desde sempre, constituído opção do legislador o estabelecimento de limites temporais ao exercício desse direito, não menos certo é que, após as alterações introduzidas aos prazos de caducidade do direito de investigar a paternidade pela Lei nº 14/2009, de 1 de abril, o Tribunal Constitucional atestou a conformidade constitucional do regime atualmente em vigor.

Vale tudo isto por dizer, ser, nos dias de hoje, entendimento pacífico do Tribunal Constitucional que o legislador ordinário goza de liberdade para submeter as ações de investigação da paternidade a um prazo preclusivo, desde que acautelado o conteúdo essencial dos direitos fundamentais em causa, cabendo-lhe fixar, dentro dos limites constitucionais admitidos pelo respeito pelo princípio da proporcionalidade, o concreto limite temporal de duração desse prazo[13].

Ou seja, ainda que se aceite o direito à verdade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, como direitos fundamentais, isso não impede que o legislador possa harmonizar ou até mesmo restringir o exercício de tais direitos em função de outros interesses ou valores igualmente tutelados, na medida em que não estamos perante direitos absolutos.

E porque o “direito ao respeito da vida privada e familiar” não assiste apenas à pessoa que pretende saber quem são os seus pais e estabelecer o respectivo vínculo jurídico, mas também protege os investigados e suas famílias, cuja tutela não pode deixar de ser considerada, é precisamente a necessidade de harmonização de cada um destes interesses com o interesse público da segurança jurídica e da estabilidade social e familiar que legitima que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respectiva ação de investigação da paternidade, não sendo, por isso, injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza indesejável.

Daí que, acolhendo a orientação assumida maioritariamente por este Supremo Tribunal, por ser a mais consentânea com a jurisprudência constitucional, seja de concluir que a fixação legal de prazos de caducidade para a propositura de ações de investigação da paternidade, desde que tais prazos se mostrem proporcionados ou razoáveis, não ofende o núcleo essencial dos direitos fundamentais à integridade e identidade pessoal[14] e ao desenvolvimento da personalidade e de constituir família[15], garantidos nos termos dos artigos 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 25º, nº 1, 26.º, n.º 1 e 3, e 36.º, n.º 1, da Constituição da República.


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3.2.4. Aceite a “prescritibilidade” das ações de investigação da paternidade, diremos, então, que a questão crucial que a presente revista suscita tem a ver com a pretensa inconstitucionalidade do prazo de caducidade previsto no art. 1817º, nº 1 do C. Civil, apenas na consideração de que o mesmo possa estabelecer um limite desproporcional ao significado que o exercício do direito de ação em causa pretende salvaguardar, na aceção de poder não garantir, adequadamente, esse valor constitucional.

Dito de outro modo, o enfoque em que se deve colocar a questão da constitucionalidade da citada norma é o da possível violação, na fixação normativa do prazo de “ 10 anos posteriores ” à “maioridade ou emancipação” do investigante, dos falados direitos fundamentais à integridade pessoal (art. 25º. nº1 da CRP), à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade (art. 26º, nº1 da CRP) e ao direito a constituir família (art. 36º, nº1 da CRP) e, portanto, o de saber se tal prazo se mostra proporcionado ou razoável.                             

E a este respeito diremos que, apesar de estarem em causa direitos fundamentais, não estamos perante direitos absolutos que não possam ser confrontados com outros interesses ou valores constitucionalmente tutelados conflituantes, pelo que não se descortina que o prazo geral estabelecido no at. 1817º, nº1, do C. Civil – ou seja, nos 10 anos subsequentes à maioridade ou emancipação – coarte, de alguma forma, o exercício do direito do autor, nem se vislumbra qualquer razão que possa conduzir a um juízo de inadequação deste mesmo prazo, tanto mais que o investigante pode ainda beneficiar do prazo especial fixado no nº 3 do mesmo artigo, desde que verificados os pressupostos aí estabelecidos. 


Termos em que se conclui não ser materialmente inconstitucional a norma constante do n.º 1 do art.º 1817.º do C. Civil, improcedendo todas as conclusões de recurso do recorrente.


Daí nenhuma censura merecer o acórdão recorrido ao julgar procedente a invocada exceção de caducidade e, consequentemente, extinto o direito do autor intentar ação de investigação de paternidade.



***



III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.


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Supremo Tribunal de Justiça, 3 de maio de 2018

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

João Luís Marques Bernardo

__________


[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.
[2] Relatado pelo Juiz Conselheiro Paulo Mota Pinto e acessível na Internet – http://www. tribunal constitucional.pt/tc/acordaos.
[3] Relatado pelo Juiz Conselheiro João Cura Mariano e acessível na Internet – http://www. tribunal constitucional.pt/tc/acordaos.
[4] Acessíveis na Internet – http://www. tribunal constitucional.pt/tc/acordaos.
[5] Cfr. Acórdãos de 6 de Julho de 2010, proferidos nos casos Backlund c. Finlândia (queixa n.º 36498/05), e Gronmark c. Finlândia (queixa n.º 17038/04) e de 20 de Dezembro de 2007, proferido no caso Phinikaridou c. Chipre (queixa n.º 23890/02), nos quais estava em causa a existência de prazos limite para a instauração de acções de reconhecimento da paternidade (acessíveis em www.echr.coe.int/hudoc), citados no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, de 22/09/2011, publicado no Diário d República, 2.ª Série, de 03/11/2011.
[6] Cfr. Remédio Marques, in, artigo doutrinário intitulado O Prazo de Caducidade do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil e a Cindibilidade do Estado Civil: o acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 24/2012 – A (in)constitucionalidade do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009 e a sua aplicação às acções pendentes na data do seu início de vigência, instaurada antes e depois da publicação do acórdão n.º 3/2006, in Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, sob a coordenação de Guilherme de Oliveira, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, págs. 167 a 169.
[7] Todos acessíveis na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[8] Todos acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[9]Neste sentido, Remédio Marques, in, artigo doutrinário intitulado O Prazo de Caducidade do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil e a Cindibilidade do Estado Civil: o acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 24/2012 – A (in)constitucionalidade do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009 e a sua aplicação às acções pendentes na data do seu início de vigência, instaurada antes e depois da publicação do acórdão n.º 3/2006, in Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, sob a coordenação de Guilherme de Oliveira, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, págs. 168 e169.
[10] Acessíveis na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[11] Acessíveis na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[12] Acessíveis na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[13] Foi este, aliás, o princípio foi reafirmado pela jurisprudência constitucional, de forma mais abrangente, em relação às ações de investigação de paternidade  no Acórdão nº 247/2012, que  acolheu a solução a que chegou  o Acórdão  nº 401/2011, do Plenário do Tribunal Constitucional. Ambos acessíveis na Internet – http://www. tribunal constitucional.pt/tc/acordaos.
[14] No sentido de saber quem sou e de onde venho, quais são os meus antecedentes genéticos, onde estão as minhas raízes familiares, geográficas e culturais. Cfr. artigo de Guilherme de Oliveira “ Caducidade das acções de investigação” , in “ Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977”, Vol. I, Direito de Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, pág. 51.
[15] No sentido de impor à lei ordinária que organize os meios para estabelecer juridicamente os vínculos de filiação. Cfr. citada  artigo de Guilherme de Oliveira, pág. 51.