Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SANTOS BERNARDINO | ||
| Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA PRESCRIÇÃO ÓNUS DA PROVA CUSTAS | ||
| Nº do Documento: | SJ200710040027212 | ||
| Data do Acordão: | 10/04/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : | 1. A obrigação de restituir com base no enriquecimento sem causa tem carácter subsidiário: se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer, não se aplicando as normas dos arts. 473º e seg.tes do CC. 2. Exemplo típico é o caso em que a deslocação patrimonial assenta sobre um negócio jurídico nulo ou anulável: a própria declaração de nulidade ou anulação do acto devolve ao património de uma das partes os bens (ou o respectivo valor) com que a outra se poderia enriquecer à sua custa. 3. Mas o carácter subsidiário da restituição fundada no enriquecimento tem de ser conjugado com as regras processuais a que obedece a iniciativa das partes, nos termos do art. 264º do CPC, não podendo o tribunal, em princípio, afastar-se dos factos alegados e do pedido do autor. 4. Assim, se perante um contrato de mútuo, nulo por falta de forma, e em que foram fixados juros à taxa de 19% ao ano, o autor mutuário declara expressamente que não pretende eximir-se ao cumprimento do contrato e ao pagamento dos juros à taxa acordada, reclamando apenas o montante que, a mais dessas quantias, o mutuante lhe cobrou sem ter qualquer fundamento ou título que legitimasse essa cobrança adicional, é a repetição do indevido – mero caso particular da figura geral do enriquecimento sem causa – aquilo que constitui o objecto da acção. 5. Neste quadro, face aos factos alegados e ao modo como o autor sustenta o seu direito, fundando o pedido de restituição no cumprimento de obrigação inexistente, não se vê outro meio de que pudesse lançar mão para ser ressarcido. 6. O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita. 7. O direito à restituição do que foi obtido sem causa justificativa está sujeito ao prazo de prescrição do art. 482º do CC: três anos, “a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável”. 8. É sobre o réu, que invoca a prescrição, que, face ao disposto no art. 343º/2 do CC, impende o ónus da prova de aquele prazo ter já decorrido. 9. Havendo vários vencidos, devem todos eles, de harmonia com o princípio da causalidade, pagar as custas; a regra é a da conjunção, o que significa que cada um deles deve suportar o pagamento de uma parte do débito comum, de acordo com os princípios da igualdade e da proporcionalidade. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e BB, L.da intentaram, em 26.02.2002, pela 3ª Vara Cível do Porto, contra CC, acção com processo ordinário, pedindo a condenação do réu a pagar solidariamente aos autores a quantia de 16.652.832$00, o correspondente a € 83.063,98, acrescida de juros à taxa legal desde a citação. Alegaram, em síntese, o seguinte: Em 1990, o autor contratou com o pai do réu, este como mutuante, o empréstimo da quantia de 70.000.000$00, com juros a 19% ao ano, tendo em vista o investimento, que projectava fazer, na exploração de dois prédios rústicos, de que era dono, e a extinção de duas hipotecas que oneravam esses mesmos prédios. Entretanto, após uma entrega de 40.000.000$00, em 31.12.90, o pai do réu endossou a sua posição contratual a seu filho, o qual, com o autor e com um filho deste, constituiu uma sociedade comercial – a ora autora – na conta da qual passaram a ser efectuados depósitos e transferências pelo réu, no âmbito do empréstimo acima aludido. A quantia total mutuada pelo réu aos autores atingiu 69.736.000$00. Para solver essa dívida, o réu, além do capital mutuado e dos juros convencionados, exigiu e cobrou aos autores juros sobre juros, tendo estes, a este título, pago ao réu a quantia ora peticionada, com a qual este ilegitimamente se locupletou. O réu contestou, excepcionando a caducidade do direito dos autores a arguir a anulabilidade do negócio jurídico em causa com base em erro sobre o objecto, e sustentando que ao invocarem a nulidade do mútuo, por vício de forma, decorridos sete anos, os autores agem em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, que aliás já não faz sentido porque o contrato foi cumprido. Acrescentou que os investimentos que realizou, e que não devem confundir-se com os empréstimos concedidos por seu pai, foram efectuados a título de suprimentos, acordados em assembleia geral da sociedade, vigorando, no tocante à sua remuneração, o princípio da consensualidade, seja qual for o seu valor; e que realizou ainda outros empréstimos pessoais ao autor, recebendo o valor acrescido pela cessão da sua participação social, conforme acordou com o mesmo autor, nada tendo recebido a título de juros. Deve, assim, ser absolvido do pedido e os autores condenados como litigantes de má fé. Após a réplica – na qual os autores sustentam a inverificação das excepções arguidas pelo réu – foi lavrado o saneador, no qual, além do mais, foi decidido, no tocante a tais excepções, no sentido propugnado pelos autores. Com a selecção da matéria de facto, seguiu o processo a sua normal tramitação, vindo a efectuar-se a audiência de julgamento e a ser proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o réu a pagar aos autores a quantia de € 42.413,93, acrescida de juros a contar da citação, à taxa de 7% até 30.04.2004 e à taxa de 4% a partir desta última data. O réu apelou; todavia, a Relação do Porto apenas em parte atendeu o seu desiderato, revogando a sentença no concernente à condenação em benefício da autora sociedade, e mantendo-a no que respeita à condenação do apelante a pagar ao autor aquela aludida quantia e os juros, nos moldes decretados na 1ª instância. O apelante foi ainda condenado nas custas. O apelante veio arguir a nulidade do acórdão – no que não foi atendido – e interpor o presente recurso de revista. Devidamente minutado, o recurso enuncia as seguintes conclusões: 1ª - Tendo havido decaimento por parte da sociedade autora, as custas não devem ser suportadas integralmente pelo recorrente, mas por ambas as partes, na proporção do seu efectivo decaimento; 2ª - O enriquecimento sem causa tem carácter subsidiário ou residual, só podendo ser invocado quando a lei não faculta ao titular do direito outro meio de ver satisfeito esse direito; 3ª - Não tendo os autores alegado, nem podendo concluir-se que a lei não lhes faculta outros meios para serem ressarcidos, não podiam socorrer-se do instituto do enriquecimento sem causa, sendo, como tal, necessariamente improcedente a pretensão que deduziram; e, assim não entendendo, as decisões das instâncias violaram o disposto no art. 474º do Código Civil; 4ª - Provado que em 05.05.95 o réu calculou como estando em dívida de capital e juros a quantia de 102.750.000$00, e que o autor pagou em conformidade com o cálculo efectuado, de concluir é que naquela data tiveram os autores conhecimento dos fundamentos para exercer o seu direito; 5ª - O prazo de prescrição do exercício do direito completou-se, assim, em 05.05.98, nos termos do art. 482º do CC, normativo que, ao assim não ser entendido, resultou violado nas decisões das instâncias; 6ª - E não se formou caso julgado, no saneador, uma vez que a questão da prescrição do direito de peticionar o enriquecimento sem causa foi relegada para a sentença final, por ser controvertida a data do conhecimento, pelos autores, dos fundamentos do seu direito; 7ª - Ao decidir pela existência de caso julgado, o acórdão recorrido afrontou o disposto nos arts. 496º e 497º e, sobretudo, no n.º 3 do art. 510º, todos do CPC. Não foram apresentadas contra-alegações. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. 2. Acham-se provados os factos seguintes: 1) Em Abril de 1990, o autor AA contactou, por intermédio de uma pessoa conhecida e amiga de ambos, o pai do réu CC, de nome DD, casado, residente em Lisboa, 2) Contacto esse que tinha em vista a concessão ao autor de um empréstimo; 3) O referido empréstimo foi inteiramente negociado com o pai do réu, tendo então ficado acordado que ele emprestaria ao autor AA uma quantia em dinheiro; 4) Em 31.12.90 foi efectuada para a conta à ordem n.º 5408.7, pertencente ao autor AA, na agência da Chamusca da CCAM, uma transferência bancária no montante de Esc. 40.000.000$00, por débito numa conta da CCAM de Vila Nova de Gaia; 5) Em 28.08.91 o Réu outorgou a escritura de constituição da sociedade que passou a girar com a denominação “BB, L.da”, de que eram sócios o próprio réu, com uma quota de 375.000$00, o autor AA com uma quota de 62.500$00 e BB, filho do autor, com uma quota de 62.500$00; 6) Em 04.11.91, o réu depositou na conta daquela sociedade, na agência da Golegã do Banco Fonsecas e Burnay, a quantia de 10.000.000$00; 7) Em 17.02.92 o réu efectuou para a referida conta do BFB uma transferência da quantia de 7.500 contos; 8) Na conta acabada de referir foram sucessivamente feitos pelo réu depósitos e transferências nos montantes de: - 2.500.000$00, em 05.03.92; - 9.361.000$00, em 31.03.92; - 375.000$00, em 13.05.92; 9) Em assembleia geral da autora, realizada em 28.11.91, foi deliberado por unanimidade de todos os sócios presentes que, para fazer face às necessidades da sociedade, o sócio CC, aqui réu, fizesse suprimentos à sociedade até ao montante máximo de 41.625.000$00, pelo prazo de três anos, sendo 11.625.000$00 a efectuar na data da deliberação e os restantes 30.000.000$00 até à data de 31.03.92, não vencendo a quantia global de suprimentos quaisquer juros; 10) Em assembleia geral da autora, que teve lugar em 14.11.94, foi deliberado por unanimidade de todos os sócios presentes, prorrogar até 28.08.95 o prazo para pagamento dos suprimentos referenciados em 9); 11) O empréstimo negociado e acordado, referido em 3), era até ao valor de 70.000.000$00, 12) E venceria juros à taxa de 19% ao ano; 13) Na sequência do acordo referido em 3), foi efectuada pelo pai do réu a transferência referida em 4); 14) O réu assumiu depois a posição negocial de seu pai, 15) No seguimento do que foram efectuados pelo réu o depósito e as transferências referidos em 6), 7) e 8); 16) Na sequência do referido em 14) e 15) os autores, para amortização de capital e juros convencionados de 19%, fizeram as seguintes entregas: - Em 03.12.92, através de cheque emitido em 27.11.93, 10.000.000$00; - Em 03.08.93, através de cheque emitido em 30.07.93, 1.750.000$00; - Em 03.08.93, através de cheque emitido em 30.07.93, 1.000.000$00; - Em 24.08.93, através de cheque emitido em 23.08.93, 1.000.000$00; - Em 13.12.93, através de cheque, 3.000.000$00; - Em 07.01.94, através de cheque emitido em 05.01.94, 5.000.000$00; - Em 11.11.94, através de cheque emitido em 07.11.94, 5.000.000$00; 17) Em 05.05.95, o réu calculou como estando em dívida de capital e juros a quantia de 102.750.000$00, 18) Que o autor pagou em conformidade com o cálculo efectuado; 19) Foi efectuada à escrita da sociedade autora uma inspecção fiscal, na sequência da qual os autores contabilizaram os valores entregues e recebidos por força do empréstimo; 20) Em 05.05.95 o réu cedeu ao autor e outros a quota que detinha na sociedade autora e referida em 5); 21) Na altura da celebração da escritura de divisão e cessão de quotas, em 05.05.95, o réu recebeu o montante calculado como sendo devido ao seu pai, na sequência do acordo referido em 3). 3. Tendo em conta as conclusões do recurso, acima sinteticamente enunciadas, são três as questões suscitadas pelo recorrente, que a este Tribunal cabe apreciar. Vejamos, pois, cada uma delas, deixando, porém, para final, a questão da condenação em custas. 3.1. O recorrente invoca, antes de mais, o carácter subsidiário ou residual do instituto do enriquecimento sem causa para concluir que, não estando demonstrado que os autores não pudessem valer-se de outro meio para satisfação do seu direito, deverá a pretensão destes, apoiada naquele instituto, claudicar. A questão foi analisada, embora sem grande profundidade, no acórdão recorrido, aí se concluindo que “a aplicação do instituto se mostra inteiramente justificada, in casu”. Vejamos, pois. Na verdade, de acordo com o disposto no art. 474º do CC (1), não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído. Fala-se, a este respeito, do carácter subsidiário da obrigação de restituir. Com o carácter subsidiário o legislador quer dizer que, se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer, não se aplicando as normas dos arts. 473º e seguintes (2). São múltiplos os casos em que, carecendo a deslocação patrimonial de causa justificativa, a lei coloca à disposição dos interessados meios específicos de reacção contra tal situação. Exemplo típico são os casos em que a deslocação patrimonial assenta sobre um negócio jurídico nulo ou anulável: a própria declaração de nulidade ou anulação do acto devolve ao património da parte respectiva os bens (ou o respectivo valor, se a restituição em espécie não for possível) com que a outra se poderia enriquecer à sua custa (art. 289º/1). E existem outros institutos – v.g., a responsabilidade civil, a resolução ou a revogação contratual, etc. – que têm a virtualidade de pôr termo a situações que, de outro modo, seriam fonte de verdadeiro enriquecimento sem causa. É nesses casos – nos casos em que o empobrecido dispõe de outro meio ou instituto que lhe permite obter a restituição da vantagem patrimonial alcançada, sem causa justificativa, pelo enriquecido – que logra aplicação o disposto no art. 474º e ganha verdadeiro sentido e significado o princípio da subsidiariedade, ou, mais exactamente, a natureza subsidiária da obrigação de restituir. O que significa que, em todos esses casos, deve ser observado o regime especialmente estatuído para cada um deles, não sendo legítimo recorrer-se, em princípio, ao esquema geral da restituição forjado para o enriquecimento sem causa. No caso em apreço, porém, as coisas não se passam assim. Não obstante aludirem à nulidade, por falta de forma, do contrato de mútuo que invocam como suporte inicial da sua pretensão, bem como ao carácter usurário do contrato, face à taxa de juros estipulada, os autores declaram expressamente que não pretendem de forma alguma eximir-se ao cumprimento do contrato, nos moldes estipulados, e que entendem que deviam ter restituído ao réu a quantia mutuada acrescida dos juros convencionados, ainda que superiores aos legais (cfr. arts. 37º e 38º da p.i.). Aquilo que visam, com a presente acção, é apenas (cfr. arts. 39º, 40º e 41º da p.i.) que o réu lhes restitua a quantia (acrescida dos respectivos juros legais) que – a mais da quantia mutuada e dos juros à taxa de 19% – “ilegitimamente e valendo-se da situação de extrema necessidade em que se encontravam os autores, lhes exigiu e fez sua” (a quantia de 16.652.832$00), “sem ter qualquer fundamento ou título que legitimasse a sua actuação”, pois que tal quantia representava a cobrança de juros de juros, vedada pelo art. 560º. É, pois, a repetição do indevido – um mero caso particular da figura geral do enriquecimento sem causa (3). – aquilo que constitui o objecto da acção. O carácter subsidiário da restituição fundada no enriquecimento não pode deixar de ser conjugado com as regras processuais a que obedece a iniciativa das partes, nos termos do art. 264º do CPC (princípio dispositivo), não podendo o tribunal, em princípio, afastar-se dos factos alegados e do pedido do autor (art. 664º do mesmo Código). E por isso, face aos factos alegados e ao modo como os autores sustentam o seu direito, fundando o pedido de restituição no cumprimento de obrigação inexistente (art. 476º), não se vê outro meio de que pudessem lançar mão para serem ressarcidos. Não se mostra, pois, violada a regra do art. 474º. 3.2. Invoca, de seguida, o recorrente, a prescrição do direito dos autores. A propósito desta questão, haverá que salientar, antes de mais, que a Relação começou por recusar o seu conhecimento, nos termos do disposto no art. 676º/1 do CPC, a pretexto de que se trataria de questão nova, não suscitada na acção, na qual apenas se teria invocado a caducidade do direito dos autores e, a latere, a possibilidade de prescrição do procedimento criminal. Mas, perante a reacção do recorrente, que veio arguir a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia – sustentando ter sido tal questão suscitada na contestação, e discutida e apreciada no decurso do processo, designadamente no saneador (embora em termos não definitivos) – reanalisou a situação, vindo a expressar o entendimento de que, por força do preceituado nos art. 482º e 342º, impendia sobre o réu recorrente o ónus de provar “a data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe competia, a fim de convenientemente lograr a caracterização da excepção”. Como o não logrou fazer, “sempre não se encontraria demonstrada a excepção”; e, de resto – remata a Relação – também existia caso julgado, já que “as excepções invocadas foram todas conhecidas no despacho saneador, cuja bondade ou acerto ninguém questionou ou questiona”. É este entendimento da Relação que vem posto em causa na presente revista, defendendo o recorrente, como ressalta das conclusões do recurso, que, uma vez assente ter ele, em 05.05.95, calculado como estando em dívida de capital e juros a quantia de 102.750.000$00, e ter o autor pago em conformidade com o cálculo efectuado, outra coisa não se poderá concluir que não seja a de que naquela data tiveram os autores conhecimento dos fundamentos para exercer o seu direito, tendo-se, por isso, completado o prazo de prescrição do exercício do direito em 05.05.98, nos termos do art. 482º. E não há caso julgado, no saneador, já que a questão da prescrição do direito de peticionar o enriquecimento sem causa foi relegada para a sentença final, por ser controvertida a data do conhecimento, pelos autores, dos fundamentos do seu direito. Que dizer desta argumentação? Antes de mais, há que referir que, tal como começou por entender a Relação, a questão da prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa não foi suscitada na contestação do ora recorrente. Efectivamente, neste articulado, na sua parte I – defesa por excepção – o réu invoca expressamente a caducidade e a nulidade por vício de forma (esta, para considerar que a sua invocação pelos autores traduziria abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium). E no que à primeira respeita, o réu equaciona assim a questão: Se o caso fosse – e não é – de erro referente ao objecto do negócio, este tornaria, quando muito, a prestação anulável, nos termos do art. 251º do CC; e o mesmo sucederia se estivéssemos perante um caso de usura, por ter havido um aproveitamento de uma situação de necessidade (art. 282º) – o que também se rejeita. De todo o modo, o vício estaria verificado, pelo menos, em 05.05.1995, data da última amortização. E, como a arguição da anulabilidade teria de ser concretizada dentro de um ano (art. 287º) – ou seja, até 05.05.1996 – e não foi, há muito caducou o direito dos autores. E acrescenta ainda o réu (arts. 13º a 17º da mesma peça processual): E nem se diga que, por ter havido estipulação de uma taxa de 19% – como alegam os réus (...) – se poderia “pescar” no ilícito criminal. É que, tratando-se de um crime de natureza semi-pública – dependente de queixa – e como a mesma não foi apresentada dentro dos seis meses posteriores ao pagamento, ocorrido em 5 de Maio de 1995, extinta estaria a pesquisa criminal. De todo o modo, sempre o procedimento criminal teria prescrito, em 5 de Maio de 2000 – alínea c) do n.º 1 do art. 118º e n.º 1 do art. 226º do Cód. Penal, ou seja, decorrido estava, quando da entrada da p.i.. Como está claramente assente, o direito que, através da presente acção, os autores visam fazer valer, é o direito à restituição de quantia que o réu, sem causa justificativa, deles obteve, para além das forças do contrato de mútuo celebrado – contrato que quiseram cumprir nos precisos termos acordados. Os autores são bem claros a este respeito: apesar de o contrato ser nulo, por falta de forma, não pretendem valer-se da nulidade – nunca quiseram deixar de o cumprir. E, não obstante a taxa de juros acordada (19%) ser usurária, e, por isso, usurário – e, portanto, anulável – o negócio jurídico celebrado, não é por referência a essa ilegal taxa de juro que formulam a sua pretensão. Muito menos pretendendo “pescar” no ilícito criminal, para usarmos a imaginosa (embora juridicamente pouco rigorosa) linguagem do réu. Aquilo que o réu alega – seja no que concerne à anulabilidade do negócio jurídico e ao prazo para a sua invocação, seja no que atine à taxa de juros fixada e que os autores não põem em causa – nada releva no tocante à questão da prescrição do direito à restituição invocado pelos autores, não podendo, de modo algum, considerar-se tal alegação como invocação de tal excepção. A prescrição do direito à restituição acha-se prevista no art. 482º, e sobre este normativo, a sua interpretação e os seus efeitos, não se vislumbra nem uma palavra na contestação ... Ora, o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita (art. 303º). Bem se entende, por isso, que o despacho saneador silencie sobre esta questão, não se vendo neste despacho – onde se refere, depois de se haver afirmado a improcedência das invocadas excepções de caducidade e abuso de direito, não terem sido alegadas outras excepções peremptórias, não as havendo de conhecimento oficioso – qualquer menção que permita concluir que o conhecimento da excepção de prescrição haja sido relegado para final. A elaboração do quesito 16º – onde se pergunta se os autores só se aperceberam de que haviam pago a mais em Junho de 1999, na sequência de uma inspecção fiscal efectuada á escrita da autora – não tem o relevo que o recorrente parece atribuir-lhe, no sentido de uma tal conclusão, uma vez que não recaía sobre os autores o ónus da prova da data em que tiveram conhecimento do seu direito, como se verá mais adiante. Mal se percebe, por isso, o volte face da Relação que, depois de, acertadamente, ter recusado conhecer da questão – por se tratar de questão nova – veio a ceder nessa posição, acabando, a posteriori, por enfrentá-la e decidi-la nos termos sobreditos. Mesmo, porém, que devesse entender-se ter o réu, ora recorrente, invocado a prescrição, ainda assim não lograria ele colher, aqui e agora, qualquer efeito útil dessa invocação. Já acima dissemos que o direito à restituição do que foi obtido sem causa justificativa está sujeito ao prazo de prescrição do art. 482º. Esse direito prescreve no prazo de três anos, “a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável”. É, pois, este, um dos casos de “acções que (devem) ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto”, relativamente às quais o art. 343º/2 coloca a cargo do réu “a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei”. Ora, entendeu a Relação que o réu não logrou essa prova, pois que “não resulta do processo, apodicticamente ou por presunção de primeira aparência, que o autor tenha tido conhecimento dos factos em 1995”. Ou seja: no modo de ver da Relação esse conhecimento não está expressamente reflectido nos factos apurados; e também não pode inferir-se a partir desses factos, como ilação lógica a extrair deles – designadamente (como pretende o recorrente) dos inseridos nos n.os 17) e 18) do acervo factual apurado e acima alinhado. A fixação da matéria de facto é da competência das instâncias, sendo inalterável (4). a decisão da Relação quanto a esta matéria: a extracção de ilações dos factos conhecidos, situando-se no âmbito da matéria de facto, não se contém no âmbito do recurso de revista. Assim, sendo certo que nenhum dos factos provados expressa directamente a data em que os autores tiveram conhecimento do seu direito, e não permitindo eles extrair qualquer ilação nesse sentido, jamais poderia ter-se como verificada a prescrição. Dizendo de outro modo: não resultando da matéria de facto apurada – que o Supremo não pode, in casu, alterar – que os autores intentaram a acção decorridos mais de três anos sobre a data em que tiveram conhecimento do seu direito, só pode concluir-se que não se acha demonstrada a invocada prescrição de tal direito. O que se deixa referido dispensaria, obviamente, qualquer explanação visando indagar se, como também entendeu a Relação, se formou caso julgado, no saneador, sobre esta questão. A inutilidade da indagação é inquestionável, face à decisão, pelos motivos já apontados, de inverificação da prescrição. Sempre se dirá, porém, que não se formou o aludido caso julgado. A questão da prescrição não foi, como vimos, objecto de decisão no saneador. E, como é jurisprudência pacífica, e resulta do art. 510º do CPC, devem excluir-se do caso julgado formado pelo saneador as excepções peremptórias de que nele se não conheça expressamente. 3.3. A Relação, não obstante haver julgado a apelação parcialmente procedente, nos termos sobreditos, condenou o apelante, ora recorrente – e só ele – nas custas. Este discorda, invocando o decaimento da sociedade autora. E não pode deixar de se lhe reconhecer razão. O princípio reitor em matéria de custas é o da causalidade: paga as custas a parte que lhes deu causa, isto é, que litiga sem fundamento, que carece de razão na pretensão formulada, que, em suma, exerce no processo uma actividade injustificada (art. 446º/1 do CPC). Dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for (art. 446º/2). Havendo pluralidade de responsáveis pelo pagamento das custas (art. 446º/3), a regra é a da conjunção, devendo cada um dos vencidos suportar o pagamento de uma parte do débito comum, de acordo com os princípios da igualdade e da proporcionalidade – o que significa que, se tiver sido igual a participação de cada vencido no processo, suportarão as custas em partes iguais, e se tiver sido desigual, deverá a repartição das custas ser efectuada em função dessa participação (5) . No caso em apreço há dois vencidos – a sociedade autora e o réu – devendo, pois, as custas da apelação ser por ambos suportadas. Todavia, não em partes iguais, já que a participação daquela e deste no processo não é qualitativamente igual, sendo manifestamente menos relevante a da autora: a sociedade intervém no recurso em coligação com o co-autor, na defesa plural do mesmo objectivo, confundindo-se a intervenção de ambos, a argumentação de ambos, o efeito por ambos pretendido – efeito que, sendo àquela totalmente negado, foi, todavia, plenamente logrado no que ao seu comparte respeita. Ao contrário, a intervenção singular do réu recorrente, afrontando directamente o interesse de ambos os autores, assume, em termos qualitativos, maior relevo; e se é certo que triunfa quanto à autora, claudica totalmente face ao autor, nada mais representando, para ele, o resultado da apelação, do que “uma vitória de Pirro”. Deve, por isso, suportar uma maior parcela das custas daquele recurso, entendendo-se ajustada a sua repartição em ¾ para o réu apelante e ¼ para a sociedade apelada. 4. Nos termos que se deixam expostos, nega-se a revista, salvo no que tange às custas da apelação, que ficam a cargo do réu e da autora sociedade, na proporção de ¾ e ¼, respectivamente. As custas da revista ficam, do mesmo modo, a cargo do réu recorrente e da autora sociedade, mas na proporção de 7/8 para aquele e 1/8 para esta. As da 1ª instância serão suportadas por autores e réu, na proporção do respectivo decaimento. * (2) GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 6ª ed. pág. 191).Lisboa, 04 de Ourubro de 2007 Relator : Santos Bernardino Adjuntos : Bettencourt de Faria Pereira da Silva __________________________________ (1) São do Cód. Civil as normas que forem, na exposição subsequente, indicadas sem referência ao diploma a que pertencem. (3) A. VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7ª ed., pág. 495. (4) Salvo casos excepcionais que não importam à situação em apreço (5) Cfr. neste sentido SALVADOR DA COSTA, Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 8ª ed., pág. 34. |