Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04S3165
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
MATÉRIA DE FACTO
FACTO NOTÓRIO
DOCUMENTO PARTICULAR
DESENTRANHAMENTO
REENVIO DO PROCESSO
Nº do Documento: SJ200502230031654
Data do Acordão: 02/23/2005
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 1841/03
Data: 04/15/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. No que diz respeito à matéria de facto, os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são restritos aos casos previstos no n.º 2 do art. 722 e no n.º 3 do art. 729 do CPC,

2. O Supremo pode conhecer do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos provados com fundamento na violação do disposto no art. 514 do CPC.

3. Factos notórios são apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação.

4. Os "cartões de registo de ponto" são documentos particulares de livre apreciação.

5. Com base nesses cartões não pode dizer-se que a prática de determinado horário de trabalho é um facto notório.

6. A contradição na matéria de facto só justifica o reenvio do processo ao tribunal recorrido, nos termos do n.º 3 do art. 729 do CPC, quando os factos em questão sejam relevantes para a decisão da causa.

7. No recurso de revista não pode ser posta em causa a decisão da Relação e de que a parte não recorreu que confirmou o despacho do relator que mandou desentranhar os documentos juntos com as alegações do recurso de apelação.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" propôs no tribunal do trabalho de Viseu a presente acção contra a B, pedindo que a sanção disciplinar de dois meses de suspensão com perda de retribuição que lhe foi aplicada pela ré fosse declarada abusiva e a ré condenada a pagar-lhe a quantia de 3.600.000$00 acrescida de 200.000$00 de indemnização por danos não patrimoniais e respectivos juros de mora e, para a hipótese de aquela sanção não ser considerada abusiva, pediu, subsidiariamente, que a mesma fosse considerada ilegal e que a ré condenada a pagar-lhe a quantia de 360.000$00, referente aos meses de Dezembro de 2000 e Janeiro de 2001, acrescida de juros de mora.

Fundamentou o pedido, alegando que foi admitida ao serviço da ré em 26 de Setembro de 1991, para trabalhar como psicóloga, mediante retribuição que ultimamente era de 180.000$00 mensais, tendo passado a usufruir dos direitos e deveres dos trabalhadores docentes da ré, a partir de Janeiro de 1992, mês em que foi acordado com a ré que ela passaria a cumprir um horário lectivo de 20 horas semanais e a cumprir uma carga horária não lectiva de cerca de 15 horas semanais, que a autora cumpria em reuniões com os pais dos alunos, em reuniões com a direcção da ré e ainda a tratar de assuntos vários do interesse e para os fins prosseguidos pela ré. Ficou também acordado que a autora, a partir de Janeiro de 1992, passaria a usufruir dos mesmos direitos e regalias dos professores do ensino especial relativamente às interrupções das aulas por alturas do Natal, Carnaval, Páscoa e Verão, o que significava que a autora podia permanecer em casa nesses períodos de férias, sem prejuízo de ter de comparecer nas instalações da ré sempre que tal fosse solicitada e a sua presença se mostrasse necessária.

Em consequência daquele acordo, a autora vem desde então marcando a sua presença, tal como o faziam os seus colegas docentes, através de folhas de registo de presenças em uso nos serviços da ré. Acontece, porém, que a eleição da actual direcção da ré, em 10 de Julho de 2000, pôs em causa não só a duração do horário de trabalho que a autora vinha cumprindo há mais de 8 anos, mas também a forma como o mesmo é cumprido e, não satisfeita com isso, retirou-lhe o gabinete onde trabalhava, "arrumando-a" numa sala sem o mínimo de condições de trabalho.

A autora alegou, ainda, que não violou o direito de assiduidade e que a sua recusa em marcar o cartão de ponto é legítima, sendo abusiva a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, por ter assentado numa desobediência que não existiu e por ter ficado a dever-se ao facto de ela ter reclamado contra as condições de trabalho que a ré lhe pretendia impor, o que lhe acusou profundo desgosto e grande mágoa.

E sem prescindir, alegou que a sanção é, pelo menos ilegal, não só porque ela não praticou nenhuma das infracções que no processo disciplinar lhe foram imputadas, mas também porque a suspensão do trabalho não pode exceder doze dias por cada infracção nem 30 dias em cada ano civil.

Após frustada audiência de partes, a ré contestou, alegando que a autora ocultou o facto de só ter cumprido um mês de suspensão, em Janeiro de 2001, uma vez que em Dezembro de 2000 esteve de baixa por doença, impugnando o acordo que a autora diz ter sido feito em Janeiro de 1992 e defendendo a legalidade da sanção aplicada, com base nos factos que devidamente especificou (recusa em picar o relógio de ponto e faltas ao trabalho nos meses de Agosto e Setembro de 2000, num total de dezasseis dias, cinco dos quais seguidos).

No articulado de resposta à contestação, a autora reconheceu que esteve de baixa por doença de 28 de Novembro de 2000 até 18 de Janeiro de 2001 e que só esteve suspensa no período de 20 de Janeiro a 20 de Fevereiro de 2001 e, em consequência disso, reduziu o pedido de indemnização pela aplicação da sanção abusiva de 3.600.000$00 para 1.800.000$00 e o pedido subsidiário de 360.000$00 para 180.000$00, tendo concluído que o pedido por si formulado devia ser reduzido para a quantia total de 2.180.000.$00.

Realizado o julgamento, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo a ré sido condenada a pagar à autora a retribuição correspondente ao período de 20 de Janeiro a 20 de Fevereiro de 2001, acrescida dos correspondentes juros de mora contados desde a citação, por se ter entendido que a sanção disciplinar aplicada era ilegal e tendo a autora sido condenada, em 8 UC de multa, com o fundamento de que tinha litigado de má fé.

Inconformadas com a sentença, ambas as partes recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra que negou provimento ao recurso da autora e não tomou conhecimento do recurso da ré, com o fundamento de que o mesmo não era admissível, face ao valor da sucumbência da ré.

Notificada do acórdão da Relação, a autora pediu esclarecimentos e a reforma do mesmo, mas tal pretensão foi indeferida e, perante isso, interpôs recurso de revista, tendo concluído as suas alegações da seguinte forma:
1.ª - Salvo o devido respeito, que é muito, por opinião em contrário, quer na douta sentença da 1.ª instância, quer no douto acórdão em apreciação, verifica-se a existência de erros na apreciação da prova, com ofensa de disposições expressas da lei processual, bem como violação de disposições legais substantivas. De facto,

2.ª - É notória a divergência entre a fotocópia de fls. 78 dos autos e o original do mesmo documento, que veio a ser junto em audiência de julgamento (fls. 334 e segs). Aliás,

3.ª - Da própria análise dos cartões de ponto, invocadamente "picados" pela ora recorrente, se extrai que, ao contrário do alegado pela recorrida, o horário de trabalho que aquela praticava era de 4 horas de componente lectiva e de 3 horas de componente não lectiva, por dia.

4.ª - Trata-se de facto notório de que ambos os doutos tribunais, de 1.ª e 2.ª instâncias, deviam ter tomado conhecimento e, não o tendo feito, violados se mostram os art.°s 514°, 669° al. b) e 712°, n° 1, al. a), todos do C.P.C..

5.ª - De outro lado, ao não ter sido admitida a junção com as alegações de recurso de 2 documentos (sendo um pública-forma do primeiro e, entretanto, misteriosamente extraviado), cuja junção tardia a ora recorrente justificou suficientemente, os quais inequívoca e definitivamente provariam os factos essenciais por si alegados, está-se perante a violação das disposições conjugadas dos art.°s 706.° n° 1, 525.° e 712.° n° 1 al. c), todos do C.P.C.

6.ª - Acresce, por outro lado, que a inabilidade e a pressa com que a recorrida "forjou" os cartões de ponto, juntos em audiência de julgamento, pelo menos dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1992, alegadamente "picados" pela recorrente, provam à saciedade a sua falsidade. Na verdade,

7.ª - Retira-se de tais cartões que a recorrente alegadamente teria "picado" esses cartões nos dias 5 (Feriado), 11, 18, 25 e 31 (Domingos) de Outubro; 1, 15, 22 e 29 (Domingos) e 11 (baixa médica) de Novembro; e 1 e 8 (Feriados), 5 e 19 (Sábados), 13 (Domingo) e 31 (interrupção lectiva) de Dezembro.

8.ª - Trata-se igualmente de factos notórios, de que a douta relação, onde tal questão foi suscitada, devia ter tomado conhecimento e, porque o não fez, terá sido violado o disposto nos art°s 514° e 669° n° 2 al. b), ambos do C.P.C..

9.ª - Do que vem de dizer-se resulta mostrar-se violado, "a contrario", o disposto no art° 20° n° 1 als. b) e c) - 1.ª e 2.ª partes, do Dec.-Lei 49408, de 24/11/69.

10.ª - Como consequência desta violação de lei substantiva, sufragou-se a decisão proferida no P.º Disciplinar movido contra a Recorrente, ao invés de a considerar sanção abusiva, com o que se mostra violado também o disposto no art.º 32.º, n.° 1, als. b) e c), do mesmo Dec-Lei 49408, com as consequências plasmadas no art.º 33.º do mesmo diploma.

11.ª - Deve, em consequência, com o douto suprimento de Vossas Excelências, revogar-se o aliás douto Acórdão em apreciação, ordenando-se a repetição do julgamento para nova apreciação da matéria de facto.

A ré contra-alegou, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, alegando que na resposta à contestação a autora tinha reduzido o pedido para 2.180.000$00, pelo que deve ser esse o valor da acção a levar em conta para efeitos de recurso e alegando, por mera cautela, que a recorrente não tem a menor razão, por não se verificarem os requisitos previstos no art. 669 do CPC.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela improcedência da questão prévia e pelo reenvio do processo à Relação, por haver contradições na matéria de facto.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

3. Os factos
Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:
a) - A A. trabalha por conta, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré [Instituição criada em 1976], desde 26.9.1991.

b) - A Ré é uma Instituição Particular de Solidariedade Social que tem como objectivos, entre outros, promover a integração na sociedade do cidadão com deficiência mental, no respeito pelos princípios de normalização, personalização, individualização e bem estar; promover o equilíbrio das famílias dos cidadãos com deficiência mental, sensibilizar os pais e as famílias, motivando-os para a defesa dos direitos dos seus familiares deficientes e preparando-os para a assunção das responsabilidades que lhes cabem, numa perspectiva de condução de educação permanente na escola e na família; sensibilizar e co-responsabilizar a sociedade e Estado, nas suas várias formas no papel que lhes cabe na resolução dos problemas dos cidadãos com deficiência mental e suas respectivas famílias; defender e promover os reais interesses e satisfação das necessidades dos deficientes mentais nas instituições, no trabalho, no lar e na sociedade; humanizar e normalizar as estruturas de resposta de modo a desenvolverem meios não restritos para o deficiente mental; defender e promover a necessária adequação da legislação Portuguesa e Comunitária, no sentido de serem reconhecidos e respeitados os direitos e deveres do cidadão com deficiência mental; promover actividades culturais, recreativas, desportivas, de laser e tempos livres.

c) - A A. foi admitida pela Ré para trabalhar como Psicóloga cujas funções sempre desempenhou e desempenha e que consistem em efectuar avaliações psicológicas dos alunos/utentes, no apoio psico-afectivo directo aos utentes, faz entrevistas, dá apoio psicoterapêutico aos pais e encarregados de educação, elabora relatórios para Centros de Saúde, Hospitais, Tribunais, Escolas, Infantários, etc., diagnostica e trata desvios de personalidade e de inadaptações sociais, executa programas de modificação de comportamento com enquadramento behaviorista e psicanalítico, promove actividades culturais, recreativas, de laser e tempos livres, faz parte do Conselho Pedagógico e da equipa de admissões de utentes, participa na elaboração dos programas e planos educativos individuais para os alunos/utentes; desempenha outras funções inerentes às suas habilitações profissionais e integradas nos objectivos prosseguidos pela Ré.

d) - Em 2000, a A. auferia o vencimento mensal ilíquido de € 949,78 (190.414$00) a que correspondia o montante líquido de € 786,84 (157.748$00) (cfr. documentos de fls. 176 a 178).

e) - Aquando da sua admissão ao serviço da Ré, a A. celebrou com a mesma o "contrato de trabalho a termo certo" a que se reporta o documento de fls. 64, havendo as partes acordado, nomeadamente, que "o período normal de trabalho é de 36 horas semanais, distribuídas de Segunda-feira a Sexta-feira (...)" (cláusula 2.ª).

f) - Em 14.01.1992, a Direcção da Ré deliberou o seguinte: "Foi igualmente resolvido dar à psicóloga, Dr.ª A, as mesmas regalias dos professores, durante a interrupção de aulas (Natal, Carnaval, Páscoa e Verão)" (ponto 9º da acta n.º 110, subscrita por C e D, membros da Direcção da Ré). A partir de então, a A. passou a usufruir dos mesmos direitos e regalias dos professores do ensino especial relativamente às interrupções das aulas por alturas do Natal, Carnaval, Páscoa e Verão (i. é, podendo permanecer em casa por alturas das correspondentes férias lectivas).

g) - Tendo a A., todavia, como obrigação em tais ausências e sempre que necessário, dar resposta às solicitações da Ré, inclusive comparecendo nas instalações sempre que para tal fosse solicitada e a sua presença se mostrasse necessária.

h) - A A. procedeu ao registo de ponto, designadamente, quando das entradas e saídas do serviço, nos anos de 1992 (Setembro a Dezembro), 1993, 1994 e 1996 e em Janeiro de 1997, conforme consta dos documentos de fls. 363 a 383; em Outubro de 2000 a A. elaborou e apresentou no Departamento Administrativo da Ré as folhas de "registo de presença" a que respeitam os documentos de fls. 148 e 149, relativas aos meses de Setembro e Outubro de 2000; na folha que a A. fez corresponder a Outubro de 2000, o Director da Ré apôs o seguinte: "Tomei conhecimento mas desconheço a adopção deste modelo por parte da APPACDM".

i) - Actualmente a marcação do cartão de ponto é obrigatória para todos os funcionários da Ré, sendo que em períodos anteriores alguns dos seus funcionários (por exemplo, da valência "Formação Profissional") não procediam ao registo de ponto; os trabalhadores docentes que prestam serviço na Ré (funcionários do Ministério da Educação) não estão obrigados ao referido registo e não entregam no Departamento Administrativo da Ré quaisquer folhas de registo de presenças.

j) - A A. teve as baixas médicas aludidas no documento de fls. 344; nos anos de 1997 a 2001 compreenderam os períodos de 09.01. a 31.12.1997 (baixa / licença por maternidade de 03.9 a 31.12.97), 24.6 a 29.6.1998, 20.11 a 31.12.1998, 03.3 a 07.6.1999 e 28.11.2000 a 18.01.2001.

l) - Em 14.01.1998, a A. dirigiu à Ré o requerimento de fls. 348 comunicando o seu retorno ao serviço, após licença por maternidade e gozo de "licença graciosa", solicitando à Ré, na qualidade de trabalhadora lactante, que lhe fosse concedida a redução de 2 horas diárias no seu serviço para amamentação da filha, o que a Ré deferiu. A partir de 1998, a A. passou a trabalhar na Ré nas manhãs de 2.ªs, 3.ªs e 4.ª feiras e nas tardes de 5.ªs e 6.ªs feiras, em jornada contínua não inferior a 4 horas diárias.

m) - Desde Junho de 2000, a Direcção da Ré, considerando que no passado houvera um insuficiente controlo das presenças diárias, decidiu proceder a uma maior fiscalização do cumprimento dos horários de trabalho do pessoal ao seu serviço, inclusive a A.; a Ré comunicou tal propósito aos seus funcionários (determinando que passassem a proceder ao registo do período de trabalho através de "relógio de ponto") através de "comunicados" e do "aviso" a que se referem os documentos de fls. 93 a 95.

n) - Em Julho de 2000, a A. passou a trabalhar noutro gabinete (partilhando-o com a sua superiora hierárquica), na sequência de remodelação/reestruturação funcional operada pela Ré e devido à exiguidade das instalações e acrescidas necessidades (em razão, designadamente, do aumento do n.º de utentes e da criação de um gabinete para o Presidente da Direcção).

o) - A A. e o actual Presidente da Direcção da Ré foram, respectivamente, assistente e arguido, e partes civis, no processo crime a que se reporta o documento de fls. 267 a 279.
p) - Por carta registada com A/R datada de 09.10.2000 a Ré instaurou um processo disciplinar à A. tendo-lhe enviado a "nota de culpa" de fls. 9 a 15.

q) - A A. respondeu tempestivamente à referida "nota de culpa", conforme consta de fls. 110 a 113.

r) - Por carta registada com A/R datada de 24.11.2000 e recebida pela A. no dia 26 seguinte, a Ré comunicou-lhe a decisão final proferida no processo disciplinar, aplicando-lhe a sanção de "suspensão do trabalho, com perda de retribuição (...), por um período de dois meses, com início em 01.12.2000" (cfr. documentos de fls. 22 a 29).

s) - A Ré não procedeu a qualquer desconto nos salários da autora dos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2000.

t) - A A. apenas cumpriu um mês de suspensão (em 2001), na sequência da comunicação dita em r).

u) - No dia 28.11.2000 a A. apresentou "boletim de baixa", com início nesse dia e termo em 9 de Dezembro, baixa que foi sucessiva e continuamente renovada, até 18.01.2001, conforme certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença cujos duplicados remeteu à Ré (cfr. documentos de fls. 60 a 63).

v) - A A. é beneficiária da Segurança Social e recebeu o respectivo subsídio de baixa.

x) - A A. esteve no gozo de férias no período compreendido entre os dias 13.7 e 11.8.2000.

z) - A A. foi contactada pela Dr.ª E que lhe deu conta de que fora deliberado pela Direcção conceder tolerância de ponto aos funcionários no dia 14.8.2000, em virtude do feriado do dia seguinte.

aa) - Na mesma ocasião foi-lhe dito, pela mesma funcionária, que se deveria apresentar no dia 16.

bb) - A A. não compareceu nesse dia, nem nos dias 17 e 18 de Agosto.

cc) - Em 21 de Agosto foi contactada por telefone pelo Director Geral que solicitou a sua presença na Instituição.

dd) - A 22 de Agosto apresentou-se ao serviço da parte de tarde, para uma reunião de trabalho e, terminada esta, foi-lhe reiterado por aquele Director que se deveria apresentar diariamente na Instituição, para preparação do ano, solicitando-lhe que comparecesse no dia seguinte.

ee) - Na mesma ocasião comunicou-lhe que deveria levantar o seu cartão de registo de presenças.

ff) - A A. faltou no dia 23/8 e na manhã seguinte, o que determinou aquele a contactá-la de novo para que comparecesse ao serviço.

gg) - No dia 24, a A. compareceu à tarde, tendo faltado nos dias seguintes ( 25, 28, 29, 30 e 31/8).

hh) - No dia 24 de Agosto o Director Geral comunicou o que estava a suceder à Direcção da Ré e esta enviou à A. a carta a que respeitam os documentos de fls. 89 a 91.

ii) - No dia 31 a A. esteve presente apenas para uma reunião que solicitou à Direcção da Ré, na sequência da referida carta.

jj) - Em Setembro de 2000 a A. compareceu nos dias e períodos referidos nos documentos de fls. 72 e seguinte e fls. 149.

ll) - A A. não apresentou qualquer justificação para não comparecer no local de trabalho quando para tal foi expressamente solicitada; quando se apresentou ao serviço, de manhã ou de tarde, considerou que a sua presença nas instalações da Ré era apenas devida nesses períodos, conforme procedimento adoptado desde 1998 [dito em II. 1. l)].

mm) - A presença da A. na Instituição é importante; ela própria desde há vários anos vinha alertando para a necessidade de contratar outra Psicóloga.

nn) - É aconselhável que o acompanhamento de cada aluno se faça sempre pela mesma Psicóloga.

oo) - A A. recusou-se a utilizar o cartão de ponto, nomeadamente, quando das mencionadas comunicações verbal e escrita [ee) e hh)], passando a utilizá-lo apenas após a instauração do procedimento disciplinar e a partir de 18.10.2000.

pp) - O sistema de registo do período de trabalho através de relógio de ponto existe na Ré desde 1988. Ocorrendo alguns períodos em que se encontrou avariado, o mesmo estava operacional em meados de 2000.

qq) - A A. esteve suspensa no período de 20.01.2001 a 20.02.2001, período que a Ré lhe descontou.

rr) - Em Junho de 1996, a Direcção da Ré fez publicar (mandando-o afixar nas instalações da Ré) o horário de trabalho semanal da valência "Centro Educacional" a que se refere o documento de fls. 317. À A., que integrava (e integra) a referida valência, correspondia então o seguinte horário de trabalho: 9 às 13 horas e 14 às 17 horas (às 2.ªs e 3.ªs feiras, termo às 17.30 horas), de 2.ª a 6.ª feiras e num total de 36 horas semanais.

ss) - É de 35 horas o período de trabalho semanal (7 horas diárias) dos Técnicos (inclusive Psicólogas) que prestam actualmente serviço na Ré.

3. O direito
Como resulta das conclusões formuladas pela recorrente, o objecto do recurso restringe-se à decisão proferida sobre a matéria de facto que, segundo a recorrente, enferma de erro na apreciação das provas. Todavia, antes de entrar na apreciação do objecto do recurso importa apreciar a questão prévia que foi suscitada pela recorrida relativamente à admissibilidade do recurso, uma vez que, por manifesto lapso, tal questão não foi apreciada no seu devido tempo.

3.1 Da inadmissibilidade do recurso
Como já foi referido, a ré (ora recorrida) suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, com o fundamento de que, na resposta à contestação, a autora (ora recorrente) tinha reduzido o pedido para 2.180.000$00, devendo ser, por isso, esse o valor da acção a levar em conta para efeitos de recurso. Por outras palavras, a recorrida entende que o valor da causa era de 2.180.000$00 e que o recurso de revista não era admissível pelo facto de aquele valor não exceder a alçada da Relação. Será que tem razão?

Entendemos que não, pois, como bem salienta a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, o facto de a recorrente ter reduzido o pedido na resposta à contestação para 2.180.000$00 não teve repercussões no que toca ao valor da causa que se fixou em 4.160.000$00, por esse ter sido o valor que lhe foi atribuído pela autora na petição inicial e o mesmo não ter sido impugnado pela ré nem alterado pelo juiz (vide artigos 314.º, n.º 4 e 315.º, n.º 1, do CPC). O facto de a autora ter reduzido o pedido não implica automaticamente a alteração do valor que ela tinha dada à causa na petição inicial. Para que isso acontecesse, era necessário que ela também tivesse requerido a alteração do valor da causa e que essa pretensão tivesse sido deferida pelo juiz, após audição da ré. Como nada disso aconteceu, o valor da causa é o que lhe foi atribuído na petição inicial por ser esse o valor em que as partes tacitamente acordaram.

E sendo assim, como se entende que é, e atento o disposto na parte inicial do n.º 1 do art. 678.º do CPC, temos de concluir que o valor da causa não é obstáculo à admissibilidade do recurso, uma vez que aquele valor (4.160.000$00) é superior à alçada da Relação que, como é sabido, é de 14.963,94 euros (vide art. 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13/1, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 323/01, de 17/12). Improcede, pois, a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, nos termos em que foi suscitada pela recorrida, sem certo também que pelas regras da sucumbência nada obstava à recorribilidade da decisão, uma vez que a decisão foi desfavorável à recorrente em valor superior a metade da alçada da Relação.

3.2 Do recurso
Como já foi referido, o objecto do recurso restringe-se à questão de saber se houve erro na apreciação das provas e, consequentemente, se houve erro na fixação da matéria de facto. A tal respeito, a recorrente alegou:

- que os "cartões de ponto" referente à 1.ª quinzena de 1997 são falsos, não podendo, por isso, servir como meios credíveis de prova, pois, ela apenas picou o ponto entre Setembro de 1994 e Dezembro de 1996, isto é, no período em que os professores também o faziam;

- que da própria análise dos cartões se extrai que o horário por ele praticado era de 4 horas de componente lectiva e de 3 horas de componente não lectiva diárias, de 2.ª a 6.ª feira (e não de 7 horas de permanência) e que, perante esta evidência, que é facto notório, o tribunal da Relação podia e devia, nos termos dos artigos 514 e 669, al. b), do CPC, alterar a resposta à matéria de facto constante da decisão proferida na 1.ª instância e atinente ao apuramento do Horário de Trabalho efectivamente praticado pela Recorrente;

- que às alegações produzidas no recurso de apelação juntou 2 documentos (o original e uma pública forma de um Aditamento ao seu contrato de trabalho, assinado em 25.4.2000, no qual se esclarecia que o seu horário semanal era de 20 horas de componente lectiva e de 15 horas de componente não lectiva, não tendo a junção desses documentos sido aceite, o que viola o disposto nos artigos 706, n.º 1, 525 e 712, n.º 1, al. c), do CPC;

- que, já em data posterior à do acórdão, deu-se conta que existe mais uma prova, irrefutável, de que a recorrida tinha "manipulado" elementos de prova, determinando com isso uma resposta a seu favor no tocante às alíneas h) e e) da matéria de facto apurada, isto porque, diz a recorrente, os "cartões de ponto" referentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1992, juntos pela recorrida e alegadamente "picados" pela recorrente, por evidente inabilidade de quem os "forjou", contêm em si mesmos, inequivocamente, a prova de que são falsos, uma vez que referem datas em que ela não podia ter trabalhado, por se tratar de dias feriados, sábados, domingos, férias e por ter estado de baixa médica;

- que tais factos são do conhecimento oficioso do tribunal, por se tratar de factos notórios, uma vez que a simples consulta a um calendário do ano de 1992 assim o demonstra.

Como se pode constatar das alegações e das conclusões apresentadas pela recorrente, esta não especificou quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Na verdade, mais do que atacar este ou aquele ponto da matéria de facto, ela ataca a credibilidade que as instâncias terão dado aos "cartões de ponto" que, algo contraditoriamente, diz terem sido "forjados" ao mesmo tempo que reconhece tê-los "picado" no período de Setembro de 1994 a Dezembro de 1996. E ataca também a decisão que mandou desentranhar os dois documentos que juntou com as alegações do recurso de alegação. Aliás, como decorre da pretensão por ela formulada no termo das suas conclusões, o verdadeiro objectivo do recurso não é a reapreciação da matéria de facto por este Supremo Tribunal, mas sim a revogação do acórdão da Relação, "ordenando-se a repetição do Julgamento para nova apreciação da matéria de facto."

Ora, não tendo a recorrente especificado quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, poder-se-ia dizer, sem mais, que o recurso era de rejeitar, nos termos do n.º 1 do art. 690-A do CPC. Não vamos, todavia, por aí, uma vez que, embora com algum esforço e com algumas dúvidas, podemos aceitar como especificação suficiente a referência que a recorrente faz às alíneas e) e h) da matéria de facto e ao horário de trabalho que diz ter praticado (4 horas de componente lectiva e 3 horas de componente não lectiva).

Vejamos, então, se houve ou não erro na apreciação das provas, começando por recordar que nessa matéria são muito restritos os poderes do Supremo Tribunal de Justiça. Efectivamente e como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça só tem competência para conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa quando tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que fixe a força de determinado meio de prova (art. 722, n.º 2, do CPC) e que, para além disso, apenas pode ordenar a remessa do processo ao tribunal recorrido quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou quando a decisão sobre a matéria de facto sofra de contradições que inviabilizem a decisão jurídica do pleito (art. 729, n.º 3, do CPC).

Deste modo, o Supremo Tribunal não tem competência para sindicar a credibilidade que nas instâncias foi dada aos referidos "cartões de ponto", uma vez que aqueles cartões são documentos sem força probatória especial, sujeitos, por isso, à livre apreciação do tribunal (art. 366 do CC).

A recorrente alega que, "seja como for, da própria análise dos cartões, se extrai que o horário praticado pela Recorrente era de 4 horas de componente lectiva, nas instalações da Recorrida, e de 3 horas de componente não lectiva (e não de 7 horas de permanência) diárias, de 2.ª a 6.ª feira, uma vez que quando ia trabalhara de manhã e de tarde só picava a 1.ª entrada e a última saída (p. e.: entrada 9H36, saída 16H56, descontado 2 horas de intervalo para almoço, dá cerca de u horas de permanência)" e que "perante esta evidência, realçada nas Alegações do Recurso de Apelação, que é um facto notório e de que o douto Tribunal devia tomar conhecimento (art.ºs 514 e 669, al. b) do CPC) podia o douto Acórdão, e salvo melhor opinião devia, alterar a resposta à matéria de facto constante da decisão proferida em 1.ª Instância e atinente ao apuramento do Horário de Trabalho efectivamente praticado pela Recorrente."

Como resulta do alegado pela recorrente, o tribunal recorrido teria violado o disposto no art. 514 do CPC, ao não dar como provado um facto notório. Aceitamos que o Supremo Tribunal de Justiça tenha competência para conhecer do erro na fixação da matéria de facto, quando esteja em causa a violação do art. 514 do CPC, isto é, quando o tribunal recorrido não deu como provado determinado facto apesar da notoriedade do mesmo ou quando deu como provado determinado facto por tê-lo considerado notório, apesar de ser do conhecimento de apenas meia dúzia de pessoas. Na verdade, como se disse no acórdão deste tribunal, de 5.3.96 (CJ - acórdãos do STJ - I, 122), o art. 514.º do CPC fixa a força probatória de determinado meio de prova (a notoriedade do facto) e, por isso, a sua violação cai na alçada do disposto na parte final do n.º 2 do art. 722 do CPC.

Acontece, porém, que a alegação da recorrente não tem o menor cabimento no disposto no n.º 1 do citado art. 514, nos termos do qual "não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral." Na verdade, nos termos daquele normativo legal, factos notórios são apenas aqueles que são do conhecimento geral, devendo entender-se como tal os factos que são do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação (A. Reis, CPC anotado, III, 261). Ora, como é evidente, o horário de trabalho praticado pela autora não é do conhecimento geral, nem a recorrente vai tão longe na sua alegação. Ela limita-se a alegar que o facto é notório em face do que resulta dos "cartões de ponto", mas, como é óbvio, isso nada tem a ver com o conceito legal de facto notório, expresso no art. 514, n.º 1.

E sendo assim, as instâncias não podiam dar como provado, com base no disposto no art. 514 do CPC, que o horário de trabalho da recorrente era aquele que ela diz ter praticado e também não eram obrigadas, com base nos referidos "cartões", a dar como provado que o seu horário de trabalho era aquele, uma vez que, como já foi dito, aqueles "cartões" são de livre apreciação, por maiores que fossem os indícios fornecidos nesse sentido pelos ditos cartões.

Prosseguindo na apreciação das alegações produzidas pela recorrente, esta insurge-se contra o desentranhamento dos dois documentos que juntou com as alegações do recurso de apelação, mas, salvo o devido respeito, esta alegação ainda tem menor sentido do que a anterior, uma vez que a recorrente reclamou do despacho do relator que veio a ser confirmado por acórdão tirado em conferência de que ela não recorreu. Perante o caso julgado formal assim formado, não se percebe a que título e com que fundamento é que a recorrente volta agora ao assunto.

Finalmente, a recorrente alega que os "cartões de ponto" pelo menos os referentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1992 são falsos, por ser facto notório que não podia tê-los "picado" nos dias 5 (feriado), 11, 18, 25 e 31 (domingos) de Outubro, 1, 15, 22 e 29 (domingos) e 11 (baixa médica) de Novembro e nos dias 1 e 8 (feriados), 13 (domingo) e 31 (interrupção lectiva) de Dezembro de 1992.

Com tal alegação, a recorrente insurge-se contra o que foi dado como provado na alínea h) da matéria de facto, mas, tendo em conta o que atrás já foi dito acerca do que deve entender-se por factos notórios, é evidente que as instâncias, ao dar como provado que a recorrente tinha picado os cartões naqueles dias, não violaram o disposto no n.º 1 ao art. 514, pois o único facto que se pode considerar como notório é que os dias 5 de Outubro e 1 e 8 de Dezembro foram dias de feriado nacional, que os dias 11, 18, 25 e 31 de Outubro ocorreram ao domingo, o mesmo acontecendo com os dias 1, 15, 22 e 29 de Novembro e 13 de Dezembro.

Na verdade, apesar de aos feriados e domingos os estabelecimento de ensino estarem por norma encerrados, isso não significa que a recorrente não tenha ido trabalhar nesses dias, ou melhor dizendo, que não tenha procedido ao registo de ponto nesses dias. Se o fez ou não é outra questão que escapa ao controle deste tribunal. O que não podemos é concluir, com base na notoriedade referida (de aqueles dias terem ocorrido em feriados e domingos), que a impossibilidade de ela ter procedido ao registo do ponto nesses dias também era um facto notório. E por isso, também não podemos afirmar, como faz a ilustre magistrada do M.º P.º, que há contradição na matéria de facto apontada, o que implicaria a remessa do processo ao tribunal recorrido, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 729 do CPC.

De qualquer modo, sempre se dirá que, mesmo que se desse como não provado o registo do ponto relativamente aos dias acima referidos, tal alteração da matéria de facto seria irrelevante no que diz respeito à decisão de mérito, uma vez que os factos imputados à recorrente no processo disciplinar e com base nos quais lhe foi aplicada a sanção disciplinar ocorreram todos no ano de 2000.

E, por essa razão, sempre se dirá que a contradição na matéria de facto invocada pelo M.º P.º, mesmo que existisse, não seria motivo suficiente para este tribunal fazer uso dos poderes que lhe são conferidos no n.º 3 do art. 729 do CPC.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso de revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2005
Sousa Peixoto,
Vítor Mesquita. (Bem entendo não ser admissível recurso dada a redução do pedido aceite pela parte contrária).
Fernandes Cadilha