Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
82-C/2000.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
DECISÃO CONDENATÓRIA
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PAGAMENTO
SUB-ROGAÇÃO
Data do Acordão: 06/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ TEMPO E A SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ RESPONSABILIDADE CIVIL
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO EXECUTIVA
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. I, págs. 222/223.
- Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 6ª ed., pág. 57.
- Antunes Varela, “Das Obrigações em geral", vol. II, 7ª ed., págs. 345/346, 357.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, In Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 128.
- Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed., pág. 115.
- Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1966, págs. 445/446.
- Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., págs. 373/374.
- Pires de Lima e Antunes Varela, In Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. 281, 336 e segs. .
- Rodrigues Bastos, Notas ao C. P. Civil, vol. I, 2ª ed., págs. 163/164.
- Vaz Serra, in Prescrição Extintiva e Caducidade, Separata do BMJ, 1961, págs. 32/33; BMJ 106º-133 e segs..
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 309.º, 311.º, N.º1, 498.º, 592.º, N.º1, 593.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 46.º, N.º 1, AL. A), 47.º, Nº 1, 56.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º.
DL N.º 522/85, DE 31-12 (REDACÇÃO DO DL N.º 122-A/86, DE 30-5): - ARTIGO 25.º, N.º1.
DL N.º 303/07, DE 24-08: - ARTIGOS 11.º E 12.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 2/02/93 NA CJ 1993-1-112;
-DE 21/01/97, NO BMJ 463º-587;
-DE 4/11/99, NA CJ 1999-3-77.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 2/12/92, NA CJ 1992-5-66.
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
- N.º 186/90, DE 6/06/90, E N.º 319/00, DE 21/06/00.
Sumário :

I - Tendo o FGA pago aos lesados a indemnização que lhes foi arbitrada na decisão condenatória proferida em acção declarativa – em cujo pagamento foi condenado solidariamente com o condutor do veículo responsável pela produção do acidente de viação em causa –, ficou, legalmente, sub-rogado nos direitos daqueles.
II - Configura-se no art. 25.º, n.º 1, do DL n.º 522/85, de 31-12, uma verdadeira sub-rogação legal, em que a investidura do solvens FGA na posição até então ocupada pelos credores, os lesados/autores da sobredita acção declarativa, se dá ope legis, independentemente de qualquer declaração de vontade do credor ou do devedor nesse sentido, abarcando os interesses dos garantes do direito transmitido (art. 592.º, n.º 1, do CC); nessa medida, de acordo com o disposto no art. 593.º, n.º 1, do CC, o sub-rogado FGA adquire, na medida da satisfação do interesse dos credores, os poderes que a estes competiam.
III - Constituindo a sentença exequenda título executivo, tem o FGA, como sub-rogado nos direitos dos lesados, legitimidade para, com base nela, instaurar execução contra o condenado solidário.
IV - Se os lesados/autores que, no domínio da responsabilidade civil extracontratual, dispunham do prazo de três anos para fazer valer o seu direito à indemnização (art. 498º, n.º 1, do CC), após o trânsito em julgado da sentença que obtiveram na aludida acção declaratória passaram a dispor de um novo prazo de vinte anos para exercitar o seu direito (art. 311.º, n.º 1, do CC), forçoso é então reconhecer que o FGA, sub-rogado nos direitos daqueles, investido na posição jurídica até aí pertencente àqueles, ficou com os mesmos direitos dos lesados.
V - Considerando que o direito está definido pela sentença dada à execução e que o FGA ocupa, pelo pagamento das indemnizações, o lugar dos lesados, ficou também ele com o direito de pedir o pagamento das indemnizações que satisfez aos lesados no prazo de vinte anos a partir do trânsito em julgado em causa.

Decisão Texto Integral:

    Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

        I— RELATÓRIO       

O Fundo de Garantia Automóvel (doravante FGA), instaurou contra AA, residente na Rua do ........., nº ....., Alcarraques, Coimbra, execução comum para pagamento de quantia certa, vindo este, por apenso, a deduzir oposição à execução, alegando que sobre o FGA não recaía a obrigação de indemnizar o lesado, a prescrição do direito do exequente e a inexigibilidade dos juros de mora peticionados até ao momento em que o oponente foi citado para a execução.

A oposição foi rejeitada liminarmente relativamente ao primeiro dos fundamentos invocados, por se entender que tal fundamento não integrava nenhuma das alíneas do art. 814º do Código de Processo Civil (cfr. despacho de fls. 27/28).

Recebida a oposição relativamente ao segundo e terceiro fundamentos invocados, notificado o exequente apresentou contestação defendendo, para além da sua legitimidade para instaurar a execução, a improcedência da invocada excepção de prescrição e bem assim a exigibilidade dos juros peticionados.

No despacho saneador julgou-se procedente a sobredita excepção de prescrição invocada pelo executado/opoente e, em consequência, extinto o direito que o FGA pretendia exercer através da acção executiva, pelo que se julgou esta extinta.

Inconformado, apelou o exequente, com sucesso pois que, por unanimidade, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou o recurso procedente, e revogando a decisão recorrida determinou a prossecução dos autos, com vista à apreciação do terceiro dos fundamentos aduzidos pelo executado/opoente, referente à alegada inexigibilidade dos juros peticionados, questão essa que não fora apreciada por ter ficado prejudicada pela decisão recorrida.

Foi a vez do executado/opoente expressar o seu inconformismo, recorrendo para este Supremo Tribunal de Justiça, e nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões:

1 - Entende o Recorrente que o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra entendeu, indevidamente, aplicar ao caso dos autos, prevista na norma contida no n.° 1 do art.° 311.° do Código Civil (CC).

2 - Sobre o direito do Fundo de Garantia Automóvel (FGA) aqui recorrido, a obter o reembolso das quantias que satisfez aos lesados, junto dos lesantes, em caso de acidente de viação enquadrado no respectivo âmbito de competências, tem a jurisprudência discorrido, ao longo dos últimos anos, sobre o prazo de prescrição para o exercício do referido direito, apresentando-se como possíveis dois prazos de prescrição: o ordinário, de vinte anos, e o especial, de três anos.

3 - Sucede que, não obstante a dicotomia jurisprudencial quanto ao prazo aplicável, se arrimasse na natureza deste direito do FGA ao reembolso, como sendo um direito de regresso ou uma sub-rogação, é hoje maioritariamente aceite que, não obstante a classificação, o prazo para o respectivo exercício é de três anos - a este propósito veja-se os doutos Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 05-11-2009, de 23/03/2010, proc. 2195/06.0TVLSB.S1; de 17/11/2006, proc. 5B3061; de 22/02/2004, proc. 04B/404; de 17/11/05, proc. 05B306; de 13/04/2000, proc. 00B200; e da Relação de Coimbra de 1/6/2010, proc. 312/07.2TBCNT.C2; e de 17/03/2009, proc. 3625/07.0TJCBR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt “

4- O Recorrente na oposição à execução que apresentou nos presentes autos em primeira instância, a par dos argumentos usualmente esgrimidos para sustentação da aplicabilidade de um prazo de prescrição de três anos para o recorrido FGA obter o reembolso junto do lesante invocou um outro de índole sistemática.

5 - A este respeito, importa referir que o DL n.° 522/85 de 31 de Dezembro, foi substituído em 2007 pelo DL n.° 291/2007 de 21 de Agosto, o qual veio revogar aquele e estabelecer a nova regulação da matéria atinente ao seguro de responsabilidade civil automóvel, na qual se inclui a disciplina do Fundo de Garantia Automóvel.

6- De especial importância para o que se pretende demonstrar, é o numero 6 do art.° 54.° do DL 291/2007 no qual se consagra expressamente a aplicação do prazo prescricional de três anos, previsto no n.° 2 do art.° 498.° do Código Civil ao direito de reembolso por parte do FGA perante o lesante.

7 - Neste sentido, somos do entendimento que o legislador pretendeu por termo à discussão existente em torno do prazo prescricional aplicável ao reembolso por parte do FGA, consagrando aquela posição jurisprudencial e doutrinal.

8 - Ora, quer do douto acórdão recorrido, quer no saneador/sentença proferido em primeira instância, concluiu-se como no douto Acórdão do STJ de 17-11-2005 que "Não relevando a referencia do art.° 25.° do DL 522/85 à sub-rogação de acaso ou de imprecisão conceptual ou terminológica, e por isso descabido trazer directamente à colação o n.° 2 do art.° 498° do CC, relativo à figura jurídica distinta que é o direito de regresso, no entanto vale, em sede de sub-rogação, o prazo de três anos estabelecido no n.° 1 daquele art.°498.°"

9 - Arrimou-se esta conclusão em dois pontos: o primeiro de que o direito do FGA ao reembolso emerge da mesma causa que o direito do lesado, ou seja o facto ilícito que o acidente consubstancia, o que equivale a dizer que a tutela de tal direito é assegurada nos mesmos termos da tutela que cabia ao lesado - ou seja no prazo de três anos.

10 - O segundo, de que o direito do FGA perante o lesante, cumpre a mesma função recuperatória que, nas "relações internas" é atribuída ao direito de regresso, não subsistindo razões de facto para tutelar este direito do FGA em termos diversos, aplicando-se-lhe, por via da analogia, igual prazo de prescrição de três anos - Ac. Do STJ de 05-11-2009, relator Dr. Lopes Rego.

11 - Contudo, entendeu o Tribunal a quo ser de aplicar ao caso dos autos a conversão da prescrição curta de três anos, em prescrição ordinária, por aplicação da regra contida no número 1 do art.° 311.° do CC.

12 - Pode começar por afirmar-se com alguma convicção que não existem quaisquer casos concretos ao longo dos anos, em que o recorrido FGA tenha arbitrado indemnização a qualquer lesado em acidente em que o mesmo haja intervido, de forma extrajudicial.

13 - Ora, sendo as indemnizações pagas pelo FGA aos lesados, resultantes de condenações judiciais, na generalidade dos casos, aceitar a aplicação da regra contida no n.° 1 do art.° 311.° do CC ao direito do FGA ao reembolso, encerraria por completo a discussão sobre o prazo de prescrição aplicável a tal direito.

14 - Sendo certo que o direito de reembolso do recorrido FGA perante o recorrente, tem origem no mesmo facto lesivo e ilícito que conferia ao lesado o direito a ser indemnizado, o certo é que tal direito não é o direito que foi discutido na acção declarativa que condenou, solidariamente, o recorrente e o recorrido, a indemnizar o lesado.

15 - Na referida acção declarativa, da qual emanou o acórdão que veio a ser dada à execução, o Recorrido FGA e o Recorrente AA, foram ambos demandados pelo lesado BB e pela sua mãe, figurando em tal acção como co-Réus, sendo que, finda a fase declarativa, e transitado em julgado o douto acórdão respectivo, veio o Recorrido FGA a realizar o pagamento das quantias arbitradas na decisão aos lesados.

16 - Assim, apenas com o pagamento o direito do FGA ao reembolso passa a ser oponível ao Recorrente, sendo que antes do mesmo o FGA nenhum direito tinha perante o recorrente, até porque este, na sequência do acórdão condenatório, poderia ter realizado o pagamento aos lesados.

17 - Não se nega assim, como ficou dito, que o direito do FGA tem origem no mesmo facto que deu origem ao direito dos lesados, ou seja o facto ilícito do acidente, e como tal, a extensão de tal direito, como é aferida da medida em que o FGA pagou ao lesado, será a mesma, no entanto, não se pode afirmar que tal direito seja o mesmo.

18- O próprio art.° 25.° do DL 522/85, no seu numero um define tal direito como um direito complexo e composto – “(...) tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança" - o que o distingue do direito dos lesados, em discussão no processo declarativo.

19 - Sendo que, ainda que haja o recorrido FGA sucedido nos direitos que cabiam aos lesados, o direito que o mesmo pretende exercer perante o lesante, apenas surge na respectiva esfera jurídica no momento em que realiza o pagamento, sendo que só a partir de tal momento possa opor o mesmo ao recorrente, procurando contra ele exercê-lo.

20 - A correcta interpretação da norma contida no n.° 1 do art.° 311.° do CC, remete a respectiva aplicabilidade aos casos em que, existindo um direito entre as partes, tendo-se o mesmo tornado controvertido, a sentença que lhe sobrevier, se o confirmar, determina igualmente que sobre o exercício do mesmo passa a impender o prazo de prescrição ordinário de vinte anos - neste sentido veja-se o douto Acórdão do STJ de 22-01-2004.

21 - Assim, o direito que o Recorrido pretende exercer contra o Recorrente - o reembolso -, não existia antes do inicio do processo que culminou na sentença/Acórdão que serve de titulo à execução em causa, nem mesmo com a sentença transitada em julgado, tal direito existia ainda, falhando assim a aplicação da referida norma ao caso, na medida em que ao direito que o Recorrido pretende exercer, não sobreveio qualquer sentença que o reconhecesse.

22 - Quando transitou em julgado o douto acórdão que serve de título nos autos, o direito do Recorrido a poder obter do Recorrente o reembolso, não existia de todo, uma vez que tal direito só passa a existir na esfera do Recorrido no momento em que o mesmo realiza o pagamento da indemnização ao lesado, ocorrendo nesse momento o mecanismo de sub-rogação.

23 - Logo, apenas se, após o pagamento ao lesado, o Recorrido tivesse tornado o seu direito controvertido, designadamente por meio de acção declarativa destinada a confirmar tal direito e/ou respectiva extensão, é que beneficiaria do prazo ordinário de prescrição para o respectivo exercício nos termos do n.° 1 do art.° 311.° do CC.

Acresce que:

24 - Sustenta-se ainda no douto acórdão recorrido, que a aplicabilidade do referido n.° 1 do art.° 311.° do CC ao caso, se arrima na razão de ser da própria norma, a qual opera uma conversão de qualquer prescrição de curto prazo em prescrição ordinária, quando, tornando-se um direito definitivamente certo para o qual estava prevista uma prescrição de curto prazo - com o trânsito em julgado de decisão que o reconhece/confirma - desaparecem os fundamentos prescricionais da certeza e segurança jurídica e de dificuldade de prova relativamente à existência do direito.

25 - Como ficou dito supra, quanto à tutela do direito do FGA ao reembolso, a mesma insere-se no âmbito do art.° 498.° do CC, ou seja, na tutela da responsabilidade por factos ilícitos, na qual emerge, pela ligação intrínseca do direito daquele com o dos lesados, e como tal é de três anos o prazo para o exercício de tal direito.

26 - Somos do entendimento que, àqueles fundamentos, no caso dos prazos de prescrição relativos à responsabilidade por factos ilícitos, devem reconhecer-se outros que, tradicionalmente, estão associados ao direito sancionatório/penal.

27 - Pois que, não poderemos ignorar que, não poucas vezes, em casos como o dos autos, os factos ilícitos praticados, constituem igualmente crime, e são perseguidos e punidos como tal.

28-Neste ponto concreto se distingue a tutela das relações meramente comerciais/contratuais, naturalmente voluntária, da tutela das violações de direitos através da prática de factos ilícitos.

29 - E nesta perseguição da prática dos factos ilícitos, com ou sem dignidade penal, emerge um novo e distintivo fundamento para a imposição de prazos prescricionais mais curtos - o que de resto acontece ao longo de todo o ordenamento jurídico-penal e, com especial importância para o caso dos autos, na tutela dos direitos emergentes em virtude da prática de factos ilícitos, plasmada no art.° 498.°doCC.

30 - O fundamento adicional para as prescrições de curto prazo no domínio da ilicitude é o da necessidade de paz social e da estabilidade da ordem jurídica - é o direito de todo e qualquer indivíduo, ainda que tenha cometido um ilícito criminal, possa a partir de determinado momento, deixar de ser perseguido para sofrer uma reacção criminal por tal facto.

31- Assim, a fixação de um prazo prescricional mais curto - art° 498.° CC - para a responsabilidade por factos ilícitos, inclui igualmente, em certa medida, esta preocupação da ordem jurídica em obter a estabilidade e a paz social quanto ao ilícito em causa.

32- Alem disso, analisando as disposições legais que fixam os diversos prazos de prescrição mais curtos - art.° 310.°, 316.° e 317.° do CC - concluímos que todas elas respeitam a relações contratuais ou conexas, nas quais, efectivamente, os fundamentos para a fixação de prazos mais curtos de prescrição encontram uma intima conexão com as dificuldades de certeza e de prova quanto aos direitos em causa.

33- Motivo pelo qual, também pelos argumentos supra expostos deverá o douto acórdão recorrido ser revogado, julgando-se inaplicável ao caso dos autos o disposto no n.° 1 do art.° 311.° do CC, procedendo por essa via a excepção da prescrição invocada.

Da Inconstitucionalidade da interpretação do n.° 1 do art.° 311.° do CC vertida no douto acórdão recorrido:

34- Do exposto resulta claro que, a fixação de um prazo de tutela do direito do recorrido FGA em três anos, contados do pagamento, é mesmo condição para evitar a violação do princípio constitucional da igualdade, vertido no artigo 13.° da CRP.

35- Ora, não obstante a terminologia utilizada quanto ao direito do FGA - sub-rogação - poder ser imprecisa, deve reter-se que tal direito visa a recuperação do valor arbitrado aos lesados, pelo que deve ter a mesma tutela do direito de regresso, ou seja, terá que ser exercido no prazo de três anos - contado do momento em que poderia ser exercido, ou seja, desde o pagamento.

36- Sendo assim certo que, a consagração de igual tutela, resulta da observância do princípio da igualdade, na sua vertente positiva, que manda tratar de forma igual as situações que são iguais e é na concretização do momento a partir do qual nasce para o recorrido FGA o direito de obter do recorrente o reembolso que teremos que atentar para retirar as conclusões que se impõe.

37- A jurisprudência fixou como momento a partir do qual o direito do FGA passa a poder ser exercido o do pagamento, logo, só a partir do momento em que o pode exercer é que o mesmo deve ser tutelado, logo só a partir desse momento se pode contar o prazo.

38- Posto isto, importa realizar um paralelismo entre a posição do FGA, que indemnizou os lesados e pretende obter o reembolso do lesante, e a de uma seguradora que, após ter indemnizado os lesados em acidente coberto pela respectiva apólice de seguro, descobre uma causa de exclusão da sua responsabilidade - p. ex. que o condutor conduzia com uma taxa de alcoolemia acima do legalmente permitido.

39- A jurisprudência é unânime em classificar o direito da seguradora como um verdadeiro direito de regresso e como tal, merecedor da tutela fixada no número 2 do art.° 498,° do CC - três anos para o respectivo exercício.

40- Sendo igualmente pacifico que, tendo a seguradora indemnizado o lesado por acordo extrajudicial ou por condenação em sentença, o prazo para obter o reembolso perante o lesante é de três anos.

41- Assim se conclui que, por analogia com a posição da seguradora nesta sua demanda recuperatória, a tutela do direito do FGA terá que ser exercida igualmente no prazo de três anos, cominado para a responsabilidade civil por factos ilícitos.

42- Ora, igual analogia se impõe na tutela do lesante, uma vez que o paralelismo entre as situações - pese embora sejam invocados institutos diversos - é evidente e não pode apenas servir para uma das partes, sob pena de violação do referido princípio constitucional da igualdade.

43- Logo, se o lesante segurado, que se vem a descobrir ser obrigado a reembolsar a seguradora, pode contar com a estabilidade da sua situação pessoal e o fim da possibilidade de ser perseguido pela seguradora ao final de três anos, de igual estatuto deve gozar o lesante que, sendo condenado solidariamente no pagamento da indemnização ao lesado, vê o pagamento ser realizado pelo FGA -a este respeito veja-se o douto acórdão da Relação de Lisboa de 04-11-2010.

44- Ainda no que concerne ao aludido princípio da Igualdade, previsto no art.° 13.° da C.R. Portuguesa, sempre imporá dizer que, se é pacifico, e resulta assente no douto acórdão recorrido, que é de três anos o prazo de prescrição que impende sobre o direito do Recorrido a ser reembolsado pelo Recorrente, a aplicação do n.° 1 do art.° 311.° do CC, determinaria que o recorrente ficaria ao arbítrio do entendimento entre o FGA e o Lesado, no ressarcimento dos danos/satisfação da indemnização.

45- Assim se conclui que o Tribunal da Relação, ao revogar o saneador/sentença proferido na primeira instância, por aplicação ao caso do regime previsto no número 1 do art.° 311.° do CC violou o principio da igualdade previsto no art.° 13.° da C R Portuguesa.

46- Assim, ao ter decidido como decidiu o Tribunal "a quo" interpretou e aplicou incorrectamente ao caso a norma contida no número 1 do art.° 311.° do CC, e por esta via violou o art.° 13.° da Constituição da Republica Portuguesa.

O exequente contra-alegou sustentando a confirmação do acórdão recorrido.

Cumpre conhecer e decidir.

O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 684º, nºs 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil[1] – por diante CPC.

São as seguintes as questões suscitadas que importa apreciar e decidir:

a) Qual o prazo de prescrição a ter em conta;

b) Se o Tribunal “a quo” com a interpretação e aplicação da norma contida no nº 1 do art. 311.° do Código Civil violou o principio da igualdade previsto no art. 13.° da Constituição da República Portuguesa.

                                             II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Vêm dados como assentes os seguintes factos:

1. BB e CC, instauraram contra, além de outro, o ora executado/opoente/AA e o ora exequente/FGA acção declarativa (autuada sob o nº 82/2000 e que correu termos na 1ª secção da Vara de Competência Mista de Coimbra), com forma de processo ordinário, pedindo que fossem indemnizados pelos danos que lhe advieram em consequência das lesões sofridas com um acidente de viação, ocorrido no dia 27/5/1995, e por cuja produção foi exclusivamente responsável o ora executado/opoente, tripulando um veículo automóvel, no qual aqueles dois primeiros se faziam também transportar, do qual não era proprietário, e que na altura não dispunha de seguro que transferisse a responsabilidade por danos causados a terceiros por esse veículo.

2. Na sequência do decidido no acórdão do STJ - proferido em 28/5/2002, e transitado em julgado em 13/06/2002, o qual alterou parcialmente o acórdão da Relação de Coimbra, o qual, por sua vez, também o fizera em relação à sentença da 1ª instância – foram os ora executado/opoente/AA e o ora exequente/FGA condenados, solidariamente, a pagar àqueles referidos autores da acção declarativa os montantes ali descriminados, sendo que a razão que fundamentou a condenação do FGA se ficou a dever ao facto do veículo conduzido pelo ora executado/opoente não ter, à data do acidente, seguro válido.

3. No seu requerimento executivo, da acção executiva que entretanto (em 16/4/2010) moveu contra o executado/opoente, o exequente/FGA alega que, em cumprimento do que foi sentenciado definitivamente naquele acórdão do STJ, pagou aos autores da acção declarativa a quantia total de € 174.082,53.

Para além dessa quantia, o exequente alega ainda ter pago a quantia de € 350,27 com despesas de gestão, instrução e regularização do processo de sinistro e de reembolso.

O exequente interpelou então, em 11/03/2003, o executado para lhe pagar tais montantes, mas sem êxito, pelo que reclama também o pagamento dos juros de mora vencidos desde então (que contabilizou, até 15/04/2010, em € 46.141,86).

Alegando ter direito ao reembolso daquelas importâncias que pagou, terminou o exequente por reclamar do executado o pagamento da quantia total € 220.214,40, acrescida de juros de mora vencidos – a partir de 15/04/2010 -, e vincendos, às taxas legais ali descriminadas

4. O último pagamento efectuado pelo FGA aos autores daquela acção declarativa ocorreu em 3.3.2003. (facto este que foi único que expressamente constava descriminado no despacho saneador/sentença).

DE DIREITO

A) Qual o prazo de prescrição a ter em conta

No acórdão recorrido decidiu-se que o prazo de prescrição era de vinte anos.

Defende o recorrente que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra aplicou indevidamente ao caso dos autos a norma contida no n.° 1 do art. 311.° do Código Civil (CC).

Argumenta como seu suporte que a correcta interpretação dessa norma remete a respectiva aplicabilidade aos casos em que, existindo um direito entre as partes, tendo-se o mesmo tornado controvertido, a sentença que lhe sobrevier, se o confirmar, determina que sobre o exercício do mesmo passa a impender o prazo de prescrição ordinário de vinte anos.

Assim, o direito que o recorrido FGA pretende exercer contra o recorrente - o reembolso -, não existia antes do inicio do processo que culminou no acórdão que serve de titulo à execução em causa, nem mesmo à data do seu trânsito em julgado tal direito existia, falhando a aplicação da referida norma ao caso.

É certo, prossegue, que o direito de reembolso do recorrido FGA perante o recorrente tem origem no mesmo facto lesivo e ilícito que conferia ao lesado o direito a ser indemnizado, mas tal direito de reembolso não é o direito que foi discutido na acção declarativa que condenou solidariamente o recorrente e o recorrido a indemnizar o lesado. Assim, apenas com o pagamento o direito do FGA ao reembolso passa a ser oponível ao recorrente.

Então se, após o pagamento ao lesado, o recorrido tivesse tornado o seu direito controvertido, designadamente por meio de acção declarativa destinada a confirmar tal direito e/ou respectiva extensão, é que beneficiaria do prazo ordinário de prescrição para o respectivo exercício nos termos do n.° 1 do art.° 311.° do CC.

Conclui que a tutela do direito do FGA terá que ser exercida no prazo de três anos, o prazo prescricional é o fixado no nº 2 do art. 498° do CC.

Apreciemos.

A prescrição traduz-se na extinção de um direito que desse modo deixa de existir na esfera jurídica do seu titular, e que tem como seu principal e específico fundamento a negligência do titular do direito em concretizá-lo, negligência que faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, ou pelo menos o torna indigno de ser merecedor de protecção jurídica.

Outras razões há justificativas da prescrição, como razões de protecção da certeza e segurança do tráfico jurídico, protecção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova a longa distância, e, por fim, exercer pressão ou estimulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles[2].

O prazo geral de prescrição é de vinte anos (art. 309º do CC), mas quando se trate do direito de indemnização por factos ilícitos, onde se inclui o de indemnização resultante de acidente de viação, e do exercício do direito de regresso entre os responsáveis o prazo é só de três anos (art. 498º, nºs 1 e 2 do CC).

No caso presente a indemnização inicial era devida como resultante de um acidente de viação. Acidente que está na origem da decisão condenatória proferida na acção declarativa nº 82/2000, com forma de processo ordinário, que correu termos na 1ª secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, intentada por BB e CC contra, além de outro, o ora executado/opoente/recorrente AA e o ora exequente/recorrido FGA, pedindo que fossem indemnizados pelos danos que lhes advieram em consequência das lesões sofridas com um acidente, por cuja produção foi exclusivamente responsável o executado/opoente/recorrente, tripulando um veículo automóvel, no qual aqueles dois primeiros se faziam também transportar, do qual não era proprietário, e que na altura não dispunha de seguro que transferisse a responsabilidade por danos causados a terceiros por esse veículo.

Na sequência do decidido no acórdão deste STJ, transitado em julgado em 13/06/2002, foram os ora executado/opoente/recorrente AA e exequente/recorrido FGA condenados, solidariamente, a pagar àqueles referidos autores da acção declarativa os montantes ali descriminados, sendo que a razão que fundamentou a condenação do FGA se ficou a dever ao facto do veículo conduzido pelo ora executado/opoente/recorrente não ter, à data do acidente, seguro válido (cfr. nºs 1 e 2 dos factos provados).

Tais indemnizações foram satisfeitas pelo recorrido FGA.

Prescreve o nº 1 do art. 25º do Dec. Lei nº 522/85, de 31/12[3], na redacção dada pelo Dec. Lei nº 122-A/86, de 30/5, que "satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança".

A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primitivo[4].

Quanto à natureza jurídica da sub-rogação, no plano da lógica conceitual, formula Antunes Varela as três conclusões seguintes:

“a) O cumprimento por terceiro, desde que não põe a funcionar o lado passivo da relação obrigacional, não envolve, forçosamente, a extinção do devedor prestar o encargo do devedor;

b) O cumprimento por terceiro, dando plena satisfação ao interesse do credor a que se encontra adstrito o poder de exigir, provoca necessariamente a perda do crédito para o antigo titular, mas pode não provocar a sua extinção se, atendendo à natureza fungível da prestação e à actuação do terceiro, houver razões para o manter, mas na titularidade do solvens;

c) Quando haja razões para manter o dever de prestar a cargo do devedor (porque ainda o não cumpriu) e para conservar o crédito na titularidade do solvens (porque realizou a prestação fungível em lugar do devedor), e não na do primitivo credor (que o perdeu por ver realizado o seu interesse), o conceito que melhor exprime esta dupla realidade é o da transmissão do crédito”[5].

Configura-se, assim, no citado art. 25º, nº 1, do Dec. Lei nº 522/85, uma verdadeira sub-rogação legal, em que a investidura do “solvens” FAG na posição até então ocupada pelos credores, os lesados/autores da sobredita acção declarativa, se dá ope legis, independentemente de qualquer declaração de vontade do credor ou do devedor nesse sentido, abarcando os interesses dos garantes do direito transmitido (art. 592º, nº 1 do CC). Nessa medida, de acordo com o disposto no art. 593º, nº 1 do mesmo diploma, o sub-rogado FGA adquire, na medida da satisfação do interesse dos credores, os poderes que a estes competiam.

Daí que, tal com se afirma no acórdão impugnado, “ tendo o FGA pago aos autores/lesados a indemnização que lhe foi arbitrada na sobredita acção declarativa - e na qual o mesmo também fora condenado solidariamente com o ora executado/opoente -, ficou, legalmente, sub-rogado nos direitos daqueles, e que o prazo de prescrição para exercer contra este último o direito de reembolso daquilo que pagou, e bem assim dos demais acréscimos previstos no citado artº 25, nº 1, do DL nº 522/85, se inicia a partir do momento em que procedeu a tal pagamento. “.

Assim definida a posição jurídica do exequente/recorrido, e encontrando-nos no domínio da responsabilidade civil extracontratual, prima facie estaremos remetidos para os prazos de prescrição que regem em tal domínio, os previstos no art. 498º do CC.

De entre estes, importa o do nº 2 do citado normativo, onde se dispõe que “prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis”, sem que nos tenhamos de deter e tomar posição, por manifestamente irrelevante para a solução a encontrar, na querela em torno da eventual impropriedade do emprego dessa expressão “direito de regresso”, que, segundo uns, deve ser interpretada correctivamente por verdadeiro direito de sub-rogação, e, para outros, aquela norma deve ser aplicada por analogia aos casos do direito ao reembolso por via da sub-rogação legal, dissídio de que, aliás, o acórdão recorrido dá notícia.

Ocorre, todavia, um particular aspecto que não pode ser ignorado e tem forçosamente de ser tido em conta.

É que estamos no âmbito de um processo executivo que tem como título uma sentença de condenação, transitada em julgado (arts. 46º, nº 1, al. a) e 47º, nº 1 do CPC).

Ora, constituindo a sentença exequenda título executivo, tem o FGA, como sub-rogado nos direitos dos lesados, legitimidade para, com base nela, instaurar execução contra o condenado solidário, o recorrente.

É que o art. 56º, nº 1, daquele diploma, estabelece que “Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão”. Assim procedeu o exequente FGA que no requerimento executivo deduziu os factos definidores da transmissão dos créditos ou da sub-rogação, ao alegar que satisfez aos lesados BB e CC as indemnizações arbitradas na acção declarativa em que foi condenado a pagar, solidariamente com o executado, demonstrando os pagamentos efectuados.

O termo “sucessão” está empregue neste normativo em sentido lato, que os nossos processualistas[6] dizem abranger todos os modos de transmissão das obrigações, tanto “mortis causa” como “inter-vivos” e, entre estes, a cessão de créditos e a sub-rogação.

Com a sub-rogação, como já referimos, transmitiram-se para o recorrido os direitos de crédito já reconhecidos por sentença transitada em julgado, ficando ele investido nos direitos dos credores originários em relação ao devedor, adquirindo, na medida da satisfação dada ao direito dos credores, os poderes que a estes competiam (nº 1 do art. 593º do CC), incluindo naturalmente o de executar a sentença. Isto é, adquirindo o recorrido a titularidade do título executivo, dele consta a obrigação de o executado/recorrente lhe pagar as quantias determinadas na sentença.

Analisado o título executivo, vê-se que o recorrente aparece aí como devedor solidário com o exequente.

Então, o art. 311, nº 1, do CC preceitua que “o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça ou título executivo.”.

Reside a razão de ser deste normativo no facto de que tornando-se definitivamente certo um direito de prazo curto de prescrição, com o trânsito em julgado da decisão que o reconhece, desaparecem os fundamentos prescricionais da certeza e segurança jurídica e de dificuldade de prova.

Daí que se justifique que a partir de tal trânsito em julgado se inicie um novo prazo prescricional. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela “A sentença, ou outro título executivo, transforma a prescrição a curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de vinte anos[7].

E pode justificar-se, como observa Vaz Serra, com a consideração de que “ o credor, agora, munido como está de uma sentença, é de calcular que se não apresse tanto em obter do devedor a prestação, e seria, por isso, violento que o devedor pudesse opor-lhe a prescrição de curto prazo”[8].

Sendo assim inquestionável que os lesados/autores, que dispunham do prazo de três anos para fazer valer o seu direito à indemnização (art. 498º, nº 1 do CC), após o trânsito em julgado da sentença que obtiveram na aludida acção declaratória passaram a dispor de um novo prazo de vinte anos para exercitar o seu direito, forçoso é então reconhecer que o FGA, sub-rogado nos direitos daqueles, investido na posição jurídica até aí pertencente àqueles, ficou com os mesmos direitos dos lesados.

Ou seja, porque o direito está definido pela sentença dada à execução e porque o FGA ocupa, pelo pagamento das indemnizações, o lugar dos lesados, ficou também ele com o direito de pedir o pagamento das indemnizações que satisfez aos lesados no prazo de vinte anos a partir do trânsito em julgado em causa.

Esta perspectiva é obviamente relevante e traduz seguramente a solução normativa mais conforme aos princípios da justiça e da proporcionalidade, o que não aconteceria com outra que conduzisse a isentar de qualquer consequência jurídica desfavorável a “tripla ilicitude” cometida pelo recorrente expressa, primeiro na apropriação do veículo automóvel sem autorização do seu proprietário e da sua entidade patronal a quem aquele fora confiado para reparação, depois na condução do mesmo na via pública sem estar habilitado com a necessária carta de condução, por fim na produção culposa das lesões emergentes do acidente[9], e levasse a que fosse terceiro a ter de suportar definitivamente o valor das indemnizações devidas, com injustificado e inadmissível benefício do lesante.

O exequente impôs o título executivo de que dispunha, invocando no requerimento executivo os factos definidores da transmissão do crédito ou da sub-rogação.

A posição assumida pelo recorrente só teria cabimento se, porventura, o FGA tivesse pago aos lesados antes do direito destes se ter tornado certo por sentença transitada em julgado. Destarte, nenhum sentido faria negar força executiva ao aludido documento, obrigando o exequente a intentar uma acção declarativa destinada a obter o reconhecimento dum direito que já está válido e eficazmente reconhecido, e se encontra definido em todos os seus contornos juridicamente relevantes para a restituição da quantia exequenda.

Não tinha o exequente/recorrido que se socorrer do processo declarativo para fazer valer a sub-rogação contra o executado/recorrente.

Considerando que o exequente FGA satisfez o último pagamento da indemnização aos lesados em 3/3/2003, e devendo o prazo de prescrição começar a contar-se a partir daí, sem que tenha ocorrido qualquer acto interruptivo, ter-se-à, de concluir que, quando aquele instaurou em 16/4/2010 a execução destinada a ser reembolsado de tal pagamento, o respectivo direito que pretendeu fazer valer não se encontrava prescrito.

Consequentemente, é de concluir que por força do disposto no art. 311º do CC o direito do exequente não estava ainda prescrito, e o bem fundado da decisão recorrida.

Neste mesmo sentido já decidiram os Acs. deste Supremo Tribunal de 21/01/97, no BMJ 463º-587, 4/11/99, na CJ 1999-3-77, e, para obrigações cambiárias, o de 2/02/93 na CJ 1993-1-112. Também a Relação de Coimbra, no seu Acórdão de 2/12/92, na CJ 1992-5-66, embora com fundamentação ligeiramente diferente, se pronunciara sustentando idêntica solução.                

B) Se o Tribunal “a quo” com a interpretação e aplicação da norma contida no nº 1 do art. 311.° do Código Civil violou o principio da igualdade previsto no art. 13.° da Constituição da Republica Portuguesa

Argumenta o recorrente que por analogia com a posição da seguradora, que após ter indemnizado os lesados em acidente coberto pela respectiva apólice de seguro, descobre uma causa de exclusão da sua responsabilidade (ex. que o condutor conduzia com uma taxa de alcoolemia acima do legalmente permitido), dispondo para o efeito da tutela fixada no nº 2 do art. 498° do CC, nesta sua demanda recuperatória a tutela do direito do FGA terá que ser exercida igualmente no prazo de três anos, cominado para a responsabilidade civil por factos ilícitos.

Logo, se o lesante segurado, que se vem a descobrir ser obrigado a reembolsar a seguradora, pode contar com a estabilidade da sua situação pessoal e o fim da possibilidade de ser perseguido pela seguradora ao final de três anos, de igual estatuto deve gozar o lesante que, sendo condenado solidariamente no pagamento da indemnização ao lesado, vê o pagamento ser realizado pelo FGA.

Assim, impreca, que ao ter decidido como decidiu o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou incorrectamente ao caso a norma contida no nº 1 do art. 311.° do CC, e por esta via violou o art. 13.° da Constituição da Republica Portuguesa.

Não lhe assiste razão. As duas situações não são equiparáveis.

O princípio da igualdade impõe igual tratamento jurídico a situações que, casuisticamente, sejam reputadas de iguais em concreto.

Consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa caracteriza-se como proibição do arbítrio, permitindo apenas que se possam estabelecer diferenciações de tratamento, razoável, racional e objectivamente fundadas, sem as quais se incorrerá em arbítrio por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes (cfr. Acs. do TC nºs 186/90 de 6/06/90 e 319/00 de 21/06/00).

Este princípio não impede a diferença de tratamento, mas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, as distinções injustificadas por não terem fundamento material bastante.

No dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira “ o que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio[10].

Vejamos o que ocorre em concreto.

Na situação prefigurada pelo recorrente, da seguradora que satisfez a indemnização aos lesados e depois descobre alguma causa de exclusão da sua responsabilidade pretendendo obter o respectivo reembolso, esse direito de reembolso é ainda controvertido e está por definir, o que só acontecerá com o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida. Em tal cenário, é natural que o lesante quando confrontado com a respectiva acção para reembolso possa esgrimir e opor à seguradora o aludido prazo de três anos de prescrição.

No caso coberto pelo art. 311º, nº 1 do CC, o direito está definido e reconhecido, não imperam já as razões determinantes da prescrição de curto prazo como acima se expôs. Como tal a posição do FGA, tal como de qualquer lesado, nessa circunstância não é idêntica à da seguradora que procura ainda a definição do seu direito ao reembolso, que se mantém nesse tempo controvertido.

Consequentemente, jamais se poderia operar um válido confronto entre as duas situações. Não se vê que um tal regime afronte o princípio da igualdade.

Também aqui improcede a tese do recorrente.

          III-DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa,1 9 de Junho de 2012

Gregório Silva Jesus (Relator)
Martins de Sousa
Gabriel Catarino
______________________________


[1] No regime anterior ao introduzido pelo Dec. Lei nº 303/07, de 24/08, atenta a data de instauração da acção executiva (cfr. arts. 11º e 12º do referido diploma).
[2] Leiam-se, neste sentido e para maiores desenvolvimentos, Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1966, págs. 445/446; Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., págs. 373/374; e Vaz Serra, in Prescrição Extintiva e Caducidade, Separata do BMJ, 1961, págs. 32/33.
[3] Entretanto revogado pelo Dec Lei nº 291/2007 de 21/8 (art. 94º, nº 1 al. a)), com entrada em vigor em 21/10/2007. Todavia o seu regime é ainda aqui aplicável, por se encontrar em vigor quer à data do acidente de viação que deu lugar à condenação na referida acção declarativa, quer à data em que ocorreu o pagamento efectuado pelo exequente FGA do qual pretende ser reembolsado.
[4] Antunes Varela, “Das Obrigações em geral", vol. II, 7ª ed., págs. 345/346.
[5] In ob. cit., pág. 357.
[6] Cfr. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed., pág. 115; Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. I, págs. 222/223; Rodrigues Bastos, Notas ao C. P. Civil, vol. I, 2ª ed., págs. 163/164; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 6ª ed., pág. 57.
[7] In  Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. 281.
[8] No BMJ 106º-133 e segs, e na obra antes citada a fls. 336 e segs, onde defende e demonstra ser esta a solução geralmente adoptada em diversas legislações.
[9] Cfr. o Acórdão deste Supremo de 28/05/02, certificado, mencionado nos pontos 1 e 2 dos factos provados e para onde se remete.
[10] In Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 128.