Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A474
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PRAZO
CADUCIDADE
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL
Nº do Documento: SJ2008041704746
Data do Acordão: 04/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I) - O direito ao conhecimento da ascendência biológica, deve ser considerado um direito de personalidade e, como tal, possível de ser exercido em vida do pretenso progenitor e continuado se durante a acção morrer, correndo a acção contra os seus herdeiros, por se tratar de um direito personalíssimo, imprescritível, do filho investigante.
II) – Esse direito a conhecer a paternidade, valor social e moral da maior relevância, que se inscreve no direito de personalidade é um direito inviolável e imprescritível.
III) – Em nome da verdade, da justiça e de valores que merecem diferente tutela, deve prevalecer o direito à identidade pessoal sobre a “paz social” daquele a quem o mero decurso do tempo poderia assegurar impunidade, em detrimento de interesses dignos da maior protecção, como seja o de um filho poder investigar a sua paternidade, sobretudo, se visa, genuinamente, uma actuação que o Direito não censura, pelo modo como é exercida – art. 334º do Código Civil.
IV) – O Acórdão do Tribunal Constitucional de 10.1.2006, publicado no D.R. de 8.2.2006, I série, págs. 1026 a 1034, decidiu sobre a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do prazo de caducidade do nº1 do art. 1817º do Código Civil, aplicável por força do art. 1873º e, porque tal declaração implica a remoção da norma do ordenamento jurídico, não pode ela ser aplicada pelos Tribunais – art. 204º da Constituição da República.
V) Tal declaração de inconstitucionalidade não impõe que o julgador aja com recurso ao art.10º, nº3, do Código Civil, tendo que criar norma consonante com o espírito do sistema, porquanto não estamos perante lacuna da lei.
VI) – A referida declaração de inconstitucionalidade implica que não existe, actualmente, prazo de caducidade para a investigação de paternidade, não sendo aplicável o prazo de prescrição ordinária.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA intentou, em 18.9.2006, no Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães – com distribuição à 1ª Vara Mista – acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra:

BB.

Com vista à investigação da paternidade, alegando, em síntese, que o réu é seu pai biológico, porque manteve relações sexuais com a sua mãe, das quais resultaram o seu nascimento.

Apesar de ter nascido a 18 de Abril de 1962, a acção está em prazo, porque o artigo 1817º, nº1, conjugado com o artigo 1873º do Código Civil, foi declarado inconstitucional com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 23/2006.

O réu defendeu-se por excepção peremptória, invocando a prescrição do direito de investigar, que tem como limite o prazo de 20 anos, consignado no artigo 309º do Código Civil, normativo aplicável ao caso sub judice, e por impugnação.

A autora respondeu à excepção, alegando que a investigação de paternidade não está sujeita a qualquer prazo, pretende apurar a verdade sobre a paternidade do réu, através de exames de ADN, e além disso, só recentemente teve conhecimento que o réu era seu pai, e que tinha assumido a sua paternidade.


No despacho saneador, o Juiz conheceu da excepção peremptória deduzida pelo réu, julgou-a procedente, e declarou extinto o direito de investigação da paternidade, absolvendo-o do pedido formulado. Considerou-se aplicável o prazo de prescrição ordinária de 20 anos já exaurido.


Inconformada a Autora interpôs recurso de apelação, para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por Acórdão de 11.7.2007 – fls. 73 a 77 – julgou procedente a apelação, ordenando o prosseguimento dos autos.


Inconformado o Réu recorreu para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões;

1) - O artigo 282° da C.R.P estabelece – “A declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente haja revogado”.

2) - A declaração de inconstitucionalidade do art. 1817° – 1 do Código Civil apenas diz respeito aos prazos nessa norma insertos.

3) - Esta norma surge com a publicação do Dec-Lei 496/77 e integrada em capítulo próprio.

4) - Este Dec-Lei revoga todo o capítulo inserto no Dec-Lei 47.344.

5) - Não há qualquer norma que o art. 1817°, nº1, do Código Civil haja expressamente revogado.

6) - Em consequência não é admissível a repristinação.

7) - A ser decretada sempre estaríamos perante decisão inconstitucional por violação do art. 282° da C.R.

8) - Não existe qualquer norma no nosso ordenamento jurídico que diga ser possível a presente acção a qualquer tempo.

9) - Não existindo há que fazer recurso ao prazo da prescrição ordinária,

10) - Nos termos do artigo 309° do Código Civil esse prazo é de vinte anos.

11) - Os valores em causa: identidade pessoal e certeza nas relações jurídicas tal o exigem.

12) - No caso em apreço tal prazo decorreu.

13) - Pelo que ocorre prescrição.

14) - A declaração de inconstitucionalidade do art. 1817°, nº 1, do Código Civil nunca pode afectar a situação jurídica e de facto do Investigado.

15) - Pois essa declaração apenas produz efeitos contados da sua publicação.

16) - E nesta data há muito que estava definida a relação Investigante/Investigado.

17) - Outra interpretação é inconstitucional por violação dos artigos 18°, 26° e 36° da C.R.P. de 76.

18) - Deve ser revogado o Douto Acórdão em recurso.

A Autora contra-alegou, defendendo a decisão recorrida.



Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que relevam os seguintes factos:

l) – No dia 18 de Abril de 1962, nasceu uma pessoa do sexo feminino, a quem foi dado o nome de AA (doc. fls. 4)

2) – Foi registada como filha de Severina da Costa e não consta o nome do pai (doc. de fls. 4).

3) – A acção entrou em juízo a 18 de Setembro de 2006 (carimbo do tribunal fls. 2).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões do recorrente que se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se, após a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do prazo do art. 1817º, nº1, do Código Civil – Acórdão do TC 23/2006, de 10.1 – as acções de investigação de paternidade deixaram de estar sujeitas a qualquer prazo.

O Tribunal Constitucional decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26.º, nº1, 36.º, nº 1, e 18.º, nº2, da Constituição da República Portuguesa.

Ante a inexistência de prazo para a investigação da paternidade, a decisão de 1ª Instância considerou que se aplicava o prazo de prescrição ordinária de 20 anos e, porque decorrido – a Autora à data de propositura da acção tinha 44 anos de idade – julgou a acção improcedente.

A Relação considerou que tal declaração de inconstitucionalidade implicava a repristinação da norma que considerou revogada – por força dos arts. 281º, nº1, a) e 282º, nº1, da Constituição da República – escrevendo a propósito:

“No caso em apreço, a norma repristinada, porque revogada pelo artigo 3° do DL. 47.344 de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o Código Civil vigente (artigo 1°), é o artigo 130º do Código Civil de 1867, com a redacção introduzida pelo DL. nº2, de 25 de Dezembro de 1910, que determinava que “ …a acção de investigação da paternidade ou da maternidade só pode ser intentada em vida do pretenso pai ou mãe, ou dentro do ano posterior à sua morte …” É este o prazo a ter em conta, em que é determinante o momento da morte do pretenso pai...”.

Como se afirma no douto Acórdão do Tribunal Constitucional:

“A possibilidade ilimitada correspondia ao regime consagrado antes de 1966, no Código de Seabra – incluindo à data da concepção e nascimento do investigante, ora recorrente –, segundo o qual as acções podiam ser intentadas a todo o tempo. Na verdade, o artigo 130.º do Código de Seabra proibia a investigação da paternidade, salvo nos casos de escrito de pai, de posse de estado, de estupro violento e de rapto.
Mas essa regra foi alterada em 1910 pelo artigo 37.º do Decreto n.º 2, de 25 de Dezembro, que determinava que “acção de investigação da paternidade ou da maternidade só pode ser intentada em vida do pretenso pai ou mãe, ou dentro do ano posterior à sua morte, salvas as seguintes excepções (...)”. Limitava-se, pois, o direito a requerer a investigação da paternidade, mas determinante era o momento da morte do pretenso pai…”.

A questão decidida pelo Tribunal Constitucional, no sentido da inconstitucionalidade do prazo caducidade, não repristina qualquer norma, apenas deixa sem prazo tais acções.

A problemática objecto da decisão constitucional há muito que vinha sendo debatida na doutrina e na jurisprudência constitucional, sendo que solução legal do Código Civil Português, de certo modo, era minoritária em relação à solução acolhidas noutros Códigos.

No citado Acórdão pode ler-se:

“Assim, por exemplo, o artigo 270.º do Código Civil italiano dispõe que a acção para obter a declaração judicial da paternidade ou da maternidade “é imprescritível para o filho”.
Segundo o artigo 1606.º do Código Civil brasileiro, a “acção de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz” (a Lei n.º 8.560, de 29 de Dezembro de 1992 veio regular a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento).
Nos termos do artigo 133.º do Código Civil espanhol, por sua vez, a “acção de reclamação de filiação não matrimonial, quando falte a respectiva posse de estado, cabe ao filho durante toda a sua vida”.
E também o legislador alemão optou pela regra da imprescritibilidade: o artigo 1600 e, n.º1, do Código Civil alemão, prevendo a legitimidade do filho para a acção de investigação (consagrada no artigo 1600 d), não prevê qualquer prazo.
Como se salienta na doutrina:
“Não existe em princípio qualquer prazo para a acção de investigação de paternidade. Se o filho não tiver pai estabelecido, seja devido ao casamento, seja por perfilhação, o seu progenitor pode ser judicialmente investigado a todo o tempo, e, se for o caso, mesmo que o filho já seja há muito adulto.
Pelo contrário, se estiver estabelecida a paternidade (…), esta tem, em primeiro lugar, de ser afastada por impugnação da paternidade (…), para que a via para a investigação judicial de outro homem como pai fique livre. Como existem prazos para isso (§ 1600 b [que prevê um prazo de dois anos a contar do conhecimento de circunstâncias que depõem contra a paternidade]), cujo decurso bloqueia também a investigação judicial do verdadeiro pai, também existe mediatamente, nesta medida, um prazo para a investigação judicial da paternidade” (Palandt/Diederichsen, BGB, 59ª ed., Munique, 2000, anot. 4 ao § 1600d).”
Mesmo o Código Civil de Macau, aprovado em 1999 e tendo como modelo o Código Civil português de 1966, adoptou uma solução diferente da do legislador português: o n.º 1 do artigo 1677.º dispõe, claramente, que “a acção de investigação da maternidade pode ser proposta a todo o tempo”, sendo tal norma aplicável ao reconhecimento judicial da paternidade por força da remissão do artigo 1722.º, à semelhança do que acontece no Código Civil português (em compensação, para evitar os inconvenientes de tal solução, nomeadamente por meros intuitos de “caça à fortuna”, o artigo 1656.º, n.º 1, do Código de Macau veio prever duas hipóteses em que o estabelecimento do vínculo produz apenas efeitos pessoais, excluindo-se os efeitos patrimoniais”.

A questão da sujeição de tais acções a prazo de caducidade envolvia a ponderação de direitos conflituantes.
Por um lado, o direito do investigante a conhecer as suas raízes, a sua filiação biológica, a sua identidade pessoal, o que tem a ver com a dignidade da pessoa humana – arts. 1º, nº1, e 26º,nº1, da CR.

Esse direito a conhecer a paternidade, valor social e moral da maior relevância, que se inscreve no direito de personalidade é um direito inviolável e imprescritível.

Por outro lado, o direito do investigado à sua reserva da intimidade da vida privada – art. 26º, nº1, da C.R. - entendendo-se que, para além de certo prazo considerado razoável, a estabilidade das suas relações pessoais e familiares e o seu passado não devem ser objecto de devassa, para além do facto de, a ser possível a investigação a todo o tempo, tal poderia dar azo a actuações oportunistas – “a caça à fortuna” – sabendo-se serem de êxito fácil tais acções de investigação, sobretudo, quando baseadas na falível prova testemunhal.

Esta protecção que o prazo de caducidade conferia passou a ser contestada quando, confrontados tais interesses e direitos antagónicos, se passou a considerar prevalecente o direito de investigação, tanto mais que a possibilidade da paternidade ser determinada através de exame de ADN frustra, cerce, a tentativa de “caça à fortuna” do ponto em que permite apurar com elevadíssimo grau de probabilidade (1), senão de certeza, se o investigado foi ou não o progenitor do investigante.

John Rawls, A Theory of Justice (1971):

“A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Embora elegante e económica, uma teoria deve ser rejeitada ou revista se não é verdadeira; da mesma forma as leis e instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas se são injustas.
Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar.
Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior compartilhado por outros.
Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos tenham menos valor que o total maior das vantagens desfrutadas por muitos.
Portanto, numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses sociais.
Sendo virtudes primeiras das actividades humanas, a verdade e a justiça são indisponíveis”.

Em nome da verdade, da justiça e de valores que merecem diferente tutela, deve prevalecer o direito à identidade pessoal sobre a “paz social” daquele a quem o mero decurso do tempo poderia assegurar impunidade, em detrimento de interesses dignos da maior protecção, como seja o de um filho poder a todo o tempo investigar a sua paternidade, sobretudo, se visa, genuinamente, uma actuação que o Direito não censura, pelo modo como é exercida – art. 334º do Código Civil.

No Direito alemão, considera-se como direito de personalidade o conhecimento da origem genética, é o chamado “Direito ao conhecimento das Origens” [Recht des Kindes auf Kenntnis der eigenen Abstammung].

O direito ao conhecimento da ascendência biológica, deve ser considerado um direito de personalidade e, como tal, possível de ser exercido em vida do pretenso progenitor e continuado se durante a acção morrer, correndo a acção contra os seus herdeiros, por se tratar de um direito personalíssimo, imprescritível, do filho investigante.

Países como a Itália, a Espanha e a Áustria optaram pela imprescritibilidade das acções de investigação da paternidade, por considerarem que a “procura do vínculo omisso do ascendente biológico é um valor que prevalece sobre quaisquer outros relativos ao pretenso progenitor”.

Afinal a prevalência do ser sobre o ter.

O Professor Guilherme de Oliveira em Estudo publicado – págs. 50 a 58 – Outubro de 2002 – no Volume I, “Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1997” escreveu, reponderando a sua anterior perspectiva sobre a questão da caducidade:

“ Voltando hoje ao assunto, penso que alguns dados mudaram.
Nesta balança em que se reúnem os argumentos a favor do filho e da imprescritibilidade da acção, e os argumentos a favor da protecção do suposto progenitor e da caducidade, creio que os pratos mudaram de peso.
Desde logo parece claro o movimento científico e social em direcção ao conhecimento das origens. Os desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, têm acentuado a importância dos vínculos biológicos e do seu determinismo, porventura com exagero; e com isto têm sublinhado o desejo de conhecer a ascendência biológica [Se não fosse esta tendência não se teria notado o movimento no sentido de acabar com o segredo acerca da identidade dos progenitores biológicos na adopção e na inseminação com dador].
Nestas condições, o “direito à identidade pessoal” e o “direito à integridade pessoal” ganharam uma dimensão nova que não pode ser desvalorizada. Devemos acrescentar, também, um novo direito fundamental implicado na questão: o “direito ao desenvolvimento da personalidade” (…), introduzido pela revisão constitucional de 1997 — um direito de conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de acção cujas restrições têm de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais. É certo que tanto o pretenso filho como o suposto progenitor têm o direito de invocar este preceito constitucional, mas não será forçado dizer que ele pesa mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de investigar é indispensável para determinar as suas origens, a sua família, numa palavra, a sua localização” no sistema de parentesco...”. e ao findar “ Julgo, em suma, que se tornou sustentável alegar a inconstitucionalidade dos prazos estabelecidos nos arts. 1817.° e 1873° CCiv (…). Os casos-limite — em que pareça chocante o exercício do direito de investigar — deveriam ser tratados como casos excepcionais, aplicando o instrumento do abuso do direito ou outro remédio expressamente previsto, inspirado nas mesmas ideias (…)." (destaque e sublinhado nossos).

O Acórdão do T.C. de 10.1.2006, publicado no D.R. de 8.2.2006, I série, págs. 1026 a 1034, apenas decidiu sobre a inconstitucionalidade do prazo de caducidade do nº1 do art. 1817º do Código Civil, aplicável por força do art. 1873º e, porque a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral implica a remoção da norma do ordenamento jurídico, não podendo ser aplicada pelos Tribunais – art. 204º da C.R. – sem que isso imponha que o julgador aja com recurso ao art.10, nº3, do Código Civil, tendo que criar norma consonante com o espírito do sistema, porquanto não estamos perante lacuna da lei.

Não pode ser assimilada a lacuna legal, a postular a aplicação daquele normativo do Código Civil, a supressão de norma legal, por via da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

Nos termos dos arts. 281º, nº1, a) e 282º, nº1, da Lei Fundamental, a consequência, in casu, é a imprescritibilidade da acção de investigação de paternidade que deixou de estar sujeita a qualquer prazo de caducidade, sendo manifesto que tendo sido declarado inconstitucional o prazo [que era de caducidade], não se pode considerar que, agora, deve ser aplicável um prazo de prescrição, como decidiu a 1ª instância.

A declaração, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, da inconstitucionalidade de uma norma tem efeitos ex tunc, tudo se passando, em princípio, como se a norma nunca tivesse vigorado.

Também, salvo melhor, opinião não está em causa a repristinação da norma indicada no Acórdão recorrido, porque a norma declarada inconstitucional não tinha revogado o artigo 130º do Código Civil de 1867, na redacção introduzida pelo DL. n.°2 de 25 de Dezembro de 1910.

Finalmente, e pelas razões expostas, mas, sobretudo, pela consideração dos direitos conflituantes em causa, cumpre dizer que a inexistência de prazo para a propositura da acção de investigação de paternidade não viola os arts. – os 18°, 26° e 36° da Constituição da República, ademais os invocados pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão de 10.1.2006.

Decisão:

Nestes termos, ainda que com diferente fundamentação, nega-se a revista.

Custas pelo recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Abril de 2008



Fonseca Ramos (relator)
Cardoso de Albuquerque
Azevedo Ramos.

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(1) Nos últimos anos, foram descobertas técnicas, pelos cientistas, James Watson, americano, e Francis Crick, inglês, que utilizam o DNA como marcador da individualidade biológica, que têm tornado possível excluir ou admitir a paternidade ou a maternidade, em 100% dos casos