Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S4368
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PROFESSOR DE NATAÇÃO
Nº do Documento: SJ200705020043684
Data do Acordão: 05/02/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE.
Sumário : 1. O artigo 12.º do Código do Trabalho estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de determinados requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, portanto, só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003.
2. Só há presunção da existência de contrato de trabalho se estiverem preenchidos cumulativamente os requisitos do artigo 12.º do Código do Trabalho, na sua versão original, mas faltando qualquer requisito, apesar de não valer essa presunção, pode o trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho.
3. O facto da actividade da autora ser prestada em local definido pela ré não assume relevo significativo, já que um professor de natação exerce, habitualmente, a sua actividade em piscinas, não sendo normal que estes profissionais disponham de equipamentos desportivos próprios onde possam cumprir a prestação de actividade ajustada.
4. Por outro lado, a existência de horário para ministrar as aulas não é determinante para a qualificação do contrato, uma vez que num complexo desportivo destinado ao ensino da natação, com diversas piscinas, vários professores e múltiplos alunos, em diferentes fases de aprendizagem, é essencial a existência de horários para que as aulas funcionem com o mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos professores e monitores que aí prestem serviço.
5. Também não é decisivo que o fornecimento do material didáctico utilizado no ensino da natação competisse à ré, tendo em vista que esses materiais existem em qualquer piscina, cumprindo diferentes finalidades operacionais.
6. Tendo a autora a possibilidade de se fazer substituir na execução da prestação, tal faculdade significa que as partes contrataram a produção de um determinado resultado (ministrar aulas de natação aos utentes da piscina da ré), sendo certo que tal possibilidade de substituição «é manifestamente incompatível com a existência e cumprimento de um contrato de trabalho, atento o carácter intuitu personae deste contrato e a natureza infungível da prestação laboral».
7. Aliás, no exercício das suas funções, a autora apenas recebia «directivas técnicas da ré, relativas ao funcionamento e procedimento nas aulas, e às formas de conduta, orientação e esquemas de aulas», o que não basta para concluir que o beneficiário da actividade orientava a sua prestação, reflectindo antes a exigência de «uma certa conformação ou qualidade no resultado (aulas)» e a necessidade de «harmonização pedagógica». *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 2 de Maio de 2005, no Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, pedindo que a ré fosse condenada a: (i) reconhecê-la como sua trabalhadora efectiva desde a data da contratação, em Outubro de 1992, com direito às competentes diuturnidades; (ii) conceder-lhe a licença de maternidade pelo nascimento do seu filho BB; (iii) efectuar os competentes descontos para a Segurança Social, de molde a que tenha possibilidade de haver o respectivo subsídio de maternidade; (iv) pagar-lhe o valor de 5.000 euros a título de danos não patrimoniais; (v) ou, caso já não seja possível a afectação do referido subsídio, a condenação a pagar-lhe o montante da retribuição que auferiria se estivesse a prestar serviço efectivo.

Na primeira sessão da audiência de julgamento, a autora requereu, ao abrigo do n.º 2 do artigo 28.º do Código de Processo do Trabalho, a ampliação do pedido, que foi deferida (fls. 252), pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento, efectivado em 10 de Setembro de 2005, e a condenação da ré no pagamento dos créditos laborais vencidos e vincendos, nos termos dos artigos 436.º e 437.º do Código do Trabalho, e na indemnização a que alude o artigo 439.º do mesmo Código.

Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora.

2. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado o recurso procedente e decidido: (a) reconhecer a autora como trabalhadora subordinada da ré, desde Outubro de 2004 até à data do seu despedimento, com todos os direitos daí decorrentes, mormente o direito à licença de maternidade, nos termos legais, e aos descontos legais devidos à Segurança Social; b) declarar a ilicitude do despedimento da autora ocorrido em 10 de Setembro de 2005, e, em consequência, condenar a ré a pagar à autora as retribuições devidas desde o 30.º dia anterior à propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão, a que deverão ser deduzidas as importâncias que a autora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, nomeadamente o montante do subsídio de desemprego, cujo valor deve ser entregue à Segurança Social pelo empregador (artigo 437.º do Código do Trabalho), a que acrescem os juros de mora desde a data dos vencimentos das respectivas retribuições; c) condenar a ré a pagar à autora uma indemnização por antiguidade, em substituição da reintegração, correspondente à retribuição base mensal, contando-se, para o efeito, todo o tempo decorrido até ao trânsito da decisão final (artigo 439.º, n.º 2, do Código do Trabalho), a liquidar em execução de sentença; d) absolver a ré do pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

É contra esta decisão do Tribunal da Relação que primeiro a ré e depois a autora se insurgem, mediante recursos de revista, sendo o primeiro independente e o segundo subordinado, ao abrigo, em substância, das seguintes conclusões:

RECURSO DA RÉ:

Se o artigo 12.º do Código do Trabalho estabelece uma presunção de que existe contrato de trabalho quando se verificam cumulativamente determinadas circunstâncias, o facto é que tal presunção foi ilidida;
Deste modo, deveria o Tribunal da Relação de Lisboa, para não violar a supra mencionada norma do Código do Trabalho, ter antes considerado que o contrato celebrado entre a autora e a ré foi um simples contrato de prestação de serviços;
Até porque, se para se verificar tal presunção seria necessário que as características enumeradas na lei ocorressem cumulativamente, o facto é que várias dessas características estiveram longe de se verificar;
– Em primeiro lugar, e ao contrário do referido no acórdão recorrido, ficou provado que a autora não só não pertencia à estrutura organizativa da ré, como nem tampouco realizava a sua actividade sob as orientações de quem quer que fosse, com excepção de directivas genéricas de natureza pedagógica, aliás estabelecidas por quem não pode obrigar a ré;
– Em segundo lugar, resultou igualmente provado que não existia um horário previamente estabelecido e definido, podendo a autora dar as suas aulas com correspondência com os horários dos alunos;
– Em terceiro lugar, a autora era remunerada de acordo com o resultado da sua actividade profissional e não em função do tempo;
– Em quarto lugar, não pode ser atribuída qualquer relevância ao facto de a actividade da autora ter sido prestada na sede da ré, já que a mesma não poderia ser desempenhada noutro local que não as piscinas da ré, a não ser que a autora tivesse demonstrado que, ela própria, enquanto profissional da matéria, é proprietária de piscinas noutro local;
– Em suma, por ter sido cabal e plenamente ilidida pela ré, ora recorrente, a presunção estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho, que não pode favorecer a autora, devendo, assim considerar-se como consistindo num contrato de prestação de serviços o relacionamento contratual que existiu entre a autora e a ré;
Mas mais importante, o tribunal recorrido desconsiderou completamente qual a mais exacta e curial forma de caracterização da natureza jurídica de um contrato que existe na ordem jurídica portuguesa que, mais do que o «título» ou as qualificações que as partes entenderam dar-lhe, haverá antes que encontrar, definir e atender qual é o seu objecto;
Assim, está considerado provado (artigos 20.º e 23.º dos factos assentes) que quando a autora não podia comparecer ao serviço, pedia a um colega que a substituísse, pagando a ré à autora como se tivesse sido esta a dar a aula, e se houvesse uma aula em que nenhum dos alunos comparecesse, não era exigido à autora que permanecesse nas instalações da ré, quer isto dizer que no âmbito do contrato em apreço era absolutamente irrelevante quem executava ou desempenhava as tarefas de dar aulas de natação aos alunos, bastando que as aulas fossem dadas, por quem quer que seja, e de modo a que o seu resultado ficasse assegurado;
Depois, como para a ré era irrelevante quem dava as aulas, a autora continuava a receber normalmente a sua remuneração, que mais tarde entregava particularmente à colega que a substituíra, em termos e condições combinados somente entre ambas, e que a ré não conhecia;
Assim, a remuneração paga pela ré referia-se não à actividade ou à força de trabalho da autora, que não a tinha prestado, mas antes ao resultado em si dessa mesma actividade;
– Daqui se conclui que o objecto do contrato celebrado entre a autora e a ré não era a força de trabalho ou a disponibilidade da autora, o que o caracterizaria como um contrato de trabalho, mas outrossim o mero e simples resultado dessa actividade, o que, obviamente, o caracteriza inequivocamente como um típico contrato de prestação de serviços;
– Numa palavra, a natureza jurídica do contrato celebrado entre a autora e a ré é inequivocamente um contrato de prestação de serviços, até pela ausência de prova efectiva por parte da autora da existência cumulativa dos elementos exigidos pelo artigo 12.º do Código de Trabalho para fundamentar a existência de um contrato de trabalho;
– Tal contrato de prestação de serviços é caracterizado em primeiro lugar pelo seu objecto, isto é, pelas prestações reciprocamente exigidas por cada uma das contrapartes contratuais à outra, e até pela inexistência de um horário de trabalho, durante o qual fosse exigido à autora que permanecesse nas instalações da ré, já que no âmbito do contrato não lhe era contratualmente exigida qualquer disponibilidade ou actividade dentro de um determinado período de tempo previamente estabelecido, mas unicamente o mero e simples resultado dessa mesma actividade;
– Um contrato caracterizado ainda pela independência da autora da estrutura organizativa da ré, à qual não pertencia nem tinha de dar contas, e a qual nem sequer lhe exigia que permanecesse nas piscinas no caso de não haver alunos;
– Um contrato que era remunerado não em função do tempo despendido na execução de determinadas tarefas, mas antes em função do resultado obtido, independentemente de quem as tivesse desempenhado;
– Um contrato, enfim, em que a prestadora dos serviços contratados presta outros serviços da mesma natureza noutros locais, e que, no seu início, se caracterizou por a sua execução ter lugar unicamente aos sábados, o que, só por si, ilustra bem da vontade de ambas as partes contratantes, que foi concomitante com a celebração do contrato, elemento que é de particular importância na caracterização da natureza jurídica de um contrato.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e que se considere que o contrato celebrado entre a autora e a ré é um típico contrato de prestação de serviços, com todas as consequências legais.

Em contra-alegações, a autora defendeu a manutenção do julgado.

RECURSO DA AUTORA:

– Analisando a matéria de facto dada por provada conclui-se que o único facto que se modificou a partir de Outubro de 2004 foi a prestação de trabalho de 2.ª a 6.ª feira, das 7h30 às 13h30, e aos sábados, das 8h30 às 13h15 e das 15h00 às 20h00, quando antes dessa data a autora apenas prestava trabalho aos sábados (n.os 3 e 24 da matéria de facto provada);
– No que toca aos demais factos, com excepção dos dois referidos e ainda do montante da retribuição auferida pela autora que respeita ao período temporal posterior a Outubro de 2004, todos os outros factos se reportam necessariamente a todo o período temporal em que perdurou a relação jurídica vigente entre as partes;
E o facto da autora, anteriormente a Outubro de 2004, só prestar trabalho aos sábados para a ré não descaracteriza a existência de um contrato de trabalho subordinado, à luz das próprias normas que de modo expresso regulam o contrato de trabalho a tempo parcial;
No período anterior a Outubro de 2004, estão preenchidos todos os pressupostos do artigo 12.º do Código do Trabalho, embora aplicados a um contrato de trabalho subordinado a tempo parcial, donde, não poderia o acórdão recorrido considerar que aqueles não se verificavam por só a partir desse mês a autora prestar trabalho de segunda-feira a sábado;
O acórdão recorrido teria necessariamente que reconhecer a existência de contrato de trabalho subordinado entre a autora e a ré desde Outubro de 1992, data em que aquela iniciou as suas funções de monitora de natação, por isso, aquele acórdão violou o artigo 12.º do Código do Trabalho.

Em conformidade, pede o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho subordinado entre as partes, a partir de Outubro de 1992.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de que se deveria negar a revista trazida pela ré e conceder a revista ao recurso da autora, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

– Se, atenta a presunção estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho, se pode presumir que as partes celebraram um contrato de trabalho desde Outubro de 2004 (conclusões 1.ª a 11.ª do recurso da ré);
Se a relação jurídica estabelecida entre a autora e a ré, desde Outubro de 2004, reveste a natureza de contrato de prestação de serviço ou contrato de trabalho subordinado (conclusões 12.ª a 40.ª do recurso da ré);
– Se foi celebrado um contrato de trabalho subordinado entre a autora e a ré, desde Outubro de 1992, data em que aquela iniciou as funções de monitora de natação [conclusões 1) a 10) do recurso da autora].

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II
1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) A autora foi admitida pela ré, para exercer funções de professora de natação, em Outubro de 1992, nas instalações desta, mediante acordo sem forma escrita;
2) Tal acordo foi celebrado entre a autora e a Dr.ª CC e [o] Prof. Doutor DD;
3) Desde Outubro de 2004, a autora exerceu as funções de professora de natação nas instalações da ré, de 2.ª a 6.ª feira, das 07,30h às 13,30h e aos sábados, das 08,30h às 13,15h e das 15,00h às 20,00h (documento junto aos autos a fls. 15);
4) A autora presta o seu trabalho nas instalações indicadas pela ré, conforme contratualmente definido, na sede da ré, sita na Piscina Municipal de Loures, Rua António Caetano Bernardo, em Loures;
5) Nas suas funções de professora de natação, a autora utiliza os materiais disponibilizados pela ré, como sejam as pranchas, «pull-buoys» e todo o material didáctico necessário ao bom funcionamento das aulas;
6) Nas suas funções de professora de natação, a autora enverga calções e t--shirts fornecidos pela ré;
7) Como contrapartida, a ré pagou à autora, as quantias discriminadas no documento emitido pela ré, junto aos autos a fls. 16, cujo teor se reproduz:
«Fevereiro 2005
Nome: AA
VENCIMENTO BASE: 1480,00
VENCIMENTO BRUTO: 1480,00
IVA: 281,20
SUB-TOTAL: 1761,20
IRS: 296,00
VENCIMENTO LÍQUIDO: 1465,20
Valor do recibo verde (venc. Bruto + IVA – IRS)»;
8) O pagamento pela ré à autora era feito mensalmente, ao fim de cada mês, nos dias indicados no documento emitido pela ré, junto aos autos a fls. 17;
9) Diariamente, a fim de entrar nas instalações da ré, a autora fazia passar um cartão magnético cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 37;
10) A autora comunicou à ré, no dia 28 de Janeiro de 2005, que pretendia gozar a licença de maternidade;
11) A ré respondeu à pretensão da autora, através da carta cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 20, na qual refere: «(…) cumpre informar que, de acordo com o regime de Contrato de Prestação de Serviços, que não se põe em dúvida, e dada a natureza do serviço prestado e a relação existente, não sendo possível corresponder ao solicitado»;
12) A autora encontrava-se grávida, tendo a sua médica assistente, em 25/02/2005, emitido a declaração junta aos autos a fls. 19, na qual refere: «(…) tem data de parto prevista 15/Abril/2005, necessita nesta altura de fazer repouso no domicílio, por contractilidade uterina prematura/astenia; aconselha-se repouso até final da gravidez»;
13) No dia 06 de Março, foi a autora internada no Hospital de S. Francisco de Xavier, S. A., onde permaneceu até ao dia 18.03.05 (documento junto aos autos a fls. 21);
14) O filho da autora nasceu a 12.03.05 (documento junto aos autos a fls. 22);
15) A autora encontra-se em casa, sem auferir retribuição e sem receber subsídio de maternidade;
16) No exercício das suas funções, a autora obedece às directivas técnicas emanadas pela ré, definidas pelo Prof. Doutor DD, Director Técnico da ré, sendo a Dr.ª CC, a coordenadora da área da autora;
17) A autora recebe directivas técnicas da ré, relativas ao funcionamento e procedimento nas aulas, e às formas de conduta, orientação e esquemas de aulas;
18) No exercício das suas funções, a autora goza de um período de férias remunerado de, no mínimo, 22 dias úteis;
19) A autora recebe ao fim de cada um dos doze meses do ano, emitindo mensalmente um «recibo verde» como aquele cuja cópia consta de fls. 16 dos autos, sendo o valor do pagamento mensal definido de acordo com a seguinte fórmula: (número de horas de trabalho semanal x valor/hora x 60 semanas : 12), recebendo assim o correspondente a 14 meses (60 semanas), diluído nos doze pagamentos mensais;
20) Quando a autora não podia comparecer ao serviço, pedia a um colega que a substituísse, pagando a ré à autora, como se tivesse sido esta a dar a aula, sendo a autora quem pagava ao colega que a havia substituído;
21) A autora permanecia nas piscinas da ré, durante o tempo necessário para dar as suas aulas;
22) Após o fim das aulas, abandonava as instalações da ré;
23) Se, por mero acaso, houvesse uma aula em que nenhum dos alunos comparecesse, não lhe era exigido que permanecesse nas instalações das piscinas, salvo se fosse previsível que algum aluno pudesse entretanto chegar, ainda que com atraso, relativamente ao horário de início da aula;
24) A autora, inicialmente, na sua colaboração com a ré, apenas deu aulas aos sábados, com o esclarecimento resultante da alínea C) dos factos assentes: «Desde Outubro de 2004 a Autora exerceu as funções de professora de natação nas instalações da ré, de 2.ª a 6.ª feira, das 07,30h às 13,30h e aos sábados, das 08,30h às 13,15h e das 15,00h às 20,00h — documento junto aos autos a fls. 15»;
25) A autora, para além de dar aulas nas piscinas da ré, presta ainda serviço e dá aulas noutros locais;
26) A autora, no dia 10/09/2005, dirigiu-se às instalações da ré para retomar o trabalho após terminar a licença de maternidade;
27) A ré, através de um seu funcionário, informou a autora de que não estava autorizada a entrar nas suas instalações;
28) A ré não remeteu à autora a declaração modelo 346 do ISSS.

Para melhor elucidação importa conhecer o teor das respostas aos n.os 1 a 3, 9, 12 a 14 e 16 a 19 da base instrutória, que se passam a transcrever:

Perguntava-se nos n.os 1 e 2 da base instrutória, «[n]o exercício das suas funções, a A. obedece a ordens emanadas pela R.?», «[r]espondendo hierarquicamente perante o Prof. Doutor DD, Director técnico, e a Dr.ª CC, coordenadora da área da A.?», os quais mereceram a seguinte resposta, «[p]rovado apenas que no exercício das suas funções, a Autora obedece às directivas técnicas emanadas pela Ré, definidas pelo Prof. Doutor DD, Director Técnico da Ré, sendo a Dr.ª CC, a coordenadora da área da Autora»;
Perguntava-se no n.º 3 da base instrutória, «[d]e quem recebe ordens e directivas, como sejam as relativas ao funcionamento e procedimento nas aulas, e às formas de conduta, orientação e esquemas de aula?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[p]rovado apenas que a Autora recebe directivas técnicas da Ré, relativas ao funcionamento e procedimento nas aulas, e às formas de conduta, orientação e esquemas de aulas»;
Perguntava-se no n.º 9 da base instrutória, «[d]a mesma forma, sempre que a A. falta ao trabalho, tem de justificar essas mesmas faltas, sob pena de desconto no seu ordenado?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado, com o esclarecimento resultante do depoimento unânime das testemunhas sobre esta matéria: quando a Autora não podia comparecer ao serviço, pedia a um colega que a substituísse, pagando a Ré à Autora, como se tivesse sido esta a dar a aula, sendo a Autora quem pagava ao colega que a havia substituído»;
Perguntava-se no n.º 12 da base instrutória, «[a] Autora permanecia nas piscinas da Ré, durante o tempo estritamente necessário para dar as suas aulas?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[p]rovado apenas que a Autora permanecia nas piscinas da Ré, durante o tempo necessário para dar as suas aulas»;
Perguntava-se no n.º 13 da base instrutória, «[a]pós o fim das aulas, abandonava as instalações da Ré?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[p]rovado»;
Perguntava-se no n.º 14 da base instrutória, «[s]e por mero acaso houvesse uma aula em que nenhum dos alunos comparecesse não lhe era exigido que permanecesse nas instalações das piscinas?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[p]rovado apenas que, se, por mero acaso, houvesse uma aula em que nenhum dos alunos comparecesse, não lhe era exigido que permanecesse nas instalações das piscinas, salvo se fosse previsível que algum aluno pudesse entretanto chegar, ainda que com atraso, relativamente ao horário de início da aula»;
Perguntava-se nos n.os 16 a 19 da base instrutória, respectivamente, «[n]o desempenho das suas funções a A. não estava sujeita a qualquer forma de poder hierárquico, ou sequer meramente técnico, de ninguém, com excepção das políticas genéricas do método de ensino privado?», «[p]ossuindo toda a autonomia pedagógica para levar a cabo as suas aulas de natação, nunca por nunca tendo ocorrido qualquer forma de intervenção da Ré nesse domínio?», «[s]em que alguma vez lhe fosse dada qualquer instrução, ou feita sequer a mínima observação no sentido de que este ou aquele aluno estavam a ser mal ensinados a nadar, ou tratados de modo pedagogicamente deficiente?», «[o]u sequer que lhe fossem dadas quaisquer ordens?», os quais mereceram a seguinte resposta, «[n]ão provados, com os esclarecimentos resultantes das respostas dadas aos quesitos 1.º e 2.º: “No exercício das suas funções, a autora obedece às directivas técnicas emanadas pela Ré, definidas pelo Prof. Doutor DD, Director Técnico da Ré, sendo a Dr.ª CC, a coordenadora da área da Autora”».

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra que ocorra qualquer das situações que permitam ao Supremo alterá-los ou promover a sua ampliação (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil), por conseguinte, será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

2. Antes de mais, importa definir qual o regime jurídico aplicável ao caso.

Actualmente, a noção de contrato de trabalho, bem como o correspondente regime jurídico, constam do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1), sendo que, no caso, discute-se a qualificação da relação jurídica estabelecida entre a autora e a ré, desde Outubro de 1992 a 10 de Setembro de 2005, portanto, constituída antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, a qual subsistiu após o início da vigência deste mesmo Código e cessou antes da entrada em vigor da Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, diploma que alterou a redacção de diversos preceitos do mencionado Código.

As dúvidas sobre a norma aplicável em caso de alteração de um particular regime jurídico encontram solução no próprio ordenamento jurídico.
Como refere BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 229-231), «os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma LN [lei nova] podem, pelo menos em parte, ser directamente resolvidos por esta mesma lei, mediante disposições adrede formuladas, chamadas “disposições transitórias”».

«Estas disposições transitórias podem ter carácter formal ou material. Dizem-se de direito transitório formal aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a LA [lei antiga] ou a LN, é aplicável a determinadas situações. São de direito transitório material aquelas que estabelecem uma regulamentação própria, não coincidente nem com a LA nem com a LN, para certas situações que se encontram na fronteira entre as duas leis.»

A Lei n.º 99/2003 contém normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respectiva entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.

No que agora releva, estipula o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 que, «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».

A norma transcrita corresponde ao artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho, abreviadamente designado por LCT, e acolhe o regime comum de aplicação das leis no tempo contido no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

O n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, segundo BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, obra citada, p. 233), trata-se de norma que ainda exprime o princípio da não retroactividade nos termos da teoria do facto passado, nele se distinguindo «dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Js [situações jurídicas]) constituídas antes da LN mas subsistentes ou em curso à data do seu IV [início de vigência]».

Sobre essa mesma norma, OLIVEIRA ASCENSÃO (O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, p. 489) pronuncia-se em termos que se afiguram impressivos, estabelecendo a seguinte distinção: «1) A lei pode regular efeitos como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos. Assim, a lei que delimita a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador de responsabilidade civil; a lei que estabelece poderes e vinculações dos que casam com menos de 18 anos exprime uma valoração sobre o casamento nessas condições; 2) pelo contrário, pode a lei atender directamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado. Se a lei estabelece os poderes vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as propriedades que subsistam. Aplica-se, então, imediatamente a lei nova.»

Nesta mesma linha, afirmam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, volume I, Coimbra Editora, 1967, anotação ao artigo 12.º, pp. 18-19): «[p]revinem-se no n.º 2, em primeiro lugar, os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos, ou referentes aos seus efeitos. Assim, por exemplo, quanto a impedimentos matrimoniais, quanto à capacidade, quanto à legalidade do próprio negócio, quanto à forma, não pode aplicar-se a lei nova a situações anteriores, e o mesmo é de dizer quanto às obrigações do vendedor ou do comprador, quanto aos direitos ou obrigações do locatário ou do senhorio, quanto à obrigação do mutuário, etc.

«Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito, for indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei é já aplicável. Assim, para fixar o conteúdo do direito de propriedade, é aplicável a lei nova e não a lei da data da sua constituição. Não interessa, na verdade, saber qual foi o título constitutivo, nem qual foi, por consequência, a data da formação deste. É sempre o mesmo direito de propriedade. O mesmo acontece, geralmente, com os direitos de natureza perpétua […].»

A matéria da aplicação das leis no tempo constitui domínio em que existe vasta elaboração doutrinária por parte do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que sobre o n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil afirmou já o seguinte (Parecer n.º 239/77, de 21 de Dezembro de 1977, publicado no Diário da República, II série, n.º 74, de 30 de Março de 1978, e no B.M.J., n.º 280, p. 184 e seguintes):

«Nesse n.º 2 estabelece-se a seguinte disjuntiva: a lei nova ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos (e neste caso só se aplica aos factos novos) ou define o conteúdo, os efeitos de certa relação jurídica independentemente dos factos que a essa relação deram origem (hipótese em que é de aplicação imediata, quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas constitutivas e subsistentes à data da sua entrada em vigor).
«Precisamente a ratio legis que está na base desta regra da aplicação imediata é: por um lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas naturalmente em conta pela nova lei, o interesse no ajustamento às novas concepções e valorações da comunidade e do legislador, bem como a existência da unidade do ordenamento jurídico, a qual seria posta em causa e com ela a segurança do comércio jurídico, pela subsistência de um grande número de situações duradouras, ou até de carácter perpétuo, regidas por uma lei há muito ab-rogada; por outro lado, o reduzido ou nulo valor da expectativa dos indivíduos que confiaram, sem bases, na continuidade do regime estabelecido pela lei antiga uma vez que se trata de um regime puramente legal, e não de um regime posto na dependência da vontade dos mesmos indivíduos.»

Deste modo, não estando em causa qualquer das situações especificamente previstas nos artigos subsequentes ao artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 e tendo em conta que a relação jurídica em apreciação se iniciou em Outubro de 1992 e cessou em 10 de Setembro de 2005, aplica-se o regime instituído no Código do Trabalho, na sua versão original, ou seja, anterior à redacção conferida pela Lei n.º 9/2006, salvo quanto às condições de validade do contrato ou efeitos de factos ou situações totalmente passados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho.

Por isso, quando o Código do Trabalho regula os efeitos de certos factos, como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem, deve entender-se que só se aplica aos factos novos.

O artigo 12.º do Código do Trabalho estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, por conseguinte, só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003.

3. O acórdão recorrido decidiu reconhecer a autora como trabalhadora subordinada da ré, desde Outubro de 2004, data a partir da qual considerou estarem demonstrados todos os requisitos integradores da presunção estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho.

A ré sustenta, porém, que a referida a presunção foi ilidida e que a relação jurídica que vigorou entre as partes configura um contrato de prestação de serviços.

Ora, os contratos referidos têm a sua definição na lei.

De harmonia com o preceituado no artigo 10.º do Código do Trabalho, que transcreve, com ligeiras alterações, o disposto no artigo 1152.º do Código Civil, contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas.

Por sua vez, segundo o artigo 1154.º do Código Civil, contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

A prestação de serviço é uma figura próxima do contrato de trabalho, não sendo sempre fácil distingui-los com nitidez, porém, duma maneira geral, tem-se entendido que é na existência ou inexistência da subordinação jurídica que se deve encontrar o critério de distinção.

Pode, assim, concluir-se que o contrato de trabalho se caracteriza essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade patronal, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, enquanto que na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.

A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora (artigo 150.º do Código do Trabalho) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador (artigo 121.º, n.os 1, alínea d), e 2, do Código do Trabalho).
3.1. Nos termos do regime geral de repartição do ónus da prova, cabe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, isto é, demonstrar que presta uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

A situação modificou-se substancialmente com a adopção, pelo artigo 12.º do Código do Trabalho, de presunção da existência de contrato de trabalho fundada no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, e que dispõe o seguinte:

«Artigo 12.º
(Presunção)
Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:
a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;
b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade;
d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade;
e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a noventa dias.»

A sobredita presunção trata-se de uma presunção legal ou de direito, já que é a própria lei que deduz de um facto conhecido a ilação (conclusão ou inferência) da verificação de um facto desconhecido.

Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, nos termos do n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil, bastando-lhe provar o facto que serve de base à presunção, sendo que a prova deste equivale à prova do facto presumido.

No respeitante à força probatória das presunções legais regula o n.º 2 do mesmo artigo 350.º, de harmonia com o qual as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, salvo nos casos em que a lei o proibir.

Por conseguinte, as presunções legais importam a inversão do ónus da prova (artigo 344.º, n.º 1, do Código Civil), sendo designadas por presunções juris tantum as que podem ser ilididas por prova em contrário, e por presunções juris et de jure as que não admitem prova em contrário.

A presunção legal daquele artigo 12.º é uma presunção juris tantum, que importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte adversa a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido.

3.2. No caso vertente, provou-se que a autora foi admitida pela ré, para exercer funções de professora de natação, em Outubro de 1992, mediante acordo sem forma escrita, inicialmente, apenas aos sábados, e, desde Outubro de 2004, «de 2.ª a 6.ª feira, das 07,30h às 13,30h e aos sábados, das 08,30h às 13,15h e das 15,00h às 20,00h» [factos assentes 1), 3) e 24)], donde, a prestação daquela actividade foi executada segundo um horário previamente definido e por um período, ininterrupto, superior a noventa dias.

É, também, inquestionável que a prestação da actividade contratada era realizada nas instalações da ré [factos assentes 1), 3) e 4)], com instrumentos fornecidos por esta última [factos assentes 5) e 6)], sendo a autora remunerada em função do tempo despendido na respectiva execução [facto assente 19)].
Todavia, não se extrai dos factos assentes que a autora estivesse inserida na estrutura organizativa da ré e realizasse a sua prestação sob as orientações desta.

Na verdade, quanto à inserção na estrutura organizativa da ré, não se provou que a autora tivesse de justificar as faltas ao trabalho, sendo que, «quando não podia comparecer ao serviço, pedia a um colega que a substituísse, pagando a ré à autora, como se tivesse sido esta a dar a aula, sendo a autora quem pagava ao colega que a havia substituído» [facto assente 20)]; por outro lado, a autora «permanecia nas piscinas da ré, durante o tempo necessário para dar as suas aulas» [facto assente 21)], «após o fim das aulas, abandonava as instalações da ré» [facto assente 22)] e se, «por mero acaso, houvesse uma aula em que nenhum dos alunos comparecesse, não lhe era exigido que permanecesse nas instalações das piscinas, salvo se fosse previsível que algum aluno pudesse entretanto chegar, ainda que com atraso, relativamente ao horário de início da aula» [facto assente 23)].

A admissibilidade da substituição da autora, nos termos amplos enunciados, bem como a obrigação de permanência no local de trabalho circunscrita ao «tempo necessário para dar as suas aulas», evidencia que a autora não se integrava na estrutura organizativa da ré.

Acresce, neste plano de consideração, que a autora, «para além de dar aulas nas piscinas da ré, presta ainda serviço e dá aulas noutros locais» [facto assente 25)].

Já no respeitante à orientação da execução da actividade ajustada, apenas se provou que, no exercício das suas funções, a autora obedecia «às directivas técnicas emanadas pela ré, definidas pelo Prof. Doutor DD, Director Técnico da ré, sendo a Dr.ª CC, a coordenadora da área da autora» [facto assente 16)], recebia «directivas técnicas da ré, relativas ao funcionamento e procedimento nas aulas, e às formas de conduta, orientação e esquemas de aulas» [facto assente 17)], o que não basta para concluir que o beneficiário da actividade orientava a sua prestação, reflectindo antes a exigência de «uma certa conformação ou qualidade no resultado (aulas)» (cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 13 de Maio de 2004, Processo n.º 4050/03 da 4.ª Secção), a par da necessidade de «harmonização pedagógica», tal como é acentuado na sentença proferida em primeira instância.

Assim, não se verificando o preenchimento cumulativo dos cinco requisitos previstos no artigo 12.º do Código do Trabalho para se presumir a existência de um contrato de trabalho, não é possível atender à presunção estabelecida naquela norma.

Porém, conforme refere ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, p. 313), «apesar de nesse caso não valer a presunção constante deste artigo, pode o trabalhador provar que existe um contrato de trabalho faltando qualquer dos indícios indicados nas alíneas do preceito em anotação. Importa, por isso, distinguir a presunção de contrato de trabalho da prova da existência de elementos identificadores do contrato de trabalho. Só há presunção de contrato de trabalho se estiverem preenchidos cumulativamente os cinco requisitos; mas faltando qualquer requisito nada obsta a que o trabalhador, ainda assim, prove que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho».

3.3. Como vem sendo repetidamente afirmado, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de, frequentemente, se recorrer a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios.

É o que acontece nos casos em que o trabalho é prestado com grande autonomia técnica e científica do trabalhador, nomeadamente quando se trate de actividades que tradicionalmente são prestadas em regime de profissão liberal, como acontece com o exercício da actividade do médico, do advogado, do arquitecto.

A este propósito, afirmou-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Novembro de 1994, proferido no Processo n.º 4090 (Acórdãos Doutrinais, n.º 399, p. 363), «[a] dependência técnica e científica não é necessária à subordinação jurídica, podendo esta restringir-se a domínios de carácter administrativo e de organização. Nessas situações, o trabalhador somente fica sujeito à observância das directrizes do empregador em matéria de organização do trabalho — local, horário, número de clientes, etc. A subordinação jurídica pode, assim, respeitar apenas à organização da actividade laboral, não obstante englobar também o poder de determinar a função do trabalhador, já que cabe ao empregador a distribuição do posto de trabalho segundo o organigrama da empresa e as necessidades desta. A subordinação jurídica existirá, pois, sempre que ocorra a possibilidade de ordens e direcção, bem como quando a entidade patronal possa de algum modo orientar a actividade laboral em si mesma, ainda que só no tocante ao lugar ou ao momento da sua prestação.»

Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização).

Cada um daqueles indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, por isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145), a ser formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo.

Não se verificando, no caso, a presunção de laboralidade consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho, incumbe ao trabalhador, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolve uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário da actividade, demonstrando que se integrou na estrutura empresarial do empregador.

No caso em apreciação, o facto da actividade da autora ser prestada em local definido pela ré não assume relevo significativo, já que um professor de natação exerce, habitualmente, a sua actividade em piscinas, não sendo normal que estes profissionais disponham de equipamentos desportivos próprios onde possam cumprir a prestação de actividade ajustada.

Do mesmo passo, a existência de horário definido para ministrar as aulas não é determinante para a qualificação do contrato, uma vez que num complexo desportivo destinado ao ensino da natação, com diversas piscinas, vários professores e múltiplos alunos, em diferentes fases de aprendizagem, é essencial a existência de horários para que as aulas funcionem com o mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos professores e monitores que aí prestem serviço, sendo certo que a autora «permanecia nas piscinas da ré, durante o tempo necessário para dar as suas aulas» [facto assente 21)], «após o fim das aulas, abandonava as instalações da ré» [facto assente 22)] e se, «por mero acaso, houvesse uma aula em que nenhum dos alunos comparecesse, não lhe era exigido que permanecesse nas instalações das piscinas, salvo se fosse previsível que algum aluno pudesse entretanto chegar, ainda que com atraso, relativamente ao horário de início da aula» [facto assente 23)], o que demonstra a exigência de disponibilidade para ministrar aulas de natação, a certas horas do dia, e não para o cumprimento de um horário.

Também não é decisivo que o fornecimento do material didáctico utilizado no ensino da natação competisse à ré, tendo em vista que esses materiais existem em qualquer piscina, cumprindo diferentes finalidades operacionais.

Acresce que a ré pagava à autora em função do tempo despendido na execução da actividade, mediante a emissão de um «recibo verde», retendo o IVA, e ainda que a autora se fizesse substituir por um colega [factos assentes 7), 19) e 20)].

Por outro lado, não se provou que a autora tivesse de justificar as faltas ao trabalho, sendo que, «quando não podia comparecer ao serviço, pedia a um colega que a substituísse, pagando a ré à autora, como se tivesse sido esta a dar a aula, sendo a autora quem pagava ao colega que a havia substituído» [facto assente 20)].

A referida faculdade da autora se fazer substituir na execução da prestação só pode significar que as partes contrataram a produção de um determinado resultado (ministrar aulas de natação aos utentes da piscina da ré) e não a actividade da autora, sendo certo que, tal possibilidade de substituição «é manifestamente incompatível com a existência e cumprimento de um contrato de trabalho, atento o carácter intuitu personae deste contrato e a natureza infungível da prestação laboral» (cf. acórdãos deste Supremo Tribunal, de 21 de Maio de 2003, Processo n.º 881/02 da 4.ª Secção, e de 20 de Setembro de 2006, Processo n.º 694/06 da 4.ª secção).

Aliás, no exercício das suas funções, a autora apenas recebia «directivas técnicas da ré, relativas ao funcionamento e procedimento nas aulas, e às formas de conduta, orientação e esquemas de aulas» [facto assente 17)], o que, como já se disse, não basta para concluir que o beneficiário da actividade orientava a sua prestação.

Tais directivas técnicas «são perfeitamente compatíveis com qualquer um dos tipos contratuais invocados, já que numa instituição como a Ré, com vários professores, tem necessariamente que haver harmonização pedagógica», conforme se sublinhou na sentença proferida em primeira instância.

Provou-se, finalmente, que a autora não dava aulas, exclusivamente, nas piscinas da ré, prestava ainda serviço e dava aulas noutros locais [facto assente 25)].

Tais factos integram o conjunto de indícios que, no caso, poderão ser tidos como reveladores da inexistência de subordinação jurídica.

Em favor da existência da subordinação jurídica, provou-se que, no exercício das suas funções, a autora gozava de um período de férias remunerado de, no mínimo, 22 dias úteis [facto assente 18)] e que recebia ao fim de cada um dos doze meses do ano «o correspondente a 14 meses (60 semanas), diluído nos doze pagamentos mensais» [facto assente 19)], sendo certo que deste último facto apenas se extrai a fórmula de cálculo do valor do pagamento mensal a efectuar à autora.

Ora, apreciando globalmente os indícios que emergem da relação contratual em apreço, impõe-se concluir que não se apuraram factos bastantes para caracterizar a relação jurídica em causa como contrato de trabalho subordinado, desde Outubro de 2004 até à data do seu despedimento, sendo que o ónus da prova relativo aos factos de que se pudesse concluir pela existência de tal contrato impendia sobre a autora, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.

Procedem, pois, as conclusões da alegação do recurso de revista da ré.

4. No recurso subordinado, a autora propugna que, «no período anterior a Outubro de 2004, estão preenchidos todos os pressupostos do artigo 12.º do Código do Trabalho, embora aplicados a um contrato de trabalho subordinado a tempo parcial, donde, não poderia o acórdão recorrido considerar que aqueles não se verificavam por só a partir desse mês a autora prestar trabalho de segunda-feira a sábado», por isso, aquele acórdão teria violado o artigo 12.º do Código do Trabalho.

Conforme se referiu supra, o artigo 12.º do Código do Trabalho só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003.

De todo o modo, como se concluiu nos pontos 3.2. e 3.3. da fundamentação, não se extrai dos factos materiais fixados nas instâncias o preenchimento cumulativo dos requisitos previstos no artigo 12.º do Código do Trabalho, nem se apuraram factos bastantes para caracterizar a relação jurídica em causa como contrato de trabalho subordinado, por isso, carece do necessário suporte fáctico, bem como de fundamento legal, o pretendido reconhecimento da existência de um contrato de trabalho subordinado a tempo parcial entre as partes, no período anterior a Outubro de 2004, sendo certo que o ónus da prova relativo aos factos de que se pudesse concluir pela existência de tal contrato impendia sobre a autora, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.

Tanto basta para que se julgue improcedente a revista interposta pela autora.

III

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Conceder a revista trazida pela ré, revogar o acórdão recorrido e repristinar a decisão contida na sentença proferida em primeira instância, a qual julgou a acção improcedente e absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora;
b) Negar a revista interposta subordinadamente pela autora.

Custas, nas instâncias e de cada um dos recursos de revista, pela autora.

Lisboa, 2 de Maio de 2007
Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra