Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1195/22.8YRLSB.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: SENTENÇA ARBITRAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
EXCESSO DE PRONÚNCIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: APELAÇÃO JUNTO DO S.T.J. IMPROCEDENTE.
Sumário :
I- Para o efeito de anulação de sentenças arbitrais, a violação do princípio do contraditório na manifestação da proibição de decisões-surpresa, com influência decisiva na resolução do litígio, encontra acolhimento na subal. ii) do art. 46º, 3, a), em conjugação com as als. b) e c) do art. 30, 1, da LAV e, devidamente interpretada em conformidade com o art. 3º, 3, do CPC, não conduz à invalidade da decisão se a questão instrumental (identificação de lacuna contratual e necessidade da sua integração de acordo com os critérios do CCiv.) para as questões decidendas foi levantada, conhecida e discutida nas peças escritas da tramitação antes da decisão final sindicada, estando em condições de ser considerada expressamente pelo tribunal no exercício legítimo de subsunção jurídica dos factos ao direito aplicável, incluindo o diálogo com tais pronúncias das partes e respectiva capacidade de influenciar e basear o raciocínio argumentativo-aplicativo do tribunal decisor; a necessidade de audição das partes sobre a questão (mesmo que seja instrumental para a questão decidenda) ou matéria a julgar e o seu enquadramento jurídico-legal de resolução distingue-se de uma eventual pronúncia das partes sobre o projecto de decisão que traduzirá o sentido concreto de aplicação desse enquadramento jurídico-legal na questão, que não é de exigir que um julgador desencadeie (embora não esteja inibido de o empreender como faculdade cautelar em determinadas circunstâncias ponderosas).

II- Para o efeito de anulação de sentenças arbitrais, a falta de competência decisória e o excesso de pronúncia da decisão arbitral (subals. iii) e v) do art. 46º, 3, a), da LAV) não se verificam se, no âmbito de uma convenção de arbitragem válida e eficaz, sem qualquer condicionamento quanto às normas a aplicar ou quaisquer limites aos poderes de cognição ao tribunal arbitral, o julgador tem o poder e o dever de resolver o litígio de acordo com a lei aplicável e reconhecida pelas partes vinculadas, com a extensão objectiva e subjectiva que decorre da própria convenção; o facto de uma das partes não concordar com o sentido da decisão não significa que o tribunal extravasou os poderes conferidos para levar a cabo o processo decisório necessário à resolução da causa, desde logo informado pela liberdade de qualificação e julgamento atribuída pelo art. 5º, 3, do CPC.

III- Para o efeito de anulação de sentenças arbitrais, a “omissão de pronúncia” (subal. v) do art. do art. 46º, 3, a), da LAV) não é vício procedente se as questões elencadas e submetidas pelas partes à arbitragem foram respondidas e decididas com fundamento pelo tribunal, enunciando de forma apreensível os fundamentos factuais e normativos da decisão e tornando perceptível o iter lógico-jurídico seguido na resolução do litígio.

IV- Para o efeito de anulação de sentenças arbitrais, a ofensa dos «princípios da ordem pública internacional» (sub al. ii do art. 46º, 3, b), da LAV) corresponde a uma sindicação mínima e de ultima ratio do resultado concreto e material da decisão (e solução do litígio) proferida, implicando uma análise do conteúdo da sentença (e não apenas ao modo como o processo se desenrola), sem que se proceda, porém e decisivamente, à revisão ou reexame do mérito; não procede se não se encontra na decisão final, e no seu percurso argumentativo para atingir os efeitos jurídicos constituídos nas esferas das partes, qualquer tratamento desigualitário e/ou composição de interesses fundada em desequilíbrio manifesto e excessivo (princípio da igualdade na aplicação do direito (com reflexo num princípio de não discriminação e de proibição do arbítrio); princípio da proporcionalidade e proibição do excesso; arts. 13º, 1, e 18º, 2-266º, 2, da CRP).

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 1195/22.8YRLSB.S1


Apelação sob a forma de revista (art. 215º, 4ª, CPC) – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa, ... Secção


Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I) RELATÓRIO


1. «Novo Banco, S.A.» intentou a presente acção especial contra o «Fundo de Resolução», peticionando, nos termos do art. 46º da LAV (Lei 63/2011, de 14 de Dezembro – Lei da Arbitragem Voluntária), a anulação da sentença arbitral proferida em 28 de outubro de 2021, complementada pela decisão de 25 de Fevereiro de 2022, que pôs termo ao processo arbitral requerido em conjunto por «Novo Banco» e «Fundo de Resolução» em 16 de Março de 2020 junto da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), nos termos do compromisso arbitral datado de 3 de Fevereiro de 2020, pelo qual as Partes acordaram, no âmbito do Acordo de Capital Contingente (ACC), celebrado em 18 de Outubro de 2017, solicitar a um tribunal arbitral decisão sobre duas questões específicas relacionadas com o Regime Transitório da Norma Internacional de Relato Financeiro 9 Instrumentos Financeiros (IFRS 9) e respectivo enquadramento à luz do contrato; a saber:

i. “As decisões de gestão do Novo Banco referentes ao pedido do Novo Banco para desaplicar, com efeitos a 31 de dezembro de 2019, o Regime Transitório da IFRS 9 estabelecido no Regulamento (EU) 2017/2395 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2017, são limitadas pelo ACC e, nessa medida, essas decisões de gestão do Novo Banco seriam compatíveis com as obrigações e deveres que para o Novo Banco decorrem do ACC?”;

ii. “Se o Novo Banco tivesse revertido, com efeitos a 31 de dezembro de 2019, a sua decisão anterior de aplicar o Regime Transitório da IFRS 9, implementando assim plenamente a IFRS 9 antes da data em que essa implementação plena teria ocorrido ao abrigo do regime transitório, deveria o impacto dessa decisão nos fundos próprios do Novo Banco ser tido em conta na determinação do pagamento devido ao Novo Banco pelo Fundo de Resolução inerente ao exercício de 2019, nos termos da cláusula 3 do ACC, incluindo o cálculo do Défice de Capital do ACC?”.





O «Fundo de Resolução” apresentou Oposição, pugnando pela improcedência da acção ao abrigo do art. 46º, 3, b), ponto (ii), da LAV.


A «Novo Banco» apresentou Resposta, pedindo que fossem julgadas improcedentes as excepções de extemporaneidade.


2. No processo registado com o n.º 25197/JPA da Corte Internacional de Arbitragem da CCI, o litígio foi determinado para dirimir a questão de “saber se, nos termos do ACC, a Parte B [«Fundo de Resolução»] é obrigada a efetuar um pagamento para fazer face ao possível défice de fundos próprios da Parte A [«Novo Banco»] decorrente unicamente da decisão da Parte A de reverter a sua decisão de aplicar o Regime Transitório”, de forma a apurar se há direito da Parte A a “certos pagamentos de Capital Contingente, de acordo com os termos do ACC” (v. “Acta de Missão” e sentença arbitral).


Foi proferida sentença arbitral final em 28/10/2021, na qual se decidiu no dispositivo:


“1. O Tribunal Arbitral é competente.


2. As decisões de gestão do Novo Banco SA sobre o pedido para desaplicar, com efeitos a 31 de Dezembro de 2019, o Regime Transitório da IFRS 9 estabelecido no Regulamento (EU) 2017/2395 do Parlamento e do Conselho, de 12 de dezembro de 2017, são limitadas pelo ACC e não são compatíveis com as obrigações e deveres do Novo Banco SA decorrente do ACC.


3. Se o Novo Banco tivesse revertido, com efeitos a 31 de dezembro de 2019, a sua decisão anterior de aplicar o Regime Transitório da IFRS 9, implementado assim plenamente a IFRS 9 antes da data em que essa implementação plena teria ocorrido nos termos do Regime Transitório, o impacto dessas decisões nos fundos próprios do Novo Banco SA não deverá ter sido em conta na determinação do pagamento devido ao Novo Banco SA pelo Fundo de Resolução para o exercício de 2019, nos termos da Cláusula 3 do ACC, incluindo o cálculo do Défice de Capital do ACC.


4. Cada uma das Partes suporta os seus próprios custos.


5. Todos os restantes pedidos são indeferidos.”





Notificada, a Parte A apresentou um pedido para “interpretação de uma sentença”, nos termos do art. 36º, 2, do Regulamento de Arbitragem da CCI, tendo como objecto os parágrafos 181. e 188. da sentença; o Tribunal Arbitral proferiu decisão de rejeição do pedido da Parte A (25/2/2022).


3. Foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente a presente ação especial de anulação da decisão arbitral.


4. Inconformado, veio a Autora interpor recurso de revista para o STJ, finalizando as suas alegações com as seguintes Conclusões:


“A. O Acórdão recorrido julgou improcedente a ação de anulação da Decisão Arbitral proposta pelo Novo banco, decidindo que nenhum dos fundamentos de anulação da Decisão Arbitral invocados se verifica no caso dos autos.


B. O Acórdão recorrido corresponde a uma decisão insuficiente e desacertada, o que tem génese no facto de o Tribunal a quo não se ter debruçado verdadeiramente sobre a discussão tida entre as partes nos presentes autos.


Quanto à violação do Compromisso Arbitral


C. O Tribunal a quo julgou improcedente – com recurso ao princípio jura novit curia, previsto no artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil – a pretensão do Novo banco segundo a qual o Tribunal Arbitral, ao decidir integrar uma lacuna no ACC, decidiu sobre uma matéria para a qual não lhe fora atribuída competência decisória.


D. O Acórdão recorrido não reconheceu qualquer relevância aos traços fundamentais da jurisdição arbitral, que resulta de um ato de autonomia das partes e delimita e circunscreve o âmbito da competência dos tribunais arbitrais.


E. O Tribunal a quo desconsiderou que a fonte da jurisdição arbitral tem influência determinante nas limitações impostas aos tribunais arbitrais quanto à integração de lacunas, exigindo-se – por via do artigo 1.º, n.º 4, da LAV – um acordo expresso das partes para que a integração de uma lacuna contratual possa ser levada a cabo por um tribunal arbitral.


F. Tendo recorrido ao princípio jura novit curia – previsto no artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil –, o Tribunal a quo enquadrou erradamente a questão relevante: em causa não está determinar se o princípio jura novit curia se aplica em sede arbitral (é inegável que sim) ou se o Tribunal Arbitral tinha a liberdade de aplicar as regras de direito que entendesse convenientes à solução da disputa (é também evidente que sim).


G. O que releva para este efeito é discernir se o princípio jura novit curia permitia ao Tribunal Arbitral ampliar a competência que lhe fora concedida por via do Compromisso Arbitral. E aí a resposta é evidentemente negativa.


H. Ao proceder à integração da lacuna, o Tribunal Arbitral decidiu uma questão que não fora incluída no mandato conferido pelas partes na convenção de arbitragem e, ao decidir tal matéria, o Tribunal Arbitral extravasou a sua competência em termos tais que determinam a anulabilidade da Decisão Arbitral, de acordo com o disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea iii), da LAV.


I. Esta posição em nada contende com a proibição do non-liquet, decorrente do artigo 8.º, n.º 2, do Código Civil, porque em causa nunca estaria uma recusa por parte do Tribunal Arbitral em dar resposta às duas questões que lhe foram colocadas pelas partes (sendo precisamente esse o cenário regulado pelo princípio do non-liquet), mas antes uma mera abstenção de decidir uma questão para a qual não tinha jurisdição (o que se lhe exigia).


J. Ainda que assim não se entendesse (no que não se concede), decorre do princípio do pedido que o Tribunal Arbitral estava limitado pelos pedidos deduzidos pelas partes, e a declaração da existência de uma lacuna contratual e o exercício de integração a que o Tribunal Arbitral procedeu consubstanciaram uma decisão quanto a uma questão da qual não podia conhecer, o que sempre implicaria a anulabilidade do Acórdão Arbitral por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea v), da LAV.


Quanto à omissão de pronúncia


K. O Tribunal a quo decidiu (erradamente) que não existia qualquer vício de omissão de pronúncia na Decisão Arbitral porque o Tribunal Arbitral tinha emitido uma pronúncia sobre ambas as questões que lhe foram colocadas pelas partes.


L. A verdade é que com a primeira questão submetida ao Tribunal Arbitral pretendiam as partes (unicamente) obter uma pronúncia sobre se a Decisão de Reversão consubstanciava, de per se, um incumprimento do Contrato.


M. Como resulta de forma inequívoca da leitura da Decisão Arbitral, a posição do Tribunal Arbitral quanto à incompatibilidade da Decisão de Reversão adotada pelo Novo Banco com o Contrato foi única e exclusivamente ditada por considerações relacionadas com as consequências financeiras e a sua alocação ao Fundo de Resolução, que é uma matéria que diz respeito à segunda – e não à primeira – questão.


N. A decisão proferida quanto à primeira questão que lhe foi colocada pelas partes revela que o Tribunal Arbitral procedeu a uma “interpretação corretiva” dessa questão, que levou a que materialmente respondesse apenas à segunda questão.


O. Por esse motivo, o Tribunal Arbitral absteve-se de tratar e de conhecer autonomamente – como lhe era exigido – uma das questões submetidas pelas partes, o que constitui fundamento para determinar a anulabilidade do Acórdão Arbitral, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea v) da LAV.


Quanto à violação do princípio do contraditório e do princípio da proibição da decisão-surpresa


P. Por sua vez, o Tribunal a quo debruçou-se sobre as exceções ao princípio do contraditório configuradas pelo nosso ordenamento jurídico (sem nunca referir que in casu estaria em causa uma dessas exceções), entendendo que o Tribunal Arbitral, ao decidir com recurso a uma interpretação da Cláusula 21.1 do ACC que nunca tinha sido aventada durante o curso do processo arbitral, não teria violado o princípio do contraditório.


Q. Com relevância, o Tribunal a quo não proferiu uma única palavra sobre a Cláusula 21.1 do ACC, que foi interpretada pelo Tribunal Arbitral em sentido que diverge tanto da posição assumida pelo Novo banco (que entendeu que essa cláusula deporia no sentido da legitimidade da Decisão de Reversão, o que levaria o Novo banco a ganhar a arbitragem), como da posição assumida pelo Fundo de Resolução (que sustentou que essa cláusula seria absolutamente irrelevante para o que se discutia no processo arbitral).


R. O Tribunal Arbitral optou por uma “terceira via”, decidindo tanto contra a posição do Novo Banco, como contra a posição do Fundo de Resolução.


S. Não tendo essa solução sido previamente considerada pelas partes, o Tribunal Arbitral tinha – por decorrência do artigo 30.º, n.º 1, da LAV – o dever de consultar as partes tanto (i) quanto à existência de uma lacuna, como (i) quanto à forma de preenchimento da lacuna, o que não se verificou.


T. O interesse público que emerge da origem dos fundos do Fundo de Resolução foi um fator decisivo para a interpretação dada pelo Tribunal Arbitral à Cláusula 21.1 do Contrato, pelo que a pertinência do recurso à origem pública dos fundos do Fundo de Resolução como condição operativa da aplicação da Cláusula 21.1 do ACC teria de ter sido discutida no decurso do processo arbitral, o que também não se verificou.


U. O Tribunal Arbitral integrou a lacuna contratual de uma forma totalmente alheada da matéria de facto e da prova produzida nos autos a respeito da vontade das partes e da lógica contratual subjacente à Cláusula 21.1 do Contrato, inexistindo nos autos elementos que permitissem sustentar uma interpretação no sentido adotado pelo Tribunal Arbitral.


V. O Tribunal Arbitral não deu cumprimento ao direito de audição das partes no processo arbitral, proferindo uma decisão-surpresa, o que torna a Decisão Arbitral anulável nos termos dos artigos 30.º, n.º 1, alínea b) e 46.º, n.º 3, alínea a), ii. Da LAV.


Quanto à violação dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português


W. Na operação da integração da lacuna, o Tribunal Arbitral levou em consideração fatores relacionados com o enquadramento público em que o Contrato foi celebrado e com a natureza pública do Fundo de Resolução e que dão origem a uma prevalência injustificada dos interesses do Fundo de Resolução na determinação da solução encontrada.


X. O Tribunal a quo não proferiu uma única palavra sobre a natureza pública do Fundo do Resolução, do seu impacto na Decisão Arbitral e da (in)compatibilidade do peso dado a esse fator com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, ignorando assim que a Decisão Arbitral consubstancia uma violação do princípio da igualdade das partes acolhidos pela Constituição da República Portuguesa.


Y. A Decisão Arbitral conduz, assim sendo, a resultados que atentam contra a ordem pública internacional do Estado português, sendo por isso anulável nos termos do artigo 46.º, n.º 3, alínea b), subalínea ii), da LAV.


4. O «Fundo de Resolução» apresentou contra-alegações, pedindo a improcedência da revista e, subsidiariamente, requerendo, ao abrigo do art. 46º, 8, da LAV que, caso se entenda existir algum fundamento para anulação do acórdão arbitral, seja determinada a suspensão dos autos e a concessão ao Tribunal Arbitral da possibilidade de tomar medidas susceptíveis de eliminar esses fundamentos para anulação.


*


Foram colhidos os vistos nos termos legais.


Sendo regular a instância, cumpre apreciar e decidir.


II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade do recurso


1.1. A presente acção de anulação de decisão arbitral foi proposta ao abrigo dos arts. 46º, 1 («(…) a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação»), 3 e 5, e 59º, 1, g), da LAV, tendo como objecto a impugnação da sentença arbitral com base em erros processuais e ofensas ou violações previstas nas als. do n.º 3 do art. 46º.


Ao impugnante oferece-se a faculdade de provocar a verificação da existência dos vícios por si arguidos (ou outro de conhecimento oficioso) e, em caso afirmativo e em consequência, o decretamento da supressão da sentença arbitral da ordem jurídica – é, em regra, um meio processual de cassação (não obstante o regime de suspensão predisposto pelo n.º 8 do art. 49º da LAV), não sendo destinada à reapreciação da decisão sobre o mérito do litígio em sede de “erros de julgamento” (uma vez não aplicada a excepção do art. 39º, 4, da LAV).


A sua competência está atribuída ao tribunal da Relação, nos termos do n.º 1 do art. 59º, seguindo a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações, entrando, para efeitos de distribuição, na 4.ª espécie determinada pelo art. 214º do CPC («Causas de que a Relação conhece em 1.ª instância») –, de acordo com o art. 46º, 2, e) e f) (esta, objecto de interpretação correctiva, ao referir-se ainda à distribuição na 5.ª espécie1), sempre da LAV.


Sendo o STJ o Tribunal hierarquicamente superior ao tribunal da Relação que proferiu a decisão agora recorrida, é admissível a impugnação junto do STJ (funcionando na veste de tribunal de 2.ª instância) como recurso de apelação – 4.ª espécie admitida no art. 215º do STJ –, nos termos do art. 644º, 1, a), do CPC2, ainda que seguindo a tramitação do recurso de revista3 – pelo que se convola oficiosamente a revista em apelação (arts. 6º, 2, 193º, 3, CPC).


1.2. O objecto da apelação junto do STJ incide, apenas e estritamente, sobre o apuramento da verificação ou não dos específicos fundamentos de anulação da sentença arbitral, indicados pela Recorrente nas conclusões do seu recurso (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC).


Assim, atentas as conclusões e a relação lógica entre as questões recursivas levantadas pela Recorrente, o objecto do recurso assenta na apreciação das seguintes questões:


(i) saber se a decisão do tribunal arbitral sobre a integração de lacuna contratual configura uma decisão-surpresa e consequente violação do princípio do contraditório e se configura uma violação do compromisso arbitral e consequente excesso de pronúncia;


(ii) saber se o tribunal arbitral omitiu a pronúncia requerida quanto à primeira questão formulada pelas Partes para decisão do tribunal;


(iii) saber se a decisão do tribunal arbitral configura uma ofensa intolerável aos princípios da ordem pública internacional.


2. Factualidade relevante


Para além do que consta supra, no Relatório;


2.1. No âmbito da arbitragem promovida pelas Partes, foram colocadas à apreciação do tribunal arbitral as questões referidas supra, ponto 1. do Relatório, em execução da “Carta de Arbitragem” (compromisso arbitral) de 3 de Fevereiro de 2020.


2.2. Em 18/10/2017, data em que, no contexto da venda de 75% de acções representativas do capital social da «Novo Banco», foi celebrado um acordo entre o «Fundo de Resolução» e a «Novo Banco» – “Acordo de Capital Contingente” (ACC) –, nos termos do qual aquele se obrigou perante este a realizar prestações de capital em determinadas condições concretas.


Como se detalha factualmente na sentença arbitral:


54. O litígio emerge do Acordo de Capital Contingente (ACC) com data de 18 de outubro de 2017, celebrado entre a Parte A e a Parte B, e suscita a questão de saber se, nos termos do ACC, a Parte B é obrigada a efetuar um pagamento para fazer face ao possível défice de fundos próprios da Parte A decorrente unicamente da decisão da Parte A de reverter a sua decisão de aplicar o Regime Transitório (conforme definido no par. 66).


55. A Parte A é uma instituição de crédito portuguesa constituída no contexto da medida de resolução aplicada ao Banco Espírito Santo, S.A. (BES) em 3 de agosto de 2014. A Parte B foi criada em 2012 com a finalidade de prestar assistência financeira no contexto da aplicação de medida de resolução adotada pelo Banco de Portugal.


56. No contexto dessa medida de resolução, um conjunto de ativos, passivos, rubricas extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES foi transferido para a Parte A. A Parte A iniciou a sua atividade com um capital social emitido e subscrito de 4.900 milhões de euros, que era totalmente detido pela Parte B.


57. Depois de uma tentativa frustrada de venda da Parte A em 2015, foi lançado um novo processo de venda em janeiro de 2016 e, na sequência da seleção da L... como proponente escolhido, foi assinado um contrato de compra e venda de ações (SPA) em 31 de março de 2017 entre a Parte B e a N..., SGPS, S.A. (N...), entidade detida pelos fundos L..., para a venda de 75% do capital social da Parte A à última; a Parte B manteria uma participação social de 25%7


58. Na mesma data, a N... e a Parte B celebraram um acordo de acionistas (SHA) para regulamentar a sua relação como acionistas da Parte A. Este acordo de acionistas entrou em vigor quando ocorreu a conclusão do contrato, nos termos do SPA,


59. Além disso, nos termos do SPA, a Parte B acordou em celebrar o ACC em relação a certos ativos detidos pela Parte A, através do qual a Parte B concordou em efetuar pagamentos por referência às perdas registadas pela Parte A numa carteira de ativos legados identificada (os Ativos do ACC, conforme definido na cláusula 7 do ACC), sempre que a Parte A tivesse certos défices de capital nos termos estabelecidos no ACC.


60. Nos termos do ACC, se as condições necessárias (perdas dos Ativos do ACC e incumprimento de limiares pré-determinados do rácio de capital mínimo, definido como Condição Mínima de Capital) se verificarem cumulativamente, a Parte B deve pagar à Parte A o valor menor entre o montante das perdas dos Ativos do ACC e o montante necessário para restabelecer os rácios de capital previstos no ACC: (…).


(…)


68. A Parte A aplicou o Regime Transitório a partir de 1 de fevereiro de 2018, obtendo assim o efeito de mitigação previsto pelo Regulamento 2017/2395. No seu e-mail de 1 de fevereiro de 2018 para vátios destinatários do Banco Central Europeu (BCE), a Parte A reserva a possibilidade de alterar essa decisão, considerando várias questões pendentes nessa data:


"Tenham em conta que, neste momento i) os impactos detalhados da adoção da IFRS 9 ainda estão a ser revistos, ii) nenhuma decisão foi ainda tomada pelo BCE sobre os requisitos do SREP a serem estabelecidos para o NB em 2018, iii) ainda não existe nenhuma informação sobre a decisão num período transitório tomado pelos pares do NB e que iv) o NB irá preparar e adotar num futuro próximo um novo plano estratégico de negócios.


Considerando que a informação sobre estes aspetos estará disponível nos próximos meses, e em linha com os termos definidos pelo regrido Regulamento, o NB decidirá até ao final de setembro de 2018, mediante a autorização prévia do BCE, se confirma ou reverte a presente decisão."


69. Em 15 de novembro de 2019, a Parte A pediu autorização ao BCE para reverter a sua decisão inicial de aplicar o Regime Transitório e implementar plenamente a IFRS 9 no exercício de 2019 (Decisão de Reversão). Em 23 de janeiro de 2020, o BCE notificou a Parte A de que autorizou a reversão pretendida, observando que qualquer défice de capital resultante da Decisão de Reversão seria integralmente compensado pela Parte B.


70. Apesar da aprovação do BCE, a Parte A não reverteu a sua decisão inicial de aplicar o Regime Transitório, após um acordo com a Parte B para adiar essa reversão até que fosse proferida uma sentença nesta arbitragem e o caráter hipotético das questões submetidas ao Tribunal Arbitral (par. 11 e seguintes). (…)”.


2.3. A decisão de implementação do Regime Transitório da IFRS 9 em 2019 e a decisão de reversão dessa implementação, com efeitos a 31/12/2019 (comunicada pela «Novo Banco» em 15/11/2019, em função das comunicações disponíveis nos autos), por implicar a adopção de diferentes normas de relato financeiro, importava, no quadro contratual traçado, a necessidade de proceder ao recálculo dos montantes a liquidar pelo Fundo de Resolução, com agravamento da posição deste que se veria na posição de ter que proceder a pagamento de valor superior ao que seria devido caso o regime transitório se mantivesse em vigor.


2.4. Não tendo a decisão da «Novo Banco» sido aceite pelo Fundo de Resolução, gerou-se a necessidade de recorrer a tribunal arbitral para esclarecer se (i) o Novo Banco podia ter tomado a decisão de reversão da implementação do regime transitório da IFRS 9 e, na afirmativa, se (ii) deveria o impacto dessa decisão nos fundos próprios do banco ser tido em conta na determinação do pagamento devido ao banco pelo Fundo de Resolução referente ao exercício de 2019.


Destarte, a acção arbitral destinou-se a apreciar a reversão operada pela «Novo Banco», com efeitos a partir de 31/12/2019, do Regime Transitório (com duração de 5 anos) de aplicação da referida IFRS 9 (norma contabilística aprovada pela Comissão Europeia, através do Regulamento (EU) 2016/2067, de 22/11/2016) – permitindo-se às instituições financeiras eliminar nesse período a sincronização nos documentos contabilísticos da posição contabilística em face da posição prudencial, tal como estabelecido pelo Regulamento (EU) 2017/2395, de 12/12/2017, na perspectiva dos efeitos que teria no ACC celebrado em 18/10/2017, nomeadamente quanto aos montantes devidos pelo «Fundo de Resolução» nesse exercício e em aplicação da cláusula 3.ª desse ACC.


2.5. O tribunal arbitral julgou e decidiu nos termos referidos no ponto 2. do Relatório supra.


2.6. Para o decidido no ponto 2. do dispositivo da sentença arbitral, o tribunal arbitral considerou, em suma, no que aqui releva, que:

i. a possibilidade de implementação do regime transitório da IFRS 9 não foi prevista pelas partes no âmbito do ACC, o que configura uma lacuna de regulação;

ii. na aferição da vontade hipotética ou conjectural das partes, caso tivessem previsto a hipótese de implementação do regime transitório da IFRS 9, a solução a dar ao caso deve orientar-se pela cláusula 21.1 do ACC, disposição que não se aplica “mas dá uma pista sobre o que teria sido o consenso entre as partes” (cfr. parágrafo 171. da sentença arbitral acórdão arbitral);

e que:

iii. “um investidor razoável teria aceitado que, caso não houvesse correspondência entre as dimensões contabilística e prudencial da IFRS 9, a contraparte apenas assumiria a responsabilidade pelas consequências da implementação das alterações prudenciais obrigatórias da regulamentação IFRS 9.” (cfr. parágrafo 179. da sentença arbitral);

tendo ainda concluído:

iv. “Esta é também a solução que decorre do equilíbrio geral de interesses entre as Partes implícito no critério legal dos ditames da boa fé, que a sua vontade hipotética deve, de qualquer forma, respeitar, de acordo com o artigo 239.º do CCiv. Uma solução de boa fé é uma solução razoável, procurando um equilíbrio, considerando as vantagens recíprocas e os custos para as partes. Portanto, a melhor solução será sempre aquela que evite a desproporcionalidade. Como explicou a Parte B, e a Parte A reconheceu ou não foi capaz de contestar convincentemente, havia alternativas muito menos onerosas para atingir as metas propostas em relação aos requisitos de capital regulatório em 1 de janeiro de 2020, que estavam longe de desencadear um pagamento de 206 milhões de euros da Parte B. Nessa situação, os princípios da boa fé impõem a escolha da alternativa que melhor equlibre os custos e benefícios para ambas as partes do acordo. O Tribunal Arbitral deve ter em conta este equilíbrio ao preencher a lacuna do ACC, nos termos do artigo 239.º do CC.” (cfr. parágrafo 180. da sentença arbitral); e

v. “(…) resulta (apenas) a título de interpretação suplementar do ACC incompleto que a Decisão de Reversão não era imposta pelo cumprimento e, portanto, não era compatível com as obrigações e deveres da Parte A decorrentes do ACC – e era, portanto, limitada pelo ACC. Embora isso não signifique que a Parte A tenha violado as suas obrigações ao abrigo do ACC, a Parte B, no entanto, não tem de suportar as consequências da Decisão de Reversão, de acordo com a interpretação suplementar do ACC incompleto. Assim, embora a Parte A pudesse tomar a Decisão de Reversão, a sua liberdade acarreta o ónus dos respectivos custos. A Parte B não tem o dever de os suportar. Consequentemente, devidamente interpretada, a pretensão da Parte A não pode ter provimento, uma vez que o parâmetro que ela confere à expressão compatibilidade está necessariamente associado, não à sua liberdade de agir, mas à sua permissão para agir com consequências para a Parte B.” (cfr. parágrafo 181. da sentença arbitral).


Concluiu o tribunal arbitral que a «Novo Banco» podia reverter a implementação do Regime Transitório da IFRS 9, devendo, em todo o caso, suportar os encargos decorrentes dessa decisão.


3. Fundamentação de direito


3.1. Da integração de lacuna contratual levada a cabo pelo tribunal arbitral e vícios alegados


Insurge-se a Recorrente contra o acórdão da Relação por entender que o tribunal arbitral violou o “dever de consultar as partes tanto (i) quanto à existência de uma lacuna, como (i) quanto à forma de preenchimento da lacuna, o que não se verificou”.


Por outro lado, a Recorrente alega ainda que o tribunal arbitral não podia proceder à integração de lacunas enquanto (i) “questão que não fora incluída no mandato conferido pelas partes na convenção de arbitragem e, ao decidir tal matéria, o Tribunal Arbitral extravasou a sua competência em termos tais que determinam a anulabilidade da Decisão Arbitral, de acordo com o disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea iii), da LAV” e (ii) “limitado pelos pedidos deduzidos pelas partes, e a declaração da existência de uma lacuna contratual e o exercício de integração a que o Tribunal Arbitral procedeu consubstanciaram uma decisão quanto a uma questão da qual não podia conhecer, o que sempre implicaria a anulabilidade do Acórdão Arbitral por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea v), da LAV”.


Está em causa a conclusão a que chegou o tribunal arbitral no sentido de que o ACC continha “uma lacuna porque as Partes não consideraram a introdução do Regime Transitório que criou a possibilidade de eliminar a sincronização da posição contabilística e da posição prudencial” – parágrafo 165. da sentença arbitral arbitral – e que seria decisivo para a composição do litígio a respectiva integração.


3.1.1. Em primeiro lugar, está em causa a violação do princípio do contraditório na manifestação de proibição de decisões-surpresa: a Recorrente entende que não teve oportunidade de se pronunciar sobre a reconstituição da vontade hipotética ou conjectural das Partes que acabou por ser propugnada pelo tribunal arbitral.


Vejamos o que fundamentar para chegar à solução exigida.


A) A disciplina da censura das decisões-surpresa encontra acolhimento na subal. ii) do art. 46º, 3, a), da LAV – «Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio» –, sendo para tal efeito necessário convocar as als. b) e c) do art. 30º, 1, da LAV:


«O processo arbitral deve sempre respeitar os seguintes princípios fundamentais:


As partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final;


Em todas as fases do processo é garantida a observância do princípio do contraditório, salvas as exceções previstas na presente lei.»


Da articulação da 2.ª parte da al. b) com a al. c) do art. 30º, 1, resulta a tutela do direito ao contraditório na faceta de as partes serem ouvidas sobre as decisões das questões de facto e de direito que o tribunal tenha que tomar e que afectam a consistência da posição de cada uma delas no processo, de tal modo que decisões processuais ou materiais não sejam tomadas e vistas com inovação pelas partes por força da ausência de possibilidade prévia de pronúncia.


B) A proibição das decisões-surpresa encontra consagração no art. 3º, 3, do CPC e na sua interpretação deveremos vislumbrar o âmbito de tutela exigido por tal princípio inerente à tutela essencial do contraditório.


C) O princípio do contraditório (ou da audiência contraditória), enquanto princípio estruturante do processo civil (na exacta medida em que se afigura como contraponto do princípio do pedido), resulta expressamente dos comandos legais previstos no art. 3º, 1 («O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.») e 3 («O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.»). Daqui resulta que, quanto a questões de direito (mas a garantia também se exerce quanto a questões de facto e matéria probatória), “antes de ser proferida a sentença ou qualquer outra decisão judicial interlocutória ou incidental, seja facultada às partes a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a mesma se baseie”, de forma a que se previnam as decisões-surpresa, “intrinsecamente atentatórias do dever de lealdade que deve presidir à atividade dos agentes, intervenientes ou «operadores judiciários» (princípio da cooperação e dever de boa-fé processual plasmados nos arts. 7º e 8º, respetivamente)”4.


Estamos perante uma inalienável e impostergável “garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”5. Esta garantia de intervenção para exercer influência na sorte e destino da acção – enquanto “direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo”6 – é, pois e antes de tudo, uma refracção clara do direito constitucional de tutela jurisdicional efectiva e do direito a um processo equitativo, tal como previsto no art. 20º da CRP7.


O direito ao contraditório relaciona-se – em si mesmo, dele decorre – com o princípio da igualdade das partes8, tal como vazado inquestionavelmente no art. 4º do CPC: «O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.» Enquanto corolário adjectivo da prescrição matricial constante do art. 13º, 1, da CRP, o preceito do CPC vincula a jurisdição em várias dimensões, acentuando-se como primordial a igualdade na posição de sujeito processual, o que implica a proibição da discriminação das partes no processo e a respectiva igualdade de armas no decurso do litígio9. Sendo destinatário legal do art. 4º o tribunal decisor da causa, cabe-lhe, positivamente, promover ou construir a igualdade substancial das partes. E este dever terá desde logo aplicação sempre que a lei imponha uma intervenção assistencial do tribunal em sede de audição prévia10.


Em suma.


A inibição da prolação de decisões-surpresa, sendo um princípio de actuação crítico para um processo justo, equitativo e igualitário, repousa na consideração atenta a um complexo de fundamentos usados pelo julgador que não foram devida e integralmente enquadrados e ponderados pelas partes, de tal sorte que se verifica uma desvinculação, total ou parcial, entre o alegado e contraditado na disposição processual – como tal, perspectivado objectivamente pelas partes em confronto –, que se repercute, de forma relevante e materialmente inovatória, no conteúdo da decisão11.


Por conseguinte, essa inibição significa que o julgador não deve exonerar-se de facultar às partes a possibilidade de aduzirem as suas razões, nomeadamente quando, no domínio definido em regra pelo objecto do processo (em função do pedido e dos limites do dispositivo), se exercerá a sua liberdade de configuração e qualificação jurídica perante a matéria factual apurada e assente e dessa liberdade (legítima e habilitada pela lei: arts. 5º, 3, 607º, 3, CPC) resulta – e se antevê – uma resposta na subsunção dos factos ao direito que se desvia de forma significativa e substancial do que foi configurado na causa de pedir e, por essa via, susceptível de reacção pela parte contrária (arts. 3º, 1, 5º, 1, 552º, 1, d) e e), CPC).


É para estas situações (e já contando, em princípio, com as questões de conhecimento oficioso) – não todas, portanto – que o art. 3º, 3, em conjugação com o art. 4º, deve mitigar a actuação irrestrita e incondicionada do art. 5º, 3, do CPC. Claro está que este “conhecimento oficioso da norma jurídica”12 não se desvirtua nem se preclude, antes fica acrescido de uma audição preliminar, complementar e específica das partes em face do potencial – mas em certo momento pré-decisão já clara para o julgador – relevo de um instituto, de uma disciplina legal, de uma norma circunscrita, e dos correspondentes requisitos de aplicação, para a solução do caso – quanto mais não seja por razões de cautela e de observância dos deveres de gestão processual (maxime, o previsto no art. 6º, 1, CPC) e de cooperação processual em ordem à justa composição do litígio (art. 7º, 1 e 2, CPC).


Situações essas que, portanto, se acentuam quando se prefigura não ser de linear ou necessária instrumentalidade ou de óbvia e natural conexão o alegado e já discutido e o que se prevê decidir, dando espaço para, não estando preso aos argumentos, motivos ou razões invocados pelas partes (e contra-argumentação) utilizado(s), conhecer a argumentação das partes sobre um caminho total ou parcialmente inovador ou essencialmente diferenciado que se vai seguir como decisivo para decidir essas questões.





Tendo em conta a normatividade pertinente do CPC, uma vez aferida a imperatividade do exercício do contraditório, desde logo para assegurar que a igualdade das partes seja respeitada na tramitação destinada ao julgamento e prolação da decisão final, e verificada a sua omissão, estamos perante uma nulidade processual, uma vez que a sua inobservância é susceptível de influir no exame ou decisão da causa, de acordo com a cláusula geral constante do art. 195º, 1, do CPC para as nulidades inominadas13.


Porém, estamos confrontados com algo mais crucial na sua consequência, uma vez que a formalidade de cumprimento obrigatório resultante do art. 3º, 3, e 4º do CPC, em especial a que pretende evitar “decisões-surpresa” no julgamento das questões de direito, se projecta no conteúdo da própria decisão proferida, tendo em conta que a decisão que surpreende a parte sem pronúncia se debruça sobre uma matéria que o tribunal não podia conhecer e decidir antes de ouvir essa mesma parte. Por isso, essa omissão – ab initio, uma nulidade processual – consubstancia in fine, por nela se consumir, uma nulidade de decisão ou julgamento, por aplicação do art. 615º, 1, d), do CPC, enquanto excesso de pronúncia ilícito ou pronúncia indevida sobre questão ou questões sobre as quais, sem a audição prévia das partes, não se poderia pronunciar («O juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»)14.


Na verdade, só esta qualificação permite que a falta de audiência prévia das partes possa ser conhecida e apreciada com competência funcional própria pelo tribunal de recurso, através do recurso e com o objecto do recurso, como vício autónomo e próprio à luz do catálogo do art. 615º, 1, do CPC, ao invés de ser reclamada (para o caso dos autos) no tribunal recorrido, onde a alegada nulidade teria sido cometida, como deveria ser se apenas fosse vista como nulidade processual (arts. 196º, 200º, 3, CPC).


D) Este regime pode e deve ser transposto para a interpretação e aplicação da problemática e regime da proibição das decisões-surpresa plasmada nos arts. 30º, 2, b) e c), e 46º, 2, a), ii), da LAV, como causa de anulabilidade das sentenças arbitrais.


Porém, como em especial se exige na letra dessa subal. ii), tal proibição só conduzirá à anulação da sentença se houver um juízo positivo de tal proibição se ter consunstanciado numa violação com influência decisiva na resolução do litígio, isto é, para o exercício da defesa em face dessa mesma resolução.


E) A parcela mais significativa e decisiva da sentença arbitral versa justamente sobre o preenchimento de uma lacuna no ACC concluído entre as Partes litigantes (parágrafos 161. e ss), que levou às conclusões dos parágrafos 165., 171., 174., 175. e 181.


Em especial (no que mais interessa):


161. Em vez disso, a questão decisiva na perspetiva do Tribunal Arbitral é saber se o ACC contém uma lacuna, porque as Partes não consideraram a introdução do Regime Transitório, e como essa lacuna deve ser preenchida, se necessário.


162. A Parte B alega a este respeito que, se considerarmos que existe uma lacuna no ACC e que a vontade hipotética das Partes, caso tivessem previsto que o Regime Transitório fosse decretado após a celebração do ACC e tivessem pretendido regulamentar expressamente a matéria, deveriam ser determinados nos termos do Artigo 239.º CC, apoiando novamente a sua posição.


163. Como o Prof. Dr. Mota Pinto afirma:


“Embora as partes não prevejam a possibilidade de fasear a implementação da IFRS 9 por desconhecerem o regulamento que seria posteriormente promulgado, essa consideração pode ser feita por interpretação para preencher as lacunas da transação.


A vontade hipotética das partes, delimitada pelos ditames da boa fé, relevante de acordo com o Artigo 239.° do Código Civil, evidencia inequivocamente a necessidade de salvaguardar o regime transitório, de forma a mitigar o impacto da implementação da norma IFRS 9 sobre os rácios de capital obrigatórios.


Se tivesse previsto a possibilidade de separar, por um determinado período de tempo, as posições regulatória e contabilística, o Fundo de Resolução não teria hesitado em ter em consideração este detalhe relevante; e a boa fé ia exigir que o NB não se opusesse a esse pedido, particularmente se e quando a solução oposta altera o equilíbrio contratual entre as partes.


Se o Fundo de Resolução tivesse previsto um possível afastamento da posição contabilística da posição regulatória, nunca teria ficado dependente de uma decisão arbitrária do NB, com o impacto relevante que tem, considerando não apenas a estipulação de um evento de duplo condicionamento e do dever de pagar o menor entre os valores relacionados com esses eventos, mas também as regras sobre os ativos de legado do BES que estão na origem do ACC”.


164. A Parte A alega a este respeito que a Parte B sabia – ou, de qualquer forma, deveria saber – das discussões que estavam a decorrer nas instituições europeias para a aprovação do Regime Transitório sobre os efeitos de capital da IFRS 9, uma vez que a consciência do Dr. Pereira do futuro Regime Transitório sobre os efeitos de capital da IFRS 9 é provavelmente imputável à Parte B. Por outro lado, a Parte B salienta que o Regime Transitório estava numa fase preliminar nessa altura, e que o que estava a ser contemplado era de facto muito diferente da versão final que viria a ser aprovada posteriormente. No entanto, o Dr. Pereira confirmou que a proposta de regulamento de que ele tinha sabido antes de março de 2017 já incluía um regime transitório para efeitos de mitigar o impacto da IFRS 9 nos requisitos de capital regulatório.


165. O Tribunal Arbitral entende que o ACC contém uma lacuna porque as Partes não consideraram a introdução do Regime Transitório que criou a possibilidade de eliminar a sincronização da posição contabilística e da posição prudencial.


(…)


168. Isso leva à questão de aber como a lacuna contratual deve ser preenchida. De acordo com o art. 239.º do CCiv., (…). A vontade hipotética das Partes a este respeito; a questão é, portanto, saber que acordo as Partes teriam feito caso tivessem conhecimento da possibilidade emergente de um regime transitório e tendo em conta os restantes conteúdos do contrato e a distribuição de risco nele expressa.


(…)


171. Parece claro para o Tribunal Arbitral que as Partes teriam sido orientadas a este respeito pela cláusula 21.1 do ACC (que concede à Parte A – após o decurso de dois anos a contar da conclusão do ACC – a capacidade de fazer alterações relevantes às suas políticas contabilísticas). Esta disposição contratual não se aplica no presente contexto, mas dá uma pista sobre o que teria sido o consenso entre as Partes, caso tivessem previsto uma regra sobre o impacto da Decisão de Reversão na responsabilidade da Parte B. Esta cláusula deixa claro que as Partes assumiram que a IFRS 9 é relevante também em termos prudenciais e que existe, portanto, uma inevitável correspondência entre as dimensões contabilística e prudencial da IFRS 9.


172. A cláusula afirma, portanto, que qualquer alteração deve estar sujeita à autorização prévia da Parte B. A Parte A está autorizada apenas a fazer as alterações que lhe sejam impostas. Se a Parte A fizer alterações à sua política contabilística, sem que essas alterações lhe sejam impostas, a sua conduta exigirá a aprovação prévia da Parte B caso a Parte A deseje incluir essas alterações na área de responsabilidade daquela. Esta cláusula permite que se retire uma inferência: a ação não obrigatória da Parte A não operaria a extensão da esfera de responsabilidade da Parte B.


173. Mas a questão é se – a ser verdade que a cláusula prevê que, após dois anos, a Parte A tenha liberdade, sem a autorização prévia da Parte B, para alterar a sua política contabilística – podemos inferir desta liberdade que a Parte B é responsável pelas alterações pelas quais não teria sido responsável durante o período de dois anos e se essa liberdade deveria ser acompanhada de uma obrigação da Parte B de cobrir os impactos desta decisão.


174. Dada a sua redação, a cláusula 21.1 do ACC concede à Parte A o direito de decidir livremente sobre as suas políticas contabilísticas após um período de dois anos sem o consentimento da Parte B. Essa decisão – com base na suposta correspondência inevitável entre as dimensões contabilística e prudencial da IFRS 9 na cláusula 21.1 do ACC – teria um impacto direto na determinação de um défice de capital, na aceção da cláusula 3.2 do ACC; isso também resulta da cláusula 11.4 do ACC. No entanto, corresponde então à intenção hipotética das Partes na altura em que o ACC foi concluído, que a Parte A devia ter essa opção no caso de uma decisão sobre a aplicação ou não aplicação do Regime Transitório, apenas sob uma condição: de que, no caso, não haja uma ligação direta entre as dimensões contabilística e prudencial da IFRS 9.


175. O Tribunal não tem provas que sugiram que as Partes teriam regulado, de forma diferente da que foi estabelecida na cláusula 21 do ACC, a distribuição dos impactos decorrentes das alterações, ainda que prudentes mas não impostas, às políticas contabilísticas que, no exercício dos seus poderes como administrador da sociedade, a Parte A implementaria. Por isso se pode inferir da interpretação, sempre necessariamente normativa, da vontade hipotética das Partes que elas teriam regulado o tema do Regime Transitório em termos que não se afastassem das disposições da cláusula 21 do ACC.


(…)


178. (…) mesmo ao longo das negociações, as partes reais, L... e Bacno de Portugal, não poderiam desconhecer razoavelmente que a Parte B, tendo ainda de reembolsar os empréstimos anteriormente contratados com o Estado, não dispunha de fundos para cumprir as suas obrigaçoes ao abrigo do ACC. A incapacidade financeira da Parte B para cumprir as chamadas de capital que seriam feitas em conformidade com o ACC determinou a abertura de uma linha de crédito, na sequência do Acordo Quadro celebrado com o Estado Português, em outubro de 2017. A afectação de fundos públicos ao cumprimento das obrigações da Parte B impõe imediatamente a adoção de soluções que, sob o princípio da justiça, impliquem o menor sacrifício para a comunidade. Esta dimensão não pode ser esquecida na interpretação da vontade hipotética das Partes: a dos valores pelos quais a administração deve nortear a sua conduta ao agir.


179. Pode-se argumentar que parece improvável que a contraparte real do ACC, que era afinal o comprador da participação da Parte B na Parte A, concordasse com um regulamento de regime transitório interpretado nestes termos, porque isso seria contrário ao seu interesse individual na transferência, tanto quanto possível, das perdas para a esfera de responsabilidade da Parte B. Mas, como foi sublinhado de início: ao interpretar a vontade hipotética, o Tribunal Arbitral deve partir dos vários elementos à sua disposição e perguntar qual seria o consenso provável das Partes, tendo em conta o equilíbrio contratual por elas estabelecido. E, nesta etapa, a questão a ser respondida é se é plausível que o Comprador – a parte interessada real do ACC e um investidor qualificada e racional – pusesse em risco o contrato caso o Vendedor não tivesse aceitado que a Parte A estivesse obrigada a não alterar a sua política de contabilização de ativos no que diz respeito à dimensão prudencial, caso essas mudanças afetassem a responsabilidade da Parte B. (…) esta questão deve ser respondida de forma negativa: de acordo com o artigo 239.º do CC, a vontade subjetiva das partes não importa, mas apenas a razoável. Neste sentido, um investidor razoável teria aceitado que, caso não houvesse correspondência entre as dimensões contabilística e prudencial da IFRS 9, a contraparte apenas assumiria a responsabilidade pelas consequências da implementação das alterações prudenciais obrigatórias da regulamentação da IFRS 9.


180. Esta é também a solução que decorre do equilíbrio geral de interesses entre as Partes implícito no critério legal dos ditames da boa fé, que a sua vontade hipotética deve, de qualquer forma, respeitar, de acordo com o artigo 239.º do CCiv. Uma solução de boa fé é uma solução razoável, procurando um equilíbrio, considerando as vantagens recíprocas e os custos para as partes. Portanto, a melhor solução será sempre aquela que evite a desproporcionalidade. Como explicou a Parte B, e a Parte A reconheceu ou não foi capaz de contestar convincentemente, havia alternativas muito menos onerosas para atingir as metas propostas em relação aos requisitos de capital regulatório em 1 de janeiro de 2020, que estavam longe de desencadear um pagamento de 206 milhões de euros da Parte B. Nessa situação, os princípios da boa fé impõem a escolha da alternativa que melhor equlibre os custos e benefícios para ambas as partes do acordo. O Tribunal Arbitral deve ter em conta este equilíbrio ao preencher a lacuna do ACC, nos termos do artigo 239.º do CC.


181. Assim, resulta (apenas) a título de interpretação suplementar do ACC incompleto que a Decisão de Reversão não era imposta pelo cumprimento e, portanto, não era compatível com as obrigações e deveres da Parte A decorrentes do ACC – e era, portanto, limitada pelo ACC. Embora isso não signifique que a Parte A tenha violado as suas obrigações ao abrigo do ACC, a Parte B, no entanto, não tem de suportar as consequências da Decisão de Reversão, de acordo com a interpretação suplementar do ACC incompleto. Assim, embora a Parte A pudesse tomar a Decisão de Reversão, a sua liberdade acarreta o ónus dos respectivos custos. A Parte B não tem o dever de os suportar. Consequentemente, devidamente interpretada, a pretensão da Parte A não pode ter provimento, uma vez que o parâmetro que ela confere à expressão compatibilidade está necessariamente associado, não à sua liberdade de agir, mas à sua permissão para agir com consequências para a Parte B.”


F) É inequívoco que a questão da lacuna constante do ACC e necessidade da sua integração não foi desconhecida pelas Partes ligitantes na arbitragem.


É verdade que não foi colocado no requerimento inicial que desencadeou o processo arbitral junto da CCI, mas resulta claro das várias peças processuais após o requerimento de arbitragem e petição inicial que as Partes discutiram a existência da lacuna contratual e a forma da sua integração, em momento prévio à tomada da decisão final, ora sob sindicância; em particular:


- no Articulado de Resposta à Petição do «Fundo de Resolução», itens 223. a 227. (verificação de lacuna a preencher de acordo com o art. 239º do CCiv.);


- no Articulado de Contra-Resposta da «Novo Banco», itens 291. a 310. (rejeição de lacuna e ponderação subsidiária da vontade hipotética das partes);


- no Articulado de Contra-Resposta do «Fundo de Resolução», itens 142. a 153.;


- nas Alegações Finais da «Novo Banco», itens 248. a 268., 269. a 278.;


- nas Alegações Finais do «Fundo de Resolução», itens 92. a 101., 102. a 112.


Coligindo tais peças, verifica-se que as Partes tomaram posição quanto à existência da lacuna (divergindo), quanto à aplicação do art. 239º do CCiv., quanto ao interesse e proveito integrativo da cláusula 21.1 do ACC e quanto ao interesse e sentido em que para tal poderia ser utilizado o princípio da boa fé nesse intento de preenchimento da lacuna (existente, para o «Fundo de Resolução»; inexistente e ponderando critérios para o caso de se entender existente, para a «Novo Banco»).


O certo é que a sentença arbitral atribuiu enorme relevância à importância para as partes da correspondência entre as dimensões contabilística e prudencial da IFRS 9, tendo sido este aspecto importante para a conclusão a que se chegou em sede de integração da lacuna identificada em face do aludido Regime transitório. Convocou, para este resultado, as indicações (“pistas”) dadas pelas normas contidas no ACC – em especial, a cláusula 21.1, que se transcreve no parágrafo 64. da sentença arbitral (com referência ainda à cláusula 11.4, v. parágrago 164.).


Será por isto de qualificar a sentença arbitral como anulável por ser decisivo para a composição do conflito a consulta das partes sobre, em especial, o clausulado que o tribunal arbitral entenderia e entendeu seguir para o seu julgamento da integração da lacuna e, em geral, sobre os critérios e sentido decisório, provável e gizado antecipadamente, a tomar na resolução do litígio?


Não cremos que se possa dar resposta positiva.


Assegurado que esteve nos autos o conhecimento e pronúncia das Partes sobre a identificação de uma lacuna de regulação no ACC – com posição divergente: lacuna afirmada pelo «Fundo de Resolução», lacuna rejeitada pela «Novo Banco» –, tal recurso a essa disciplina contratual do ACC não impede que se entenda que o tribunal arbitral não estava obrigado a fazer algo mais em favor do contraditório nesta sede, tanto mais que uma das soluções plausíveis – defendida, de resto, pelo recorrido «Fundo de Resolução» – foi a que acabou por ser secundada pelo tribunal arbitral.


Nomeadamente, veja-se que o tribunal arbitral não preencheu a lacuna com recurso à cláusula 21.1; o que o tribunal arbitral fez foi retirar daquela cláusula uma “pista” quanto à vontade hipotética das partes, no exercício legítimo da subsunção jurídica dos factos ao direito aplicável e ditado pelo art. 239º do CCiv, construindo a norma hipotética de conduta que as partes teriam acordado se tivessem previsto a situação que veio a resultar do Regime Transitório de aplicação da IFRS 9 implementada pelo Regulamento (EU) 2016/2067.


Neste quadro, é manifesto que, atenta a tramição em concreto revelada no processo, as Partes tiveram ao seu dispor todos os elementos necessários ao exercício do contraditório relevante, podendo, perante a hipótese aventada e discutida de integração de lacuna, pugnar pela forma de integração mais adequada ao espírito que presidiu à elaboração do ACC. Com essa pronúncia, ficou garantido o contraditório e em aberto estava apenas o julgamento através de um dos caminhos viáveis e possíveis para decisão, cognoscíveis em função da diligência razoável e da capacidade de antecipação exigíveis às partes no processo.


Em síntese: não foi violado o princípio da proibição da indefesa, garantido como fundamento básico do contraditório, ou seja, “a proibição do proferimento de uma decisão contra quem antes não teve a possibilidade de se pronunciar sobre a matéria15.


Na verdade, não podemos sufragar a posição de que, a partir dessas pronúncias, a decisão sobre tal lacuna fosse imprevisível e fosse necessário accionar a consulta das partes para que salvaguardássemos um processo justo, equitativo e igualitário.


Depois disso, o reconhecimento da existência de uma lacuna e o seu critério de integração pelo julgador integra o poder jurisdicional necessário à decisão da causa, como sucede em diversos litígios que correm nos nossos tribunais, sendo, nessa tarefa, evidente que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art. 5º, 3, do CPC). É que, bem vistas as coisas, as questões colocadas pelas partes têm o seu lugar paralelo no pedido e a celebração do ACC na causa de pedir; logo, o reconhecimento da existência de lacuna e a sua integração integram o processo de subsunção jurídica para o qual os árbitros foram convocados.


Mais uma vez, importa deixar expresso que a circunstância de a Recorrente não concordar com os critérios de integração levados a cabo pelo tribunal arbitral – em especial, não se conforma com a ponderação da “origem pública dos fundos” do recorrido, nos termos do parágrafo 179. da sentença arbitral – não impõe a conclusão de que a mesma se encontra eivada da violação do princípio do contraditório sob a forma de decisão-surpresa, uma vez que a interpelação das Partes sobre o sentido concreto com que o julgador entenderia densificar as regras jurídicas do art. 239º do CCiv., nos termos da sua liberdade de actuação jurídica no julgamento, não se revelaria decisiva e condicionante da boa resolução processual do litígio, uma vez que as Partes já conheciam e se tinham pronunciado sobre o sentido em que entendiam ser compreendida e resolvida a sua integração.


Insistimos.


Uma faceta do problema é a audição das partes sobre a questão (mesmo que seja instrumental para a questão decidenda) ou matéria a julgar e o seu enquadramento jurídico-legal de resolução; outra faceta é a pronúncia das partes sobre o projecto de decisão que traduzirá a aplicação desse enquadramento jurídico-legal na questão, que não é de exigir que um julgador desencadeie (embora não esteja inibido de o empreender como faculdade cautelar em determinadas circunstâncias ponderosas).


Tal distinção essencial não é prejudicada pelo facto de – coisa diversa – a questão da integração se ter revelado decisiva – como questão instrumental – para a resolução material do litígio; para o efeito, beneficia da pronúncia das partes nos autos e está em condições de ser considerada expressamente pelo tribunal, sobre a sua viabilidade ou não e seus termos, como foi em concreto. Enfatize-se por isso: o tribunal dialogou com tais pronúncias das partes, o que significa ad abundantiam que o contraditório existiu e cumpriu a sua função: influenciar e basear o raciocínio argumentativo-aplicativo do tribunal decisor.


Se assim não fosse, aliás, poderíamos, no limite, ter como sustentável que seria necessário que um tribunal, antes de proferir qualquer decisão, mais simples ou mais complexa, em despacho, sentença ou acórdão, tivesse sempre que comunicar às partes o seu (reiteremos, assim dito) “projecto de decisão”, com os argumentos e perspectivas que se propunha utilizar para a solução a dar à matéria de facto e à matéria de direito (desde logo conformada objectivamente na instância pelo princípio do dispositivo), nas questões-matérias já suscitadas e debatidas nos autos, para viabilizar a bondade processual dessa mesma decisão na perspectiva do contraditório. Ora, não é assim, tendo em conta os princípios da necessidade e da previsibilidade que, neste detalhe, informam a actuação do tribunal na sua relação com as partes; o contrário seria um formalismo excessivo, contraproducente e sem base legal.


Assim deve ser interpretado e aplicado o regime da LAV invocado, o que faz improceder as Conclusões P. a V. quanto a este vício.


3.1.2. Em segundo lugar, invoca-se a falta de competência do tribunal arbitral para efectuar a integração da lacuna surpreendida no ACC por tal extravasar o âmbito da convenção de arbitragem (subal. iii) do art. 46º, 3, a), da LAV) e, em consequência, ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento, caindo em “excesso de pronúncia” (subal. v) do art. 46º, 3, a), da LAV).


Quid juris?


A) A arbitragem desencadeada pelas Partes teve como fundamento a cláusula 34.2. do ACC («Todos os litígios decorrentes de ou associados ao presente Acordo serão definitivamente resolvidos de acordo com o Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional por três árbitros nomeados de acordo com esse Regulamento. (…)).


Nos termos da cláusula 33. do ACC, “o presente Acordo e quaisquer obrigações extracontratuais dele decorrentes ou a ele associadas serão regidos pela lei de Portugal”.


Na “Carta de Arbitragem” de 3/2/2020, disponível nos autos, as Partes acordaram em submeter conjuntamente a processo de arbitragem, nos termos da cláusula 34 do ACC, a resolução definitiva das matérias elencadas em relação às quais as Partes têm perspectivas divergentes (ponto 1.)


No Requerimento de Arbitragem as Partes declararam reconhecer que não tinham objecções quanto à existência, validade e âmbito desse acordo arbitral – parágrafo 10.


Nesse mesmo Requerimento, as Partes elencam as “Matérias do ACC” que submetem a “decisão de um Tribunal Arbitral” – parágrafos 84. e 85. (cfr. supra, ponto 1. do Relatório).


B) O exercício da função jurisdicional encontra-se reservado aos tribunais enquanto órgãos de soberania competentes para administrar a justiça em nome do povo (da CRP). Sem prejuízo, a nossa Constituição permite, expressamente, a constituição de tribunais arbitrais, que poderão assumir uma feição necessária ou voluntária, consoante resultem de imposição legal ou da vontade das partes (arts. 202º, 4, 209, 2 e 3, da CRP).


A arbitragem voluntária é admitida, desde que por lei especial não esteja o litígio submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, e ocorre mediante uma convenção de arbitragem (arts. 1º e 2º da LAV). Quando a convenção de arbitragem diga respeito a um litígio actual, denomina-se de compromisso arbitral e deve fixar o objecto do litígio – cfr. arts. 1º, 3, e 2º, 6, da LAV.


Como se explica, exemplificativamente, no Ac. deste STJ, de 12/11/202016, “[a] arbitragem voluntária é, assim, contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado. No que respeita à convenção de arbitragem (…), reconhecemos que a mesma encerra um negócio jurídico bilateral, da qual emerge para as partes um direito potestativo que as vincula a instituir um tribunal arbitral com vista a dirimir o dissídio nela previsto. A convenção não se revela propriamente sobre a relação jurídica material, sendo antes acessória desta, a par de que não é a solução para o litígio, mas tão só o meio de as partes o poderem solucionar.”


E assim é uma vez que “a função é desempenhada através de poder de decisão de litígios exercido por uma instância neutral. Tem natureza contratual privada, porque os tribunais arbitrais são criados em conformidade com convenções de arbitragem, que constituem a fonte dos seus poderes e delimitam o âmbito da respectiva competência”17.


Claro que a convenção de arbitragem pode delimitar os poderes jurisdicionais em diversos aspectos. “Desde logo, quanto aos critérios de decisão: a equidade (LAV, artigo 22.º), as normas de um determinado direito estadual (LAV, artigo 33.º) ou um conjunto normativo sem referência estadual específica (direito uniforme e, embora discutível, lex mercatoria). A convenção pode ainda conter indicações sobre o estatuto dos árbitros (v.g. a remuneração, cfr. LAV, artigo 5.º) e as regras do processo (artigo 15.°, n.º 1), por exemplo, sobre a sede e a língua do processo, os articulados, o saneamento processual, as provas, o prazo da decisão (artigo 19.º, n.º 1), o funcionamento do tribunal colectivo (artigo 20.º), a admissibilidade ou inadmissibilidade de recursos (artigo 29.º). Estas indicações podem ser directas ou por remissão para regulamentos de centros de arbitragem. Na falta destas indicações sobre o critério de decisão, o direito aplicável e as regras de processo, a selecção resulta de normas legais supletivas (LAV, artigos 22.º, 33.º, n.° 2, 15.º e seguintes), por vezes com necessidade de complemento doutrinário ou jurisprudencial”18.


C) Seja como for, dispõe o art. 39.º da LAV que “os árbitros julgam segundo o direito constituído, a menos que as partes determinem, por acordo, que julguem segundo a equidade.”.


“Direito constituído é: (1) Direito estrito, por oposição à equidade, como se infere da adversativa do próprio preceito; (2) Direito substantivo (civil, comercial ou administrativo), por oposição a Direito processual; (3) Direito vigente, ex lege ou ex contracta por oposição a Direito a constituir ou a direito constituído pelos árbitros; (4) Direito competente por, para ele, haver uma remissão válida”; “A escolha das partes é decisiva. Seja na convenção de arbitragem, seja no contrato em que a mesma se insira, elas podem optar por leis nacionais ou estrangeiras. Por exemplo: aplicar o regime público a contratos privados (hipótese frequente nas empreitadas), apelar para modelos preexistentes (por exemplo, no domínio financeiro), nacionais ou estrangeiros ou remeter para leis estrangeiras, nos limites da seriedade e da ordem pública. Nada dizendo, cai-se na lex fori: os casos a decidir em Portugal guiam-se pela Lei do País. A decisão parece tão natural, que nem se refere: mas impõe-se”19.


D) No caso, sujeitaram-se à apreciação do tribunal arbitral duas questões, a de saber se a «Novo Banco» podia, nos termos do ACC, reverter a decisão de implementação do regime transitório da IFRS 9 e, na afirmativa, se o «Fundo de Resolução» estava obrigado a proceder aos pagamentos contratualizados, contabilizados em função daquela decisão de reversão.


Cumpre desde logo afirmar que, como de resto a Recorrente não coloca em crise, do requerimento de arbitragem não consta qualquer condicionamento quanto às normas a aplicar ou quaisquer limites aos poderes de cognição do tribunal arbitral. Logo, ao tribunal arbitral foi atribuída a tarefa de proceder à exegese das normas contidas no ACC para delas extrair as respostas solicitadas pelas Partes.


Voltamos a distinções que importa acentuar: uma coisa é conhecer de questões diferentes das colocadas pelas partes, outra, muito diferente, é responder às questões colocadas, ainda que trilhando um caminho não secundado pelas partes ou por uma das partes.


Como é evidente, do acordo arbitral – sem limitações quanto ao âmbito de litígios a dirimir no âmbito de interpretação e aplicação do ACC – e dos sucessivos “Carta” e “Requerimento de Arbitragem” resulta a identificação das questões para as quais se buscava decisão, não se determinando o sentido da(s) resposta(s) a dar pelos árbitros, nem tão-pouco os critérios decisórios a utilizar pelos árbitros – apenas a lei aplicável.


Assim sendo, apenas se deve convocar para o caso o que decorre em geral de uma convenção de arbitragem válida e eficaz: atribuir ao tribunal arbitral o poder de resolver o litígio, com a extensão objectiva e subjectiva que decorre da própria convenção, relevando especialmente o âmbito do litígio e os sujeitos vinculados. Dentro dessa extensão e limites, o tribunal arbitral tem o poder e o dever de resolver o litígio através da prolação de uma decisão susceptível de formar caso julgado e de ser executada20.


Se assim é, o reconhecimento da existência de uma lacuna na regulação do contrato sob análise, em função da convenção de arbitragem, e sua integração de acordo com a regra geral decorrente da lei portuguesa (Código Civil) fazem parte – sem mais e reitere-se – do processo decisório necessário à resolução da causa, desde logo informado pela liberdade de qualificação e julgamento atribuída pelo art. 5º, 3, do CPC.


O reconhecimento da existência de uma lacuna e sua conexão decisiva para a decisão sobre as questões submetidas à arbitragem jurisdicional, concorde-se ou não com o seu desfecho, integra, como questão instrumental, o iter cognitivo percorrido na busca da solução a dar às questões colocadas e, portanto, colocando-se ao nível da aplicação do direito (contratualmente estabelecido pelas partes).


De facto, o tribunal arbitral, confrontado com uma lacuna no ACC – para cuja interpretação foi expressamente convocado – tinha de dar resposta às questões colocadas pelas Partes. A circunstância de a resposta não merecer acolhimento por parte da Recorrente, o que se compreende, não implica a conclusão de que o tribunal arbitral extravasou os seus poderes de cognição, até porque a alternativa seria colocar o tribunal arbitral na posição de não poder decidir, por ausência de critério decisório, denegando a justiça requerida pelas partes.


Não se alcança, assim, o que pretendia a Recorrente que o tribunal arbitral fizesse quando constatado com ausência de previsão contratual expressa para a situação objeto do presente litígio. Veja-se que o tribunal arbitral se pronunciou apenas sobre o litígio abrangido pela convenção de arbitragem, respondendo apenas e tão-só às questões colocadas e não extravasando a pronúncia requerida.


Como é evidente, o tribunal arbitral não completou – porque tal não lhe foi solicitado – o ACC, não figurando tal matéria no dispositivo da decisão arbitral. O que o tribunal arbitral fez foi responder às questões colocadas com base na interpretação – errada ou certa, não releva – que fez do ACC. O que está em causa nos autos é um contrato cuja incompletude não foi visada ou prevista pelas partes e que só perante o presente litígio se revelou.


Por outro lado, não se vê que a interpretação (e integração através da já referida “norma hipotética” de conduta) levada a cabo pelo tribunal arbitral tenha tido a virtualidade de criar obrigações adicionais para as Partes, na medida em que se limitou a afirmar que a «Novo Banco» podia ter tomado a decisão de reversão, ainda que com essa decisão devesse assumir o risco das respetivas consequências. Não se alcança, assim, a criação de obrigações adicionais, no quadro do ACC, para qualquer uma das Partes.


O tribunal arbitral limitou-se, assim, a responder às questões colocadas pelas Partes, sendo que estas tinham que, razoavelmente, contar com os dois possíveis desfechos, de resto, antecipadas pelas Partes (resposta afirmativa ou negativa). No caso, o tribunal arbitral respondeu afirmativamente à primeira questão colocada (como pretendido pela Recorrente) e negativamente à segunda questão colocada (como pretendido pelo Recorrido).


O que sucede nos autos é que a Recorrente não concorda com a existência de lacuna (conforme resulta da sua tomada de posição nos autos), considerando que o ACC assume uma completude incompatível com a ideia de lacuna.


E assim se remata.


Acontece que tal entendimento se coloca obviamente no plano da divergência quanto ao mérito da decisão e não no plano de usurpação de poderes conferidos ao tribunal arbitral e de excesso de pronúncia quanto à vinculação ao princípio do dispositivo21.


Falecem, pois, as Conclusões C. a J. do recurso quanto a estes vícios.


3.2. Da omissão de pronúncia


Invoca a Recorrente que o tribunal arbitral omitiu a pronúncia requerida quanto à primeira questão colocada pelas Partes, devendo, por esse motivo, ser anulado: “A decisão proferida quanto à primeira questão que lhe foi colocada pelas partes revela que o Tribunal Arbitral procedeu a uma “interpretação corretiva” dessa questão, que levou a que materialmente respondesse apenas à segunda questão. / Por esse motivo, o Tribunal Arbitral absteve-se de tratar e de conhecer autonomamente – como lhe era exigido – uma das questões submetidas pelas partes (…).”


Vejamos se tem razão.


A) Na mesma subal. v) do art. 46º, 3, a), da LAV encontra-se o fundamento de anulabilidade para a decisão arbitral que «deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar».


Tal fundamento encontra-se relacionado com a norma do art. 615º, 1, d), do CPC, que sanciona com nulidade as sentenças e acórdãos em que o julgador «deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

A “omissão de pronúncia” decorre da exigência prescrita no n.º 2 do artigo 608º do CPC, nos termos do qual «[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Este ónus processual implica, como corolário do “princípio da disponibilidade objectiva” (traduzido no art. 5º do CPC/2013), que “o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões”22.


Essa nulidade do art. 615º serve, por isso, de cominação para o desrespeito do art. 608º, 2, do CPC.


O ónus processual de decisão, em sede de 1.ª instância e em sede de recurso, fica cumprido se ficarem apreciadas a questão ou questões delimitadas no processo e nas Conclusões das alegações recursivas; não se encontra violado se não são apreciados e/ou discutidos todos os argumentos, considerações, motivos, pressupostos, juízos de valor ou raciocínios utilizados pelas partes e/ou tribunal recorrido para a resolução da questão ou questões que efectivamente se delimitam e cumpre apreciar (tanto mais que o art. 5º, 3, do CPC estatui que «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”). Não se impõe que o tribunal decisor aprecie ou responda ponto por ponto a todos os argumentos e razões invocados para sustentação (“‘Argumentos’ não são ‘questões’”), exigindo-se antes que indique e desenvolva a fundamentação atinente às questões que integram o dispositivo ou o objecto recursivo delimitado pelas partes e que constituem o propósito legal da actividade judicativa do tribunal23.


B) Em resposta às questões colocadas pelas Partes, o tribunal arbitral concluiu (novamente o parágrafo 181.):


Resulta, portanto, (apenas) da interpretação suplementar do ACC incompleto que a Decisão de Reversão não foi imposta pelo ACC e, assim sendo, não é compatível com as obrigações e deveres da Parte A [«Novo Banco»] decorrentes do ACC – e é, portanto, limitada pelo ACC. Embora isso não equivalha a dizer que a Parte A [«Novo Banco] violou suas obrigações no âmbito do ACC, a Parte B [«Fundo de Resolução»], não tem, no entanto, de suportar as consequências da Decisão de Reversão, de acordo com a interpretação suplementar do ACC incompleto. Assim, embora a Parte A possa tomar a Decisão de Reversão, a sua liberdade implica que suporte o encargo dos respetivos custos. A Parte B não tem um dever de suportar esses custos. Consequentemente, devidamente interpretada, a pretensão da Parte A não pode proceder, uma vez que o parâmetro que ela confere à expressão da compatibilidade está necessariamente ligado, não à sua liberdade para agir, mas à sua liberdade para agir com consequências para a Parte B”.


Ora, independentemente do que se possa imputar quanto à clareza do discurso adoptado, não se alcança onde está a omissão de pronúncia invocada. De facto, o tribunal arbitral concluiu que o «Novo Banco» podia tomar a decisão de reverter a implementação do regime transitório da IFRS 9, ainda que tivesse que suportar os custos decorrentes de tal reversão.


Ainda que o tribunal arbitral tenha interpretado a primeira questão do ponto de vista das consequências que a Recorrente queria evitar (ter que suportar os custos decorrentes da reversão), a verdade é que ambas questões colocadas não ficaram sem resposta.


Veja-se que o tribunal arbitral deixou expresso que, “assim, embora a Parte A possa tomar a Decisão de Reversão, a sua liberdade implica que suporte o encargo dos respetivos custos. A Parte B [Fundo de Resolução] não tem um dever de suportar esses custos.” Como é evidente, a “liberdade” para reverter a decisão de implementação da IFRS 9 não tinha interesse autónomo para a «Novo Banco», cujo principal fito era o de levar o «Fundo de Resolução» a proceder aos pagamentos devidos por força de tal reversão. Foi isto mesmo que o tribunal arbitral afirmou ao referir que, “devidamente interpretada, a pretensão da Parte A não pode proceder, uma vez que o parâmetro que ela confere à expressão da compatibilidade está necessariamente ligado, não à sua liberdade para agir, mas à sua liberdade para agir com consequências para a Parte B”.


Ainda que o tribunal arbitral tenha considerado que o verdadeiro fito do Novo Banco era o de compelir o Fundo de Resolução ao pagamento, a verdade é que não deixou sem resposta a primeira questão colocada pelas Partes. E, mais do que isso, sem prejuízo de se colocar a bondade do julgamento, que aqui não se discute nem se sindica, tal resposta está suficientemente fundamentada, enunciando de forma apreensível os fundamentos factuais e normativos da decisão e tornando perceptível o iter lógico-jurídico seguido na resolução do litígio24.


Não se vislumbra, assim, qualquer omissão de pronúncia que possa censurar-se, caindo a pretensão manifestada nas Conclusões da Recorrente (K. a O.).


3.3. Da violação de princípios da ordem pública internacional


Por fim, invoca a Recorrente que, “[n]a operação da integração da lacuna, o Tribunal Arbitral levou em consideração fatores relacionados com o enquadramento público em que o Contrato foi celebrado e com a natureza pública do Fundo de Resolução e que dão origem auma prevalência injustificada dos interesses do Fundo de Resolução nadeterminação da solução encontrada. O Tribunal a quo não proferiu uma única palavra sobre a natureza pública do Fundo do Resolução, do seu impacto na Decisão Arbitral e da (in)compatibilidade do peso dado a esse fator com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, ignorando assim que a Decisão Arbitral consubstancia uma violação do princípio da igualdade das partes acolhidos pela Constituição da República Portuguesa.”


Será assim?


A) De acordo com a subalínea ii) da art. 46º, 3, b), da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada se o tribunal verificar que “[o] conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.”


Não obstante a interdição de o tribunal de cassação proceder à revisão ou reexame do mérito do decidido pela sentença arbitral (art. 46º, 9, LAV), pois a regra é apenas verificar se o resultado material da decisão (e solução do litígio) proferida pelo tribunal arbitral (ou seja, os efeitos jurídicos criados pela decisão arbitral nas esferas jurídicas das partes) é contrário às regras e princípios jurídicos que constituem a ordem pública internacional do Estado português25, não se pode deixar de reconhecer que esta ilegalidade específica acaba por respeitar ao conteúdo da sentença arbitral, ao seu sentido e medida, e não (ou não apenas) ao modo como o processo deveria desenvolver-se para se obter uma resolução substantiva e adjectivamente sã26.


A doutrina especializada esclarece27:


“Quando decide sobre um pedido de anulação, o tribunal estadual de controlo não raciocina sobre o “litígio primário” (…) [“litígio submetido ao tribunal inferior”] e não exprime a sua opinião sobre o modo como que esse litígio foi decidido, quanto aos factos ou ao direito, pelo tribunal arbitral”; “em vez de verificar se o tribunal arbitral estava certo ou errado relativamente aos factos considerados como provados ou à lei aplicada (pois tal verificação pertence ao “litigio primário”, como acima se referiu), o tribunal estadual de controlo verifica se a sentença arbitral, atendendo à sua forma, ao processo através do qual foi proferida e ao resultado produzido, preenche as condições de regularidade e de validade que justificam que o Estado disponibilize os seus meios coercivos para fazer executar aquilo que os árbitros decidiram. É a verificação da existência destas condições que constitui o que alguns autores designam por litígio secundário e que é o exclusivo objeto da análise do tribunal estadual de controlo”.


Chegados à conformidade, para apreciação dessa (in)validade, com a “ordem pública internacional”, “o que importa averiguar é se a solução que os árbitros adotaram quanto ao fundo da questão colide, ou não, com a ordem pública. A ‘parte dispositiva’ da sentença arbitral raramente consagra uma solução contrária à ordem pública, sendo geralmente ‘neutra’ em relação a esta. Portanto, só o exame dos motivos da decisão arbitral e dos dados do caso permite concluir se decisão constante da parte dispositiva da sentença ofende ou não a ordem pública”; “[o] controlo do juiz sobre a sentença do árbitro deve ser efetuado com o preciso fim de apurar se a situação criada pela sentença arbitral ofendeu, concreta e gravemente, os objetivos prosseguidos pelas regras e princípios de ordem pública aplicáveis ao caso. É o resultado concreto consagrado pela sentença que deve ofender real e materialmente os objetivos prosseguidos pela regra de ordem pública aplicável. Além disso, em homenagem ao ‘princípio da atualidade da ordem pública’, essa ofensa deve existir no momento em que se exerce o controlo do juiz. Para esse efeito, o juiz deve, confrontando a solução acolhida pelo árbitro com a que ele teria adotado, examinar os efeitos decorrentes da aplicação das regras ou princípios de ordem pública ao caso em apreço. Só se justifica a anulação da sentença arbitral, se a situação criada por esta colidir com os fins prosseguidos por aquelas regras ou princípios. Todo o conteúdo da sentença arbitral deve ser examinado, mas é em função do seu resultado que ela deverá ser sancionada. Embora todo o raciocínio do árbitro deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio”.


B) Como se plasmou no Ac. do STJ de 7/9/202028, a “ordem pública” pode ser definida, seguindo Baptista Machado, como o “conjunto dos princípios fundamentais imanentes ao ordenamento jurídico e formando as traves-mestras em que se alicerça a ordem económica e social”. Estão em causa “normas e princípios inderrogáveis pela vontade individual, constituindo, pois, um limite à autonomia privada. Normas e princípios que, porém, não se identificam com o conjunto de normas imperativas da mesma ordem jurídica: têm um âmbito mais restrito, como é entendido pacificamente, integrando uma cláusula geral adicional, formulada em termos suficientemente amplos e elásticos, por forma a abarcar situações não identificadas previamente”.


A ordem pública interna (cfr. arts 81º, 1, 280º, 2, e 281º do CC) e a ordem pública internacional (art. 22º, 1, do CCiv.) fazem parte de um dado ordenamento jurídico29, mas a última distingue-se por ter “conteúdo mais restrito (i.e., menos abrangente)”, integrando “princípios estabelecidos para protecção de interesses ou valores considerados absolutamente fundamentais e inderrogáveis” para o Estado em que a arbitragem teve lugar, “cuja observância se impõe mesmo nas relações jurídicas internacionais”. Deste modo, “apenas certas e limitadas normas e princípios e valores essenciais da ordem jurídica nacional integram o núcleo restrito da ordem pública internacional do Estado português”. Ou seja, dentro do reduto normativo constituído pelas regras ou princípios da ordem pública de direito material, há que circunscrever “um núcleo menos compreensivo designado por ‘ordem pública internacional (de direito material)’”, que funciona como uma verdadeira cláusula de salvaguarda em sede de controlo de validade, como “bitola (de valoração) segundo a qual se apura a legitimidade da sentença arbitral, exprimindo a sua reconhecibilidade ou tolerabilidade pelo sistema jurídico no quadro do qual foi proferida; se ela faltar, a sentença poderá ser anulada. Cuida-se então de verificar se a sentença arbitral preenche as condições elementares de justiça material que justificam que o Estado disponibilize o seu aparelho coercitivo para fazer impor o que na sentença se determina aos seus destinatários”30.


A sua importância neste percurso de sindicação é, por isso, ainda que a fazer com restrições e sem ampliações (de fora ficam certos “princípios injuntivos internos”)31, de enorme valia. “A ofensa aos princípios não é o mesmo que o simples erro na interpretação e aplicação dos mesmos: é algo mais grave, é a sua grosseira desconsideração ou a sua abusiva distorção. Essa apreciação terá por isso de se resumir a uma avaliação prima facie da sentença e do processo, e de se limitar a casos de aparente ou manifesta contradição com os princípios dessa ordem pública internacional do Estado Português. A determinação sobre a eventual ofensa da ordem pública internacional implica algum controlo sobre o sentido da decisão arbitral, mas apenas na medida estritamente necessária para avaliar se tal contradição se verifica”32.


C) Exemplos desses princípios dessa “ordem pública internacional do Estado Português” são, nos termos e para os efeitos previstos na disposição legal em apreço, nomedamente nas perspectivas substancial e patrimonial, o princípio da igualdade das partes perante a lei, o princípio pacta sunt servanda, o princípio da boa fé e da protecção da confiança, o princípio da rebus sic stantibus, o princípio da proibição do abuso do direito, o princípio da interdição da fraude à lei, o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, a garantia de acesso aos tribunais para defesa de direitos e interesses legítimos, a proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras, a garantia da irretroactividade da lei sancionatória, a protecção dos civilmente incapazes, a proibição das vinculações perpétuas, a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível, o princípio da protecção da parte contratante mais fraca, a proibição de condenações expropriativas ou desproporcionadas e enriquecimentos arbitrários sem justa causa (“cláusulas penais excessivas, punitive damages, expropriações sem indemnização minimamente razoável, manutenção de quadros ruinosos e similares”), entre outros (nomeadamente mais sectoriais, como na área ambiental e na área da concorrência, e de ordem processual)33.


D) Estando em causa um princípio com um conteúdo tão amplo ou indeterminado, a sua invocação terá de ser usada com o seu âmbito mais restrito no julgamento da insatisfação perante as sentenças arbitrais – pode ser criticada a opção do legislador em não ter sujeito as sentenças arbitrais ao crivo da ordem pública “interna” (nomeadamente para decisões em arbitragens nacionais domésticas) mas essa é a opção e, com ela, ficamos com um “instrumento mínimo de sindicância do conteúdo das decisões arbitrais internas”34. O que implica que, como se vê sublinhado nos aludidos Acs. do STJ de 26/9/201735 e de 21/3/202336, para haver um juízo positivo para anulação (uma vez que não se pode julgar novamente o litígio decidido pelo tribunal arbitral para verificar se chegaria ao mesmo resultado a que este chegou), “essa decisão [arbitral] conduza a um resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir um patente, certo e efectivo atropelo grosseiro do sentimento ético-jurídico dominante e de interesses de primeira grandeza ou princípios estruturantes da nossa ordem jurídica.” – uma verdadeira cláusula de ultima ratio.


E) Aqui chegados, cumpre deixar expresso que, não podendo este tribunal reexaminar o mérito da decisão sob sindicância, cumpre apreciar se os resultados ou efeitos da decisão a que se chegou devem ser considerados atentatórios da ordem pública internacional do Estado português.

i. Em primeira linha, em face da alegação da Recorrente nesta sede, os princípios invocados reconduzem-se à (expressamente alegada) tutela da igualdade jurídica das partes (com reflexo num princípio de não discriminação e de proibição do arbítrio) na aplicação do direito, em relação com o princípio da proporcionalidade e proibição do excesso37, que não podem deixar de integrar a ordem pública internacional do Estado português enquanto princípios que fazem parte estruturante da Constituição, tendo em vista nomeadamente o regime geral de protecção de direitos fundamentais garantidos (arts. 13º, 1, e 18º, 2-266º, 2, da CRP)38.

A sentença arbitral não é compatível com composições de litígios e interesses fundadas em desigualdade de tratamento e desequilíbrio manifesto e excessivo, nomeadamente no estabelecimento de vantagens para uma parte em detrimento da outra sem fundamento e sentido.

ii. Olhando para a decisão final e seu percurso argumentativo para atingir os efeitos jurídicos constituídos nas esferas das Partes, há que considerar, a esta luz, que, perante o dissídio que opôs as Partes e o recurso a uma solução de integração do contrato em análise para aferir das questões decidendas, uma delas pugnou pela solução que veio a ser – ainda que parcialmente – acolhida pelo tribunal arbitral e, por seu turno, a sua plausibilidade mereceu a discussão de ambas, uma vez sendo previsível que essa pudesse ser uma solução a ser tida em conta pelo tribunal arbitral.

Não se vê que tal percurso seja inadmissivelmente contrário a uma posição de igualdade de posições e armas das Partes, antes pelo contrário; se o resultado não está de acordo com a pretensão da Recorrente, isso já nos confronta com “erro de julgamento” que não não pode ser sindicado nesta sede.

iii. Por outro lado, a circunstância de o tribunal arbitral ter convocado a natureza pública do Fundo de Resolução (v. arts. 153º-B, 1, 153º-C, do DL 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), 2º, 1, da Portaria 420/2012, de 21 de Dezembro) para, em coerência, reconstituir a sua vontade hipotética, para além de lógica, parece-nos inevitável e necessária. De facto, impunha-se ao tribunal arbitral que considerasse a posição diferenciada do «Fundo de Resolução» no quadro contratual a que já se fez referência, para perceber qual seria a sua vontade caso o litígio dos autos tivesse sido antecipado e previsto pelas Partes. Considerar, como considerou o tribunal arbitral – que “a afetação de fundos públicos ao cumprimento das obrigações da Parte B impõe imediatamente a adoção de soluções que, sob o princípio da justiça, impliquem o menor sacrifício para a comunidade. Esta dimensão também não pode ser esquecida na interpretação da vontade hipotética das Partes: a dos valores pelos quais a administração deve nortear a sua conduta ao agir” (parágrafo 178. da sentença arbitral) –, não inculca qualquer tratamento desigualitário. Aliás, não considerar a diferente natureza do «Fundo de Resolução» na reconstituição da sua vontade hipotética é que poderia, no limite, consubstanciar a violação do princípio da igualdade, que, na sua vertente material, impõe que se trate de forma desigual o que é, com fundamento razoável e sem arbítrio, desigual39.


Resulta, assim, que a solução alcançada pelo tribunal arbitral não se afigura atentatória dos referidos princípios da “ordem pública internacional”, não se verificando o fundamento de anulação invocado pelo recorrente – improcedem, pois, as Conclusões W. a Y. do recurso interposto.


III) DECISÃO


Em conformidade, acorda-se em julgar improcedente a apelação junto do STJ, confirmando-se o acórdão recorrido e proferido em 1.ª instância.


Custas pela Recorrente.


STJ/Lisboa, 31 de Janeiro de 2024


Ricardo Costa (Relator)


Ana Resende


Luís Espírito Santo


SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).





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1. Neste sentido, JOSÉ ROBIN DE ANDRADE, Lei da Arbitragem Voluntária anotada, coord.: Dário Moura Vicente, 6.ª ed., Almedina / APA, Coimbra, 2023, sub art. 46º, pág. 198: “face à nova numeração do artigo 214º do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho”.↩︎

2. Para “lugar paralelo”, com analogia recursiva evidente, ver o previsto para as acções de indemnização/regresso contra magistrados judiciais (arts. 967º e ss do CPC), em que, tratando-se de juiz desembargador e competindo à Relação julgar em 1.ª instância, há recurso de apelação para o STJ, nos termos do art. 974º, 1, do CPC (neste sentido, v. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos recursos em processo civil, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, págs. 197-199, PINTO FURTADO, Recursos em processo civil (de acordo com o CPC de 2013), 2.ª ed., Nova Causa – Edições Jurídicas, Braga, 2017, pág. 68, FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 517, 592 e nt. 1171).

Recentemente, para outro “lugar paralelo” no recurso de revisão dos arts. 696º e ss do CPC, v. o Ac. do STJ de 30/11/2023 , processo n.º 1079/08, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt.↩︎

3. Em suma, como sintetizam JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, “Artigo 215º”, Código de Processo Civil anotado, Volume 1.º, Artigos 1.º a 361.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, pág. 426: “[o] Supremo julga em apelação o recurso das decisões proferidas pela Relação em 1.ª instância (art. 644-1)”.↩︎

4. FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, pág. 92.↩︎

5. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Introdução ao processo civil. Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 4.ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, págs. 126-127.↩︎

6. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Introdução ao processo civil… cit., pág. 127.↩︎

7. V., desenvolvidamente, CARLOS LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, Art. 1.º a Art. 800.º, Almedina, Coimbra, 2004, sub art. 3º, págs. 16-17, 25-26, 28-29, com jurisprudência do TC.↩︎

8. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Os princípios estruturantes da nova legislação processual civil”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, pág. 46.↩︎

9. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Introdução ao processo civil… cit., págs. 138 e ss, FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume I cit., pág. 93.↩︎

10. V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Os princípios estruturantes da nova legislação processual civil”, Estudos… cit., págs. 43-45.↩︎

11. V. CARLOS LOPES DO REGO, Comentários…, Volume I cit, sub art. 3º, págs. 32, 33.↩︎

12. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 1.º cit., sub art. 5º, pág. 41.↩︎

13. Por todos: MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Os princípios estruturantes da nova legislação processual civil”, Estudos… cit., pág. 48, JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 1.º cit., sub art. 195º, pág. 402.↩︎

14. Com indiscutível adesão no STJ, v. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Decisão-surpresa; nulidade da decisão”, Comentário ao Ac. da Relação de Évora de 10/4/2014 (processo n.º 500/12.0TBABF-KE1), com data de 10/5/2014: https://blogippc.blogspot.com/2014/05/decisao-surpresa-nulidade-da-decisao.html; “Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária”, com data de 22/9/2020: https://blogippc.blogspot.com/2020/09/nulidades-do-processo-e-nulidades-da.html; “Por que se teima em qualificação a decisão-surpresa como uma nulidade processual”, com data de 12/10/2021: https://blogippc.blogspot.com/2021/10/por-que-se-teima-em-qualificar-decisao.html; “Artigo 3º”, CPC Online, Livro I, Art. 1.º a 58.º, Blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com/2024/01/cpc-online-18.html), Janeiro de 2024, págs. 4-5. Convergente: ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 627º, págs. 26 e ss (com jurisprudência), salientando-se que, “designadamente quando a sentença traduza para a parte uma verdadeira decisão-surpresa (não precedida do contraditório imposto pelo art. 3.º, n.º 3), a mesma nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual correspondente à omissão do ato, sendo o recurso a via mais ajustada a recompor a situação integrando no seu objeto a arguição daquela nulidade”.↩︎

15. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Artigo 3.º”, CPC online cit., pág. 4, sublinhado nosso.↩︎

16. Proc. n.º 923/16.5YRLSB.S1, Rel. OLIVEIRA ABREU, in www.dgsi.pt.↩︎

17. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, “Convenção de arbitragem: conteúdo e efeitos”, I Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (Centro de Arbitragem Comercial) – Intervenções, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 82.↩︎

18. FERREIRA DE ALMEIDA, “Convenção de arbitragem: conteúdo e efeitos”, loc. cit., pág. 89.↩︎

19. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado da Arbitragem. Comentário à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, Almedina, Coimbra, 2016, sub art. 39º, pág. 361.↩︎

20. Assim, MANUEL PEREIRA BARROCAS, Manual de arbitragem, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2013, pág. 164.↩︎

21. Sobre este último vício, v. o Ac. do STJ de 7/5/2020, processo n.º 1079/16, Rel. MARIA DO ROSÁRIO MORGADO, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/.↩︎

22. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “As formas de composição da acção”, Estudos sobre o novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 219-220.↩︎

23. V., entre os mais significativos, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, 1952, 3.ª ed., reimp. 2012, Coimbra Editora, Coimbra, sub art. 668º, pág. 143; ANTUNES VARELA, “Acórdão do STJ de 25 de Maio de 1985 – Anotação”, RLJ, ano 122º, 1989, n.º 3781, pág. 112; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “As formas de composição da acção”, loc. cit., págs. 220-221 (“O tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa.”: sublinhado nosso); RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III (Arts. 467.º a 800.º), 3.ª ed., do Autor, Lisboa, 2001, sub art. 660º, págs. 180-181; ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 635º, pág. 116; ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 615º, pág. 738.

No STJ, consensual, v., por ex., o Ac. de 9/3/2022, processo n.º 1600/17, Rel. PEDRO LIMA GONÇALVES, in www.dgsi.pt.↩︎

24. V. Ac. do STJ de 16/3/2017, processo n.º 1052/14, Rel. LOPES DO REGO, in www.dgsi.pt.↩︎

25. V. Acs. do STJ de 21/3/2023, processo n.º 2863/21, Rel. OLIVEIRA ABREU, 1/10/2019, processo n.º 1254/17, Rel. PINTO DE ALMEIDA, e 26/9/2017, processo n.º 1008/14, Rel. ALEXANDRE REIS, sempre in www.dgsi.pt.↩︎

26. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, Lei da Arbitragem Voluntário comentada, coord.: Mário Esteves de Oliveira, Almedina, Coimbra, 2014, sub art. 46º, pág. 568.↩︎

27. ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO, A impugnação da sentença arbitral, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2023, págs. 185-186, 190-191, 193-194.↩︎

28. Processo n.º 1714/18, Rel. PINTO DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt.↩︎

29. Desenvolvidamente, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado da arbitragem… cit., sub art. 46º, págs. 444 e ss.↩︎

30. Seguimos por último ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO, A impugnação… cit., págs. 121-122, ID., “A sentença arbitral contrária à ordem pública perante a nova LAV”, Direito da arbitragem. Ensaios, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 21 e ss.↩︎

31. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado da arbitragem… cit., sub art. 46º, pág. 448.↩︎

32. JOSÉ ROBIN DE ANDRADE, Lei da Arbitragem Voluntária anotada cit., sub art. 46º, pág. 205.↩︎

33. V. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, Lei da Arbitragem Voluntário comentada cit., sub art. 46º, pág. 570, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado da arbitragem… cit., sub art. 46º, págs. 448 e ss, 452-455, ANTÓNIO CARAMELO, A impugnação… cit., págs. 125 e ss, 136 e ss; Acs. do STJ de 1/10/2019 e 7/9/2020, cits.↩︎

34. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado da arbitragem… cit., sub art. 46º, pág. 453.↩︎

35. Ponto 6. do Sumário.↩︎

36. Ponto V. do Sumário.↩︎

37. A alegada violação do princípio da “autonomia privada”, arguida em 1.ª instância e apesar de indicada no item 48., não surge desenvolvida nas alegações nem se inscreve nas conclusões correspondentes (aqui antes transcritas), em detrimento da atenção exclusiva à “igualdade das partes”.↩︎

38. V. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, págs. 266-267, 271-272, 426.↩︎

39. Ainda GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional… cit., págs. 427-429.↩︎