Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
216/14.2TTVRL.G1.S2
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CESSAÇÃO DA SUSPENSÃO DO CONTRATO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO PELO TRABALHADOR
Data do Acordão: 11/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / SUSPENSÃO DO CONTRATO PELO TRABALHADOR / CESSAÇÃO DO CONTRATO PELO TRABALHADOR.
Doutrina:
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, pág. 159, 405, 407.
- Aníbal de Castro, Impugnação das decisões Judiciais, 2.ª ed., 111.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 663.º, N.º 2 E 679.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 11.º, 283.º, N.º5, 295.º, N.ºS 1 E 4, 297.º, 327.º,
LEI N.º 105/2009, DE 14-09: - ARTIGO 25.º, N.º1.
LEI N.º 98/2009, DE 4-09: - ARTIGO 79.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 05/04/1989, IN B.M.J. 386/446, DE 23/03/1990, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12/12/1995, IN C.J., 1995, III/156, DE 18/06/1996, C.J., 1996, II/143, DE 31/01/1991, IN B.M.J. 403.º/382.

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JURISPRUDÊNCIA DAS RELAÇÕES:


-ACÓRDÃO DA R.E., DE 07/03/1985, IN B.M.J., 347º/477.
Sumário :
1- A comunicação da cessação da suspensão feita pelo trabalhador terá que revestir a forma escrita tal qual é exigido para a comunicação da suspensão, não bastando a mera apresentação ao serviço.

2 - Durante a suspensão do contrato, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho, como é o caso do pagamento da retribuição, os quais apenas se restabelecem com a cessação da suspensão e com a consequente e efetiva prestação de trabalho.

3 – Tendo o A. sido vítima de acidente de trabalho em consequência do qual lhe foram pagas as indemnizações legalmente estabelecidas, mas não tendo regressado ao trabalho após a alta, nem voltado a prestar qualquer trabalho à entidade empregadora, o não pagamento das retribuições posteriores ao dia do acidente não constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador.

4 - A inexistência do seguro obrigatório de acidentes de trabalho não constitui justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])

1 – RELATÓRIO

AA intentou a presente ação declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra BB, LDA., pedindo o reconhecimento da existência de justa causa na resolução do contrato de trabalho individual que o ligava à R., por sua iniciativa, em 11/02/2014, ou, em alternativa, que se considere sem justa causa o despedimento efetuado pela R.é em 19/06/2013, e, em consequência, que se condene a R. no pagamento da quantia de € 21.336,86, a título de créditos salariais e subsídios em atraso, caso prevaleça a resolução do contrato por iniciativa do A., ou, caso venha a considerar-se ilícito o despedimento promovido pela R., na quantia de € 15.512,86 e na quantia de € 17.280,00 a título de indemnização, bem como na quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais.

A R. contestou impugnando os factos alegados pelo A. e peticionou, em reconvenção, a condenação deste no pagamento da quantia de € 939,66, a título de indemnização por falta de aviso prévio.

A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 8 de abril de 2015, nestes termos:

«1. - Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação que AA move à ré "BB, Lda", e, em consequência, condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 1.114,92 (mil, cento e catorze euros e noventa e dois cêntimos), relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento;

2. - Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a presente ação quanto ao mais peticionado, absolvendo nessa parte do pedido a ré "BB, Lda.;

3. - Julgar improcedente, por não provado, o pedido reconvencional deduzido pela ré contra o autor e, consequentemente, absolver este do respetivo pedido.

Custas da ação a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (art. 527°, nºs 1 e 2 do C.P.C.), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que litiga o Autor».

Inconformado com esta decisão, dela apelou o A. para o Tribunal da Relação de …, que veio a conhecer do recurso por acórdão de 22 de maio de 2015, que integra o seguinte dispositivo:

«5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, e, em consequência, em alterar a sentença recorrida e declarar a ilicitude do despedimento do autor ocorrido em 26/06/2013, condenando-se a ré a pagar àquele as retribuições (à razão de € 832,00 por mês) que o mesmo deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas das importâncias mencionadas no n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho, e uma indemnização em substituição de reintegração correspondente a 30 dias de retribuição base (€ 832,00) por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo-se ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, tudo a liquidar no incidente processual próprio.

No mais, confirma-se a sentença de primeira instância.

Custas pelas partes na proporção do decaimento.»

Irresignada com esta decisão, dela recorreu a R., de revista tendo sido proferida a seguinte deliberação:

«Em face do exposto, acorda-se em conceder a revista e em revogar o acórdão recorrido, na parte em que declarou a ilicitude do despedimento do autor ocorrido em 26/06/2013 e em que condenou a ré a pagar àquele as retribuições (à razão de € 832,00 por mês) que o mesmo deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas das importâncias mencionadas no n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho, e uma indemnização em substituição de reintegração correspondente a 30 dias de retribuição base (€ 832,00) por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo-se ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, tudo a liquidar no incidente processual próprio.

Mais se acorda em determinar a baixa do processo ao Tribunal da Relação de …, para que conheça da questão suscitada nas conclusões 5.ª e 6.ª do recurso de apelação interposto pelo Autor.

Custas em conformidade com o que vier a ser decidido a final.»

Regressados os autos ao Tribunal da Relação, neste, conhecendo-se do recurso na parte indicada por este Supremo Tribunal, foi proferida a seguinte deliberação:

«Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Apelante.»

Inconformado do assim decidido recorre agora o A. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão e a sua substituição “por outro em que se decida pela condenação da Ré em tudo quanto é pedido pelo Autor”, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

«1- A fundamentação apresentada no Douto Acórdão Recorrido é diferente da fundamentação apresentada em sede de Douta Sentença de 1ª Instância.

2- Aliás, a fundamentação expressa na Douta Sentença, e nos três Doutos Acórdão proferidos foi sempre diversa (com a excepção da invocação da figura da "cessação de facto" do contrato de trabalho).

3- Assim, o presente Recurso segue com base no disposto artigo 671.º n.º 3, mas também com base no disposto no artigo 672.º n.º 1 a) (como seguirá infra), todos do C. P. C.

4- Entende o Autor, com todo o devido respeito, que o Douto Acórdão Recorrido viola o disposto nos artigos 323.º e 394.º, e 340.º todos do C. T.

5- Relativamente à violação do disposto no artigo 323.º e 394.º do C. T.

6- Entenderam os Venerandos Desembargadores que não ocorreu justa causa para a resolução do contrato pelo trabalhador com justa causa, pelo facto de o contrato se encontrar suspenso, por via da carta por ele enviada em 13/09/2012 - facto provado n.º 12;

7- Uma vez que a suspensão não havia sido levantada, ou revogada, o contrato encontrava-se suspenso, e não podia ser alvo de resolução, com justa causa (desta forma o Venerando Tribunal da Relação acabou por não analisar os fundamentos para a resolução com justa causa invocada pelo trabalhador, nem a relevância da falta de alta médica (elementos que o Digníssimo Supremo Tribunal determinou que fossem alvo de análise jurídica).

8- Tal posição desconsidera os pontos 14.º, 15.º, 16.º e 17.º dos factos provados.

9- Com efeito, desconsidera que pelo menos a partir de 18 de Junho de 2013 já não vigorava a suspensão do contrato de trabalho.

10- Isto porque, ao ser declarada inepta a PI da acção 60/13.4TTVRL, não foi observada a tese lá vertida pelo Autor, o que levou que o mesmo voltasse ao trabalho e a suspensão do contrato tivesse cessado, pelo menos nessa data.

11- Ao ser decidido pelo Tribunal que a suspensão do contrato de trabalho não foi validamente efetuada, imediatamente ficou esse mesmo contrato a produzir todos os seus efeitos entre as partes;

12- O trabalhador de se apresentar ao trabalho, como fez; a entidade patronal de o aceitar e pagar os salários, como não fez.

13- Sucede que a entidade patronal recusou a prestação de trabalho, não pagou a retribuição devida, e considerou que houve abandono do posto de trabalho.

14- Comportamentos de ambas as partes que denunciam a desconsideração da vigência da suspensão.

15- O que equivale a dizer que a invocação da suspensão do contrato de trabalho é contrária à matéria dada como provada nos pontos 14.º, 15.º 16.º e 17.º - ou seja é contrária aos factos, e aos comportamentos e à interpretação feita pelas próprias partes.

16- O que, aliás, levou a que em primeira instância, ao contrário, tal situação não tivesse sido causa ou motivo da decisão proferida e da improcedência de grande parte dos pedidos do Autor.

17- Temos por isso que ao não existir suspensão, pelo menos a partir de 18 de Junho de 2013 que a entidade patronal não aceitou a prestação de trabalho, e não pagou qualquer retribuição.

18- Factos que justificam a justa causa para a resolução apresentada pelo trabalhador, nos termos do disposto nos artigos 323.º e 394.º do C. T., e que ao ser desconsiderada pela Relação implica a violação dos mesmos normativos, em sede de Douto Acórdão em crise.

19- Sem prescindir de todo o vertido supra, o presente Acórdão também vem fundamentado na violação do disposto no artigo 340.º do C. T., que prescreve o princípio da tipicidade, legal, das causas de extinção do contrato de trabalho.

20- Ou seja, só são causas de extinção do contrato de trabalho aquelas legalmente previstas (excluindo-se pois outras, seja de origem Doutrinal, seja jurisprudencial).

21- Isto porque ao longo das várias Decisões judiciais foi sendo invocada a tese de que o contrato de trabalho cessou "de facto", pretendendo referir-se ao desinteresse das partes pela execução do contrato.

22- Tal não resulta da matéria dada como provada, nomeadamente, da parte do trabalhador que se apresentou ao serviço, não tendo sido aceite pela Autora.

23- Sucede que tal causa "cessação de facto" não consta de qualquer diploma legal, o que significa que a Lei impõe às partes uma posição concreta relativamente à existência do contrato, não bastando a vontade unilateral de uma delas para que o mesmo cesse.

24- Isto porque os Venerandos Desembargadores alegam que não houve justa causa para a resolução do trabalhador, mas também não houve justa causa para resolução pelo empregador.

25- Uma vez que já está devidamente (e definitivamente) tratada a ausência de justa causa de extinção do contrato por parte da entidade patronal (não houve abandono), e uma vez que o Autor entende que a suspensão cessou pelo menos a 18 de Junho de 2013, mas se a entidade empregadora não aceitou o trabalhador ao trabalho, nem lhe pagou as retribuições devidas, e se não é aceite a resolução com justa causa invocada pelo trabalhador, quid iuris relativamente à vigência do contrato de trabalho?

26- A resposta parece ser a que foi sendo invocada ao longo do processo (se bem que agora de forma menos clara): a de que o contrato cessou de facto.

27- Essa causa de extinção não consta da Lei, e não está devidamente tratada Doutrinal, nem Jurisprudencialmente.

28- A aceitar a existência dessa figura, sem que a mesma esteja minimamente concretizada Doutrinal e Jurisprudencialmente, será acrescentada uma nova causa de extinção do contrato de trabalho, que necessariamente acrescenta insegurança à relação de trabalho, e debilita a posição da parte mais fraca - o trabalhador.

29- O Autor entende que a figura da "extinção de facto" não é causa de extinção do contrato de trabalho, e por isso não deve ser considerada, mas a considerar o contrário (com o que não concede) deverá ser alvo de análise jurídica, definindo-se em que termos e com que contornos poderá verificar-se, pela sua relevância jurídica e social, o que também fundamenta o presente Recurso.

30- A cessão do vínculo laboral, que poderá ocorrer por diversas causas ou efeitos extintivos, deverá sempre estar sujeita a uma disciplina específica, diferindo das regras comuns do direito dos contratos em geral.

31- Só neste entendimento, de seguimento das formas específicas de fim do contrato de trabalho previstas no Código do Trabalho e em legislação especial, poderemos encontrar o cumprimento do estatuído no artigo 53º da Constituição da República, tipificação máxima do princípio da segurança no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa.

32- Nesse sentido, ao não decidir em conformidade, o Douto Acórdão Recorrido viola o disposto no artigo 53º da Constituição da Republica, o artigo 340.º do C. T., e justifica o recurso com base no disposto no artigo 672.º n.º 1 a) do C. P. Civil.

33- Apesar de manter a tese de que o contrato se extinguiu pela resolução pelo trabalhador, com justa causa, o Autor entende que, caso a mesma não tenha a concordância dos Digníssimos Juízes Conselheiros, a Douta Decisão Recorrida deverá ser revogada, no sentido de considerar que o contrato não se extinguiu de facto, valendo para esse efeito a recusa do empregador em aceitar o trabalhador ao trabalho, e a posterior invocação da falta ao trabalho, com as consequências invocadas em sede de PI (nomeadamente a violação da obrigação de pagamento da retribuição).

34- O que valerá por dizer que, estando válido o contrato, não se encontrando suspenso, sempre o trabalhador poderia, como fez, rescindir o contrato com justa causa, tanto que era evidente a impossibilidade de manter a relação de trabalho e o contrato existente, sendo a sua manutenção praticamente impossível.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-‑Adjunta emitiu parecer no sentido da negação da revista, o qual, notificado às partes, não mereceu resposta.

2 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se se verificou justa causa para a resolução do contrato pelo A. em 28.01.2014;

2 – Se o A. tem direito a receber as retribuições correspondentes ao período de julho de 2012 a 11 de fevereiro de 2014 e, bem assim, a indemnização prevista no art. 396º do CT e correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano.

3 - FUNDAMENTAÇÃO

3.1 - OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:

«1. Através de contrato de trabalho celebrado verbalmente em Julho de 2002, entre ré e autor, este passou a trabalhar sob as ordens e direcção da ré, com a categoria de operador de máquinas.

2. Como contrapartida do trabalho prestado, a ré pagava ao autor a retribuição mensal de € 832,00, da qual fazia constar dos recibos de vencimento a quantia de € 468,00, sendo o remanescente pago a título de quilómetros.

3. O autor exerceu as funções em todos os locais onde a ré desenvolvia directamente a sua actividade.

4. No dia 4 de Maio de 2012, pelas 14H30, o autor, obedecendo a ordens que recebeu do seu superior hierárquico e encarregado da obra da ré, prestou o seu serviço no lugar da ..., em ..., nas instalações da empresa “CC”, na remoção de diverso material de ferro velho que se encontrava no local.

5. Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 4., o autor sofreu um acidente de trabalho de que resultou a perda da última falange do 5.º dedo e cicatriz com 4 cm no lado dorsal da articulação metacarpo falângica do 2.º dedo.

6. A ré, à data do acidente, não tinha transferido válida e eficazmente a sua responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho.  

7. A ré procurou, posteriormente à ocorrência do acidente, regularizar a apólice de seguro para permitir cobrir os danos sofridos pelo autor.

8. O autor apenas soube que a ré não tinha seguro de acidentes de trabalho quando, em Junho, resolveu solicitar o accionamento dos serviços da companhia de seguros para realizar os tratamentos de que necessitava.

9. A partir de Junho de 2012, o autor deixou de receber da ré qualquer quantia a título de tratamentos, salários e subsídios.

10. Em 26 de Julho de 2012, o autor, por carta registada com a/r à ré, solicitou o pagamento dos créditos laborais, assim como dos créditos emergentes do acidente de trabalho, nos termos e com o teor constante do documento junto a fls. 43 a 45, que aqui se dá como reproduzido.

11. O autor veio a reiterar, por falta de resposta da ré, a 22/08/2012, o pagamento desses créditos, de que igualmente não obteve resposta.

12. Em 13/09/2012, o autor notificou a ré da sua vontade de suspender o contrato de trabalho, com efeitos a 13 de Setembro de 2012, por carta assinada pela sua advogada, com o teor seguinte:

“Assunto: Suspensão contrato de trabalho por falta de pagamento pontual da retribuição, e inexistência de seguro.

N/REF: AA.

Exmos. Srs.

Na qualidade de mandatário do Sr. AA, venho comunicar a Vossas Excelências a suspensão do contrato de trabalho por falta de pagamento pontual da retribuição (artigo 325º do Código do Trabalho), no total de € 166,40 do mês de Maio, € 622,00 do mês de Junho e €832,00 do mês de Julho, bem como todo o mês de Agosto, no total de € 832,00, visto que o atraso se prolonga por mais de 15 dias, desde a data de vencimento, suspensão que se inicia desde a presente data – 13 de Setembro de 12.

Acrescento ainda que o meu cliente tomou conhecimento de que não se encontra em vigor qualquer seguro de acidentes de trabalho, o que constitui violação grave dos deveres do empregador, e que lhe permite comunicar igualmente a resolução do contrato de trabalho (facto que assume maior gravidade tendo em conta a ocorrência de acidente de trabalho).

Sem outro assunto, apresento os melhores cumprimentos.

..., 13 de Setembro de 2012.”

13. O autor comunicou à Autoridade para as Condições do Trabalho, por carta datada de 13/09/2012, essa intenção de suspensão do contrato de trabalho.

14. O autor instaurou contra a ré, no Tribunal do Trabalho de …, a acção n.º 60/13.4TTVRL, tendo esta vindo a ser absolvida da instância, por decisão de 29/05/2012, por ineptidão da petição inicial.

15. No dia 18 de Junho de 2013, o autor apresentou-se ao serviço da ré, que não lhe deu serviço.

16. No dia seguinte, 19/06/2013, pela 6H00, o autor apresentou-se, de novo, nos escritórios da ré, tendo o gerente dito ao autor que não lhe dava trabalho nem papéis para o desemprego e que o seu advogado iria entrar em contacto consigo.

17. Em 26/06/2013, o autor recebeu uma carta da ré a comunicar-lhe abandono do trabalho, com o seguinte teor: “Encontrando-se a faltar ao serviço desde 04/05/2012, sem que para o facto tenha apresentado qualquer justificação ou feito qualquer comunicação sobre o motivo da ausência (exceção feita à comunicação de 13/09/2012, na qual falaciosamente refere a falta de pagamento pontual de retribuição, de cujo teor discordamos), presumimos que tenha decidido abandonar o trabalho.

Assim, caso não apresente, com a maior brevidade possível, prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, de acordo com o disposto no art. 403º, nº. 4 do Código do Trabalho, a empresa considera rescindido o contrato de trabalho sem aviso prévio, por abandono, com as consequência previstas nos nº. 3 e 5 do citado art. 403.”

18. No dia 03/07/2013, o autor enviou à ré, com aviso de recepção, uma nova carta, com o teor seguinte:

“Acuso a recepção da Vossa Carta datada de 26 de Junho de 2013, a qual mereceu a minha melhor atenção e passo a responder.

Como vossa excelência bem sabe, não faltei ao trabalho em momento algum.

É do seu conhecimento que sofri um acidente de trabalho no passado dia 04/05/2012, por volta das 14:30h, enquanto trabalhava para si e numa obra de Vossa Excelência.

Tanto é do seu conhecimento, que os tratamentos iniciais foram por si suportados assim como a inicial assistência, ainda que escassa, foi prestada pela Vossa empresa, através do mediador de seguros por si indicado.

Como também é do seu conhecimento, através de várias missivas que lhe foram remetidas, nomeadamente em 26/07/2012, 22/08/2012 em 13/09/2012 e ainda em sede de acção judicial intentada em 29/01/2013, à qual Vossa Excelência contestou, encontrava-me incapacitado para o trabalho pelo acidente de trabalho, no qual sofri a amputação da parte superior do meu dedo mindinho e como tal não conseguia mobilizar a mão.

Tal incapacidade ainda hoje, apesar de menor, persiste, atendendo ao facto de que Vossa Excelência não possuía o meu seguro de acidentes de trabalho obrigatório, para que eu tivesse a assistência médica devida nos tratamentos iniciais e como tal fiquei sem grande parte da mobilidade da minha mão, tendo inclusivamente, para sanar esta situação que se submeter a uma cirurgia por indicação do ortopedista, que ainda não foi realizada por falta de assistência médica da seguradora.

Enquanto trabalhador da BB, Lda. durante 11 anos, aguardava a marcação das consultas e tratamentos que me eram devidos, confiando nos dirigentes da minha entidade empregadora.

Não obstante o acima referido, como Vossa Excelência também tem conhecimento, através da decisão judicial proferida em 30-05-2013, o contrato de trabalho que me vincula a si, continuava em vigor.

Neste sentido, como também é do seu conhecimento, apresentei-me ao serviço, no dia 18 de Junho de 2013, dia em que Vossa Excelência diante dos seus trabalhadores se negou a dar-me trabalho, despedindo-me naquele momento.

Mesmo assim, no dia seguinte às 6:00 apresentei-me novamente no seu escritório para cumprir os meus deveres de trabalhador assíduo e pontual, como sempre fui durante os 11 anos que para si trabalhei.

Naquele momento, novamente, Vossa Excelência mandou-me embora para casa, reiterando a posição do despedimento, dizendo que entraria em contacto comigo para resolução do contrato de trabalho de forma amigável.

Fui surpreendido pela sua missiva com data de 26/06/2013, que como sabe é totalmente falsa e pretende apenas deturpar a verdade dos factos dos quais Vossa Excelência tem plena consciência e conhecimento.

Até porque, até ao dia 18 de Junho, data em que me apresentei ao serviço, por decisão de instância superior, Vossa Excelência não me havia comunicado nada quanto às minhas “supostas faltas injustificadas ao trabalho”, fazendo-o apenas agora, depois de um ano passado…

Apesar de já ter enviado vários documentos para si, no sentido de comprovar que estava efectivamente incapacitado para o trabalho pelo acidente que sofri ao seu serviço, e apesar de Vossa Excelência já ter assumido essa condição nos salários que me pagou após o acidente, dos quais tenho comprovativo, junto remeto novamente os mesmos para que tenha a certeza ilidível de que me encontrei totalmente incapacitado para o serviço de servente de obra.

De referir que, como não tinha qualquer seguro de acidentes de trabalho e a minha incapacidade surgiu do referido acidente, também não me foi possível ter baixa médica pelo SNS, atendendo ao facto de que os mesmos referiram que tal baixa teria de ser passada pela Seguradora.

Por tal facto não me foi levantada a incapacidade, decorrendo a sanação desta situação da sua responsabilidade enquanto entidade empregadora.

Sem mais, considerando que a carta que remeteu mais não se tratou de um lapso, remeto a Vossa Excelência os meus cumprimentos.

Ass…”    

19. No dia 28/01/2014, o autor enviou nova carta à ré, com o seguinte teor: “…Venho, através do presente comunicar a V.Exªs. e, em cumprimento do nº. 1 do art. 395º do Código do Trabalho e, ainda nos termos do art. 394º, nº.1, nº.2, alínea a), b), d) e nº. 3 al. c) do mesmo diploma; que pretendo rescindir o contrato de trabalho que detenho com Vª Exªs. celebrado, verbalmente, em Julho de 2002 e, nunca reduzido a escrito por V. Exªs., com justa causa, com os seguintes fundamentos:

1)Encontram-se vencidas e não pagas as seguintes retribuições:

a)Retribuição base desde Julho de 2012 até Fevereiro de 2014 no montante mensal de 882,00 euros (oitocentos e trinta e dois euros);

b)A quantia de 166,40 euros relativa ao Mês de Maio de 2012;

c)A quantia de 210,00 euros relativa ao mês de Junho de 2012;

d)Subsídio de férias do ano de 2012 e 2013;

e)Subsídio de Natal de 2012 e 2013;

f)Montante relativo às férias vencidas e não pagas dos anos de 2012 e 2013.

Tudo perfazendo um total de 20.344,40 (vinte mil trezentos e quarenta e quatro euros e quarenta cêntimos).

2) Tendo sido vítima de acidente de trabalho que me causou uma incapacidade para o Trabalho calculado em 1,5% e como não tinham V.Exs. seguro de trabalho válido e eficaz, violaram o estabelecido nas alíneas b) e d) do art. 394º do C. Trabalho, que também se invoca.

Terei ainda direito a uma indemnização calculada nos termos do art. 396º do C. Trabalho.

Assim deverá V.Exª considerar que cessarei funções a partir do próximo dia 11 de Fevereiro de 2014, data a partir da qual me considero desvinculado do contrato celebrado com Vªs. Exª….”.

20. A ré pagou ao autor ao autor a quantia de € 622,00, a título de retribuição do mês de Junho de 2012.

21. A ré não pagou ao autor os proporcionais da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal respeitantes ao ano de 2012.

22. O autor não tinha outro meio de subsistência que não fosse o seu trabalho e chegou a pedir dinheiro emprestado para sustentar a sua família.

23. O autor esteve com incapacidade temporária absoluta (ITA) a partir de 05/05/2012 até 12/06/2012, aguardando marcação de consulta.

24. No âmbito do processo n.º 377/12.5TTVRL, o relatório pericial efectuado pelo IML estabeleceu que “A data da consolidação médico-legal das lesões é fixada em 04-06-‑2012; Incapacidade temporária absoluta fixável num período de 24 dias; Incapacidade temporária parcial fixável num período total de 8 dias”.

25. O autor não se apresentou ao trabalho após a data mencionada no ponto que antecede, apenas o fazendo nas datas referidas nos pontos 15. e 16..»

3.2 – O DIREITO

Debrucemo-nos então sobre as referidas questões que constituem o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([3]),bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679ºdo Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

3.2.1 – Se se verificou justa causa para a resolução do contrato pelo A. em 28.01.2014.

Como se vê dos factos provados, no dia 4 de maio de 2012 o A. sofreu um acidente de trabalho ao serviço da R. do qual «resultou a perda da última falange do 5.º dedo e cicatriz com 4 cm no lado dorsal da articulação metacarpo falângica do 2.º dedo» e que «esteve com incapacidade temporária absoluta (ITA) a partir de 05/05/2012 até 12/06/2012, aguardando marcação de consulta», e que «no âmbito do processo n.º 377/12.5TTVRL, o relatório pericial efetuado pelo IML estabeleceu que "A data da consolidação médico-legal das lesões é fixada em 04-06-2012; Incapacidade temporária absoluta fixável num período de 24 dias; Incapacidade temporária parcial fixáve1 num período total de 8 dias"», correspondendo às lesões constatadas uma taxa de IPP de 0,015, conforme documento de fls. 102 a 106 dos autos.

Decorre ainda da matéria de facto dada como provada que «a ré, à data do acidente, não tinha transferido válida e eficazmente a sua responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho», que «a partir de junho de 2012, o autor deixou de receber da ré qualquer quantia a título de tratamentos, salários e subsídios» e que «em 26 de julho de 2012, o autor, por carta registada com a/r dirigida à ré, solicitou o pagamento dos créditos laborais, assim como dos créditos emergentes do acidente de trabalho».

Resulta também da matéria de facto, que o A. não se apresentou ao trabalho após 4 de junho de 2012, apenas o fazendo no dia 18 de junho de 2013, após a absolvição da R. da instância, por ineptidão da petição inicial, decisão proferida no processo 60/13.4TTVRL que o A. havia instaurado contra a R. Nesse dia a R. não lhe deu serviço e “no dia seguinte, 19/06/2013, pela 6H00, o autor apresentou-se, de novo, nos escritórios da ré, tendo o gerente dito ao autor que não lhe dava trabalho nem papéis para o desemprego e que o seu advogado iria entrar em contacto consigo”.

Em 26.06.2013 o A. recebeu uma carta da R. a comunicar-lhe abandono do trabalho, e referindo que “caso não apresent[asse], com a maior brevidade possível, prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, de acordo com o disposto no art. 403º nº. 4 do Código do Trabalho, a empresa considera rescindido o contrato de trabalho sem aviso prévio, por abandono, com as consequência previstas nos n°. 3 e 5 do citado art. 403.º”.

O A. respondeu à R. no dia 13.07.2013 pela carta transcrita no nº 18 dos factos provados referindo que se encontrava incapacitado desde o acidente de trabalho sofrido em 4.05.2012, tendo ficado a aguardar a marcação de consultas e tratamentos e que no dia 18.06.2013 se apresentou ao serviço tendo-lhe sido negado trabalho, situação que se repetiu no dia seguinte quando voltou a apresentar-se ao trabalho.

No dia 28.01.2014 o A. enviou à R. nova carta com o seguinte teor: “…Venho, através do presente comunicar a V.Exªs. e, em cumprimento do nº. 1 do art. 395º do Código do Trabalho e, ainda nos termos do art. 394º, nº.1, nº.2, alínea a), b), d) e nº. 3 al. c) do mesmo diploma; que pretendo rescindir o contrato de trabalho que detenho com Vª Exªs. celebrado, verbalmente, em Julho de 2002 e, nunca reduzido a escrito por V. Exªs., com justa causa, com os seguintes fundamentos:

1)Encontram-se vencidas e não pagas as seguintes retribuições:

a)Retribuição base desde Julho de 2012 até Fevereiro de 2014 no montante mensal de 882,00 euros (oitocentos e trinta e dois euros);

b)A quantia de 166,40 euros relativa ao Mês de Maio de 2012;

c)A quantia de 210,00 euros relativa ao mês de Junho de 2012;

d)Subsídio de férias do ano de 2012 e 2013;

e)Subsídio de Natal de 2012 e 2013;

f)Montante relativo às férias vencidas e não pagas dos anos de 2012 e 2013.

Tudo perfazendo um total de 20.344,40 (vinte mil trezentos e quarenta e quatro euros e quarenta cêntimos).

2) Tendo sido vítima de acidente de trabalho que me causou uma incapacidade para o Trabalho calculado em 1,5% e como não tinham V.Exs. seguro de trabalho válido e eficaz, violaram o estabelecido nas alíneas b) e d) do art. 394º do C. Trabalho, que também se invoca.

Terei ainda direito a uma indemnização calculada nos termos do art. 396º do C. Trabalho.

Assim deverá V.Exª considerar que cessarei funções a partir do próximo dia 11 de Fevereiro de 2014, data a partir da qual me considero desvinculado do contrato celebrado com Vªs. Exª….”.

A Relação julgou que não se verificou a justa causa de resolução do contrato pelo A., com a seguinte fundamentação:

«Verifica-se que resulta da factualidade provada que o Recorrente deixou de prestar trabalho para a Recorrida após 4 de Maio de 2012, dia em que sofreu um acidente de trabalho ao serviço da mesma, e que em 13 de Setembro de 2012 comunicou à empregadora e à ACT a suspensão do contrato de trabalho por falta de pagamento pontual da retribuição, não tendo voltado a apresentar-se ao trabalho, com excepção dos dias 18 e 19 de Junho de 2013, sendo certo que os acontecimentos destes dias e dos seguintes já foram superiormente apreciados em termos de não configurarem despedimento expresso ou tácito por parte da empregadora.

Ora, se o contrato de trabalho se encontrava suspenso desde 13 de Setembro de 2012, por força das comunicações do Apelante, nos termos dos arts. 294.º, n.º 3 e 325.º e ss., encontravam-se igualmente suspensos os direitos, deveres e garantias das partes que pressupõem a efectiva prestação de trabalho, nos termos do art. 295.º, n.ºs 1 e 4, nomeadamente o dever de prestar trabalho e o dever de pagar a retribuição.

Nesse contexto, não se vislumbrando que a situação tenha cessado por alguma das causas previstas no art. 327.º, fica prejudicada a argumentação que o Apelante sintetiza na conclusão 6.ª, no sentido de que, inexistindo qualquer documento médico atribuindo-‑lhe a situação de curado e em condições de regressar ao trabalho, não se pode considerar que lhe tenha sido dada alta clínica, sendo certo que tal argumentação, a proceder, só reforçaria a conclusão de que efectivamente não foi prestado qualquer trabalho, designadamente entre Novembro de 2013 e Janeiro de 2014, que gerasse a obrigação de pagamento da correspondente retribuição por parte da Apelada.

Na verdade, conforme decorre do provado sob o ponto 24., foi instaurada acção especial para definição dos direitos do Apelante emergentes do acidente de trabalho que sofreu ao serviço da Apelada, designadamente indemnização por incapacidades temporárias e pensão por incapacidade permanente, se for o caso, pressupondo por seu turno a fixação da data da cura clínica, prestações essas que, todavia, se não confundem com a retribuição e cuja falta de pagamento não foi invocada como fundamento da resolução do contrato de trabalho.

Em suma, o Recorrente não mais prestou trabalho à Recorrida desde 5 de Maio de 2012, e, ainda que tal conduta estivesse justificada pela alegada falta de atribuição de alta clínica, e, a partir de 13 de Setembro de 2012, pela suspensão do contrato de trabalho por sua iniciativa, o certo é que a situação desobriga a Apelada do pagamento de qualquer retribuição, e, concretamente, dos meses de Novembro de 2013 a Janeiro de 2014.»

Concordamos com estes considerandos.

Invoca o A. que a suspensão do contrato cessou quando se apresentou ao serviço nos dias 18 e 19 de junho de 2013.

Está provado que o A. suspendeu o contrato por carta que remeteu à Ré e à ACT em 13.09.2012 invocando a falta de pagamento das retribuições.

Mas também está provado que a incapacidade temporária absoluta tinha cessado em 12.06.2012, data a partir da qual se deveria ter apresentado ao trabalho como estipula o art. 297º do CT, sendo ainda certo que o relatório pericial efetuado pelo IML no âmbito do processo de acidente de trabalho, considerou ter a consolidação médico-legal das lesões ocorrido em data anterior àquela, ou seja, no dia 4.06.2012.

Estabelece o art. 327º do CT:

A suspensão do contrato de trabalho cessa:

a) Mediante comunicação do trabalhador, nos termos do n.º 1 do artigo 325.º, de que põe termo à suspensão a partir de determinada data;

b) Com o pagamento integral das retribuições em dívida e juros de mora;

c) Por acordo entre trabalhador e empregador para regularização das retribuições em dívida e juros de mora.

A alínea a) remete o formalismo da comunicação para o n.º 1 do artigo 325.º, donde se concluiu que a comunicação da cessação da suspensão terá que revestir a forma escrita tal qual é exigido para a comunicação da suspensão.

Não pode olvidar-se que, nos termos do nº 1 do art. 25º da Lei 105/2009 de 14/09, “o trabalhador que suspenda o contrato de trabalho com fundamento em não pagamento pontual da retribuição tem direito a prestações de desemprego durante o período da suspensão”. Por conseguinte a exigência da forma escrita, quer para a comunicação da suspensão quer da sua cessação visa também possibilitar a atribuição e a cessação da prestação de desemprego, bem como a ação fiscalizadora dos respetivos serviços bem como da ACT.

Tendo o A. comunicado à R. por escrito a suspensão do contrato, deveria ter adotado igual procedimento quando pretendeu fazer cessar a suspensão não sendo bastante a mera apresentação ao trabalho.

Concordamos, assim, com a Relação ao considerar que a suspensão do contrato não cessou com a mera apresentação do A. ao trabalho nos dias 18 e 19 de junho de 2013.

Nos termos do art. 295, nºs 1 e 4, do CT, durante a suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho sendo que estes apenas se restabelecem com a cessação da suspensão e com a consequente e efetiva prestação de trabalho.

O contrato de trabalho é definido no art. 11º como sendo “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.

Estamos, assim, perante um contrato sinalagmático em que a obrigação do pagamento da retribuição constitui a contrapartida contratual da entidade empregadora, devida pela prestação da atividade do trabalhador.

Da definição legal “resulta claramente que são elementos definidores e, portanto, essenciais deste contrato a obrigação de trabalho e a obrigação de retribuir, ligadas por um nexo de condicionalidade recíproca. Este nexo não releva, porém, somente na formação do contrato, isto é, no momento em que os sujeitos assumem aquelas obrigações, pois projecta-se no desenvolvimento da relação jurídico-laboral.”

 É por isso que, no regime da suspensão do contrato de trabalho, se entende que a formulação do art. 295º/1 CT - “durante a redução ou suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho” - contém implícito o princípio segundo qual sem prestação de trabalho não há direito a salário ([4]).

«Do ponto de vista jurídico-formal, a retribuição surge como a contraprestação da entidade patronal face ao trabalho efectivamente realizado pelo trabalhador. Assim é que, por exemplo, as faltas não justificadas, e mesmo algumas das justificadas, conferem (legalmente) ao empregador o direito ao desconto na retribuição (arts. 255º/2 e 256º/1) Outra amostra: se o trabalhador estiver temporariamente impedido, por motivos ligados à sua pessoa (mas que não lhe sejam imputáveis), nomeadamente por doença, de prestar trabalho, o empregador fica exonerado do pagamento do salário enquanto durar a impossibilidade (art. 295º). O mesmo dispositivo é aplicável no caso de a interrupção do trabalho ser devida a greve, embora esta corresponda a um direito dos trabalhadores (art. 536º)» ([5]).

Esta mesma ideia da correspetividade entre a prestação efetiva da atividade e o pagamento da retribuição ressuma de diversas normas do Código do Trabalho, para além do transcrito art. 11º (“mediante retribuição”). É o caso dos arts. 258º (“como contrapartida do seu trabalho”) ([6]) e 258º/1 (“considera-se retribuição a prestação a que… o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”).

Também o facto do “crédito retributivo [se vencer] por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês de calendário” (art. 278º) inculca a ideia de que a retribuição pressupõe a efetiva prestação do trabalho, uma vez que o pagamento apenas é devido no fim daqueles períodos, ou seja, após a efetiva prestação do trabalho.

É claro que esta reciprocidade não é absoluta e sofre desvios, como são os casos previstos no art. 309º (durante o encerramento temporário ou de diminuição da atividade), no art. 329º/5 (suspensão preventiva do trabalhador na pendência do processo disciplinar), no art. 255º/2 “a contrario” (faltas justificadas não contempladas neste preceito ou em outras disposições legais) e no art. 237º/1 (“férias retribuídas”). É ainda o caso do descanso semanal e dos feriados.

Está provado que o A., a partir do dia do acidente não voltou a prestar trabalho à R. apesar da incapacidade temporária absoluta ter cessado em 12.06.2012. Em 13.09.2012 suspendeu o contrato, suspensão que não fez cessar nos termos legais.

Não tendo prestado qualquer trabalho à R. não estava esta obrigada ao pagamento da retribuição, não constituindo a falta de pagamento justa causa para a resolução do contrato pelo A.

Invocou ainda como fundamento para a resolução do contrato a inexistência de seguro de acidentes de trabalho.

É certo que a celebração de tal seguro é obrigatória para as entidades empregadoras (art. 283º, nº 5 do CT e 79º, nº 1 da Lei 98/2009 de 4.09). Contudo a sua falta tem como consequência caber à entidade empregadora a responsabilidade pela integral reparação do acidente em todas as vertentes estabelecidas na Lei 98/2009, não conferindo ao trabalhador o direito à resolução do contrato com justa causa.

Em suma, os fundamentos invocados pelo A. em 28.01.2014, para resolver o contrato, não integram a justa causa de resolução.

3.2.2 – Se o A. tem direito a receber as retribuições correspondentes ao período de julho de 2012 a 11 de fevereiro de 2014 e, bem assim, a indemnização prevista no art. 396º do CT e correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano.

Tendo-se concluído, como se concluiu, que não se verificou justa causa para a resolução do contrato e sendo as quantias peticionadas apenas devidas nos casos de resolução do contrato com justa causa pelo trabalhador, a resposta à questão colocada terá que ser negativa.

4 – DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2 – Condenar o recorrente nas custas.

 (Anexa-se o sumário do acórdão)

Lisboa, 3.11.2016

Ribeiro Cardoso - Relator

João Fernando Ferreira Pinto

Pinto Hespanhol

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[1] No texto é adotado o acordo ortográfico, exceto nas transcrições (texto em itálico) em que é mantida a versão original.
[2] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[3] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, n. 2 do CPC.
[4] António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, pág. 159.
[5] Ibidem pág. 407.
[6] Ibidem pág. 405.