Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1142/23.0T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
PRÉMIO DE SEGURO
CÁLCULO
CLÁUSULA CONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
INCUMPRIMENTO
DEVER DE INFORMAÇÃO
ABUSO DO DIREITO
SEGURADO
VALOR DO SILÊNCIO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESUNÇÃO JUDICIAL
ÓNUS DA PROVA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
Não actua com abuso de direito o segurado que, segundo a matéria provada, toma conhecimento das cláusulas contratuais que lhe permitem conhecer como é calculado o prémio de seguro, pouco mais de um ano antes de instaurar a acção onde formula o pedido de indemnização pelos montantes que pagou em excesso, na ausência de tais cláusulas, ainda que o contrato tenha vigorado por período próximo de 20 anos.
Decisão Texto Integral:

Recorrente: AA, autor

Recorridos: Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A.,

J..., Lda, rés


*


I – Relatório

I.1

AA, autor, apresentou recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 11 de Março de 2025 que concedeu provimento aos recursos, revogou a sentença recorrida, julgou a acção improcedente e absolveu as Rés dos pedidos contra elas formulados, tendo para o efeito apresentado alegações que culminam com as seguintes conclusões:

1. O acórdão recorrido ao alterar a decisão sobre matéria de facto da sentença de 1ª instância fez mau uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662º nº 1 e 2 CPC ao alterar a decisão da matéria de facto ínsita na sentença de 1ª instância.

2. O que está em causa na causa de pedir da ação é a violação de deveres legais de informação que as RR. tinham para com o Autor, deveres esses que as RR. violaram durante todos os anos em que vigorou o contrato de seguro.

3. O acórdão recorrido olvidou que era às Rés que competia provar que o Autor recebeu (como era legalmente exigido) a documentação contratual completa e que foi devidamente informado e esclarecido por elas.

4. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e do cumprimento do dever de informação sobre os aspectos (artigo 4°, n° l a 3 do DL 176/95, de 26 de julho -semelhante ao actual artigo 78.- do RJCS), competia às Rés, as quais não lograram conseguir provar que cumpriram os deveres de informação a que estavam obrigadas.

5. A decisão sobre matéria de facto e os factos (factos provados e não provados) tem que ser fundamentada à luz do ónus da prova (art.º 342 do CC).

6. O acórdão recorrido ao ignorar que impende sobre as Rés, o ónus da prova (que só poderia ser feita através de documentos), violou o artigo 4.º, n.° 1 a 3 do DL 176/95, de 26 de julho - semelhante ao actual artigo 78.- do RJCS, o n°. 3, do artº. 5- do DL 446/85, de 25/10 e o art.ºs 342 , 224º , 364.º, n.º 1, 393.º n.º 1, do CC, e n.º 2 do artigo 171.2 e do n.° 2 do artigo 172.2 do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de abril.

7. E inadmissível fazer a prova das cláusulas gerais e cláusulas particulares do contrato de seguro, e da comunicação dos deveres de informação através do recurso a prova testemunhal, com base nas disposições conjugadas dos artigos 364º, nº 1, 392º, 393º, nº 1, do CC, e 426º e § único, do Código Comercial.

8. À míngua de existência de documento que comprove essa factualidade não poderia a Relação alterar a decisão sobre matéria de facto, pelo que deve manter-se a factualidade dada como provada pela sentença de 1ª instância, devendo o Supremo sindicar esse mau uso que o acórdão recorrido fez do artº 662º nº 1 e 2 CPC.

9. As Rés nunca prestaram informações ao Autor quanto à fórmula do cálculo e/ou racional dos agravamentos do prémio, quer no momento em que o contrato foi celebrado, quer durante a sua execução, violando os comandos legais supra-citados e não conseguiram provar que o Autor se apercebeu (e muito menos conseguiram provar quando) que lhe estavam a cobrar valores indevidos e ainda assim não reagiu.

10. Não está provado quando o Autor teve conhecimento do dano e os factos provados demonstram que o desconhecimento do Autor do dano não se deve sequer a um comportamento negligente e menos atento.

11. O suposto "comportamento omissivo" do Autor sucedeu, não por negligência, mas por total desconhecimento do dano (por falta de informação que competia às RR prestar.

12. As infratora não podem ser beneficiadas com a figura do abuso de direito.

13. A Rés é que não actuaram de boa fé violando o artigo 762.-, n.° 2 do CC que impõe que as partes, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, procedam de boa fé.

14. A responsabilidade contratual fundamenta-se no princípio de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, gerando o seu incumprimento, por facto ilícito e culposo, a obrigação de indemnização dos danos ligados por um nexo de causalidade à actuação do devedor - cfr. artigos 406.-, n- 1, 562.-, 798.- e 799? todos do CC.

15. Inscrevendo-se a causa no domínio contratual, presume-se a culpa das RR.

16. O facto de à data da propositura da acção o contrato de seguro já se encontrar resolvido por falta de pagamento dos prémios, conforme provado em 31 (com efeitos reportados a 01.01.2022), não interfere com o reconhecido dever de indemnização, dado que a prestação indemnizatória é sempre reportada ao contrato inicial, à obrigação complexa inicial, acompanhando o seu desenvolvimento, enquanto que a resolução apenas extingue os deveres de prestar principais, os quais, no vertente caso, se reportam ao período da última renovação do contrato de seguro (sabido que o mesmo foi sendo automaticamente renovado por períodos anuais e sucessivos a partir de 01 de Janeiro de cada ano, sendo essa a data do vencimento anual do contrato, daí que os efeitos da resolução retroajam apenas a 01.01.2022).

17. O Autor não exerceu o seu direito de forma abusiva, nada mais lhe podendo ser imputado que fundamente o desequilíbrio da posição das partes, porque não incorreu em venire contra factum proprium, pela aceitação "tácita" do aumento do prémio, mas nada fazendo longo do tempo.

18. A conduta omissiva não configura uma atuação em violação da boa fé.

19. O exercício de um direito antes de decorrido o prazo prescricional é insusceptível e poder constituir um abuso, uma vez que se a lei confere o prazo legal para o exercício desse direito o mesmo pode ser exercido até ao respectivo termo.

20. O abuso de direito nunca decorrerá de uma conduta omissiva do agente, não se podendo confundir a violação da boa fé com uma mera conduta negligente ou menos atenta.

Termos em que, com o douto suprimento do omitido, deve ser concedido provimento ao presente recurso de revista, revogando-se e anulando-se o douto acórdão recorrido.

A recorrida J..., Lda, apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes conclusões:

I. O recurso de revista apresentado pelo Recorrente incide sobre matéria de facto, o que é vedado pelo artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, salvo disposição expressa em contrário — o que não ocorre no presente caso.

II. O Supremo Tribunal de Justiça tem competência exclusiva para conhecer de matéria de direito, sendo-lhe vedada a reapreciação da prova e dos factos fixados pelas instâncias inferiores, conforme jurisprudência uniforme e reiterada.

III. O objeto do recurso não se reconduz a qualquer erro de interpretação ou aplicação da lei substantiva ou adjetiva, nem a qualquer nulidade, pelo que não se preenche qualquer dos fundamentos admissíveis previstos no artigo 674.º, n.º 1, do CPC.

IV. O Recorrente, com o presente recurso, visa apenas sindicar o juízo probatório do Tribunal da Relação de Coimbra, o que configura uma inadmissível tentativa de reabertura da matéria de facto, incompatível com a função da revista e com os limites legais dos artigos 674.º e 681.º do CPC.

V. Por não respeitar os pressupostos formais e materiais da admissibilidade da revista, o recurso interposto deve ser liminarmente rejeitado, por falta de fundamento legal bastante, nos termos conjugados dos artigos 636.º, n.º 6, e 674.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil.

VI. A pretensão do Recorrente colide frontalmente com os princípios da estabilidade contratual, da tutela da confiança e da boa-fé objetiva, porquanto visa subverter, de forma retroativa e oportunista, os efeitos de um contrato executado pacificamente durante duas décadas.

VII. O contrato de seguro vigorou por mais de vinte anos, com pagamento pontual dos prémios mensais pelo Recorrente, sem qualquer manifestação de discordância quanto aos valores cobrados, nem pedido de esclarecimento ou oposição junto das Rés.

VIII. Durante esse período, o Recorrente teve plena perceção da evolução dos prémios, cujos montantes aumentaram significativamente, em especial na última década, circunstância que torna absolutamente inverosímil a alegação de desconhecimento quanto ao seu valor ou forma de atualização.

IX. A total ausência de reação do Recorrente às variações de preço, num contexto de continuidade contratual e plena fruição da cobertura, gerou nas Rés uma legítima expectativa de conformidade com o conteúdo contratual e de aceitação tácita das suas condições.

X. A súbita reivindicação do reembolso dos valores pagos, apenas após a extinção do contrato por falta de pagamento, constitui comportamento contraditório e ofensivo da confiança juridicamente protegida, reconduzindo-se à figura do abuso de direito, na vertente do venire contra factum proprium.

XI. A alegação de que os prémios foram indevidamente agravados carece de plausibilidade material e jurídica, atento o comportamento prolongado, informado e passivo do Recorrente durante todo o período contratual.

XII. É inadmissível que se pretenda agora converter uma relação de longa duração, executada sem reservas, numa fonte de responsabilidade indemnizatória, quando todas as obrigações foram livremente cumpridas e nenhum dever de informação foi objetivamente violado à luz da conduta adotada.

XIII. Mesmo que se admita que o Recorrente não conhecesse os exatos critérios de atualização dos prémios, a sua perceção reiterada dos montantes cobrados ao longo dos anos permitia-lhe, de forma inequívoca, reagir oportunamente, o que nunca fez.

XIV. Tal inércia consciente e reiterada configura suppressio, subcategoria do abuso de direito, por implicar a criação de uma situação de confiança na contraparte, com base num comportamento constante de aceitação sem oposição.

XV. O Recorrente sabia que em 2007 pagava €312,84, que em 2012 pagava €493,43, e que em 2020 pagava €956,29 — dados que demonstram de forma objetiva que tinha plena consciência da variação e do peso económico dos prémios.

XVI. Ao não ter atuado no momento próprio, o Recorrente perdeu legitimidade para agora invocar qualquer suposta desconformidade, violando os limites da boa-fé e da função social do direito de reembolso que pretende exercer.

XVII. A figura do abuso de direito opera como limite externo ao exercício de direitos formalmente reconhecidos, impedindo condutas que contrariem, de forma evidente, as exigências de lealdade e coerência contratual.

XVIII. A tentativa de reconfiguração retroativa das prestações contratuais após o termo do contrato representa uma inadmissível revisão unilateral da relação obrigacional, sem qualquer base legal ou factual que a justifique.

XIX. A jurisprudência e doutrina maioritárias são claras ao considerar que, em situações de prolongada execução pacífica de um contrato, a ausência de protesto ou reserva equivale à aceitação da sua estrutura funcional.

XX. A tentativa do Recorrente de reduzir os prémios ao valor inicial, ignorando a cláusula de evolução por escalões etários e o caráter contributivo da apólice, ignora os próprios fundamentos do contrato que subscreveu.

XXI. Ao longo de vinte anos, o Recorrente beneficiou integralmente da cobertura de risco contratada, sem interrupções, sendo, por isso, inadmissível a sua tentativa de excluir retroativamente os encargos que a suportaram.

XXII. A decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, ao qualificar esta pretensão como inadmissível por abuso de direito, encontra sólido fundamento jurídico e factual, devendo ser mantida sem reservas.

XXIII. Afigura-se evidente que o recurso interposto carece de viabilidade jurídica, porquanto assenta numa reinterpretação abusiva e contraditória da relação contratual, devendo ser julgado totalmente improcedente.

Termos em que,

a) Deverá ser rejeitado o recurso, por inadmissibilidade;

Não sendo esse o entendimento desse Colendo Tribunal,

b) Deverá o recurso do Recorrente ser julgado improcedente, por manifestamente infundado.

A recorrida Fidelidade Companhia Seguros SA, apresentou contra-alegações com pedido de ampliação do objecto de recurso que terminam com as seguintes conclusões :

1. O objeto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do Recorrente, não podendo o Tribunal de Recurso conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso.

2. Segundo resulta do disposto no Artigo 674º CPC, sob epígrafe “fundamentos da revista”,

1. - A revista pode ter por fundamento:

a. A violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável;

b) A violação ou errada aplicação da lei de processo;

c) As nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º.

2 - Para os efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, consideram-se como lei substantiva as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de caráter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais.

3 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Ora, compulsando as doutas conclusões formuladas pelo Autor nas suas alegações de recurso, constata-se por demais evidente que, ao atacar com o presente recurso a decisão de facto tal como resultou fixada no Acórdão em crise, na medida em que não se verifica no a exceção prevista na parte final do nº 3 do Artº 674º do CPC, o Autor pretende retirar uma consequência jurídica que não se mostra admissível em face do disposto no aludido 674º CPC, deverá o recurso ser liminarmente rejeitado.

Sem prejuízo, por dever de patrocínio, sempre se dirá que,

3. A Recorrida louva-se na Douta e clarividente apreciação dos factos controvertidos efetuada pelo Tribunal “a quo” que, assente numa verdadeira análise critica e fundamenta da globalidade da prova produzida em julgamento (já parcialmente alterada já em sede de recurso) que a 1ª instância não havia cuidado devidamente, aplicou sábia e ponderadamente o direito, absolvendo as Rés do pedido, com fundamento na atuação do Autor em abuso de direito,

4. Sendo igualmente certo que, na perspetiva da Ré o Acórdão em crise não padece de qualquer dos vícios que lhe são apontados pelo Autor, estando por isso o recurso interposto irremediavelmente votado à improcedência.

5. Segundo resulta do disposto no Art.º 334º do CC, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”

6. O abuso do direito é assim uma exceção perentória de direito material, configurando igualmente uma exceção perentória de direito adjetivo (art.º 576.º, n.º 3 do C.P.C.), que é do conhecimento oficioso, podendo ser conhecido no Tribunal de Recurso, ainda que o Tribunal a quo porventura não se tenha pronunciado sobre ele.

7. Ora, resulta da matéria de facto provada que, durante toda a vigência do contrato o Autor sempre suportou os prémios que foram sendo atualizados, alguns de expressivo valor mensal e ainda, durante essa mesma vigência, em momento algum solicitou quaisquer esclarecimentos às Rés sobre o contrato e, em especial, relativamente aos prémios que pagava, como se justificava o acréscimo e forma de apuramento dos valores sucessivamente fixados, não obstante ter igualmente recebido os certificados de seguro dos quais constava o valor do prémio mensal que seria devido na anuidade a iniciar.

8. E, nesta perspetiva, demonstrado que está que durante os 20 anos que o contrato esteve em vigor, o Autor não só pagou paulatinamente os prémios de seguro, como em momento algum, diligenciou junto da ora Recorrida (ou sequer junto da Co-Ré J..., Lda) no sentido da obtenção de quaisquer esclarecimentos, contribuiu assim, de forma absolutamente decisiva, para o prejuízo alegadamente sofrido – desde logo porque em face da sua inoperância com vista ao esclarecimento do invocado exagero do aumento dos prémios (densificada pelo cumprimento pontual do pagamento dos prémios), criou nas Rés a convicção de que nenhum vício se verificaria no contrato e, em especial, na Ré Fidelidade, de que o dever de informação inicial havia sido efetivamente cumprido aquando da adesão (dever esse que incumbia ao tomador), e em ambas as Rés, de que o mesmo se passaria com o dever de informação na execução do contrato, atento o facto de em momento algum (enquanto o seguro vigorou) ter sido sequer formulado qualquer pedido de esclarecimento.

9. E tal omissão por parte do Autor, com a aludida consequência relativamente à formação da convicção nas Rés quanto ao pontual cumprimento de sua parte e consequente (legitima expetativa) do não exercício por parte do Autor, deverá ser sancionada pelo Tribunal através da figura do abuso de direito, com o consequente afastamento do direito a indemnização.

10. E tal matéria foi devida e acertadamente conhecida pelo Tribunal “a quo”, que a decidiu sabiamente, mostrando-se a fundamentação do Acórdão nesta parte bastante ilustrativa das razões em que se sustentou a opção decisória tomada, mostrando-se igualmente suficientemente densificada e fundamentada, sem deixar de manter, ainda assim, uma notável clareza.

11. Pelo que, sem necessidade de maiores considerações, terá de improceder o recurso do Autor.

12. Sem prejuízo do exposto, prevenindo a necessidade da sua apreciação e lançando mão da faculdade que lhe é conferida pelo Artº 636º do CPC, a Ré Fidelidade REQUER, a título subsidiário, a AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO, de modo a ser igualmente apreciada a eventual prescrição do direito do Autor, nos termos previstos no Art.º 121º do DL 72/2008 (Regime Jurídico do Contrato de Seguro), na medida em que a invocação de tal prescrição parcial correspondia a um dos fundamentos da defesa da Ré Fidelidade e que, não foi objeto de apreciação por parte do Tribunal “a quo”, por tal apreciação se mostrar prejudicada pela decisão resultante da procedência do recurso da Ré relativamente ao abuso de direito do Autor.

13. O putativo direito do Autor à restituição de quaisquer importâncias suportadas com prémios de seguro no âmbito do contrato de seguro que vem referido nos autos, sempre se mostraria, ainda assim, parcialmente prescrito.

14. Efetivamente, em conformidade com o disposto no Art.º 121º n.º 2 do DL 72/2008 (Lei do Contrato de Seguro), “os restantes direitos emergentes do contrato de seguro prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito”.

15. Durante todo o tempo em que o contrato vigorou, nas palavras do próprio Autor, o mesmo estaria convicto de que, o valor mensal devido pelo prémio de seguro seria apenas aquele que lhe havia sido informado aquando da aceitação do risco por parte da Seguradora ora Recorrente, i.e., € 200,27 (sendo, € 130,86 relativos à adesão do autor e € 69,41, relativos à adesão da sua mulher), sem que, segundo igualmente alegou, em algum momento as Rés tenham informado coisa diversa relativamente à evolução do prémio de seguro (o que não se concede).

16. Não só o Autor sabia que teria de pagar mensalmente o prémio de seguro, como, durante sensivelmente 20 anos, o fez paulatinamente, via transferência bancária, prémios esses que foram sendo atualizados, alguns de expressivo valor mensal (e cujo valor mensal atualizado lhe foi sendo anualmente informado pela ora Recorrente nos certificados anuais de seguro) e ainda, durante essa mesma vigência, em momento algum solicitou quaisquer esclarecimentos às Rés sobre o contrato e, em especial, relativamente aos prémios que pagava.

17. Ora,

a) se durante 20 anos o Autor esteve sempre em crer que o prémio devido pelas adesões era de € 200,27;

b) se durante todo o contrato foi sofrendo atualizações de prémio, que o Autor foi paulatinamente pagamento,

c) se esse tempo, conforme alegou, nunca foi informado das mencionadas atualizações, razões/pressupostos de calculo;

d) culminando com a decisão de cancelar o contrato, por via do não pagamento do prémio de seguro, volvidos 20 anos desde a data das adesões e subsequente formalização de pedido de ressarcimento junto da Tomadora de Seguro com os fundamentos ali apresentados;

18. Não se mostrará possível afirmar, que o Autor durante todo esse tempo não tinha efetivo conhecimento do seu direito e que tal conhecimento só lhe adveio após 17.02.2022.

19. Nesta medida, mesmo que por hipótese esse Tribunal Superior venha a entender, em sentido contrário ao decidido no Acórdão em crise, que não se verifica abuso de direito do Autor, o que não se concede, sempre terá de ser julgada procedente a exceção de prescrição parcial do direito do Autor, restringindo-se uma eventual restituição parcial de prémios aos últimos 5 anos.

Termos em que,

a) Deverá ser rejeitado o recurso, por inadmissibilidade, não sendo esse o entendimento desse Colendo Tribunal,

b) Deverá o recurso do Autor ser julgado improcedente, por manifestamente infundado e, em consequência, ser integralmente mantido o Acórdão recorrido.

c) A título subsidiário, em recurso ampliado (requerido pela Ré Fidelidade nos termos do Artº 636º do CPC), deverá ser apreciada e declarada a prescrição parcial do direito do Autor, nos termos previstos no Art.º 121º do DL 72/2008 (Regime Jurídico do Contrato de Seguro), com as necessárias consequências.

Só decidindo assim se fará JUSTIÇA!


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I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O acórdão recorrido revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, na parte objecto dos recursos de apelação interpostos pelas rés pelo que, tendo em conta o valor da causa e a sucumbência, o recurso é admissível nos termos do disposto no art.º 671.º do Código de Processo Civil

No recurso de revista o Autor invoca que o acórdão recorrido ao alterar a decisão sobre matéria de facto da sentença de 1ª instância fez mau uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662º nº 1 e 2 Código de Processo Civil e insurge-se contra a decisão relativa ao abuso de direito.

O controlo dos poderes conferidos pelo art.º 662.º do Código de Processo Civil diverge da apreciação da matéria de facto, pelo que se não mostra fora dos fundamentos típicos do recurso de revista.

A ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, é admissível ao abrigo do disposto no art.º 636.º do Código de Processo Civil.


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I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das alegações e conclusões de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões:

1. Mau uso dos poderes conferidos pelo art.º 662º nº 1 e 2 Código de Processo Civil

2. Abuso de direito

3. Prescrição do direito de exigir os montantes pagos em excesso


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I.4 - Os factos

O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

1. A 1ª R. é uma companhia de seguros que se dedica à actividade de seguros (1.º PI).

2. A 2ª Ré J..., Lda é uma sociedade mediadora de seguros, que se dedica à consultadoria e corretagem de seguros, inscrita no Instituto de Seguros de Portugal (2.º PI, 4.º e 6.º Cont. 2.º Ré).

3. No âmbito da sua actividade, a 2.ª Ré J..., Lda celebrou, na qualidade de tomador de seguro, com a Mundial Confiança Seguros, agora 1.ª Ré, um contrato de seguro de grupo, do Ramo Vida, correspondente à Apólice de seguro com o número .....55 (3.º PI e 10.º Cont. 2.ª Ré).

4. O referido contrato de seguro do Ramo Vida Grupo celebrado entre a 1ª e a 2ª Rés e titulado pela apólice nº .....55, rege-se por: a) condições gerais; b) Condições particulares; c) condições especiais das seguintes coberturas: c.1) cobertura principal morte; c.2) cobertura complementar de invalidez absoluta e definitiva por doença; c.3) cobertura complementar de invalidez total e permanente (12.º Cont. 1.ª Ré).

5. Sendo um seguro de grupo, a ele podiam aderir, como Pessoas Seguras, todos os clientes da 2ª Ré e respectivos cônjuges que subscrevessem, junto de entidades bancárias, contratos de mútuo para aquisição de habitação própria (1ª habitação ou habitação secundária), cuja idade, na data da sua admissão ao seguro, adicionada ao prazo de amortização da dívida, fosse inferior ou igual a 65 anos no caso Plano de seguro A, ou 70 anos, no caso do Plano de seguro B (8.º Cont. 1.ª Ré).

6. Os proponentes a aderente tinham assim à sua disposição para escolha, os seguintes planos/garantias:

Plano de seguro A, com garantia de Morte (seguro principal) e invalidez total e permanente (garantia complementar);

Plano de seguro B, com garantia de Morte (seguro principal) e invalidez absoluta e definitiva (garantia complementar) (9.º Cont. 1.ª Ré)

7. Caso viesse a ocorrer a verificação dos riscos cobertos pela apólice, consoante o plano de seguro contratado, caberia então à 1ª Ré, proceder ao pagamento do capital seguro, nos termos, condições e com as limitações do contrato de seguro titulado pela apólice nº .....55 (10.º Cont. 1.ª Ré).

8. Por cada adesão era atribuído o respectivo certificado (11.º Cont. 1.ª Ré).

9. A 2.ª Ré J..., Lda, através do seu colaborador BB, apresentou ao Autor o produto através da declaração individual de adesão, junta como documento 1 da petição inicial (6.º PI e 14.º Cont. 2.º Ré)

10. Antes da subscrição da Apólice pelo Autor, o Sr. BB explicou:

i. Número de pessoas seguras admitido;

ii. O risco coberto e garantias concedidas em caso de morte ou invalidez de alguma das pessoas seguras;

iii. Valor do capital seguro, em consonância com o que foi solicitado à data pelo Autor; (15.º Cont. 2.ª Ré).

11. Em Julho de 2002 o Autor, conjuntamente com a sua mulher, apresentou uma proposta à 1ª Ré para aderir a esse contrato de seguro de grupo, subscrevendo para o efeito o correspondente boletim de adesão (4.º PI e 15.º Cont. 1.ª Ré)

12. Através de tal proposta de adesão à apólice de seguro, o Autor e a sua mulher pretendiam garantir o mútuo bancário contratado junto do Santander para aquisição de habitação própria permanente, crédito esse no montante de €329.207,00 (16.º Cont. 1.º Ré).

13. Essa proposta de adesão, acompanhada dos respectivos questionários, deu entrada nos serviços da 1ª Ré em 15.07.2002 (17.º Cont. 1.ª Ré).

14. A 1ª Ré aceitou a adesão do Autor à mencionada apólice, com as seguintes condicionantes: cobertura de morte, com agravamento de 100% no prémio (por alterações analíticas); cobertura de invalidez total permanente, com agravamento de 50% (por alterações analíticas) (10.º PI e 18.º Cont. 1.ª Ré)

15. Em 23.07.2002, a 1.ª Ré comunicou à 2ª Ré, ao Autor e ao Banco para efeito de aceitação de benefício, as referidas condicionantes e comunicou que, para as condições informadas para o capital proposto, o prémio mensal devido era de €130,86 (5.º e 9.º PI, 18.º a 20.º da Cont. 1.ª Ré).

16. Com base na proposta de adesão subscrita, conjuntamente, pelo Autor e pela sua mulher, a 1ª Ré avaliou o risco relativo a essa adesão que igualmente aceitou (originando a adesão relacionada com o n.º ......04) (21.º Cont. 1.ª Ré)

17. O prémio mensal devido à 1ª Ré pela adesão n.º 10000004 (pessoa relacionada), era no valor de €69,41 (22.º Cont. 1.ª Ré)

18. Os prémios parcelares devidos eram pagos do débito directo global na conta bancária com o NIB n.º ....................97, identificado quer no formulário de adesão, quer na correspondente autorização de débito directo SEPA, posteriormente alterado para o NIB ...................68 (25.º e 26.º Cont. 1.ª Ré).

19. O celebrado contrato de seguro teve início em 23 de Julho de 2002 e renovou-se anualmente a 01 de Janeiro de cada um dos anos subsequentes (7.º PI e 29.º Cont. 1.ª Ré)

20. Na apólice n.º 9700855 constam as seguintes condições particulares:

INÍCIO DO SEGURO: O contrato de seguro é estabelecido por um período que vai desde 01 de Julho de 2002 até 31 de Dezembro de 2002, considerando-se tácita e automaticamente renovado por períodos anuais sucessivos contados a partir de 1 de Janeiro de cada ano, data que se considera como a do vencimento anual do contrato.

TERMO DO SEGURO: Ano e seguintes

FRACCIONAMENTO: Mensal

TIPO DE SEGURO: Contributivo. A percentagem de contribuição das pessoas seguras é de 100%.

I. GRUPO SEGURÁVEL: Todos os clientes do Tomador de Seguro e respectivos cônjuges que contraiam, com entidades bancárias, empréstimos para a compra de Habitação ou habitação secundária), cuja idade, na data da sua admissão ao seguro, adicionada ao prazo de amortização da dívida, seja inferior ou igual a 65 anos ou 70 anos caso subscreva o Plano Seguro A ou B, respectivamente.

II. BENEFICIÁRIOS: Para cada Pessoa Segura, o beneficiário em caso de morte ou invalidez é a entidade credora indicada na Declaração Individual de Adesão pelo valor em dívida à data do sinistro, até ao limite do capital seguro. Pelo valor remanescente, caso exista, são beneficiárias as pessoas designadas na respectiva Declaração Individual de Adesão, ou na falta destas, aos herdeiros legais da Pessoa Segura.

III.CAPITAL SEGURO:

1. Para cada adesão, o Capital Seguro no primeiro ano do contrato será igual ao montante inicial da dívida, relativo ao empréstimo concedido à habitação e será indicado no respectivo Boletim Individual de Adesão.

2. O Capital Seguro é actualizável sempre que a Seguradora seja informada pelo Beneficiário Aceitante, sendo os aumentos objecto de apreciação e análise por parte da Seguradora, com vista ao condicionamento da sua aceitação.

IV. GARANTIAS DO CONTRATO DE SEGURO

As pessoas Seguras escolherão, opcionalmente um dos seguintes planos de seguro:

A. Plano Seguro A - Garantias: Morte (Seguro Principal) e Invalidez Total e Permanente (Garantia Complementar).

B. Plano Seguro B - Garantias: Morte (Seguro Principal) e Invalidez Absoluta e Definitiva (Garantia Complementar).

V. TERMO DAS GARANTIAS

Para além do previsto nas Condições Gerais e Especiais da presente apólice, as garantias cessam os seus efeitos em caso de liquidação do empréstimo.

2.A data de cessação de cada uma das coberturas, é a seguinte:

Morte e Invalidez Absoluta e Definitiva: no termo da anuidade em que a Pessoa Segura completa 70 anos de idade.

Invalidez Total e Permanente: no termo da anuidade em que a Pessoa Segura completa 65 anos de idade.

No Plano Seguro A, as pessoas seguras com mais de 64 anos de idade deixam de estar abrangidas pela garantia de Invalidez Total e Permanente ficam abrangidas pela garantia de Invalidez Absoluta e Definitiva até aos 70 anos de idade.

VI. PRÉMIOS

1.O prémio anual total corresponde, para as garantias contratadas, ao valor abaixo indicado por cada € 5 000,00 de Capital Seguro.

2. Os valores indicados pressupõem que no fim da primeira anuidade do seguro existam, no mínimo, 20 pessoas seguras, e no final da 2.ª anuidade do seguro existam, no mínimo 50 pessoas seguras.

3. No caso de um titular, o escalão etário a aplicar será o relativo à idade actual. No caso de dois titulares, o escalão etário a aplicar será o relativo á idade comum dos dois titulares.

4. Os valores indicados incluem já os encargos em vigor – 1% para INEM.

5. A taxa contratual para cálculo do premio será anualmente revista em função das idades e capitais do grupo seguro e comunicada ao Tomador de Seguro em caso de alteração (54.º PI)

21. O Autor tinha 39 anos de idade em 23.07.2002 (8.º PI).

22. Durante todo o período em que o contrato se manteve em vigor, o Autor (assim como a sua mulher, enquanto pessoa segura relacionada) foi recebedor dos respectivos certificados anuais de seguro.

23. ... (eliminado).

24. O Autor liquidou os seguintes valores mensais de prémio de seguro:

em 2007, 312.84€;

em 2008, 313.64€,

em 2009, 315.95€,

em 2010, 370.63€,

em 2011, 370.63€,

em 2012, 493.43€,

em 2013, 492.07€,

em 2014, 492.07€,

em 2015, 586,59€,

em 2016, €588,19,

em 2017, 800,58€,

em 2018, 800,58€,

em 2019, 800,58€,

em 2020, 956,29€

em 2021, 953,68€ (44.º PI)

25. Em 2022, questionada pelo Autor, a 1ª Ré (carta datada de 17 de Março de 2022), informou-o que: “Este contrato mantém o capital seguro inicial, uma vez que nunca recebemos qualquer pedido de atualização do mesmo para o valor do capital em dívida. A atualização do prémio desta apólice ocorre de 5 em 5 anos em função da sua idade” (45.º PI).

26. ...(eliminado).

27. No dia 07 de Novembro de 2022, o advogado do Autor enviou à 2.ª Ré um email com o seguinte teor: Foi celebrado no ano de 2002, o contrato de seguro (de grupo contributivo), supra identificado, em que V. Exas. intervêm na qualidade de Tomador do Seguro, sendo o meu constituinte um dos segurados. O capital seguro (no que ao meu cliente concerne) era € 329.207,00 e o prémio mensal a pagar de € 130,86. Informação (tão só agora prestada pela Fidelidade - email de 13.04.2022), constata o meu constituinte que ocorreram aumentos anuais e arbitrários do prémio de seguro, sem nunca terem notificado o meu constituinte/segurado das alterações/agravamentos do prémio (nem V. Ex.as, nem a Seguradora). Nunca apresentaram (nem V. Exas., nem a Seguradora) a fórmula do cálculo e/ou racional dos agravamentos do prémios. Não foi prestada qualquer informação (nem por V. Exas., nem pela Seguradora), como se encontravam legalmente obrigados, relativamente às alterações das condições contratuais, designadamente ao aumento do prémio do seguro. Pelo que os agravamentos do prémio de seguro são ilegais e foram indevidamente cobrados. O meu cliente tem direito a ser reembolsado dos valores pagos, desde o início do contrato, excedendo o prémio de seguro contratado de € 130,86/mês, conforme reclamou junto da Seguradora. Não tendo obtido qualquer reação da Seguradora, num prazo minimamente razoável, informamos que tenho instruções do meu cliente para demandar judicialmente V. Exas. e a Seguradora, o que ocorrerá até ao fim do corrente mês (68.º PI).

28. Respondeu a 2ª Ré ao Autor por email datado de 22 de Novembro de 2022 com o seguinte teor: Analisada a situação exposta e uma vez reunida a documentação, que remonta a 2002, cumpre-nos informar: Em Julho de 2002, J..., Lda (J..., Lda), visando satisfazer a necessidade dos seus clientes em subscrever apólices de seguros de vida a preço mais competitivo, aquando da aquisição de habitação própria com recurso a crédito bancário, celebrou com a Mundial Confiança (actualmente Fidelidade) um seguro de vida grupo temporário anual renovável, contributivo (Apólice nº.9.700.855), nos termos das Condições Particulares, Especiais e Gerais que se anexam (Doc.1) Nos termos das respectivas condições particulares, poderiam integrar o grupo segurável, “Todos os clientes do Tomador de Seguro (J..., Lda) e respectivos cônjuges que contraiam, com entidades bancárias, empréstimos para a compra de habitação própria (1ª Habitação ou habitação secundária), cuja idade, na data da sua admissão ao seguro, adicionada ao prazo de amortização da dívida, seja inferior ou igual a 65 anos ou 70 anos caso subscreva o Plano Seguro A ou B, respectivamente” ( I. GRUPO SEGURÁVEL). As mesmas condições particulares, sob o ponto “VI. PRÉMIOS” previam a evolução dos prémios de acordo com dez (10) escalões etários: (…).Foi a este seguro e a estas condições que o seu estimado cliente e esposa aderiram, tendo sido aceites enquanto pessoas seguras pela, então, Mundial Confiança, nos termos dos telefaxes da mesma datados de 23 de Julho de 2002.(Doc.2) No âmbito dos seguros de vida risco é do conhecimento comum que o decurso natural da idade é por si só um factor de agravamento do risco que se garante (a vida), porquanto, por cada ano que passa a probabilidade da morte é maior. Entre 2002 e 2022 o seu cliente foi vendo alterado o seu escalão etário pelo que não se pode estranhar que o prémio do seu seguro de vida se fosse, consequentemente, agravando. Pelo exposto, estou certa de que concluirá comigo que os agravamentos do prémio de seguro verificados, longe de serem uma surpresa (estavam previstos e foram comunicados aquando da adesão em 2002), não foram nem ilegais nem indevidamente cobrados (69.º PI)

29. Em 22 de Novembro de 2022 (através do email referido no ponto anterior) a 2ª Ré enviou ao Autor as condições particulares, condições gerais e condições especiais do Seguro Vida Grupo (anexo AP Vida Grupo_9700855.pdf) (48.º PI).

30. Entre Julho de 2002 e Março de 2022 o Autor não pediu informações à MUNDIAL CONFIANÇA, ou à 1ª e 2.ª Rés, sobre as condições do contrato em vigor (38.º e 39.º Cont. 2.ª Ré).

31. Por falta de pagamento dos prémios de seguro relativos a Janeiro, Fevereiro e Março de 2022 a 1.º Ré considerou operada a resolução do referido contrato com efeitos a 01.01.2022 (29.º e 30.º Cont. 1.ª Ré).


*


Factos não provados:

a. O contrato referido em 3. foi celebrado em 12 de Julho de 2002 (3.º PI).

b. A 1.ª Ré, na missiva que endereçou ao Autor em 23.07.2022 informou que o prémio mensal de €130,86 era devido apenas para a primeira anuidade (20.º Cont. 1.ª Ré)

c. A 1.ª Ré comunicou à aderente mulher que o prémio mensal de €69,41 era devido apenas para a primeira anuidade (22.º Cont. 1.ª Ré)

d. O Autor não se apercebeu do aumento do prémio por pagar por débito directo (26.º PI)

e. ...(eliminado)

f. A 1ª Ré, tanto aquando da formação do contrato como na sua execução, prestou todas as informações relevantes que incluíram a explicação, quer da diferença de prémio devido por cada um dos planos de seguro disponíveis, quer quanto ao modo de evolução desses mesmos prémios durante a vida do contrato, designadamente no que se refere aos períodos etários/momentos contratuais em que tal revisão era executada (51.º e 52.º Cont. 1.ª Ré).

g. Antes mesmo da subscrição da Apólice pelo Autor, o Sr. BB apresentou o produto de forma clara, explicando:

- valor do prémio mensal que seria pago pelo Autor e pela mulher

- Fórmula de contabilização do valor do prémio;

- Regras referentes à actualização do prémio, em função do aumento da idade da pessoa segura (15.º Cont. 2.ª Ré).

h. O Sr. BB entregou ao Autor: i. Cópia das condições gerais aplicadas ao Seguro em causa; ii. Cópia das Condições particulares; iii. Cópia das condições especiais; Tabela com a informação referente à evolução dos prémios de seguro ao longo do período de vida da Apólice (16.º Cont. 2.ª Ré).

i. O prémio do seguro foi aumentando anual e sucessivamente sem que as Rés tivessem informado ou explicado esse aumento ao Autor (23.º e 25.º PI).

j. As Rés nunca informaram o Autor da fórmula do cálculo e/ou racional dos agravamentos do prémio (19.º PI).

k. A informação sobre a actualização do prémio, a cada 5 anos, devido à idade, só foi conhecida do Autor através da referida missiva (46.º PI).


***


II – Fundamentação

1. Poderes conferidos pelo art.º 662º do Código de Processo Civil

Nos termos legais, desde que tal se integre no objecto do recurso, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – art.º 662, n.º 1 do Código de Processo Civil.

O Autor alega que “os factos 22, 23 e 26 e o facto 29 da decisão da matéria de facto deverão ser considerados provados, com a sua integral redação inicial atribuída pela sentença de 1ª instância” por não ter sido apresentada prova que impusesse decisão diversa, e, impender sobre as rés o ónus da prova sobre tal matéria.

Por seu turno, as rés, alegam que o recurso de revista não é admissível sobre esta questão por os limites de cognição do tribunal de revista excluírem a análise sobre o probatório, invocando o disposto no art.º 674.º e 681.º do Código de Processo Civil.

Sobre a alteração da matéria de facto dos pontos 22, 23, 26 e 29 estatuiu o Tribunal da Relação o seguinte:

“Pontos 22, 23, 26 e 29 dos factos provados e alíneas e), f), g) e h) dos factos não provados

Está aqui em causa a decisão que julgou provados os seguintes factos:

22. O prémio do seguro foi aumentando anual e sucessivamente sem que as Rés tivessem informado ou explicado esse aumento ao Autor;

23. As Rés nunca informaram o Autor da fórmula do cálculo e/ou racional dos agravamentos do prémio;

26. A informação sobre a actualização do prémio, a cada 5 anos, devido à idade, só foi conhecida do Autor através da referida missiva;

29. Só em 22 de Novembro de 2022 (através do referido email) é que a 2ª Ré enviou ao Autor as condições particulares, condições gerais e condições especiais do Seguro Vida Grupo (anexo AP Vida Grupo_.....55.pdf ).

E está também em causa a decisão que não julgou provados os seguintes factos:

e. Durante todo o período em que o contrato se manteve em vigor, o Autor (assim como a sua mulher, enquanto pessoa segura relacionada) foi recebedor dos respetivos certificados anuais de seguro;

f. A 1ª Ré, tanto aquando da formação do contrato como na sua execução, prestou todas as informações relevantes que incluíram a explicação, quer da diferença de prémio devido por cada um dos planos de seguro disponíveis, quer quanto ao modo de evolução desses mesmos prémios durante a vida do contrato, designadamente no que se refere aos períodos etários/momentos contratuais em que tal revisão era executada;

g. Antes mesmo da subscrição da Apólice pelo Autor, o Sr. BB apresentou o produto de forma clara, explicando:

- valor do prémio mensal que seria pago pelo Autor e pela mulher

- Fórmula de contabilização do valor do prémio;

- Regras referentes à actualização do prémio, em função do aumento da idade da pessoa segura.

h. O Sr. BB entregou ao Autor: i. Cópia das condições gerais aplicadas ao Seguro em causa; ii. Cópia das Condições particulares; iii. Cópia das condições especiais; Tabela com a informação referente à evolução dos prémios de seguro ao longo do período de vida da Apólice.

(…)

Apreciemos.

Começamos por referir que não encontramos razões para não julgar provado que o Autor tivesse recebido os certificados anuais de seguro.

Com efeito, se é certo que a testemunha CC declarou que os referidos certificados foram enviados todos os anos aos segurados com indicação do prémio a pagar nesse ano (como, aliás, é suposto e é normal acontecer), não é menos certo que seria, na nossa perspectiva, totalmente improvável que o Autor tivesse visto debitar na sua conta valores mensais substancialmente elevados sem ter qualquer informação da seguradora de que esse valor correspondia ao prémio a pagar. (…) Entendemos, portanto, que há elementos bastantes para julgar provado que o Autor foi recebendo, ao longo dos anos, os certificados anuais do seguro.

(…)

Assim e não existindo qualquer outra prova sobre essa matéria, pensamos não haver elementos para julgar provado nenhum desses factos, ou seja, não sabemos se a informação foi ou não prestada.

Em consequência:

• Julgam-se não provados – eliminando-se da matéria de facto provada – os factos constantes dos pontos 22, 23 e 26;

• O ponto 29 passará a ter a seguinte redacção: em 22 de Novembro de 2022 (através do email referido no ponto anterior), a 2ª Ré enviou ao Autor as condições particulares, condições gerais e condições especiais do Seguro Vida Grupo (anexo AP Vida Grupo_.....55.pdf );

• Julga-se provado – sendo aditado à matéria de facto provada – o facto constante da alínea e) dos factos não provados, ou seja: durante todo o período em que o contrato se manteve em vigor, o Autor (assim como a sua mulher, enquanto pessoa segura relacionada) foi recebedor dos respetivos certificados anuais de seguro

• Mantém-se a decisão proferida (não provado) em relação aos factos constantes das alíneas f), g) e h).”

O Tribunal de 1.ª instância considerou não provado que o Autor tivesse recebido anualmente os certificados anuais de seguro e o Tribunal recorrido considerou provado que os recebeu.

O Autor receber os certificados anuais de seguro é diferente de a seguradora ter enviado tais certificados. Não há nos autos qualquer prova do envio de tais certificados, e, muito menos da respectiva recepção. Há prova documental de parte dos certificados anuais de seguro, como refere o Tribunal de 1.ª instância (apenas os relativos aos anos de 2012 e seguintes), prova apresentada com a contestação pela ré Fidelidade, [ref.ª citius .....82] com base, naturalmente nos arquivos que tem, e, relativos ao contrato de seguro em análise, mas não acompanhada da prova desse envio, que deveria, também, constar do seu arquivo.

Como referem ambas as instâncias, uma testemunha, CC, mencionou que os ditos certificados foram enviados, mas a divergente consideração das instâncias relativas à prova deste facto não decorre de uma diversa valoração deste depoimento, circunstância que, decorrente, nesse caso, da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, impediria o tribunal de revista de sobre ela se pronunciar.

O Tribunal recorrido considerou provado que o Autor recebeu tais certificados porque, na sua perspectiva era “(…) totalmente improvável que o Autor tivesse visto debitar na sua conta valores mensais substancialmente elevados sem ter qualquer informação da seguradora de que esse valor correspondia ao prémio a pagar.

A prova de um facto depende dos meios de prova apresentados, da convicção que, analisados tais meios de prova, haja construído o julgador, quando a sua prova esteja subordinada ao princípio da livre apreciação da prova, e, é um momento que antecede a decisão de direito que sobre eles repousará. Apresenta-se como ilógica a presunção judicial retirada pelo tribunal recorrido. Ter ou não ter recebido os certificados depende em primeiro lugar de terem sido enviados, podendo a recepção não se ter verificado, ainda que o envio estivesse provado.

Mas, mesmo que bastasse a indicação da testemunha referida que o envio dos certificados ocorreu, relativamente a todos os 20 anos, sem haver uma única nota documental de tal envio, o certo é que da circunstância de o autor não ter reagido contra os valores que iam sendo cobrados na sua conta bancária não pode validamente inferir-se que recebeu tais certificados, como concluiu o tribunal recorrido. Tal ausência de reacção por parte do Autor quanto aos montantes cobrados é tão compatível com a recepção dos ditos certificados como com a sua não recepção.

Nos termos do disposto no art.º 341.º a função da prova é a demonstração da realidade de um facto, e de entre os meios de prova, as presunções são as ilações que a lei ou o julgador retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, art.º 349.º do Código Civil, sendo as presunções judiciais admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, art.º 351.º, todos do Código Civil, ou seja, quando a lei não imponha outro meio de prova ou afaste a prova testemunhal.

Por outro lado, a dúvida sobre a prova deste facto, apresentado pela defesa em sede de impugnação dos factos articulados pelo Autor, sempre teria de ser resolvida em desfavor da parte passiva, nos termos do disposto no art.º342.º do Código Civil.

O raciocínio seguido pelo Tribunal recorrido, no que à prova deste facto diz respeito, enferma de manifesta ilogicidade, pelo que se verifica, nessa medida, um uso incorrecto dos poderes que lhe são concedidos pelo art.º 662.º do Código de Processo Civil que atinge, igualmente a adição que determinou ao probatório:

• Julga-se provado – sendo aditado à matéria de facto provada – o facto constante da alínea e) dos factos não provados, ou seja: durante todo o período em que o contrato se manteve em vigor, o Autor (assim como a sua mulher, enquanto pessoa segura relacionada) foi recebedor dos respetivos certificados anuais de seguro”.

O Tribunal recorrido passa, em seguida a analisar:

Questão diferente é a de saber se o Autor foi (ou não) informado – designadamente no momento da adesão ao contrato – das condições do contrato no que toca aos prémios e respectiva actualização de 5 em 5 anos em função da idade e se, consequentemente, foi (ou não) informado das razões que determinavam o agravamento do prémio.”.

Concluiu, depois do uso presunções pouco suportadas nos factos provados e num eventual facto notório que:

“(…) Assim e não existindo qualquer outra prova sobre essa matéria, pensamos não haver elementos para julgar provado nenhum desses factos, ou seja, não sabemos se a informação foi ou não prestada.

Em consequência:

• Julgam-se não provados – eliminando-se da matéria de facto provada – os factos constantes dos pontos 22, 23 e 26.”.

Os factos em causa tinham o seguinte teor que lhe foi atribuído pelo tribunal de 1.ª instância, que os considerou provados:

22. O prémio do seguro foi aumentando anual e sucessivamente sem que as Rés tivessem informado ou explicado esse aumento ao Autor;

23. As Rés nunca informaram o Autor da fórmula do cálculo e/ou racional dos agravamentos do prémio;

26. A informação sobre a actualização do prémio, a cada 5 anos, devido à idade, só foi conhecida do Autor através da referida missiva;

Estes factos alegados na petição inicial, foram contestados pela defesa e têm a natureza de extintivos, ou pelo menos impeditivos do direito invocado pelo Autor, pelo que nos termos do disposto no art.º 342.º do Código Civil, competia às rés fazer prova de terem prestado ao Autor a informação contratual que ele alegou que foi omitida, por ser seu dever legal prestarem tal informação, mas não conseguiram produzir prova bastante neste sentido, ficando o tribunal em dúvida sobre a veracidade de tal facto que deverá ser resolvida em desfavor das rés.

O Tribunal recorrido funcionou como se o Autor não tivesse efectuado a prova do incumprimento do dever de informação que impende sobre as rés, nos termos legais, decidindo por uso das regras do ónus da prova em desfavor do Autor, quando confrontado com a dúvida a que chegou sobre se a informação em discussão foi ou não prestada pelas rés ao Autor.

O ónus de alegação, de natureza processual, não se confunde com o ónus da prova, de natureza material e, embora, com frequência sejam coincidentes, situações existem, como nas acções que têm por objecto a exigência do cumprimento de uma obrigação, em que uma parte tem o ónus de alegação e a parte contrária deve suportar o ónus da prova do facto contrário.

O cumprimento de uma obrigação, art.º 762.º é um facto extintivo da obrigação e o cumprimento da obrigação não se presume, fora dos casos previstos no art.º 786.º, ambos do Código Civil. Neste caso competirá ao credor alegar e provar a existência e exigibilidade da obrigação e, tão só alegar o seu não cumprimento, competindo ao devedor provar o cumprimento da obrigação, caso esteja demonstrada a sua existência e exigibilidade.

Seguindo o Prof. Professor Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 201, sobre a repartição do “ónus probandi”:

«a)Cabe ao autor a prova dos factos constitutivos do seu direito: dos momentos constitutivos do facto jurídico (simples ou complexo) que representa o título ou causa desse direito;

b)O réu não carece de provar que tais factos não são verdadeiros: “reo sufficit vincere per non ius actoris; actore non probante reus absolvitur [autor não probante, o réu deve ser absolvido] ”.

O que lhe compete é a prova dos factos impeditivos ou extintivos do direito do autor; dos momentos constitutivos dos correspondentes títulos ou causas impeditivas ou extintivas [...].»

Por seu turno, ainda seguindo o mesmo autor in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 196, diremos que o ónus da prova importa “ (…) para a parte a quem compete, o encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto – trazida ou não pela mesma parte” –.

Conjugado o disposto nos art.s 342º do Código Civil e 414º do Código de Processo Civil, perante a dúvida insanável sobre se a prestação das informações em causa nos referidos pontos da matéria de factor ocorreu ou não, só pode ter-se por provado que a informação não foi prestada, isto é, o incumprimento da obrigação.

O raciocínio seguido pelo Tribunal recorrido desvia-se de um percurso lógico, assente em deduções não suportadas em factos provados.

O Tribunal recorrido admite que, mesmo que a segunda ré não conhecesses todas as condições a que estava submetido o seguro de grupo, referindo que não há prova que as conhecesse, ainda assim, não faria sentido que esta estivesse a apresentar ao seu cliente um seguro de que não conhecesse todas as condições. Mas o importante para a alteração da matéria de facto não é o conhecimento pela segunda ré de tais condições, mas a transmissão das mesmas ao autor. Se é certo que não conhecendo as condições as não podia transmitir ao autor, o simples conhecimento que delas pudesse ter não é bastante para assegurar que informou o autor do seu conteúdo.

O que importa para a decisão destes autos não é o conhecimento que a 2.ª ré pudesse ter/não ter de todas as condições a que estava submetido o contrato de seguro, mas se o Autor foi delas informado, e sobre isto não indica o Tribunal recorrido qualquer elemento.

Em conclusão, percorrendo um percurso dedutivo que não acompanhamos, a sua decisão probatória não está contida dentro dos limites do princípio da livre apreciação da prova, contraria as regras do ónus da prova, e, nesta medida excede os poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662.º do Código de Processo Civil, mantendo-se o probatório tal como definido pelo Tribunal de 1.ª instância.

2. Abuso de direito

Apesar das alterações introduzidas na matéria de facto, o Tribunal recorrido ao aplicar o direito aos factos considerou que, apesar de ter sido incumprido o dever de informação ao segurado, a pretensão por ele formulada constituía abuso de direito, não podendo, por isso, ser atendida.

Insurge-se o Autor contra o acórdão recorrido fundamentalmente alegando que o seu direito está submetido ao prazo de prescrição ordinária de 20 anos, não podendo constituir abuso de direito a simples circunstância de o ter exercido próximo do seu termo quando, apenas em 2022, obteve os documentos que lhe permitiram conhecer o direito de que se arroga titular.

O Autor alegou na petição inicial que:

4 .(…) no dia 15 de julho de 2002 o A., na qualidade de segurado, apresentou uma proposta à 1ª Ré , aderindo a esse contrato de seguro de grupo (DOC 1).

5. No dia 23 de julho de 2002 o A. recebeu uma carta da 1ª Ré em que esta o informou da aceitação de proposta de adesão ao Seguro de Vida Grupo – Apólice .....55 – J..., Lda – n.º de processo 2002/1145 – Capital Seguro € 329.207,00, propondo um prémio mensal de € 130,86 (DOC 2).

6. O que sucedeu através da mediação da 2ª Ré, na qualidade de mediadora de seguros, que aconselhou o A. e tratou da tramitação necessária para a celebração o contrato de seguro.

7. O celebrado contrato de seguro teve início em 23 de julho de 2002.

8. O A. tinha 39 anos de idade, em 23.07.2002.

9. Tendo sido igualmente confirmado nessa missiva (de 17.03.2002 remetida pela 1ª Ré ao

Autor), que o capital seguro, no que ao A. concerne, era € 329.207,00…

10. Tendo a A. confirmado, ainda e nessa referida carta de 17.03.2022 que o prémio mensal a pagar pelo A. era de € 130,86, que resulta do facto de o seguro ter sido aceite com os seguintes sobreprémios:

• Agravamento de 100% na cobertura de Morte, devido a alterações analíticas

• Agravamento de 50% na cobertura de Invalidez Permanente Total permanente, devido

a alterações analíticas

11. Foram estas singelas e únicas informações facultadas pela 1ª e 2ª RR ao A. no momento de subscrição do contrato.

16. Pelo que as Rés não cumpriram com as suas obrigações legais e contratuais, designadamente, as previstas nos art.ºs 78º, 79º do RJCS.

17. As Rés procederam a aumentos anuais e arbitrários do prémio de seguro, sem nunca terem

notificado previamente o A., nem das eventuais alterações ao contrato, nem do agravamento do prémio.

18. As Rés nunca informaram nem notificaram o A. das alterações do contrato de seguro e das

condições gerais e especiais da apólice, nem agravamentos do prémio respectivo.

19. As Rés nunca informaram o A. da fórmula do cálculo e/ou racional dos agravamentos do prémio.

20. As Rés nunca prestaram ao A. qualquer informação como se encontravam legalmente obrigados, relativamente às alterações das condições contratuais, designadamente ao aumento do prémio do seguro.

21. Pelo que os agravamentos do prémio de seguro exigidos pela 1ª Ré ao A. são ilegais e foram indevidamente cobrados.”.

Cremos bem interpretar as suas alegações ao destacarmos que, nunca teve acesso à apólice, às respectivas condições gerais e particulares, e, mesmo assim, não só celebrou o contrato, ignorando os termos contratuais, como se manteve em tal estado de ignorância durante 20 anos, sem apresentar às rés a mínima dúvida ou necessidade de esclarecimento. Não se trata de não compreender uma cláusula mais complexa, não dispor de um elemento documental, não, os Autores desconheciam, quando contrataram, e assim se mantiveram, todos os elementos do contrato de seguro de grupo que subscreveram, excepto que ele garantia o empréstimo e que o prémio inicial era de € 130,86/mês.

Apesar de estar em causa um seguro de vida onde, por regra, são fixados prémios ditos “naturais”, actualizados em função da idade natural dos segurados/pessoas seguras para que estas, enquanto são mais jovens, paguem um prémio mais baixo do que aconteceria se tivesse contratado um seguro com prémio nivelado, isto é, aquele em que se calculava o prémio devido pelos 30 anos previsíveis de vigência do contrato, quase como se fosse um prémio “natural” e se dividiria pelo período previsível de vigência do contrato, previsto em 30 anos, pagando sempre o mesmo prémio, o Autor parece ter pensado que contratou um seguro de vida com prémio nivelado, que se manteria constante ao longo do contrato, invocando que se tivesse sabido que assim não seria, não teria celebrado o contrato.

A declaração individual de seguro, por ele e o seu cônjuge subscrita, indicam ser ele administrador e ela solicitadora, ambos trabalhadores independentes, e, na informação social e económica que prestaram refere auferir anualmente 35 000,00€, enquanto que o seu cônjuge auferia, então, 17 458,00€ anuais. O prémio de seguro era cobrado por débito em conta bancária indicada pelo Autor, e, este alega que, por essa razão, se não apercebeu, ao longo de todos estes 20 anos, que os prémios cobrados vinham aumentando ano a ano. Tendo em conta os rendimentos inicialmente declarados, mesmo que tenham vindo a sofrer um natural incremento, alegado na petição inicial, será difícil ter como aceitável, provável ou normal tal justificação para a tardia reacção quanto a tais valores, sobretudo por o valor dos prémios cobrados, nas palavras do Autor, terem subido 1000% em 20 anos, (art.º 25.º da p.i.), sem que ele tivesse reparado, sobretudo no contexto económico/financeiro que declarou possuir.

Não dizem, mas seguramente também pensavam os Autores que, à medida que envelheciam, nem por isso ficavam com mais probabilidade de adoecer ou morrer, o que significativamente aumentaria o risco coberto por este contrato de seguro.

Está aqui em causa a não prestação de informação no momento da celebração do contrato, e, até na fase pré contratual e, depois, ano a ano, a não prestação de informação relativa à fórmula de cálculo dos prémios anuais.

Quanto à falta de informação na fase pré contratual e na fase de celebração do contrato rege o DL 176/95, de 26 de Junho que estabelecia as regras de transparência para a actividade seguradora, atenta a data de celebração do contrato, que no seu art.º 2.º apenas estabelece deveres de informação da seguradora para com o tomador do seguro, aqui, 2.ª ré - art.º 171.º e 172.º do DL n.º 102/94, de 20 de Abril.

Em todo o caso, sempre o art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro impõe o dever de informação que foi omitido, impondo a exclusão da cláusula cuja informação foi omitida- art.º 8.º - do mesmo diploma, ou ainda o art.º 2.º , 8.º da L. n.º 24/96 de 31 de Julho.

O DL n.º 72/2008, de 16/04 (alterado pela Lei n.º 147/2015, de 09/09 e Lei n.º 75/2021, de 18/11) que estabeleceu o regime jurídico do contrato de seguro, como refere nos seus art.ºs 2.º e 3.º, que ele se” aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a sua entrada em vigor do presente decreto-lei, assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, e, nos contratos de seguro com renovação periódica, o regime jurídico do contrato de seguro aplica-se a partir da primeira renovação posterior à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, com excepção das regras respeitantes à formação do contrato”.

O DL n.º 72/2008, de 16/04 no seu art.º 78.º estabelece o dever de informar omitido e, no seu art.º 79.º, determina que o incumprimento de tal dever faz incorrer em responsabilidade civil nos termos gerais, aquele sobre quem impende o dever.

Teríamos assim que, nos termos legais expostos, a actualização dever-se-ia ter por excluída até à primeira renovação ocorrida após a entrada em vigor do DL n.º 72/2008, de 16/04, sendo geradora de responsabilidade civil, a partir de tal data, sendo que até 2022, segundo a matéria provada, não foi o Autor informado dos critérios de actualização do prémio.

Porém, para além do cenário antes referido e descrito pelo Autor na petição inicial: nunca recebeu a apólice, as condições gerais e particulares, nunca foi informado de nada, nunca pediu qualquer informação ou esclarecimento, nunca percebeu que os prémios iam aumentando todos os anos, ainda que os tivesse pago durante 20 anos, condutas que se afastam enormemente do comportamento do homem médio, tanto mais que estamos perante uns consumidores qualificados, um administrador e de uma solicitadora, esta com formação jurídica, há que realçar que o Autor beneficiou ao longo de 20 anos da cobertura do risco segurado.

A celebração de um contrato de seguro do tipo em discussão nos autos era obrigatória não só para a contratação do empréstimo bancário para aquisição de habitação a que ele esteve relacionado, mas também para o cumprimento desse contrato de mútuo. O Autor, sem ter demonstrado que conseguiria um seguro para o mesmo fim, com um prémio mais baixo, ou, pelo menos que, no computo geral da vida do contrato de seguro, tivesse implicado um substancial decréscimo de despesa que suportou com o pagamento dos prémios, sendo certo que não é possível devolver a prestação que recebeu da seguradora durante estes 20 anos, organiza uma contabilização dos seus danos, também não expressamente clarificada, atingindo o valor do pedido excluindo o valor da cobertura do risco de que efectivamente beneficiou durante a vigência deste contrato de seguro. Tal circunstância, todavia, poderia apenas militar a favor da pretensão das rés, pelo que a elas competia a respectiva alegação e prova.

A negligência com que o Autor actuou, pelo menos ao longo dos últimos 10 anos em que os prémios foram sofrendo agravamentos significativos, quando reportados ao montante que ele entende devido de € 130,86/mês, é notória.

A sua inoperância ao longo de todo este tempo de não querer saber, ou, pelo menos, procurar não saber, nas circunstâncias referidas, inequivocamente apresentam-se como anómalas.

A presente acção fundamenta-se na falta de prestação de informação de quase tudo relativamente ao contrato de seguro aqui em discussão, com particular destaque para a cláusula que previa a formula de cálculo do prémio de seguro, em especial a sua revisão de cinco em cinco anos de acordo com a idade das pessoas seguras, por natureza crescente e, por isso, aumentando o rico coberto.

A lei confere à pessoa segura, como antes referimos, o direito a essa informação impondo o dever de a prestar, neste caso às rés, em diversos diplomas e, também nos especificamente relativos à actividade seguradora. Não há dúvida que o legislador entende tal direito como de particular importância para garantir o equilíbrio contratual devido entre contratantes que se encontram em reais posições de desequilíbrio quanto à sua capacidade negocial, em termos manifestamente desfavoráveis ao segurado que adere a um contrato pré configurado pelo segurador. A sanção prevista para a omissão do cumprimento do dever de prestar informação é a obrigação de indemnizar o segurado pelos danos que assim lhe foram causados nos termos gerais de direito, art.º 79.º do DL n.º 72/2008, de 16/04, sendo que num contrato em vigor a cláusula sobre a qual foi omitida a informação devida haverá de ter-se por excluída.

O não cumprimento de uma obrigação imposta por lei, como o dever de informar a que nos vimos referir é, destinada a proteger os interesses da parte contratante mais fraca na negociação de um contrato de seguro, constitui uma violação ilícita do direito do segurado a ser informado pelo que, independentemente de tal violação ser imputável às rés, a título de dolo ou mera culpa, sempre dará lugar à obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação – art.º 483.º do Código Civil.

O legislador ao configurar o direito de informação do segurado do modo como fez, apesar da imposição de concretas e graves sanções a tal incumprimento, não colocou a cargo do segurado qualquer concreta obrigação de agir, que lhe imponha qualquer dever de se informar ou procurar activamente informação.

Assim, o segurado estará apenas obrigado a uma genérica obrigação de na celebração e execução do contrato agir de boa fé. Nada nos autos revela que, por parte do segurado, no momento da celebração do contrato ele se haja afastado do imposto pelo art.º 227.º do Código Civil. Com efeito nem a lei, nem a ética das relações sociais impunham ao segurado que nesse momento solicitasse todos os elementos em falta, ainda que fosse prudente fazê-lo. A generalidade das pessoas é compelida para a conformidade com o que lhes apresentam, sobretudo num momento em que as condicionantes da sua vida as colocam numa situação de premência da celebração de um contrato de seguro, para obterem um financiamento bancário, para adquirirem a sua casa de habitação.

A conduta do segurado ao longo dos 20 anos foi negligente e silenciosa, como antes analisamos, mesmo que não tivesse existido qualquer omissão do dever de informação, mas, ainda assim muito semelhante ao que julgamos ser a actuação comum dos cidadãos em Portugal relativamente à generalidade dos contratos de seguro cujos textos dificilmente compreendem inteiramente.

As rés alegam que a circunstância de os prémios terem sido pagos pelo Autor ao longo de 20 na sua integralidade, isto é, com as actualizações previstas contratualmente, criaram nelas a convicção de que o Autor aceitava tais actualizações. Não estão provados factos suficientes que suportem tal conclusão.

Será incontestável que assim seria se o Autor tivesse sido informado dos critérios utilizados para tal actualização. Provado que, apenas conheceu tais critérios em 2022, a sua actuação silenciosa, bem menos prolongada no tempo, não permite que se conclua pela sua aceitação das actualizações. Nos termos do disposto no art. 218.º do Código Civil “ O silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção” e, não existe lei, uso ou convenção aplicável à situação, no sentido pretendido pelas rés. Nem mesmo pode falar-se de declaração tácita – art.º 217.º do Código Civil - dada a ausência de factos que, com toda a probabilidade, a revelem. Há uma impossibilidade lógica de se aceitar aquilo que se desconhece, e, na verdade processual, única relevante para esta decisão, seja qual for a distância a que esteja da verdade ontológica, o Autor apenas tomou conhecimento dos ditos critérios de actualização do prémio em 2022. Entre 2002 e 2022 foi pagando os prémios que iam sendo apresentados a cobrança, talvez sem percepcionar o seu aumento quando ele era muito pequeno, facilmente confundível com inflação ou aumento dos custos administrativos, e, seguramente deles tomando nota pelo menos à medida que os valores iam crescendo de modo significativo, nada fazendo, nada perguntando. Mas a lei não lhe impunha que agisse de outro modo, pelo que, se não desvenda qualquer violação de um dever legal, ou sequer de uma regra de probidade e lealdade de pessoas honestas, que pudesse impedir ou diminuir o seu direito de ser indemnizado pelos danos causados pela omissão do dever de informação que onerava as rés. A actuação do Autor encontra-se, pois, ainda dentro do limite do que é juridicamente aceitável, tendo em conta que o legislador, neste caso, lhe conferiu uma ampla salvaguarda sem lhe exigir qualquer comportamento activo que provocasse a prestação da informação omitida.

A concreta situação de que nos ocupamos pode parece levar longe de mais a protecção do segurado, mas é a solução escolhida pelo legislador, e, a situação em que se encontram as rés depende, sobretudo, da estratégia de defesa que adoptaram de apenas invocarem o cumprimento da obrigação de informar, que não lograram provar, e de descurarem que poderiam ter demonstrado que os danos do Autor eram substancialmente inferiores aos peticionados, dado o valor do risco que foi efectivamente por elas suportado durante 20 anos.

Não se evidencia na matéria provada que o Autor haja utilizado abusivamente do seu direito, o que impõe a revogação do acórdão recorrido nesta matéria.

3. Prescrição do direito de exigir os montantes pagos em excesso

A ré Fidelidade, a título subsidiário, em ampliação do objecto do recurso, requereu a declaração de prescrição parcial do direito do Autor, nos termos previstos no Art.º 121º do DL 72/2008.

Em causa está o n.º 2 do referido preceito que determina que os “direitos emergentes do contrato de seguro prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa”.

Resulta da matéria provada que o direito de informação omitido deveria ter sido cumprido na fase pré contratual, ou, pelo menos, no momento da celebração do contrato.

O contrato foi celebrado em 23.07.2002, por ser esta data em que o Autor recebeu a comunicação de aceitação por parte do segurador do seu pedido de adesão ao seguro de grupo.

A acção foi proposta em 8 de Março de 2023. O prazo ordinário de prescrição - art.º 309.º do Código Civil - completar-se-ia em 24.07.2022 relativamente ao primeiro prémio pago, que, não tendo sofrido qualquer actualização não se mostra visado por esta decisão. À data de propositura da acção não se havia completado o prazo ordinário de prescrição referido, relativamente a todos os demais prémios anuais, sendo relevante para a interrupção do prazo de prescrição a citação das rés para esta acção ocorridas em 10 e 17 de Março de 2023. A consequência de tal citação, como estabelecido no art.º 326.º, n.º 1 do Código Civil é a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente.

O prazo de prescrição de cinco anos enunciado no art.º 121º do DL 72/2008 tem o seu termo inicial na data em que o titular teve conhecimento do direito.

Resultando da matéria provada que só em 2022 teve o Autor acesso à informação omitida e, com ela, o conhecimento dos factos constitutivos do direito que aqui se arroga, o prazo de 5 anos, em referência, não se mostra completado relativamente a nenhum dos prémios aqui em discussão.

Improcede, pois, a ampliação do objecto do recurso.


***


III – Deliberação

Pelo exposto acorda-se conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e repristinar a sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Custas pelas recorridas.


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Lisboa, 27 de Novembro de 2025

Ana Paula Lobo (relatora)

Maria da Graça Trigo, vencida nos termos do voto que se segue

Catarina Serra


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Voto de vencida

Com o devido respeito pela posição que fez vencimento, não posso acompanhá-la, tanto no que se refere à alteração da decisão de facto como no que se refere à reapreciação da decisão de direito.

No que respeita à alteração da decisão de facto pela seguinte ordem de razões: (i) por considerar que tal alteração excede o objecto do recurso, atendendo a que, nas conclusões recursórias que delimitam o referido objecto (cfr. conclusões 6 e 7), o recorrente se limitou a invocar o desrespeito por uma alegada exigência de prova documental para a prova do cumprimento do dever de informação por parte do segurador, exigência essa que não se encontra prevista na lei; (ii) por entender que a sindicância da decisão de facto feita na fundamentação do acórdão não cabe nas competências do Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que, mesmo admitindo-se que este Tribunal pode sindicar a ilogicidade manifesta das presunções judiciais utilizadas pela Relação, tal só será aceitável nas situações, muitíssimo raras, em que essa ilogicidade seja evidenciada pelo teor da própria decisão de facto, o que não é patentemente o caso; (iii) por considerar que o acórdão recorrido não desrespeitou as regras de distribuição do ónus da prova sobre o cumprimento/incumprimento dos deveres de informação, atendendo a que essas regras dizem respeito à decisão de direito e não à fixação da matéria de facto, como se afigura ter sido entendido pela posição que fez vencimento. Teria, portanto, mantido inalterada a matéria de facto, tal como fixada pelo Tribunal da Relação.

No que se refere à decisão de direito, votei no sentido de que se encontram preenchidos os pressupostos do abuso do direito com a fundamentação do acórdão recorrido, completada com o juízo de existência de uma situação de desequilíbrio e desproporcionalidade. Com efeito, considero inteiramente desequilibrado e desproporcionado que o autor possa obter a restituição de grande parte dos valores pagos a título de prémios do seguro, quando, durante vinte anos, beneficiou da protecção do risco de morte e incapacidade que o seguro lhe facultava, sendo-lhe impossível restituir esse benefício. Tal desequilíbrio e desproporção correspondem, a meu ver, a uma situação objectiva de abuso do direito.

Votei, assim, pela improcedência da revista com a consequente manutenção da decisão do acórdão recorrido.

Maria da Graça Trigo