Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1378/11.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
MANDATO FORENSE
PERDA DE CHANCE
PERDA DE EXPECTATIVA
DANO
PREJUÍZO
Data do Acordão: 12/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL - CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - PROFISSÕES FORENSES E ORDENS PROFISSIONAIS / ADVOGADOS.
Doutrina:
- Ana Prata, “Notas sobre a responsabilidade pré-contratual”, Revista da Banca, 16 Outubro – Dezembro de 1990 e Janeiro – Março de 1991.
- António Arnaud, Iniciação à Advocacia, 113 ss..
- Carneiro da Frada, Direito Civil – Responsabilidade Civil – Método do caso, 103.
- Castro Mendes, “Do Conceito Jurídico do Prejuízo”, Jornal do Foro, Ano 16, 1952, 44 ss..
- Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, 1944, 100; O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, I, 363 e ss..
- Jaime Gouveia, Da Responsabilidade Contratual, 1933, 227 e ss.; Da Responsabilidade Contratual, 91.
- Januário Gomes, Contrato de Mandato, 273.
- Júlio Gomes, “Ainda sobre a figura do dano de perda de oportunidade ou perda de chance”, II Seminário dos Cadernos de Direito Privado, n.º especial, 2, Dezembro, 2012.
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- Manuel de Andrade, com Rui de Alarcão, Teoria Geral das Obrigações, 2.a ed., 51 e 411 ss..
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- Patrícia Cordeiro da Costa, Dano de Perda de Chance e a sua perspectiva no Direito Português, dissertação de Mestrado.
- Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, 1103, nota.
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- Ricardo Lucas Ribeiro, Obrigações de Meios e Obrigações de Resultado, 2010, 19.
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- Sara Lemos Meneses, Perda de Oportunidade: Uma Mudança de Paradigma ou um Falso Alarme.
- Vaz Serra, ‘Impossibilidade superveniente por causa não imputável ao devedor e desaparecimento do interesse do credor’, BMJ — 46-20; BMJ 84-8.
- Yeves Avril, in ‘La responsabilité de l’ avocat’, n.º3, 2.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º1, 487.º, N.º2, 799.º, N.º1, 1157.º, 1158.º, N.º 1, 1161.º, 1180.º, 1207.º,
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 674.º, N.º3.
ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (LEI N.º 15/2005, DE 16 DE JANEIRO): - ARTIGOS 93.º, N.º 1, 94.º, 95.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17 DE OUTUBRO DE 2006 — 06 A2723
-DE 25 DE MARÇO DE 2010 – 1616/05.4TJVNE.S1
-DE 29 DE ABRIL DE 2010 – 2622/07.OTBPNF.P1.S1
-DE 2 DE NOVEMBRO DE 2010 – 2290/04.OTBBCL.G1.S1
-DE 11 DE JANEIRO DE 2011 – 2226/07.7TJVNF.P1.S1
-DE 31 DE MAIO DE 2011 – 85/04.7BBGC.P1.S1
Sumário :

1. O contrato de mandato tem como escopo único a prática de actos jurídicos, que não de actos materiais ou, até, intelectuais, por conta de outrem, embora, em regra, se destine à prática de negócios jurídicos.

2. Se o mandatário está a agir em seu nome ocorre mandato sem representação (artigo 1180 do Código Civil) que tem como consequência precípua que os actos praticados produzam efeitos na sua esfera jurídica.

3. Então, o mandatário adquire legitimidade activa e passiva, em termos de cumprimento do negócio jurídico que celebrou (negócio alheio ainda que com ocultação do mandante).

4. O mandato judicial (ou forense) é um contrato de mandato atípico sujeito às regras dos artigos 1157.º do Código Civil e 93 e segs. do Estatuto da Ordem dos Advogados, para cumprimento do patrocínio judiciário que é de interesse e ordem públicos, sendo como regra um mandato com representação.

5. No exercício/cumprimento desse mandato o advogado deve colocar todo o saber, perícia e empenho na defesa dos interesses do seu cliente/mandante, respeitando, outrossim, as regras impostas para o exercício da profissão mas dispondo de uma ampla margem de liberdade técnica.

6. O mandato forense integra uma obrigação de diligência (ou de meios) já que o advogado apenas se obriga a desenvolver uma actividade destinada a lograr a melhor solução jurídico-legal, pondo ao serviço do mandante todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos, mas não se vinculando ao desfecho da contenda que lhe é posta.

7. Ao mandatário forense não é apenas exigível a diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487 do Código Civil) já que lhe é imposto muito maior rigor na investigação, actualização e aplicação dos conhecimentos da sua arte.

8. A figura da perda de chance não está conceptualizada na lei e conecta-se com o facto de alguém ser lesado no direito de obter uma vantagem futura, ou de não ser lesado, por facto de terceiro, sendo que esse facto pode fundar responsabilidade contratual ou extracontratual.

9. Não se confunde com a perda de expectativa, pois aqui há uma esperança (com forte carga subjectiva) de um direito, por ter havido um percurso que a ele conduziria com forte probabilidade, sendo uma situação a inserir na dogmática da responsabilidade pré-contratual.

10. Na perda de chance não se busca a indemnização pela perda do resultado querido mas antes pela oportunidade perdida, como um direito em si mesmo.

11. Deve estar demonstrado – como matéria de facto da exclusiva competência das instâncias – a causalidade naturalística entre a conduta - activa ou omissiva – e a perda de chance de vencimento.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

AA intentou acção, com processo ordinário, contra “BB e Associados, Sociedade de Advogados”.

Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 83.798,00 euros acrescida de juros, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que recorreu aos serviços de advocacia da Ré para intentar uma acção por despedimento ilícito contra a “CC – CC, SA”, acção que foi proposta e correu termos, terminando com sentença, proferida em 27 de Agosto de 2007, que não correspondeu ao que esperava.

É que, embora constasse da petição inicial que o demandante não recebia a remuneração desde Julho de 1998 e essa alegação tivesse sido provada, da sentença não consta a condenação da então demandada nessas quantias por erro na elaboração da petição inicial que não continha tal pedido.

Concluiu afirmando que, por, e em consequência desse erro, ter deixado de receber a quantia de 83.798,00 euros, correspondente a 40 meses de trabalho prestado, deve a Ré ser responsabilizada por tal dano.

Defendeu-se esta por impugnação e reconvenção.

Ali, impugnou os factos articulados alegando ter sido o Autor quem, desde o início, quis optar pelo recebimento de indemnização de antiguidade, ao invés da reintegração na sociedade; que também foi o Autor quem não quis interpor recurso da sentença e sugeriu que, após o respectivo trânsito em julgado, se incluísse na negociação das quantias a liquidar em execução de sentença as retribuições em dívida; que, outrossim, foi o Autor quem inviabilizou essa negociação por não ter entregue os documentos para tal necessários.

Ainda referiu que a lide em causa foi “particularmente difícil” designadamente em função do ónus da prova que cumpria ao Autor, tendo este recebido 10.363,00 euros líquidos, a título de indemnização por danos não patrimoniais, tendo-se sempre mostrado agradado com a sentença.

No pedido cruzado, a Ré reclamou do Autor o pagamento de uma indemnização de 30.000,00 euros, acrescida de juros de mora, por aquele lhe ter imputado factos falsos, atentatórios do seu bom nome e reputação, o que lhe causou vexame e preocupações.

Na 1.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa a acção foi assim decidida:

“I. Julgar o pedido formulado pelo Autor AA parcialmente procedente e, nessa medida, condenar a Ré “BB e Associados, Sociedade de Advogados” a pagar àquele o montante indemnizatório que, em incidente de liquidação posterior a esta sentença, se apure como sendo 75% (setenta e cinco por cento) do somatório das remunerações que eram devidas ao Autor pela RTP no período compreendido entre Julho de 1998 e 22 de Outubro de 2001, deduzidas as quantias que correspondiam ao desconto de 1/3 (um terço) sobre a parcela remuneratória dessas retribuições (excluindo, assim, as ‘ajudas de custo’) a título de penhora judicial, até ao limite de 83.798,00 euros peticionados.

II. Condenar a mesma Ré no pagamento de juros de mora sobre o valor da indemnização que se apure nos termos anteriormente referidos, à taxa de juro supletiva legal, desde a data da sentença que proceder à liquidação até integral e efectivo pagamento.

III. Julgar improcedente, na restante parte, o pedido formulado pelo Autor e do mesmo absolver a Ré. IV. Julgar integralmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré e do mesmo absolver o Autor/reconvindo.”

A Ré-reconvinte apelou para a Relação de Lisboa.

Esse Tribunal julgou a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogou a sentença recorrida” na parte respeitante à apreciação do petitório formulado pelo Autor na acção, decretando em sua substituição que a mesma é improcedente e que a Ré vai absolvida do pedido.”

Confirmou “a parte da sentença recorrida que julgou improcedente a reconvenção e absolveu o Autor do pedido reconvencional e também do pedido da sua condenação como litigante de má-fé.”

Por inconformado, o Autor pede revista.

E culmina a sua alegação com as seguintes conclusões:

“1.ª O presente recurso de revista limita-se ao segmento decisório do douto Acórdão de fls. em que revogou a sentença proferida em primeira instância na parte respeitante à apreciação do petitório formulado pelo Autor, ora Recte., na acção, e decretou, em sua substituição, que a mesma é improcedente e absolveu a Ré, ora Recda., do pedido;

2.ª Para tanto, estribou-se o Venerando Tribunal a quo, desde logo, no facto de considerar que o ora Recorrente., ao não recorrer da sentença laboral proferida na acção que, sob o n° 31472002, correu termos pela 2ª Secção do tribunal do Trabalho de Lisboa, com ela se conformou e, consequentemente, conformou-se também com o não recebimento das remunerações correspondentes a 40 meses de trabalho;

3ª Além disso, considerou o mesmo Venerando Tribunal que seria completamente inusitado pedir ao Tribunal, na acção laboral, que condenasse a ‘CC, SA’, a pagar ao ora Recte. uma quantia cujo pagamento nunca se negou a fazer;

4ª E que recaía sobre o ora Recorrente o ónus da prova do lapso do qual emerge a perda da oportunidade do pagamento ao ora Recorrente. da quantia correspondente a 40 meses de remunerações, e que este não logrou provar;

5ª Por outro lado, considerou-se no douto aresto que, de qualquer modo, o ora Recorrente leu o conteúdo da petição inicial que deu origem à acção laboral acima identificada, e à mesma não objectou nem formulou qualquer proposta de alteração;

6ª Por outro lado ainda, considerou o Vendo. Tribunal a quo que não existem nos autos elementos de facto provados que permitam concluir com certeza pela ocorrência de um lapso da Recorrida ao não formular pedido de condenação da ‘CC, SA’, ao pagamento de 40 meses de remunerações, ou se, pelo contrário, esse lapso resulta de uma estratégia estabelecida pelo ora Recorrente e/ou aceite por este;

7ª Finalmente, afirma-se no douto aresto sob escrutínio que é incontornável e absolutamente decisivo para o destino do pleito a voluntária recusa do ora Recorrente em deixar a Ré participar no acerto de contas com a ‘CC, SA’, na qual o pagamento dessas quantias salariais (e outras) em dívida podia, com perfeito cabimento, ser discutida;

8ª A tese expendida no Acórdão sob censura não colhe em nenhum dos seus múltiplos argumentos, operando uma errada análise e subsunção da factualidade dada como assente ao direito aplicável;

9ª Efectivamente, o dever de diligência que para os advogados se desprende do mandato não é o que se retira do padrão de conduta do homem médio a que se refere o art° 487°, n° 2 do Código Civil e que o n° 2 do art° 799° do mesmo código manda aplicar à responsabilidade contratual;

10ª Esse dever é especialmente qualificado e exigente, é o dever de um profissional com elevada preparação intelectual, actualizado e experiente;

11ª É a própria Recda. quem, na conclusão 4ª da sua alegação de recurso, citada a fls. 2 do Acórdão sob censura, reconhece que a acção para a qual (o ora Recte.) contratou os serviços da R. era muito complexa e difícil;

12ª Também não será, seguramente, despiciendo referir que, como consta dos autos, o ora Recorrente, dirigindo-se ao Ilustre causídico, Dr. DD, em 13 de Maio de 2011, referia ter recorrido aos serviços daquele por ter considerado, e considerar, que estava a recorrer ao melhor Advogado de Direito do Trabalho deste País;

13ª Do que antecede claramente resulta o elevadíssimo grau de confiança deposto pelo ora Recorrente no advogado por si escolhido, pelo que se mostra inverosímil que pudesse admitir a hipótese de que o seu mandatário permitisse que praticasse um acto tão leviano como fosse o de não interpor recurso relativamente a uma sentença que o prejudicava, na medida em que com o respectivo trânsito precludia o direito a obter o pagamento pela sua entidade empregadora de remunerações correspondentes a 40 meses de trabalho;

14ª Sucede que o eventual recurso, pese embora a possibilidade de o Tribunal, na sentença laboral, poder condenar extra vel ultra petitum, mostrava-se com elevadíssimo grau de probabilidade condenado ao insucesso;

15ª Isso mesmo resulta do texto do Acórdão recorrido, em manifesta contradição, aliás, com o primeiro dos seus fundamentos, quando nele se refere, que de facto, não tendo sido discutida em 1ª instância a questão da utilização pelo juiz laboral da faculdade que a Lei lhe concede de condenar extra vel ultra petitum, não poderia o Autor, em sede de recurso, peticionar que essa faculdade fosse usada pela Relação;

16ª Ao contrário do que se afirma no douto aresto, a invocação, em sede de causa de pedir e de pedido, na acção laboral, do direito ao reconhecimento, e consequente condenação da Ré ‘CC, SA’, ao pagamento da quantia correspondente a 40 meses de remunerações, mostrava-se não só apropriada, mas mesmo imprescindível, sendo a única forma de fazer valer esse direito;

17ª Por isso é que a acção que a Recda. entendeu a adequada à satisfação do interesse do ora Recorrente, foi a acção laboral comum destinada a demonstrar a existência de um vínculo de contrato individual de trabalho entre aquele e a RTP e a retirar dessa qualificação jurídica as necessárias consequências quanto a créditos emergentes desse contrato e (i)licitude do termo do mesmo;

18ª Com esse propósito, na petição inicial que impulsionou essa lide, a Recda. começou por enunciar os factos que no entender do seu constituinte configuravam uma relação jurídica de trabalho subordinado, seguindo-se, além do mais, a alegação que no âmbito dessa relação, desde Julho de 1998, o ora Recorrente não recebia qualquer remuneração;

19ª Assim, pese embora a articulação desses factos fizesse prever a formulação de um pedido de condenação da RTP no pagamento das remunerações vencidas desde Julho de 1998, e que o ora Recte. não recebera, nenhuma pretensão foi formulada a esse propósito;

20ª Ora, como decorre do art° 337° do Cód. do Trabalho, e decorria já dos normativos que o antecederam, desde a primitiva LCT, os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, prescrevem decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho;

21ª Assim sendo, gozando o trabalhador da faculdade de, uma vez reconhecida a ilicitude do despedimento, optar pela reintegração ou pela indemnização por despedimento, e reservando-se essa faculdade, como foi o caso, era da mais elementar regra de prudência que na acção impugnatória de despedimento a causa de pedir contemplasse e invocasse todos os factos necessários por forma a que, na altura própria, o trabalhador exercesse a opção pela reintegração ou pela indemnização por antiguidade;

22ª Manifestamente não foi o caso na acção laboral subjacente aos presentes autos, sendo certo que o ora Recorrente, tendo optado pela indemnização por despedimento, a cessação do contrato fixou-se na data em que este ocorreu, contando-se a partir do dia seguinte o início do prazo de prescrição (um ano) dos créditos salariais detidos por aquele;

23ª O facto de ocorrer mora creditoris relativamente ao pagamento dos 40 meses de retribuições em causa não impedia o reconhecimento do crédito, e a consequente condenação da ‘CC, SA’, ao respectivo pagamento, mas apenas que o Recorrente reclamasse o direito a juros;

24ª De resto, tal pretensão, relativa a remunerações vencidas, sempre vingaria, mesmo caso improcedesse o pedido de declaração da ilicitude do despedimento, desde que, como sucedeu, o contrato celebrado entre o ora Recorrente e a ‘CC, SA’, fosse declarado como contrato de trabalho;

25ª Contrariando a tese da impropriedade do meio processual usado pela Recda. para obter o pagamento dos 40 meses de retribuições a que o Recorrente tinha direito, está o facto de tal argumento não ter sido sequer invocado pela Recorrida, que a esse propósito se limitou a afirmar que a questão das retribuições não foi, nem tinha que ser, nem fora contratado que fosse, nem o A. deu instruções para que fosse, peticionado tal pagamento na mesma acção;

26ª Ao contrário do decidido, demonstrado fica que o pedido de condenação da Ré na acção laboral ao pagamento dos créditos salariais do Recorrente correspondentes a 40 meses de remunerações era não só o local próprio, mas ainda que era o único meio de garantir o reconhecimento e pagamento desse crédito, acaso viesse a final a optar, como optou, pela indemnização legal por despedimento ilícito, face ao prazo de prescrição do aludido crédito;

27ª O lapso referido na conclusão anterior resulta documentalmente provado nos autos, com a petição inicial da acção laboral intentada pelo Recorrente contra a ‘CC, SA’;

28ª Lapso esse que é manifesto, pois que em sede de causa de pedir claramente se alegou que o A. não recebia qualquer remuneração desde Julho de 1998 inculcando a articulação desse facto, integrado, aliás, numa sequência lógica e cronológica dos demais articulados na mesma peça, que fosse formulado o inerente pedido de condenação da CC no pagamento das remunerações vencidas desde Julho de 1998 e que o Recorrente não recebera;

29ª Ao cometimento do referido lapso não obsta o facto de, como já sucedia à data dos factos no direito adjectivo laboral, a lei prever o dever de o tribunal condenar além do pedido e em objecto diverso do peticionado;

30ª Ainda que a condenação ‘extra vel ultra petitum’ pudesse prefigurar-se na situação em presença, o correspondente dever do tribunal não eximia o advogado diligente e cauteloso de formular um pedido que o tribunal devesse apreciar;

31ª Tratava-se de uma precaução elementar, idónea a prevenir entendimento diverso do tribunal que arredasse, pura e simplesmente, a pretensão do cliente da discussão jurídica da sentença;

32ª O Recorrente provou, assim, o lapso cometido subjacente ao peticionado na presente lide, além de que os factos em que radica o referido lapso foram dados como provados na acção laboral 33ª Saber se esse lapso resultou de uma estratégia estabelecida pelo ora Recorrente. e/ou aceite por este, é apurar sobre um facto impeditivo do direito do Recorrente.;

34ª Sendo assim, era sobre a Recda., e não sobre o Recte., que recaía não só o ónus de alegar, mas também de provar, a ocorrência desse facto, face ao disposto no art° 571° do CPC de 2013 (do mesmo modo que no art° 487° do CPC revogado), e ao disposto no art° 342°, n° 2, do Cód. Civil;

35ª Mostra-se, assim, manifestamente especulativa a alusão feita no Acórdão recorrido a uma eventual estratégia estabelecida entre Recorrente e Recorrida quanto a não peticionar a quantia correspondente a 40 meses de remunerações do Recorrente, pois que, quanto a isso, a própria Recorrida. se limitou laconicamente, a alegar que a questão das retribuições não foi, nem tinha que ser, nem fora contratado que fosse, nem o A. deu instruções para que fosse, peticionado tal pagamento na acção;

36ª Não exime a responsabilidade da Recorrida. o alegado facto de o Recorrente ter lido o conteúdo da petição inicial que deu origem à acção laboral acima identificada, e à mesma não ter objectado nem formulado qualquer proposta de alteração;

37ª Sendo a própria Recorrida a assumir tratar-se aquela de uma acção ‘muito complexa e difícil’, o certo é que da petição inicial consta alegada a factologia de cuja prova dependia o reconhecimento do direito do ora Recorrente ao pagamento da quantia correspondente a 40 meses de remunerações;

38ª Assim sendo, não se vê qual o motivo pelo qual devesse o Recorrente objectar, sugerir ou formular qualquer proposta de alteração da petição inicial;

39ª Diferentemente seria, isso sim, se o Recorrente fosse advogado ou, pelo menos, licenciado em direito — mas não é, nem tal qualificação profissional ou académica é referida nos autos;

40ª Se fosse esse o caso, aí sim, poderia o Recorrente distinguir entre a causa de pedir e o pedido, a inteligibilidade de um e outro, a necessidade da adequação de um e outro, por forma a permitir um raciocínio silogístico, enquadrando os factos consubstanciadores da causa de pedir no direito aplicável, para, a partir daí, extrair os respectivos efeitos e concluir pela procedência ou improcedência do pedido formulado;

41ª Porém, essa tarefa, se já por si se mostra delicada e difícil, na medida em que pode ditar a sorte da lide, mais difícil se mostra numa acção complexa, (como é o caso dos autos, segundo a própria Recorrente.), pelo que não raras vezes ocorre o convite ao aperfeiçoamento ou a absolvição da instância por ineptidão do articulado inicial;

42ª A voluntária recusa do Recte. em deixar a Recorrida participar no acerto de contas com a "CC, SA", na qual o pagamento dessas quantias salariais (e outras) em dívida podia, com perfeito cabimento, ser discutida, ao contrário do defendido no douto Acórdão, nenhuma relevância assume para a sorte da presente lide;

43ª Perfeito cabimento tinha discutir e acertar as contas relativamente à condenação que consta em 5.a) e b) da parte vinculativa da douta sentença laboral, citada a fls. 9 do douto Acórdão, em que se remete para a execução da sentença a liquidação das retribuições contadas desde 16 de Setembro de 2002 até á data da sentença, bem como as correspondentes a férias, subsídio de férias e de natal contadas desde 1996 até à mesma data;

44ª O que não tinha já cabimento é que nessa sede Recorrida e Recorrente tentassem fazer ‘entrar pela janela’ o que tinham ‘deixado fugir pela porta’, ou seja, abranger nesse acerto as retribuições devidas ao Recorrente desde Julho de 1998 até à data do seu despedimento, primeiro, porque o Tribunal do Trabalho assim não tinha condenado; segundo, porque, como referido, os créditos salariais do Recte. a esse título encontravam-se já prescritos;

45ª Ao contrário do douto Acórdão, a não menos douta sentença do Tribunal da 1ª instância fez uma correcta análise, julgamento e enquadramento jurídico dos factos;

46ª E fê-lo, ao ter como certo que o dever de diligência que para os advogados se desprende do mandato não é o que se retira do padrão de conduta do homem médio a que se refere o art° 487°, n° 2 do Código Civil e que o n° 2 do art° 799° do mesmo código manda aplicar à responsabilidade contratual;

47ª Fê-lo, ao considerar que esse dever é especialmente qualificado e exigente, é o dever de um profissional com elevada preparação intelectual, actualizado e experiente. É o dever que se exige da pessoa a que se confia uma parte da vida pessoal, da pessoa a que está cometida a função nobre, mas particularmente difícil, de escolher a forma de pedir em Tribunal a tutela jurídica de que é merecedor o cliente e de actuar em Juízo buscando, pelos meios que a lei faculta e em litígio permanente com a contraparte, essa mesma tutela;

48ª Fê-lo ainda porque, tendo por bom esse critério particularmente exigente de cumprimento da obrigação de meios a que o advogado está adstrito, a omissão de formulação de um pedido que precipitasse aquela parte da factualidade articulada e que permitisse a que fosse apreciado o direito do autor às remunerações vencidas desde Julho de 1998, constituiu um erro, um lapso profissional, um incumprimento do mandato;

49ª Dir-se-á (como se refere na mesma sentença), que esse lapso não ocorre quando, como já sucedia à data no direito adjectivo laborai, a lei prevê o dever de o tribunal condenar além do pedido e em objecto diverso do peticionado;

50ª Ainda que a condenação '’extra vel ultra petitum’ pudesse prefigurar-se na situação em presença, o correspondente dever do tribunal não eximia o advogado diligente e cauteloso de formular um pedido que o tribunal devesse apreciar. Tratava-se de uma precaução elementar, idónea a prevenir entendimento diverso do tribunal que arredasse, pura e simplesmente, a pretensão do cliente da discussão jurídica da sentença;

51ª A Recorrida., contrariamente ao que era seu ónus, nada demonstrou que permitisse justificar a omissão acima detectada, nomeadamente, como se pode prefigurar no plano das meras hipóteses, uma estratégia de defesa do interesse do autor que passasse por não peticionar aquele crédito na acção judicial;

52ª Vê-se assim que a ré omitiu o dever de cuidado e de diligência a que estava adstrita e que o fez com a culpa que a lei presume no art° 799°, n° 1 do Código Civil;

53ª Por força do disposto nos art°s 798° e 563° do Código Civil, o incumprimento culposo do contrato constitui o devedor na obrigação de indemnizar o credor pelos danos que tenham nesse incumprimento a sua causa adequada;

54ª O douto Acórdão sob censura viola, assim, por errada interpretação e aplicação, o disposto, além de outros, nos art°s 571° do CPC de 2013, 342°, n° 2, 483°, 487°, n° 2, 496°, n° 2, 563°, e 798°, 799°, n° 1 e 814° do Cód. Civil.”

A Ré ofereceu doutas alegações em defesa do julgado.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto:

- O Autor recorreu aos serviços de advocacia da Ré para intentar uma acção judicial contra a “CC – Radiotelevisão Portuguesa, SA”;

- A acção foi intentada e correu termos na 2.ª secção do 1.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa sob o n.º 314/2002;

- A petição foi subscrita pelo Ilustre Advogado Dr. DD que, nessa peça, escreveu:

“A partir de Junho de 1992, porque a Ré - perante uma ordem judicial que ordenou se procedesse à penhora de 1/3 do vencimento do Autor - se permitiu calcular esse 1/3 em relação ao montante global de todas as quantias pagas ao trabalhador, maxime as liquidadas a titulo de abonos ou ajudas de custo, e exactamente por considerar tal actuação da Ré em absoluto ilegítima já que esses montantes não são retribuições, mas antes a cobertura de despesas já suportadas pelo trabalhador), o A. recusou-se a receber a errada parcela da sua remuneração que a R. lhe pretendia impor (Docs. 61 a 64). (...)É então que a R., por comunicação feita ao Autor em 22/10/01 pelo Director do Centro de Produção do Porto, lhe comunica a imediata cessação do seu vínculo que há 22 anos o ligava à RTP e lhe determina a entrega do equipamento com que normalmente fazia as reportagens para a CC (Doc. 75). (...) Pelas razões já atrás apontadas e, nomeadamente, as circunstâncias de a R. pretender efectuar ilegalmente a penhora de montantes que não constituem remuneração e também de pretender levar o Autor a aceitar implicitamente a qualificação de prestação de serviços - o Autor não recebe qualquer remuneração desde Julho de 1998; (...) Sendo o contrato existente entre Autor e R. um contrato de trabalho, tal conduta configura um despedimento totalmente ilícito, atento o disposto no art 12 RJ.C.C.I.T, aprovado pelo Dec. Lei. 64-A/95 (...) Acontece que a situação do Autor, e por virtude da conduta da R.. começou a tornar-se verdadeiramente insuportável para o mesmo A.; Já que não apenas se viu privado do direito ao regime geral da Segurança Social; Bem como do pagamento dos subsídios de férias e de Natal que a R. pagava contudo aos colegas do Autor que faziam rigorosamente as mesmas funções que ele. (...) Tem, pois, o Autor direito, nos termos da lei e designadamente dos arts 32, n.º 2, da L.C.T. e do art 13 do RJCCIT, aprovado pelo Dec. lei 64-A/89 a: (...) a) Que o contrato existente com a R.. seja declarado como contrato de trabalho, com antiguidade reportada ao efectivo início da prestação da actividade (maio de 1979) e com retribuição actual nunca inferior a € 2094,95 mensais; b) Receber todas as remunerações que deveria ter normalmente auferido entre a data do despedimento e a data da sentença e que ascende já a, pelo menos, € 2094.95x 14 = € 29.325,30; c) optar entre a reintegração com a colocação ao nível remuneratório que lhe compete, e nunca inferior ao do seu colega EE ou, quando assim se não entender, aos seus colegas com a categoria de jornalista/operador repórter, com antiguidade idêntica à sua, ou a indemnização por antiguidade, num montante nunca inferior a 2094,35x 23 x 2 = €96.367,70;”

- Foi, pela "CC, S.A." interposto recurso da sentença parcialmente transcrita em 6. para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa [alínea G) dos factos assentes].

- O autor decidiu não interpor recurso da decisão recurso da sentença parcialmente transcrita [alínea H) dos factos assentes].

- Na sequência do trânsito em julgado da sentença, o autor sugeriu que se incluíssem, nas negociações extrajudiciais com "CC, S.A." para a quantificação dos montantes ilíquidos aí, os valores correspondentes às retribuições entre Julho de 1998 e Outubro de 2001 [alínea I) dos factos assentes].

- O autor, apesar de instado para tal, não entregou à ré documentos que comprovassem que auferira rendimentos do trabalho entre a data da sentença e do despedimento, o que comprometeu o sucesso das negociações em 9. [alínea J) dos factos assentes].

- O autor obteve os documentos referidos e entregou-os à "CC, S.A.", recebendo quantias em dinheiro a título de retribuições intercalares [alínea K) dos factos assentes].

- Em "e-mail" remetido ao Dr. DD em 13 de Maio de 2011, o autor declarou: "(...) Não querendo pôr em causa o trabalho e a dedicação da Dra. FF não foi por acaso que recorri a ti por ter considerado, e considerar, que estava a recorrer ao melhor Advogado de Direito do Trabalho deste País. Sobre a opinião que tens da sentença tenho que ser sincero contigo... esperava mais! Se não vejamos: (...) 2. Por minha culpa, mas também por não ter sido devidamente aconselhado, optei pela indemnização. Ora, se tal tivesse acontecido (o bom conselho) teria optado pela reintegração e para chegar a um acordo de rescisão tinha sempre tempo. Assim, estou sem trabalho; (...) Durante o julgamento foi, por várias vezes, referida a situação que eu tinha criado ao me recusar a receber os ordenados e as despesas referentes ao serviço prestado a partir de Junho de 1998 até ao despedimento ilegal que ocorreu em 22/10/2001. Tal facto consta de várias peças processuais encontrando-se mesmo devidamente documentado. Ora, a realidade é que, em minha opinião, o dinheiro que eu deveria receber com maior facilidade era precisamente aquele em que trabalhei, não recebi e ainda gastei dinheiro em despesas. Tal não aconteceu porque não foi pedido. Numa das minhas comunicações eu pedia-te para que analisasses a Sentença. Não ponho em dúvida que o tenhas feito mas o certo é que não te apercebeste desta situação absurda e que me é altamente prejudicial. Espero que sobre o exposto me digas alguma coisa; (...)"[alínea L) dos factos assentes].

- A procuração conferida pelo autor ao seu I. Mandatário data de 30 de Março de 2011 e a petição inicial que deu origem a estes autos foi remetida a juízo em 20 de Junho de 2011 [alínea M) dos factos assentes].

- A ré teve conhecimento de que o autor constituíra um novo mandatário em 17 de Junho de 2011 [alínea N) dos factos assentes].

- Na petição inicial que deu origem a estes autos, o I. Mandatário do Autor escreveu: "(...) 5. Contudo, o processo não obteve o desfecho pretendido e esperado pelo Autor. 6. É que, embora constasse de alegações no corpo da Douta Petição Inicial, fosse posteriormente objecto de consagração em despacho saneador, a verdade é que o pedido não foi feito, pelo que não poderia ser concedido ao Autor. (...)”

- Mais especificadamente, o Autor deixou de receber a quantia de € 83 798,00, correspondentes a 40 meses de trabalho prestado e não recebido.

- Isto porque, o A. Havia transferido os poderes de representação judicial, conforme supra invocado e demonstrado.

- E com comportamento, de mera culpa, pelo menos assim pretende acreditar o Autor, foi cometida a ilicitude que supra se indicou prejudicando o Autor no montante ora indicado.

- Foi a sociedade, através do seu representante, quem prejudicou o Autor, ao não elaborar o pedido de condenação da então Ré ao pagamento de todos os montantes relativos a ordenados recusados, de forma justificada, a receber. (...)"[alínea O) dos factos assentes].”

- A ré e os advogados que a integram, ao tomarem conhecimento da petição inicial parcialmente reproduzida, sentiram-se indignados [resposta ao artigo 2.º da base instrutória].

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1. Mandato.

2. Mandato forense.

3. Obrigações de meios e de resultado.

4. Perda de chance.

5. Conclusões.

1 Mandato.

Integra a causa de pedir – na acepção do facto jurídico de que procede a pretensão material deduzida na acção – o incumprimento do contrato de mandato.

Embora se trate de mandato forense (aqui judicial) abordaremos esta figura mais adiante tratando, de imediato, e por tal nos parecer curial, a dogmática do mandato em geral.

A definição de mandato consta do artigo 1157.º do Código Civil, que inovou a disciplina constante do artigo 1318.º do diploma de Seabra.

Actualmente, o contrato em apreço tem como único escopo a prática de actos jurídicos, que não já actos meramente materiais (ou, até, intelectuais) por conta de outrem, deixando os últimos, v.g., para os contratos de empreitada e de prestação de serviços.

Ali, o artigo 1207.º do Código Civil é muito claro ao apontar para a produção de uma obra em sentido material (v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça desta Conferência, de 25 de Março de 2010 – 1616/05.4TJVNE.S1 ao exemplificar “a criação, construção, modificação, reparação ou, até, demolição de uma coisa”, o que, como se disse, não ocorre no mandato.

Este, embora normalmente se destine à prática de negócios jurídicos, pode limitar-se à comissão de actos jurídicos, desde que o seja por conta do mandante. (cf. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, II, 3.ª ed, 706).

E se o mandatário está a agir em seu nome, o artigo 1180.º do Código Civil trata a figura como mandato sem representação, o que tem como consequência precípua os actos praticados produzirem efeitos na esfera jurídica do mandatário, que adquire legitimidade activa e passiva no negócio jurídico celebrado, em termos de cumprimento.

Melhor explica o Doutor Pessoa Jorge (in “O Mandato Sem Representação”, 1961, reimp. 2001, 100), ao referir que, muitas vezes, a ocultação do mandante (“verdadeiro interessado”) pode fazer parte do negócio e até “constituir uma obrigação” do mandatário. (“… é o que acontece normalmente na comissão, em que o comissário deve guardar segredo sobre quem é o comitente, segredo que também aqui é, muitas vezes, a alma do negócio.”).

Por isso é que o Dr. Januário Gomes refere que, nestes casos, o mandatário pratica um “acto jurídico alheio”, pois que o mesmo não lhe pertence e vai repercutir-se na esfera jurídica do mandante. (apud. “Contrato de Mandato”, 273).

Assente, então, estarmos perante um contrato nominado e típico, passemos ao ponto seguinte.

2 Mandato forense.

Trata-se de um mandato especial por quatro razões nucleares.

-A primeira é, desde logo, ter obrigatoriamente como mandatário um profissional do foro (advogado ou solicitador) o que o faz presumir oneroso (artigo 1158.º, n.º 1, Código Civil);

-A segunda, reger-se por normas próprias, como sejam, fundamentalmente, o Estatuto da Ordem dos Advogados;

-A terceira, é ser sempre um mandato com representação outorgado através de procuração constante de instrumento notarial ou de acta de acto judicial, salvo se exigida a outorga de poderes especiais pelo mandante.

-A última é ter, na maioria dos casos (como, por exemplo, os constantes das leis adjectivas civil e penal) natureza obrigatória, ou seja, o acto jurídico não pode ser praticado directamente pelo autor se inserido na marcha de certos processos.

Como na situação em apreço o mandato foi conferido a um Advogado, para intentar uma acção e, naturalmente, acompanhar os seus ulteriores termos, cumpre elencar os deveres do mandatário.

O mandato forense (judicial) impõe ao mandatário um conjunto de deveres mais rígidos do que os constantes do artigo 1161.º do Código Civil, referentes ao mandato em geral.

Isto porque, e como tivemos oportunidade de referir no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2010 – 2622/07.OTBNF.P1.S1, desta Conferência, está em causa o patrocínio judiciário que é de interesse e ordem pública.

O Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 15/2005, de 16 de Janeiro) impõe ao Advogado a defesa dos “interesses legítimos do cliente” (artigo 93.º, n.º 1) recusando-o no caso de conflito (artigo 94.º) ; ainda (artigo 95.º):

“Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitada, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário;

Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiencia, saber e actividade; Aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa;

Não celebrar em proveito próprio, contratos sobre o objecto das questões confiadas; Não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas.”

Nos preceitos seguintes dispõem-se normas sobre honorários, seguro, “quota litis” e provisões, que irrelevam na economia deste Acórdão.

Verifica-se, assim, que o legislador foi muito cuidadoso tendo o escrúpulo de ser exaustivo na imposição de deveres, a maior parte deles sem conceptualização branca e, por conseguinte, sem a necessidade de serem densificados.

E embora se reconheça uma larga margem de liberdade na actuação dos Advogados, o que se prende com a estratégia processual e até com as suas características idiossincráticas a reflectirem-se na condução da lide, os preceitos estatutários acima referidos vinculam-no na ética e deontologicamente a um apertado acervo de deveres, para além de lhe imporem uma “legis artis” muito típica, já que, sobretudo quando actuam nos Tribunais, estão sujeitos a uma álea resultante da não exactidão do Direito como ciência e da não univocidade das opiniões e soluções jurídicas.

3 Obrigações de meios e de resultado.

Vejamos qual o tipo de obrigações que integra o contrato de mandato forense.

Seguimos de perto o nosso Acórdão acima citado, de 29 de Abril de 2010 (2622/07), desta Conferência e Relator, que se mantém actual:

“Tradicionalmente, a doutrina faz o ‘distinguo’ entre obrigações de meios, obrigações de resultado e obrigações de garantia (cf. o detalhe do Prof. Gomes da Silva in ‘O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar’, I, 363 e ss; Prof. Vaz Serra — ‘Impossibilidade superveniente por causa não imputável ao devedor e desaparecimento do interesse do credor’, BMJ — 46-20 e Prof. Manuel de Andrade, com o Prof. Rui de Alarcão, ‘Teoria Geral das Obrigações’, 2.a ed., 51 e 411 ss). O Dr. Ricardo Lucas Ribeiro (in ‘Obrigações de Meios e Obrigações de Resultado’, 2010, 19) define ‘as obrigações de resultado como sendo aquelas, em virtude das quais o devedor fica adstrito, em benefício do credor, à produção de um certo efeito útil, que actua satisfatoriamente o interesse creditório final ou primário, isto é, o interesse que em último termo o credor se propõe alcançar’; já nas obrigações de meios ‘o devedor se obriga apenas a desenvolver uma actividade ou conduta diligente em direcção ao resultado final (realização do interesse primário do credor) mas sem assegurar que o mesmo se produza.’ É certo que a diligência no exercício de uma actividade ou conduta diligente em direcção ao resultado final (realização do interesse primário do credor) mas sem assegurar que o mesmo se produza.

É certo que a diligência no exercício de uma actividade direccionada é, em si mesma um resultado, daí haver quem apode este último tipo de ‘obrigações de diligência’ muito embora a diligência seja, afinal, exigível no cumprimento de qualquer obrigação.

Prefere-se a terminologia clássica pois mesmo na obrigação de meios, a prudência (ou diligência) sendo, embora, comum a toda a relação obrigacional, mais não representa do que o mínimo exigível pelo credor para alcançar qualquer objectivo correcto e legal.

Isto é, a distinção entre meio e resultado tem apenas a ver com o efeito final alcançado com a conclusão do negócio. Se o credor busca um técnico (ou um perito) que ponha a sua arte (ou engenho) para alcançar certo objectivo mas não o possa garantir (garantindo apenas que tudo fará para o conseguir) a obrigação será de meios.

Se, contudo, o mesmo credor acorda com o técnico (ou perito) que lhe obtenha determinado efeito e este lho garante ‘ab initio’ (e se mostra em condições de o obter) a obrigação será de resultado.

Mas, insiste-se, em ambas o devedor terá de usar da sua máxima diligência e rigor (‘the best of his ability’) quando, tratando-se de um profissional, o mandato exija conhecimentos técnicos da sua especialidade. Sendo, v.g., um advogado ou um médico não basta a diligência do homem médio ( a aferir no cotejo com o comportamento ‘de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso’, para utilizar a terminologia do n.° 2 do artigo 487.° do Código Civil) como comportamento padrão ficcionado pela lei. É que aqui a culpa é apreciada "in abstracto" (‘bonus pater famílias’ ou ‘reasonable man’) apelando-se para o paradigma de conduta que teria uma pessoa medianamente cuidadosa.

Se, porém, ainda que fora da apreciação ‘in concreto’, o que está em causa é a conduta de um profissional de certa arte, a diligência exigível terá de encontrar-se no modo como se investigou, actualizou, adequou e aplicou os conhecimentos da sua especialidade.

Ora, tal exige um muito maior rigor do que se espera do cidadão médio. Quando este recorre ao médico ou ao advogado procura que ao seu serviço - e no estudo, diagnóstico ou prognose do seu caso — esteja um especialista que investiu intelectualmente na respectiva ciência e seja dotado de conhecimentos inacessíveis ao comum das pessoas e enquadrados por uma moldura de regras deontológicas — deveres acessórios — que o resguardam de certa leviandade. Por tudo isso, como se referiu, a diligência neste tipo de obrigações é acrescida e potenciada e, sendo embora uma obrigação de meios, estará na fronteira de resultados.

Não se olvide, finalmente, que o advogado goza de autonomia técnica que lhe confere uma margem de liberdade de actuação por vezes não perfeitamente compatível, com o espartilho contratual puro.

Vejamos agora onde enquadrar a responsabilidade civil do advogado: se contratual se extracontratual. Delineámos acima a dogmática do mandato forense e bosquejámos o tipo de obrigação que gera.

Podemos concluir que não se trata de um contrato de trabalho mas um contrato de mandato forense com as especificidades já explanadas. O incumprimento do contrato — ainda que pelo desrespeito pelos deveres acessórios que a deontologia impõe — gera, em princípio, responsabilidade contratual. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2006 — 06 A2723 — desta mesma Conferência, conclui-se poderem coexistir ambos os tipos de responsabilidade (contratual e aquiliana) — ‘mesmo para com o cliente, dependendo do facto ilícito se traduzir no incumprimento de cláusula (ou dever) do mandato forense ou se tratar de violação de outro dever, ou preceito legal, não integrado precisamente no contrato de mandato. (cf., Dr. L.P. Moitinho de Almeida, 2.a ed., 13).

Mas só uma pode ser invocada.’ Refere o autor citado que ‘se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advém do exercício de certo mandato (ou outro) que firmou com o constituinte, tacitamente ou mediante procuração, incorre em responsabilidade civil contratual; se o advogado praticou acto ilícito lesivo dos interesses do seu 11 de 24 constituinte, iá a sua responsabilidade civil para com o mesmo constituinte é extracontratual.’ Para o Dr. António Arnaud (in “Iniciação à Advocacia”, 113 ss) ‘a responsabilidade civil do advogado não se pode radicar no contrato de mandato não sendo, em consequência, contratual.’

Yeves Avril (in ‘La responsabilité de l’ avocat’, n.º3, 2) faz o ‘distinguo’ entre a responsabilidade para com os clientes – sempre contratual, e para com terceiros – só extracontratual. A responsabilidade do advogado para com terceiros é sempre extra contratual. Por vezes, o mesmo facto ilícito pode integrar os dois tipos de responsabilidade (cf., em abono deste entendimento, os Profs. Rui de Alarcão, in ‘Direito das Obrigações’, 1983, 210 e Miguel Teixeira de Sousa, apud ‘Concurso de Títulos de Aquisição de Prestação’, 1988, 136; mas em sentido contrário, e no domínio da lei anterior, o Dr. Jaime Gouveia, ‘Responsabilidade Contratual’, 1933, 227 e ss e agora o Prof. Almeida Costa). Porém, só uma delas pode ser invocada como causa de pedir ou se considerar-se estar-se perante uma situação de concurso aparente de normas a situação contratual consome a extra contratual (ob. cit., 455 e ss.)."

4 Perda de chance.

4-1 A perda de chance não surge caracterizada na lei mas, tão-somente, na doutrina e na jurisprudência, tendo estreita conexão com a responsabilidade civil, quer contratual, quer aquiliana.

Pressupõe a existência de uma conduta causal de um dano resultante da violação de um direito do lesado.

O dano (n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil) é, na óptica do Prof. Vaz Serra (BMJ 84-8) “todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não”.

E o Prof. Pereira Coelho define-o como o “prejuízo real que o lesado sofreu ‘in natura’ em forma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem corpóreo ou ideal” (in “O problema da causa virtual na responsabilidade civil”, 250).

Na área dos danos patrimoniais a doutrina faz o “distinguo” entre positivos (ou emergentes) – “perda ou desfalque de valores que já constituíam o património do lesado” e os lucros cessantes (ou lucros frustrados) consistentes num direito a ganho que se gorou, ou seja, e melhor, quando a lesão impediu um ganho, que só pela sua verificação o lesado não auferiu.

Ao conceptualizar o dano vem-se partindo da expressão “prejuízo”, mas a doutrina utiliza indiferentemente as duas (cf. Prof. Jaime Gouveia, in “Da Responsabilidade Contratual”, 91) tendo-se vulgarizado a expressão “perdas e danos”, agora abrangendo os referidos conceitos de dano emergente e lucro cessante, para no direito francês se apodar de “dommage” e também de “préjudice”, sendo que a “common law” refere “damages”, fazendo o “distinguo” entre “actual damages”, “compensatory damages”, “consequential damages” e “incidental damages”, apesar de ser muito frequente a utilização do termo “injury” (“damage that comes from the violation of a legal right”).

O Prof. Gomes da Silva (apud, “O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar”, 1944, 100) defendia o uso do termo dano, sendo que o Prof. Castro Mendes preferia o prejuízo (in “Do Conceito Jurídico do Prejuízo”, in “Jornal do Foro”, Ano 16, 1952, 44 ss) referindo que “a relevância jurídica do prejuízo provém da especialidade do seu objecto”.

Consideramos a ofensa como sinónimo de dano (em sentido lato) causado a outrem, na sua pessoa, direitos, reputação ou propriedade, e que a mesma se desdobra em prejuízos (danos em sentido restrito) directos (actuais e imediatos), mediatos (ou sequenciais) e expectáveis (ou lucros cessantes) cujo ressarcimento pode ter a natureza de compensação pura ou de compensação sancionatória. (cf., a propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 2011 – 85/04.7BBGC.P1.S1 – desta Conferência).

A perda de chance tem uma dogmática diferente da perda de expectativa, embora tenham pontos que se tocam.

Na perda de expectativa releva a componente subjectiva.

Após um percurso que pode conduzir a um resultado gratificante cria-se no agente a esperança de vir a ser beneficiado, pois que, na sua óptica, tem uma grande probabilidade de obter tal benesse.

É uma situação tratada a nível de responsabilidade pré-contratual (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2007 – 07 A402 - desta Conferência e Dra. Ana Prata “Notas sobre a responsabilidade pré-contratual” in “Revista da Banca” 16 Outubro – Dezembro de 1990 e Janeiro – Março de 1991).

Já a perda de chance (ou de oportunidade) tem uma componente essencialmente objectiva caracterizada por o lesado ter sido privado de obter uma vantagem jurídica por ter havido a interposição de um terceiro a praticar uma conduta omissiva, que afastou (desviou) essa vantagem (cf. o Dr. Carneiro da Frada que a considera um dano em si – apud “Direito Civil – Responsabilidade Civil – Método do caso”, 103).

Trata-se de “imaginar”, ou prever, uma situação que ocorreria não fora o ilícito.

4-2 Vejamos agora o desenvolvimento da lide que correu termos no Tribunal de Trabalho de Lisboa e em que foi Autor o, ora recorrente e Ré a “ RTP – Radiotelevisão Portuguesa, SA”, cuja petição inicial foi subscrita pelo Dr. DD, e que se encontra a fls. 44 destes autos, tendo sido intentada a 15 de Outubro de 2002.

No tocante ao que aqui releva, depois de afirmar que a relação entre o Autor e a ali Ré era um verdadeiro contrato de trabalho, que não de prestação de serviços como aquele pretendia ser, afirmou:

“ 39. A partir de Junho de 1998, porque a Ré – perante uma ordem judicial que ordenou se procedesse à penhora de 1/3 do vencimento do Autor - se permitiu calcular esse 1/3 em relação ao montante global de todas as quantias pagas ao trabalhado, maxime as liquidadas a título de abonos ou ajudas de custo, e exactamente por considerar que tal actuação da Ré em absoluto ilegítima (já que esses montantes não são retribuições, mas antes a cobertura de despesas já antes suportadas pelo trabalhador), o Autor recusou-se a receber a errada parcela da sua remuneração que a Ré lhe pretendia impor.

40. A partir dessa data – e embora continuasse a trabalhar diariamente para a Ré – o Autor também se recusou a assinar os contratos que a Empresa lhe apresentou para assinar.

53. A Ré, por comunicação feita ao Autor em 22 de Outubro de 2001, pelo Director do Centro de Produção do Porto, lhe comunica a imediata cessação do seu vínculo que há 22 anos o ligava à RTP”.

62. Pelas razões já atrás apontadas – e nomeadamente as circunstâncias de a Ré pretender efectuar ilegalmente a penhora de montantes que não constituem remuneração e também de pretender levar o Autor a aceitar implicitamente a qualificação de prestação de serviços - o Autor não recebe qualquer remuneração desde Julho de 1998.

( Cotejando de seguida a sua situação com a do seu colega Rui Sá (que desempenhava as mesmas funções) mas dizendo conhecer ‘com exactidão’ os montantes pagos a este, apelou ao princípio da cooperação pedindo ao Tribunal que os indicasse).

72. Julgando, todavia, saber que o montante remuneratório pago pela Ré ao referido colega Rui Sá, com a função de jornalista/operador repórter rondaria, à altura do despedimento do Autor, um valor não inferior a 420.000$00 mensais (ou seja, 2094,95 euros).

81. Tem, pois, o Autor direito, nos termos da lei, designadamente dos artigos 32.º, n.º 2, e 33.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional e do artigo 13.º do RJCCIT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89 a:

a) Que o contrato existente com a Ré seja declarado como contrato de trabalho, com antiguidade reportada ao efectivo início da prestação da actividade (Maio de 1979) e com a retribuição actual nunca inferior a 2094,95 euros mensais;

b) Receber todas as remunerações que deveria ter normalmente auferido entre a data do despedimento e a data da sentença, e que ascendem já a , pelo menos €2094,95 x 14 = €29.329,20;

c) Optar entre a reintegração com colocação no nível remuneratório que lhe compete, e nunca inferior ao seu colega Rui Sá ou quando assim se não entender, aos seus colegas com categoria de jornalista/operador repórter, com antiguidade idêntica à sua, ou a indemnização por antiguidade, no montante nunca inferior a 2094,95 x 23 x 2 = €96367,70;

d) A ser pago dos montantes dos subsídios de férias e de Natal, bem como do mês de remuneração do período de férias, por cada ano até ao presente, em montante a liquidar em execução de sentença, por o Autor não dispor neste momento de todos os elementos que lhe permitam o cálculo e liquidação de tais diferenças;

e) Ao pagamento da indemnização pelos danos morais supracitados nos n.ºs 73 a 80 em montante que se reputa não ser inferior a €20.000,00.;

f) Juros, à taxa legal, sobre todas estas quantias desde a data do respectivo vencimento (quanto às remunerações e subsídios) e da citação (quanto aos restantes), até integral pagamento.”

Esse primeiro articulado conclui pedindo a condenação da Ré “na integralidade do pedido” com “juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.”

Mais adiante, assim o culmina:

“Desde já se requer, nos termos do artigo 528.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aqui aplicável ‘ex vi’ do artigo 1.º do CPT, visto se tratar de documentos em poder da parte contrária e com manifesto interesse para a descoberta da verdade, seja a R. notificada para fazer juntar aos presentes autos o registo biográfico do A., horários e todos os elementos referentes à actividade profissional do mesmo A. desde 1979 até Outubro de 2001, para prova, v.g., dos n.ºs 1 a 6, 10, 14 a 16, 21 a 23, 33, 34, 59, 64, bem como o registo dos vencimentos pagos ao seu trabalhador Rui Manuel da Silva Sá desde a sua admissão até à presente data e dos operadores de imagem com antiguidade na Ré idêntica à do A. (para prova, v.g., dos n.º 70, 71, 72).”

Do que fica exposto resulta, sem dúvida, que a Ré alegou os factos permissivos da condenação nos montantes salariais vencidos e, agora, questionados pelo Autor.

A não obtenção de tal quantia pelo demandante na lide laboral não se deve a conduta menos diligente - e ao arrepio da “legis artis” – ou com incumprimento da disciplina geral do mandato ou das normas especiais do mandato forense acima elencadas.

Ademais, e como resulta dos factos provados (alínea H dos factos assentes) até foi o Autor quem tomou a decisão de não recorrer da sentença proferida na lide laboral, tendo até sugerido que “se incluíssem nas negociações extrajudiciais com a RTP para a quantificação dos montantes ilíquidos os valores correspondentes às retribuições entre Junho de 1998 e Outubro de 2001 (Alínea J dos factos assentes) não tendo “apesar de instado para tal entregue à Ré os documentos que comprovassem que auferia rendimentos do trabalho entre a data da sentença e do despedimento, o que comprometeu o sucesso das negociações” (alínea J dos factos assentes).

Mas mesmo que se entendesse estar provado o dano, improcederia a prova do nexo causal – aqui, naturalístico, por se tratar de uma relação causa-efeito inserível num plano meramente factual a integrar pura matéria de facto insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674.º, n.º 3 novo Código de Processo Civil ; 729.º, n.º 1 e 722.º, n.º 2, anterior Código de Processo Civil) v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2011 – 2226/07 – 7TJVNF.P1.S1 e de 2 de Novembro de 2010 – 2290/04 – OTBBCL.G1.S1 – que é o cerne do instituto da perda de chance.

Além do mais, movendo-nos no âmbito da responsabilidade contratual, tal como acima se assentou, sempre a Ré teria ilidido a presunção de culpa do n.º 1 do artigo 799 do Código Civil (cf., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2010 – 2622/07.OTBPNF.P1.S1, desta Conferência).

Aliás, e ainda que assim não se entendesse, preferível seria aderir ao Dr. Paulo Mota Pinto e defender que “não há base jurídico positiva para apoiar a indemnização em perda de chances” parecendo-lhe preferível aceitar nestes casos a inversão do ónus ou facilitação da prova (“Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, I, 1103, nota).

(Cf. com relevo para a questão que tratámos, a dissertação de Mestrado da Dra. Patrícia Cordeiro da Costa – “Dano de Perda de Chance e a sua perspectiva no Direito Português”; Mestre Rui Cardona Ferreira, in “A Perda de Chance revisitada [A propósito da Responsabilidade do Mandatário Forense”, Sep. ROA, 73, IV, Out-Dez 2013; Dra. Sara Lemos Meneses “Perda de Oportunidade: Uma Mudança de Paradigma ou um Falso Alarme” e Prof. Júlio Gomes, “Ainda sobre a figura do dano de perda de oportunidade ou perda de chance”, in II Seminário dos Cadernos de Direito Privado”, n.º especial, 2, Dezembro, 2012).

5 Conclusões.

Pode, desde já, concluir-se que:

a) O contrato de mandato tem como escopo único a prática de actos jurídicos, que não de actos materiais ou, até, intelectuais, por conta de outrem, embora, em regra, se destine à prática de negócios jurídicos.

b) Se o mandatário está a agir em seu nome ocorre mandato sem representação (artigo 1180 do Código Civil) que tem como consequência precípua que os actos praticados produzam efeitos na sua esfera jurídica.

c) Então, o mandatário adquire legitimidade activa e passiva, em termos de cumprimento do negócio jurídico que celebrou (negócio alheio ainda que com ocultação do mandante).

d) O mandato judicial (ou forense) é um contrato de mandato atípico sujeito às regras dos artigos 1157.º do Código Civil e 93 e segs. do Estatuto da Ordem dos Advogados, para cumprimento do patrocínio judiciário que é de interesse e ordem públicos, sendo como regra um mandato com representação.

e) No exercício/cumprimento desse mandato o advogado deve colocar todo o saber, perícia e empenho na defesa dos interesses do seu cliente/mandante, respeitando, outrossim, as regras impostas para o exercício da profissão mas dispondo de uma ampla margem de liberdade técnica.

f) O mandato forense integra uma obrigação de diligência (ou de meios) já que o advogado apenas se obriga a desenvolver uma actividade destinada a lograr a melhor solução jurídico-legal, pondo ao serviço do mandante todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos, mas não se vinculando ao desfecho da contenda que lhe é posta.

g) Ao mandatário forense não é apenas exigível a diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487 do Código Civil) já que lhe é imposto muito maior rigor na investigação, actualização e aplicação dos conhecimentos da sua arte.

h) A figura da perda de chance não está conceptualizada na lei e conecta-se com o facto de alguém ser lesado no direito de obter uma vantagem futura, ou de não ser lesado, por facto de terceiro, sendo que esse facto pode fundar responsabilidade contratual ou extracontratual.

i) Não se confunde com a perda de expectativa, pois aqui há uma esperança (com forte carga subjectiva) de um direito, por ter havido um percurso que a ele conduziria com forte probabilidade, sendo uma situação a inserir na dogmática da responsabilidade pré-contratual.

j) Na perda de chance não se busca a indemnização pela perda do resultado querido mas antes pela oportunidade perdida, como um direito em si mesmo.

k) Deve estar demonstrado – como matéria de facto da exclusiva competência das instâncias – a causalidade naturalística entre a conduta - activa ou omissiva – e a perda de chance de vencimento.

Nos termos expostos, acordam negar provimento ao recurso e, embora com fundamentos mais alargados, confirmar o Acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

Alves Velho