Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2208/16.8T8STR.E1.S2
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
BANCO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DEVER DE INFORMAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 02/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALEMNTE
Sumário :
Estando demonstrado que o intermediário financeiro violou deveres de esclarecimento e/ou de informação ao apresentar ao investidor um determinado produto financeiro e que a violação do dever foi condição sine qua non da decisão de investir, o art. 562.º do Código Civil determina que deva ser reconstituída a situação que existiria se o investidor não tivesse adquirido o produto financeiro que lhe foi apresentado.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



1. AA e BB residentes na Estrada ..., lugar da ..., ..., instauraram contra Banco Bic Português, S.A., com estabelecimento na Rua ..., ..., em ..., acção declarativa com processo comum, pedindo a condenação do Banco BIC Português, S.A.,

I. — a pagar-lhes, ou a restituir-lhes, a quantia de € 250.000,00 e

II. — a pagar-lhes quantia € 25.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantias estas acrescidas de juros.


2. A 1.ª instância proferiu sentença, em que julgou parcialmente procedente a acção, nos termos seguintes:

“Face ao exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, considera-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condena-se o Réu Banco BIC Português, S.A., a pagar aos Autores AA e BB, a quantia de €251.500,00 (duzentos e cinquenta e um mil e quinhentos euros) acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, absolvendo-se quanto ao mais pedido.”


A quantia em causa correspondia à soma de duas parcelas — de 250 000 euros, a título de danos patrimoniais, e de 1500 euros, a título de danos não patrimoniais.


3. O Réu Banco Bic Português, S.A., interpôs recurso de apelação.

           

4. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 

“I. O Banco Recorrente não pode concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nos pontos 2.1.2, 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.8, 2.1.9, 2.1.11, 2.1.12 e 2.1.14.

II. Não pode ainda o Banco Recorrente concordar com a matéria de facto dada como não provada e descrita nos pontos 2.2.2, 2.2.3 e 2.2.5.

III. O Facto provado 2.1.2 deveria ter a seguinte redação: “Em Abril 12 de Abril de 2006, o funcionário do Réu, CC, atuando em nome do mesmo, disse ao Autor marido, que tinha uma aplicação equivalente a um depósito a prazo e com rentabilidade assegurada.”

IV. Deveriam ainda ser dados como provados os factos não provados 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.8, 2.1.9, 2.1.11, 2.1.12 e 2.1.14.

V. A modificação da matéria de facto impõe-se pelos depoimentos da testemunha CC (ficheiro 20170510095028_2665860_2871699) e pela análise do boletim de subscrição do produto.

VI. Os Autores intentaram a presente ação apresentando uma causa de pedir muito clara - artigo 17º da Petição Inicial - “Deste modo, o Banco Réu é depositário de 520.000,00€ que mantém aplicados em Obrigações SLN 2006, dinheiro que deveria ter aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis semestralmente”.

VII. Esta causa de pedir, seja ela entendida com contratação em erro, seja entendida como aplicação não autorizadas do dinheiro dos Autores, num produto que não o pretendido - o depósito a prazo - não resultou de forma alguma provada.

VIII. A prova desta causa de pedir, ou seja, de que o Autor marido contratou com o banco um depósito a prazo cabia aos Autores. Era essencial à sua alegação, constituindo, na senda do caminho trilhado pela sentença recorrida, o facto ilícito consubstanciador da eventual responsabilidade do banco - a venda de obrigações da SLN com depósitos a prazo do banco.

IX. Esta realidade não resultou provado e como tal deveria o Banco ter sido absolvido.

X. Entende o Banco Recorrente não ter sido prestada qualquer garantia do banco relativamente ao reembolso do produto em causa.

XI. Ora caindo esta prestação de garantia, cairá também a responsabilidade do Banco Recorrente.

XII. Entre Recorrente e os subscritores estabeleceu-se uma relação de intermediação financeira.

XIII. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução.

XIV. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado diretamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.

XV. As exteriorizações do dever de informação podem também ser categorizadas consoante as mesmas estejam relacionadas com o negócio de cobertura ou, por outro lado, relacionadas com os negócios de execução, ou até mesmo com os instrumentos financeiros que são objeto desses negócios de execução.

XVI. O dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos!

XVII. Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura, ou seja ao próprio serviço neste caso disponibilizado pelo Banco Réu de colocação das Obrigações SLN 2004.

XVIII.   O art. 323º do CdVM trata dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos (por exemplo: deveres de informação no âmbito da execução de ordens, deveres de informação no âmbito da gestão de carteiras, etc.).

XIX. O risco de incumprimento da obrigação assumida, o pagamento das obrigações pela entidade emitente, ou até à insolvência do obrigado, não é nem pode ser considerado um risco especial.

XX. O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são riscos gerais de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.

XXI. O funcionário que colocou o produto informou o cliente de todas as características essenciais do produto. Nomeadamente no que diz respeito aos seus riscos.

XXII. O produto em causa era entendido efetivamente à data como um produto seguro, emitida pela entidade que detinha o banco e que o tinha como seu principal ativo, entidade esta que não tinha no seu histórico qualquer situação de incumprimento.

XXIII. A informação de que o produto tinha capital garantido era também ela uma informação correta. O produto tinha efetivamente como característica essencial a devolução da totalidade do capital, e respetiva remuneração, no final do prazo contratado, distinguindo-se assim de outros produtos na altura comercializados no mercado que não previam a possibilidade logo de início de perda do capital investido.

XXIV. Se o intermediário financeiro estivesse obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento de terceiro, por maioria de razão, estaria também obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento (ou até de insolvência) dele próprio!

XXV. A versão do CVM vigente à data da colocação das obrigações era a redação resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99 de 13/11 até ao D.L. 52/2006 de 15/03.

XXVI. Sendo também certo que o art. 312º, por exemplo, apenas foi alterado com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, mantendo até então a sua redação original, decorrente do D.L. 486/99 de 13/11.

XXVII. À data da contratação, não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a)!

XXVIII. À data, a subscrição de obrigações, em geral, é de per se, podia ser considerada como um investimento ou aplicação bastante conservador.

XXIX. Desde logo, por um tal produto apenas implicar o reembolso do capital “emprestado” e bem assim a remuneração acordada,

XXX. Sendo que o único risco efetivo de um tal produto é o risco de incumprimento da sociedade emitente, risco este que, no entender da Recorrente, não tinha em 2006 que ser sequer mencionado pelas razões acima expostas.

XXXI. As obrigações foram ainda emitidas pela SLN, SGPS, S.A. sociedade titular, ainda que por interposta sociedade, de 100% do capital social do Banco Recorrente, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património.

XXXII. Foi esta segurança que foi transmitida pelos funcionários do Banco Recorrente aos clientes, como aliás resulta dos seus depoimentos.

XXXIII. Como vem sendo defendido (Cf. Agostinho Cardoso Guedes, A responsabilidade do banco por informações à luz do artº 485º do CC, RDE 14, pág. 135 e segs, mormente 140 e seg.), no que toca ao dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exatas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

XXXIV. No que toca a informação que contém juízos ou valorações, como sucede com informação sobre solvabilidade de terceiro, não se pode exigir a prestação de informação infalível, bastando-se que o banco faça uma avaliação correta dos dados que possui.

XXXV. E os dados disponíveis em 2006 apontavam sem sombra de dúvida para a segurança do produto em causa.

XXXVI. São de três tipos os deveres que sobre o Banco Réu impendiam: i)- de proteção dos legítimos interesses dos clientes, impondo-se ao intermediário financeiro o dever de averiguar não apenas os objetivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste (cliente) a receção daquele serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento; ii)- dever de evitar conflitos de interesses; iii)- deveres de informação e publicidade, realçando-se, quanto a esta, o dever de observar as regras relativas ao anúncio de lançamento da operação e do prospeto.

XXXVII. Nenhum deste deveres foi violado pelo Banco Recorrente.

XXXVIII. A circunstância de ter sido referido aos autores que se tratava de produto “garantido”, no sentido de ser um produto seguro, com retorno assegurado, também não consubstancia no entender do Banco Réu, qualquer ato ilícito.

XXXIX. À data em que foi prestada, tratava-se de informação verdadeira, atual, clara e objetiva: em 2006, ninguém alvitrava ou existiam indícios da insolvência da emitente, a SLN (posteriormente Galilei) que, de resto, apenas veio a ser declarada insolvente em 2015 e sempre pagou os cupões das obrigações que emitiu, durante mais de 10 anos, sem que os autores reclamassem qualquer irregularidade na subscrição das Obrigações.

XL. Não resultou demonstrada qualquer ilicitude na atuação do Banco Recorrente.

XLI. A falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência do emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou atuação do intermediário financeiro.

XLII. As obrigações são valores mobiliários representativos de direitos de crédito ao reembolso da quantia emprestada (valor nominal da obrigação).

XLIII. Os AA. mediante a subscrição de obrigações no montante de €50.000,00, emprestaram esse valor à “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” (entidade emitente dessas obrigações), a qual, por seu turno detinha o Banco Réu a 100%, daí que na data de 2006 não fosse equacionável que aquela poderia um dia vir a falir.

XLIV. Não poderá assim ser assacada qualquer responsabilidade ao Banco Réu relativamente ao incumprimento verificado no pagamento das obrigações pela entidade emitente.

XLV. Não haverá também lugar à responsabilidade do Banco Réu em sede de responsabilidade civil por falta de verificação dos seus requisitos essenciais e pelas razões acima expostas.

XLVI. Deverá assim o Banco Réu ser absolvido dos pedidos contra si deduzidos na presente ação.

XLVII. O Tribunal recorrido efetuou uma incorreta aplicação dos artigos 595º, 762º, 227º do Código Civil, 289º, 291º, 304º, 312º e 323º do CVM e 75º RGICSF.

Termos em que se requer a V. Exas. que alterem a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima expostos, revogando a decisão recorrida e absolvendo o Recorrente do pedido deduzido pelos Autores.”


5. Os Autores AA e BB contra-alegaram, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.


6. O Réu Banco BIC Português, S.A., veio entretanto juntar aos autos dois pareceres jurídicos, subscritos pelos Professores Doutores António Menezes Cordeiro e António Pinto Monteiro.


7. O Tribunal da Relação de Évora confirmou, por unanimidade, a decisão da 1.ª instância.


8. O Réu Banco Bic Português, S.A., interpôs recurso de revista a título excepcional, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 672.º do Código de Processo Civil.


9. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:


DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA AO ABRIGO DO ART- 672- DO CPC

Da alínea a) do n- 1 do art9 672- do CPC

I. Tendo o Banco-R. sido condenado ao abrigo da responsabilidade civil do intermediário financeiro, o âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

II. Pontifica a este propósito a divergência quanto à necessidade de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

III. Tem igualmente variado a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida - como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento.

IV. Cabe estabilizar a aplicação do direito em face deste cenário de tamanha incerteza e face a tal dimensão de contencioso.

V. E essencialmente na concretização de cláusulas abertas como as previstas no âmbito do Código de Valores Mobiliários a propósito da intermediação financeira, principalmente em período anterior à referida crise do final da primeira década deste século.

VI. . A questão reveste-se assim de relevância jurídica que a torna necessária a uma melhor aplicação do direito.

DO RECURSO DE REVISTA

VII. O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

VIII. De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

IX. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

X. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

XI. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como também ocorria já na redacção anterior)!

XII. Parece-nos assim por demais evidente que a disposição do art. 312º nº 1 alínea e) relativa aos “riscos especiais nas operações a realizar” em nada se relaciona com a matéria em crise nos presentes autos pois o que é invocado no acórdão recorrido é a prestação de uma informação falsa quanto ao instrumento financeiro em si, por se ter afirmado a sua segurança, quando, segundo a Relação, se tratava de um produto de risco.

XIII. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

XIV. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

XV. Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital… basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento!

XVI. Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do ftulo!

XVII. Se o intermediário financeiro estivesse obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento de terceiro, por maioria de razão, estaria também obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento (ou até de insolvência) dele próprio!

XVIII. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivização em função do emitente!

XIX. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

XX. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto - corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do ftulo e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

XXI. Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses - www.todoscontam.pt! Aí são descritas as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e é explicada a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

XXII. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é suscepfvel de feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. De facto, esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

XXIII. O uso de uma tal expressão apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.

XXiV. As Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante.

XXV. Pelo que o mesmo era então adequado a alguém como o Autor.

XXVI. Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a  uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

XXVII. Do elenco de factos provados não resulta um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

XXVIII. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço - contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes - no caso os AA. É este o único conteúdo fpico e essencial do contrato e que é portanto suscepfvel de o caracterizar.

XXIX. Veja-se que a prestação de informação só por si não determinaria nunca a existência de um serviço de recepção e transmissão de ordens, exactamente por não ser uma prestação típica.

XXX. Ou seja, a prestação de informação, no âmbito deste contrato, é um quid adicional ao núcleo fpico do contrato, e que apenas existe a fim de garantir que o cumprimento se adequa à finalidade social ou prática pretendida pelas partes com o recurso a um contrato – enfim, garantir que o cumprimento seja perfeito.

XXXI. No caso dos autos, o dever de informação constitui claramente uma obrigação acessória do intermediário financeiro, sendo a sua prestação principal a de receber e executar ordens por conta de outrem.

XXXII. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da subscrição de emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira, aliás, há muito cumprido.

XXXIII. Relativamente à aferição do nexo de causalidade, num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

XXXIV. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

XXXV.E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

XXXVI. O Acórdão Recorrido afirma que se o investidor soubesse que estava a investir num produto de risco não teria feito o investimento.

XXXVII. Curiosamente, apesar de o afirmar de forma taxativa, não adianta a referida decisão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, e que, consequentemente teriam produzido o dano.

XXXVIII. Não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

XXXIX. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

XL. Não sendo um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos ftulos.

XLI. Resta, pois, o chamado risco de remuneração e de crédito - ou seja, o risco de incumprimento das obrigações de pagamento de juros e de reembolso no vencimento da Obrigação.

XLII. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

XLIII. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante - sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

XLIV. Ou seja, o juízo de avaliação do risco, da sua existência e relevância, tem ele próprio de ser um juízo de prognose póstuma! A verificação do evento em 2016 não pode conduzir por si só à sua previsibilidade ou probabilidade, ou sequer possibilidade efectiva, em 2006!

XLV. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

XLVI. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

XLVII. Em suma, a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

XLVIII. Ou seja, a segurança que os AA., e todos os clientes, associavam a um DP resumia-se à confiança exactamente na solvabilidade do Banco, e nada mais!

XLIX.O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

L. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis – neste sentido vejam-se os dois acórdãos do STJ já citados, de 6 de Junho de 2013 e de 12 de Janeiro de 2017.

LI. Concluindo, não se encontra verificado o requisito do nexo de causalidade entre a actuação do Banco e o dano sofrido pelo Autor.

LII. A decisão recorrida violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º, 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua subs]tuição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo JUSTIÇA!”


10. Os Autores AA e BB contra-alegaram, pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, no caso de o recurso ser admitido, pela improcedência da revista.


11. Finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

 “NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXCIAS DOUTAMENTE HÃO-DE SUPRIR DEVE:

I - NA AUSÊNCIA DOS LEGAIS PRESSUPOSTOS, NÃO SER ADMITIDO PELA FORMAÇÃO PREVISTA NO ART« 6729, N° 3, DO CÓD, PROC. CIVIL O PRESENTE RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL;

II - SUBSIDIARIAMENTE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, CONFIRMAR-SE, NA ÍNTEGRA, O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO;

III - O BANCO APELANTE SER CONDENADO EM CUSTAS, CONDIGNA PROCURADORIA E NO MAIS QUE LEGAL FOR,

TUDO PARA QUE SEJA FEITA JUSTIÇA!”


12. A Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil admitiu a revista.


           

13. Em 11 de Abril de 2019, o presente relator proferiu o seguinte despacho:

Atendendo a que está pendente uniformização de jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via de recursos já admitidos no Supremo Tribunal de Justiça, e que tal uniformização é susceptível de adquirir relevância para a questão a decidir no presente recurso, suspende-se a instância, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, até ao trânsito em julgado daquele acórdão uniformizador.


14. Em 6 de Dezembro de 2021, foi proferido o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, sobre a responsabilidade civil dos intermediários financeiros.


15. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se a Ré, agora Recorrente, violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação;

II. — se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi condição sine qua non da conclusão do contrato pelos Autores, agora Recorridos;

III. — se a conclusão do contrato foi causa de danos, no montante correspondente ao valor investido pelos Autores, agora Recorridos


II. — FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


16. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1. Os AA eram clientes do Réu na altura BPN, na sua agência de ..., com a conta à ordem nº...01, onde movimentavam parte dos dinheiros e possuíam as suas poupanças.

2. Em 12 de Abril de 2006, o funcionário do Réu, CC, atuando em nome do mesmo, disse ao Autor marido, que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

3. O referido funcionário sabia que o Autor marido era uma pessoa simples, emigrante há muitos anos na ... não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitissem saber os vários tipos de produtos financeiros e avaliar, os riscos de cada um deles.

4. Motivos pelos quais sempre havia aplicado as suas poupanças em depósitos a prazo.

5. Sucede que o seu dinheiro - €250.000,00, viria a ser colocado em Obrigações SLN 2006, sem que os AA soubessem em concreto o que era.

6. O A. marido apenas autorizou a realização da aplicação porque o referido funcionário lhe disse que o capital era garantido pelo Banco Réu, que os juros eram pagos semestralmente e que podia levantar total ou parcialmente o capital e respetivos juros quando assim entendesse.

7. Atuou, assim, convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo.

8. Se o Autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.

9. Era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu que nunca foi intenção dos Autores investir em produtos de risco e que os mesmos estavam convencidos que o Réu lhes restituiria o capital e os juros quando os solicitasse.

10. A partir de data não concretamente apurada, o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.

11. Nunca os gerentes ou funcionários do Réu, leu ou explicou aos Autores o que eram obrigações e, em concreto, o que eram Obrigações SLN 2006.

12. O Réu colheu a assinatura do Autor marido no documento de fls. 17 denominado SLN 2006 - Boletim de Subscrição, preenchido nos serviços do Réu, através do qual é formalizada uma ordem de subscrição das referidas obrigações, sem que o conteúdo de tal documento fosse explicado ao Autor marido, o qual não percebeu o seu alcance, nem entendeu que estava a dar uma ordem de subscrição de obrigações.

13. A Autora mulher nunca subscreveu nada e desconhecia em absoluto todo o processo de subscrição de Obrigações SLN 2006.

14. Aos Autores nunca foi lido, nem explicado, nem sequer entregue qualquer documento, através do qual lhes tivesse sido dado conhecimento da subscrição de Obrigações SLN 2006, liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso e prazos de vencimento dos juros.

15. Na data de vencimento, o Banco Réu não restituiu aos Autores o montante de €250.000,00 que estes lhe haviam confiado.

16. As Obrigações 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS. S.A.

17. Com a sua atuação, o Réu causou e continua a causar aos Autores grande preocupação e ansiedade, com medo de não saberem se e quando vão recuperar o seu dinheiro.


17. Em contrapartida, deu como não provados os factos seguintes:

1. Que taxa foi contratada entre Autores e Réu

2. Aos AA foi explicado pelo seu gestor o produto financeiro em causa, tendo-lhe sido apresentado as condições do produto, e concretamente a sua remuneração em relação aos depósitos a prazo, o prazo de 10 anos e as condições e reembolso;

3. (..) e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.

4. Os Autores foram total e exaustivamente esclarecidos sobre as condições do produto de forma acompanhada com a respetiva nota técnica.

5. Os Autores sabiam que não tinham um depósito a prazo, nem sequer algo parecido com um depósito a prazo.

 6. O Réu sempre explicou todos os formulários dados a assinar aos AA.


    O DIREITO


18. O tema da intermediação financeira [1] e, em particular, da responsabilidade dos intermediários financeiros pela violação de deveres de esclarecimento e de informação dos clientes tem sido objecto de uma apreciável atenção da doutrina [2] e da jurisprudência [3] — fenómeno explicável por uma particular conjuntura económica e social [4].

19. A primeira questão suscitada pelos Autores, agora Recorrentes, consiste em averiguar se o Réu, agora Recorrido, violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação.

20. O sistema dos deveres de esclarecimento e de informação dos intermediários financeiros é complexo [5], devendo coordenar-se os princípios gerais do art. 227.º do Código Civil com as regras dos arts. 7.º e 312.º, “enquadrados pelo art. 304.º”, do Código dos Valores Mobiliários e com os arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras [6].

a) O art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, era do seguinte teor:

1. — O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2. — A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.


Em termos semelhantes ao art. 312.º, n.ºs 1 e 2, o art. 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial, determinava que “[a]s instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles”.

aa) O fim dos deveres consignados no art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários deve determinar-se através de uma referência aos interesses protegidos:

I. — O art. 304.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, afirmava que “[o]s intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado”.

II. — O art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras confirmava-o, dizendo que, “[n]as relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.            

bb) O conteúdo dos deveres consignados no art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários, esse, deve determinar-se através de uma referência a duas coisas:— ao standard genérico dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e do art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras; — ao standard específico do art. 7.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, por que se exigem “determinados requisitos, positivos e negativos, a toda a informação prevista noutros preceitos do código” [7].

Ora o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, determinava que “[n]as relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” e os arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, em termos globalmente consonantes com o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, determinavam que “[a]s instituições de crédito […], em todas as actividades que exerçam,” devem proceder com diligência [8]; “devem assegurar aos clientes elevados níveis de competência técnica” [9]; e devem proceder com lealdade e com neutralidade [10] [11].

b) O padrão ou standard genérico decorrente dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e dos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras deve completar-se com o standard específico sobre a qualidade da informação consignado no art. 7.º do Código dos Valores Mobiliários: a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores… deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita [12].

Ora a extensão necessária para que a informação prestada pelo intermediário possa completar-se completa, e a profundidade necessária para que uma informação completa permita ao cliente uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, dependem de pelo menos quatro elementos: em primeiro lugar, do tipo de contrato de intermediação financeira [13];  em segundo lugar, dos conhecimentos e da experiência dos clientes; em terceiro lugar, da natureza e dos riscos especiais dos instrumentos financeiros negociados; e, em quarto lugar, do perfil e da situação financeira dos clientes. Em relação ao segundo elemento — i.e., aos conhecimentos e à experiência dos clientes —, o art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra a chamada regra da proporcionalidade inversa [14]: “A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente”. Em relação ao terceiro e ao quarto elementos, a relevãncia dos riscos especiais resulta explicitamente do art. 312.º, n.º 1, alínea b), e a relevância da situação financeira, do art. 314.º, n.º 3, do Código dos Valores Mobiliários [15].

b) Entre os corolários dos arts. 312.º e 314.º do Código dos Valores Mobiliários está o de que o conteúdo e a extensão dos deveres dos intermediários financeiros dependem das circunstâncias do caso; têm uma geometria variável [16]. Estando em causa instrumentos financeiros como as obrigações, “conhecidos — ou facilmente apreensíveis — pela generalidade do público”, o conteúdo dos deveres de eslcarecimento do intermediário pode ir de um mínimo a um máximo.

O seu conteúdo mínimo consistirá em “explicar aos clientes que estes receberiam periodicamente de alguém, que não o banco, cupões relativos ao capital investido; explicitar o período de maturidade do investimento e as taxas de juro, cuja aplicação ao montante daquele capital determinará o valor que receberá; e avisar que, em contrapartida, só poderão resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da [obrigação] a terceiros”.

O seu conteúdo máximo, esse, consistirá, p. ex., em “mostrar [aos clientes] — mesmo quando negoceiem por conta própria — os factores de cálculo das vantagens e desvantagens de certo produto financeiro, a subscrever por estes; ou [em] indicar o pior cenário relacionado com essa mesma subscrição; ou de apresentar a esse mesmo cliente as alternativas que existem para as suas necessidades (tal como previamente apuradas pelo intermediário financeiro, ou tendo ele mesmo o dever de as perscrutar e avaliar); ou [em] indicar, mesmo, o valor (de mercado, quando exista), sobretudo se negativo, do aludido produto ao tempo da celebração do contrato” [17].

Em abstracto, não pode dizer-se se uma acção ou se uma omissão do intermediário financeiro implica, ou não implica, uma violação de deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação — comportamentos comparáveis do intermediário podem representar uma violação ilícita de deveres de esclarecimento e de informação em relação a produtos financeiros mais complexos e não representar nenhuma violação ilícita em relação a produtos financeiros menos complexos, como uma obrigação; poderão representar uma violação ilícita em relação a produtos financeiros com riscos especiais e não represantar nenhuma violação em relação a produtos sem riscos especiais; poderão representar uma violação ilícita em relação a investidores cujo grau de conhecimentos seja mínimo ou, em todo o caso, mais reduzido e não representar nenhuma violação ilícita em relação a investidores cujo grau de conhecimentos e/ou de experiência seja mais elevado.


21. O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, esclarece que:

1. — No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3. — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

 

22. O acórdão recorrido dá como provado que a iniciativa de propor ao Autor marido a subscrição do produto partiu de um funcionário do banco (n.º 2) [18], que o Autor marido tomou todas as decisões relevantes e que a Autora mulher não tomou decisão nenhuma — “nunca subscreveu nada e desconhecia em absoluto todo o processo de subscrição de Obrigações SLN 2006” (n.º 13).

Em relação aos conhecimentos e à experiência do cliente-investidor, ficou provado que o Autor “era uma pessoa simples,”; que era “emigrante há muitos anos na Suíça”; e que “não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse[] saber os vários tipos de produtos financeiros e avaliar, os riscos de cada um deles” (n.º 3). Em relação às características do produto financeiro, ficou provado que os Autores não sabiam, em concreto, o que eram as Obrigações SLN 2006 (n.º 5); ficou provado que o funcionário do banco não esclareceu o Autor sobre “o que eram obrigações e, em concreto, o que eram Obrigações SLN 2006” (n.º 11); ficou provado, em particular, que o funcionário do banco não esclareceu o Autor sobre o que significava a subscrição de Obrigações SLN 2006 em tema de liquidez do capital, de vencimento de retribuição, de prazos de reembolso e de prazos de vencimento dos juros (n.º 14); e ficou provado, enfim, que o funcionário do banco informou o Autor de que “o capital era garantido pelo Banco Réu, que os juros eram pagos semestralmente e que podia levantar total ou parcialmente o capital e respectivos juros quando assim entendesse” (n.º 6). Em relação às características dos clientes, ou seja, em relação ao perfil e à situação financeira dos clientes, ficou provado que o Autor “sempre havia aplicado as suas poupanças em depósitos a prazo” (n.º 4); que o Autor actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, “com as características de um depósito a prazo” (n.º 7) e que o Autor não teve a intenção de investir em produtos de risco (n.ºs 8 e 9).


23. Face aos princípios enunciados no art. 304.º, n.ºs 1 e 2, e à regra de proporcionalidade inversa do art. 312.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários deverá considerar-se que a informação prestada pelo intermediário foi “completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”, em termos de permitir ao cliente uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada?

Entendemos que não — e entendemos que não por, pelo menos, duas razões.

           

24. Em primeiro lugar, os factos dados como provados sob os n.ºs 2 e 6 significam que o banco-intermediário financeiro não prestou ao cliente um informação clara e completa.

a) O produto em causa era uma obrigação ou seja, um “valor mobiliário representativo de dívida” [19]. O art. 348.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, sob a epígrafe Emissão de obrigações, define as obrigações como “valores mobiliários que, numa mesma emissão, conferem direitos de crédito iguais” [20] e o art. 360.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, sob a epígrafe Modalidades das obrigações, desenvolve a definição do art. 348.º, n.º 1, esclarecendo que “[p]odem, nomeadamente, ser emitidas obrigações que reúnam uma ou mais das características seguidamente indicadas:

a) Além de conferirem aos seus titulares o direito a um juro fixo, os habilitem a um juro suplementar ou a um prémio de reembolso, quer fixo quer dependente dos lucros realizados pela sociedade;

b) Apresentem juro e plano de reembolso, dependentes e variáveis em função dos lucros;

c) Sejam convertíveis em acções, ordinárias ou preferenciais, com ou sem direito de voto, ou noutros valores mobiliários;

d) Confiram o direito a subscrever uma ou várias acções, ordinárias ou preferenciais, com ou sem direito de voto;

e) Confiram direitos de crédito sobre a emitente com carácter subordinado, sendo reembolsáveis somente após a satisfação integral dos seus credores comuns, desde que a natureza subordinada seja expressamente consagrada nas condições da emissão e nos documentos, registos e inscrições que lhes correspondam;

f) Resultem da conversão de outros créditos de sócios ou terceiros sobre a sociedade;

g) Apresentem garantias especiais sobre activos ou receitas do património da emitente ou de terceiro, desde que essas garantias especiais sejam expressamente consagradas nas condições da emissão e nos documentos, registos e inscrições que lhes correspondam;

h) Apresentem prémios de emissão [21].


Constatando-se que, “[a] partir da estrutura mínima do valor obrigacionista […], o conceito de obrigação compreende uma acentuada variação intra-típica[22], os autores classificam-nas a partir de critérios distintos, entre os quais está o critério da protecção conferida aos seus titulares [23].

As obrigações hipotecárias e as obrigações titularizadas são “especialmente favoráveis às pretensões dos obrigacionistas”; as obrigações subordinadas, previstas na alínea e), são-lhes especialmente desfavoráveis — “surgem num ponto diametralmente oposto” [24], e surgem num ponto diametralmente oposto pela razão de que “em caso de insolvência do emitente, os titulares destas obrigações apenas serão reembolsados depois dos demais credores da dívida não subordinada” [25].

O funcionário do banco-intermediário financeiro disse ao Autor que a aplicação era “em tudo igual a um depósito a prazo (n.º 2); que o capital era garantido pelo BPN e que tinha rentabilidade assegurada” (n.ºs 2 e 6); “que os juros eram pagos semestralmente e que podia levantar total ou parcialmente o capital e respectivos juros quando assim entendesse” (n.º 6).

b) Ora a apresentação de uma obrigação, e de uma obrigação subordinada, como “equivalente a um depósito a prazo”, ou a descrição do produto financeiro obrigação subordinada como “seguro”, não devem ser consideradas como informação clara, completa e verdadeira para clientes-investidores que “não possuía[m] qualificação, ou formação técnica que lhe[s] permitissem saber os vários tipos de produtos financeiros e avaliar, os riscos de cada um deles” ([26]).

Em termos análogos aos enunciados no art. 7.º do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, deve entender-se que as informações prestadas podem ser enganosas por serem factualmente falsas ou, ainda que sejam factualmente verdadeiras, por induzirem ou serem susceptíveis de induzir em erro o destinatário, “por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral”.

Os argumentos em favor de que a apresentação de uma obrigação, e de uma obrigação subordinada, como “equivalente a um depósito a prazo”, ou de que a descrição do produto como “seguro”, são factualmente correctas não são, por isso, suficientes para pôr em causa o resultado de que não devem ser consideradas como informação clara, completa e verdadeira — e, em todo o caso, uma informação adequada a uma tomada de decisão esclarecida e fuhdamentada [27].

Como se escreve na fundamentação de direito do acórdão recorrido, “existem assinaláveis diferenças entre os depósitos a prazo e a subscrição de obrigações que o Banco réu, enquanto instituição de crédito, não ignora; diferenças que resultam da complexidade e particularidades destas últimas que os primeiros não comportam, enquanto produtos simples destinados a captar as poupanças dos investidores, com reembolso garantido de capital e, tipicamente, uma taxa de juro fixa, mas também por beneficiarem os últimos da proteção do Fundo de Garantia de Depósitos (artº 155º e segs do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), garantias que a subscrição de obrigações não compreendem”.

A conclusão só poderá ser reforçada pela circunstância de entre os factos dados como não provados estar o de que “[o]s Autores foram total e exaustivamente esclarecidos sobre as condições do produto de forma acompanhada com a respetiva nota técnica”; o de que “[o]s Autores sabiam que não tinham um depósito a prazo, nem sequer algo parecido com um depósito a prazo; e o de que “[o] Réu sempre explicou todos os formulários dados a assinar aos AA.” (n.ºs 4, 5 e 6).

           

25. Em segundo lugar, ainda que se admitisse que a descrição do produto financeiro obrigação subordinada como “seguro” fosse clara, completa e verdadeira, sempre teria de considerar-se que a informação de que o Autor “podia levantar total ou parcialmente o capital e respectivos juros quando assim entendesse” não era uma informação verdadeira.

O facto dado como provado sob o n.º 6 deve confrontar-se com os factos dados como não provados sob o o n.º 2 e, sobretudo, sob o n.º 3:

2. Aos AA foi explicado pelo seu gestor o produto financeiro em causa, tendo-lhe sido apresentado as condições do produto, e concretamente a sua remuneração em relação aos depósitos a prazo, o prazo de 10 anos e as condições e reembolso;

3. (..) e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.


O conteúdo mínimo dos deveres de esclarecimento e de informação dos intermediários financeiros implica “avisar que […] só poderão resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da [obrigação] a terceiros”, e o facto dado como provado sob o n.º 6, em ligação com os factos dados como provados sob os n.ºs 2 e 3 significam (só podem significar) duas coisas: — que o Autor não foi avisado de que não poderia resgatar o capital investido mediante levantamento; — que o Autor não foi avisado de que só poderia resgatar o capital investido, “em qualquer altura”, mediante cedência da obrigação a terceiros (“por via de endosso”).

Em contratos com pessoas com capacidades e com conhecimentos abaixo da média, sem formação e sem qualificações adequadas (minimamente adequadas), “pode legitimamente duvidar-se de que […] a contraparte do intermediário financeiro consiga estar, o mais das vezes, totalmente na posse das condições de avaliação do respectivo risco e das suas necessidades”.

O intermediário financeiro, desde que actuasse, como devia, com “elevados padrões de diligência”, para a prossecução dos interesses legítimos dos clientes, teria porventura deveres acrescidos: de averiguar se o cliente tinha ou não compreendido os esclarecimentos que lhe foram prestados; de lhe apresentar alternativas adequadas às suas necessidades; e/ou de lhe apresentar critérios de comparação entre as alternativas, do ponto de vista da sua segurança. 

O facto de o Autor estar convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo (n.ºs 7 e 8), em termos de poder exigir do Réu, em qualquer altura, a restituição do capital e dos juros é, só por si, suficiente para que fique feita a prova de que o intermediário não actuou em conformidade com o dever de esclarecer o cliente e de averiguar se o cliente tinha ou não compreendido os esclarecimentos prestados.


26. O resultado é confirmado pela aplicação dos critérios enunciados no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021: 

2. — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.


Ora, em primeiro lugar, a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos foi sugerida pelo intermediário financeiro, agora Réu, ao cliente, agora Autor, como decorre do facto dado como provado sob o n.º 2 [28]; em segundo lugar, a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro a um cliente, agora Autor, que não tinha conhecimentos ou experiência para avaliar o risco daquele produto financeiro, como decorre do facto dado como provado sob o n.º 3 [29]; em terceiro lugar, a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro a um cliente que não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como decorre dos factos dados como provados sob os n.ºs 6 a 9 [30]; em quarto lugar, a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro com a informação / explicação de que o reembolso do capital era garantido, ou uma informação equivalente, como decorre do facto dado como provado sob o n.º 6 [31]; e, em quinto lugar. a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro sem a explicação do que eram obrigações subordinadas, como resulta do facto dado como provado sob o n.º 12 [32].


27. Entendendo, como entendemos, que está provada a violação ilícita de deveres de esclarecimento e de informação, deve esclarecer-se se a violação ilícita é, ou não, imputável à Ré, agora Recorrente e, caso afirmativo, se lhe imputável a título de culpa grave ou de culpa leve

O art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, consagrava a presunção de culpa do intermediário financeiro [33]; como a presunção era e é, tão-só, uma presunção de culpa leve, o problema está em averiguar se os factos dados como provados no acórdão recorrido são suficientes para ilidir a presunção, no sentido de qualificar a culpa como grave.

A responsabilidade do intermediário financeiro deve apreciar-se de acordo com um padrão especialmente elevado, determinado pelo art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e pelos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras.

Em tal contexto será mais fácil sustentar-se que a culpa do intermediário financeiro é uma culpa grave: não será necessário que a negligência seja grosseira, escandalosa, intolerável, no sentido de corresponder a uma omissão qualificada da medida normal de cuidado; no sentido de se tratar “[d]aquela [negligência] em que só cai um homem extraordinariamente desleixado” ([34]); será suficiente de que a negligência seja grosseira, escandalosa, intolerável, no sentido de corresponder a uma omissão qualificada de uma medida elevada, e especialmente elevada, de cuidado.

Ora o padrão especialmente elevado determinado pelo art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e pelos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras tem duas consequências: em primeiro lugar, faz com que a apresentação a um cliente conservador de um determinado produto “como um depósito a prazo” (n.ºs 2 e 6) deva coordenar-se ao conceito de omissão qualificada do cuidado exigível; de culpa grave; e em segundo lugar faz com que a informação de que o “podia levantar total ou parcialmente o capital e respectivos juros quando assim entendesse” deva coordenar-se ao conceito de dolo.

Em termos em tudo semelhantes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 e de 10 de Abril de 2018 pronunciaram-se no sentido de que “actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido” [35] e, sobretudo, de que, “[a]tento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, o Réu é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a actuação, intencionalmente omissiva de informação, que era devida, exprime culpa grave” [36].


28. Estabelecidas a tipicidade, i.e., a violação de deveres de esclarecimento e de informação, a ilicitude e a culpa do Réu, agora Recorrente, põe-se dois problemas de causalidade: o primeiro consiste em averiguar se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi causa da conclusão do contrato e o segundo, em averiguar se a conclusão do contrato foi causa de danos, no montante correspondente ao valor investido pelos Autores, agora Recorridos.

a) O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, esclarece que:

3. — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.


Ora, o acórdão recorrido dá expressamente como provado que “[o] A. marido apenas autorizou a realização da aplicação porque o referido funcionário lhe disse que o capital era garantido pelo Banco Réu, que os juros eram pagos semestralmente e que podia levantar total ou parcialmente o capital e respetivos juros quando assim entendesse” (n.º 6); dá como provado que “actuou […] convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo” (n.º 7);  e, sobretudo, dá como provado que, “[s]e o Autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria” (n.º 8).

A situação é, por consequência, semelhante à apreciada e decidida no acórdão do STJ de 5 de Junho de 2018, no processo n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1, em que se sustentou que “[t]endo a Relação tido como demonstrado que o autor não teria subscrito as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do recorrente, que corria o risco de perder, no todo ou em parte, o seu dinheiro em caso de insolvência da emitente, é de considerar verificado um nexo causal (e não meramente naturalístico) entre aquele facto e os prejuízos sofridos pelo primeiro”.

b) Esclarecido que a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi condição sine qua non da conclusão do contrato, deverá averiguar-se se a conclusão do contrato como causa de um dano patrimonial, de valor correspondente ao capital investido.

O Réu, agora Recorrente, Banco BIC Português suscita a questão nas alegações de recurso:

XXXIII. Relativamente à aferição do nexo de causalidade, num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

XXXIV. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

XXXV. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

L. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis – neste sentido vejam-se os dois acórdãos do STJ já citados, de 6 de Junho de 2013 e de 12 de Janeiro de 2017.

LI. Concluindo, não se encontra verificado o requisito do nexo de causalidade entre a actuação do Banco e o dano sofrido pelo Autor.


Ora o art. 562.º do Código Civil consagra o princípio geral sobre a obrigação de indemnização, determinando que “[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

Os Autores, agora Recorridos, alegaram que, desde que tivessem sido adequadamente esclarecidos e informados, não teriam subscrito o produto financeiro em causa: podem, em coerência, pretender que seja reconstituída a situação que existiria se não o tivessem subscrito; não podem, em coerência, pretender que seja reconstituída a situação que existiria se o tivessem subscrito e se as obrigações tivessem sido pagas na data do seu vencimento.

Quando se diz que podem pretender que seja reconstituída a situação que existiria se não o tivessem subscrito, está a dizer-se que a indemnização pelo interesse contratual negativo é compatível com a sua alegação. Quando se diz que não podem, em coerência, pretender que seja reconstituída a situação que existiria se o tivessem subscrito e se as obrigações tivessem sido pagas na data do seu vencimento, está a dizer-se que a indemnização pelo interesse contratual positivo é incompatível com a sua alegação. Está a dizer-se que não podem pretender uma indemnização que os coloque na situação em que estariam se o contrato tivesse sido cumprido — em que estariam se um contrato, que alegadamente não teriam celebrado, tivesse sido cumprido [37].  

O princípio de que a indemnização há-de colocar os Autores, agora Recorridos, na situação em que estariam se não tivessem subscrito as obrigações subordinadas SLN exige em todo o caso um esclarecimento. em primeiro lugar, o valor do capital investido deverá ser sempre deduzido do valor actual das obrigações da emitente adquiridas pelos Autores e, em segundo lugar, o valor do capital investido deve ser sempre deduzido do valor dos juros pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos pela entidade emitente como remuneração de um depósito a prazo [38].


III. — DECISÃO

Face ao exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido, condenando a Ré / Recorrente Banco Bic Português, S.A., a pagar a quantia que se vier a liquidar em execução, a qual deverá ter em consideração:

I. — que os Autores / Recorridos têm direito a uma indemnização por danos patrimoniais correspondente ao capital investido (250 000 euros);

II. — que o capital investido deve ser deduzido:

a. — do valor actual da obrigação;

b. — do valor dos juros pagos pela entidade emitente SLN — Sociedade Lusa de Negócios, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos como remuneração de um depósito a prazo;

III. — que os Autores / Recorridos têm direito a uma indemnização por danos não patrimoniais de 1500 euros;

IV. — que a quantia resultante da aplicação dos critérios enunciados em I, II e III deve ser acrescida de juros à taxa legal a contar do momento em que o Réu haja sido citado para a presente acção.


Custas pelo Recorrente e pelos Recorridos, na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa, 2 de Fevereiro de 2023


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

______

[1] Sobre o conceito e o regime da intermediação financeira em geral, vide António Pereira de Almeida, Sociedades comerciais, valores mobiliários e mercados, 6.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 729-737; A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, Livraria Almedina, Coimbra, 2016, págs. 245-327; Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 271-273 e 381-528; José Augusto Engrácia Antunes, Direito dos contratos comerciais, Livraria Almedina, Coimbra, 2009, págs. 573-615; Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 7 — 2000, págs. 353-373 = in: Escritos jurídicos vários 2000-2015, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 7-26; ... Gomes, “Contratos de intermediação financeira: sumário alargado”, in: Estudos dedicados ao Professor Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2002, págs. 565-599; José Augusto Engrácia Antunes, “Os contratos de intermediação financeira”, in: Boletim da Faculdade de Direito [da Universidade de Coimbra], vol. 85.º (2009), págs. 277-319; José Augusto Engrácia Antunes, “Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro. Alguns aspectos”; in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 56 — Abril de 2017, págs. 31-52; Assunção Cristas, Transmissão contratual do direito de crédito. Do carácter real do direito de crédito, Livraria Almedina, Coimbra, 2005, pág. 423 (nota n.º 1114); José Pedro Fazenda Martins, “Deveres dos intermediários financeiros, em especial os deveres para com os clientes e o mercado”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 7 — 2000, págs. 331-350; ou José Queirós de Almeida, “Contratos de intermediação financeira enquanto categoria jurídica”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 24 — 2006, págs. 291-303.

[2] Como demonstram, p. ex., António Menezes Cordeiro, “Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade”, in: António Menezes Cordeiro / Manuel Januário da Costa Gomes / Miguel Brito Bastos / Ana Alves Leal (coord.), Estudos de direito bancário I, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 9-46; Luís Menezes Leitão, “Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros”, in: Direito dos valores mobiliários, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, págs. 129-156; Luís Menezes Leitão, “Informação bancária e responsabilidade”, in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. II — Direito bancário, Livraria Almedina, Coimbra 2002, págs. 225-244; Agostinho Cardoso Guedes, “A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil”, in: Revista de direito e economia, ano 14.º (1988), págs. 135-165; Carlos Ferreira de Almeida, “Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados financeiros”, in: Direito das sociedades em revista, vol. 16 — 2016, págs. 15-31; Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 401-410; Margarida Azevedo de Almeida, “A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 411-424; Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Revista de direito comercial, ano 2.º (2018), págs. 1225-1240, disponível in: WWW: < https://www.revistadedireitocomercial.com >; Margarida Azevedo de Almeida. A responsabilidade civil por prospecto no direito dos valores mobiliários. O bem jurídico protegido, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, esp. nas págs. 222-227; Ana Afonso, “O contrato de gestão de carteira. Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro”,  in: Maria de ... Ribeiro (coord.), Jornadas — Sociedades abertas, valores mobiliários e intermediação financeira, Livraria Almedina, Coimbra, 2007, págs.  55-86; Catarina Monteiro Pires, “Entre um modelo correctivo e um modelo informacional em direito bancário e financeiro”, in: Cadernos de direito privado, n.º 44 — Outubro / Dezembro de 2013, págs. 3-22; Sofia Nascimento Rodrigues, A protecção dos investidores em valores mobiliários, Livraria Almedina, Coimbra, 2001; Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Livraria Almedina, Coimbra, 2008; Fernando Canabarro Teixeira, “Os deveres de informação dos intermediários financeiros em relação a seus clientes e sua responsabilidade civil”, in: Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 31 — 2008, págs. 50-87; Pedro Miguel Rodrigues, A intermediação financeira. Em especial, os deveres de informação do intermediário (dissertação de mestrado), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011; ou Pedro Miguel Rodrigues, “A intermediação financeira. Em especial, os deveres de informação do intermediário”, in: DataVenia. Revista jurídica digital, ano 1.º (2013), págs. 101-131, disponível in: < https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao02/datavenia02_p101-132.pdf >.

[3] Como o demonstram, p. ex., as colectâneas O direito bancário na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in: WWW: < http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/direitobancario.pdf > ou in: Centro de Estudos Judiciários, Direito bancário, in: WWW: < http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf >.

[4] Vide designadamente António Menezes Cordeiro, “A tutela do consumidor de serviços financeiros e a crise mundial”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º (2009), págs. 603-632; ou Paulo Câmara, “Crise financeira e regulação”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º (2009), págs. 697-728, esp. nas págs. 716-719.[5] Cf. designadamente Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, cit., pág. 403 = in: Revista de direito comercial, cit., págs. 1229: “… a construção do sistema no âmbito da responsabilidade dos intermediários financeiros [apresenta-se] extremamente complexa”. Entre as razões da sua complexidade estaria a necessidade de “articulação entre o Código dos Valores Mobiliários e o direito privado comum”: “importa sobretudo”, escreve o Professor Carneiro da Frada, “pôr em guarda contra apriorismo simplificadores, que partem com excessiva auto-suficientência do Código dos Valores Mobiliários para resolver os problemas de responsabilidade dos intermediários financeiros e não reconhecem, como é mister, a necessidade e a imprescindível valia, para o efeito, o direito comum dos contratos”.

[6] Salvo indicação em contrário, considerar-se-á o teor das disposições do Código dos Valores mobiliários e do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras em vigor em Abril de 2006, ou seja, na data da conclusão do contrato pelos Autores, agora Recorridos.[7] Expressão de Carlos Ferreira de Almeida, “Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados financeiros”, cit., pág. 30.

[8] Cf. art. 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial: “Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

[9] Cf. art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial: “As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.

[10] Cf. art. 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial.

[11] Entre os pontos mais ou menos consensuais está o de que o padrão de diligência do art. 304º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e nos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras é superior ao padrão do art. 487.º, n.º 2, do Código Civil [vide, na doutrina, p. ex., A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, cit., pág. 258 — dizendo que “[d]o confronto entre os regimes regra com os regimes mobiliários específicos resulta, do ponto de vista da diligência exigida, um plus: aos intermediários financeiros é exigida uma diligência que ultrapassa o conceito de bom pai de família (homem médio) espera-se uma actuação como elevados padrões de diligência” — e, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 — e de de 10 de Abril de 2018 — processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1 —, considerando que se substitui o bonus paterfamilias do art. 487.º, n.º 2, por um diligentissimus paterfamilias, “não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve”.

[12] Como se diz no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de de 5 de Abril de 2016 — processo n.º 127/10.0TBPDL.L1.S1 —, “[a] violação dos deveres de informação do emitente de títulos mobiliários, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal do art. 7.º do Código de Valores Mobiliários”.

[13] Cf. designdamente Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in: Escritos jurídicos vários 2000-2015, cit., pág. 17: “… nos preceitos dedicados a cada tipo contratual surgem também regras sobre deveres de informação”.

[14] Expressão usada, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 —: “O âmbito funcional do dever de informação é determinado por uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente”. (

[15] Embora o art. 312.º não refira expressamente a natureza dos instrumentos financeiros negociados, deve concordar-se com as afirmações feitas pelo Professor António Pinto Monteiro, no parecer junto aos autos: “… o grau de conhecimento de uma pessoa em relação a um instrumento como uma obrigação é completamente diverso do conhecimento que o mesmo sujeito possa ter, p. ex., de um swap de taxas de juro” (págs. 15-16); “conceitos como ‘obrigação’ e, no seu âmbito, ‘resgate’, são conhecidos — ou facilmente apreensíveis — pela generalidade do público, contrariamente ao que acontece com produtos de elevada complexidade, como a noção de synthetic collateralized debt obligation, assente em swaps e outros derivados, já que assentarão no pólo oposto do espectro” (pág. 16)

[16] Expressão usada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2018 — processo n.º 1236/15.5T8PVZ.L1.S1 —e de 11 de Outubro de 2018 — processo n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1.

[17] Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, cit., pág. 404 = in: Revista de direito comercial, cit., págs. 1231.

[18] Cf. facto provado sob o n.º 2: o funcionário “disse ao Autor marido que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada”

[19] Expressão de Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, cit., págs. 132 ss.

[20] Sobre o art. 348.º do Código das Sociedades Comerciais vide Florbela de Almeida Pires, anotação ao art. 348.º, in: António Menezes Cordeiro (coord.), Código das Sociedades Comerciais anotado, 2.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2011, págs. 937-940; ou Nuno Barbosa, anotação ao art. 348.º, in: Jorge Manuel Coutinho de Abreu (coord.), Código das Sociedades Comerciais em comentário, vol. V — Artigos 271.º a 372.º-B, Livraria Almedina, Coimbra, 2012, págs. 775-783.

[21] Sobre o art. 360.º do Código das Socidades Comerciais, vide Florbela de Almeida Pires, anotação ao art. 348.º, in: António Menezes Cordeiro (coord.), Código das Sociedades Comerciais anotado, 2.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2011, págs. 969-972; Orlando Vogler Guiné, anotação ao art. 360.º, in: Jorge Manuel Coutinho de Abreu (coord.), Código das Sociedades Comerciais em comentário, vol. V — Artigos 271.º a 372.º-B, Livraria Almedina, Coimbra, 2012, págs. 882-907.

[22] Expressão de Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, cit., pág. 136.

[23] Expressão de A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, cit., pág. 163.

[24] A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, cit., pág. 163.

[25] A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, cit., pág. 164.

[26] Em termos em tudo semelhantes, vide os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2013 — processo n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1 — de 17 de Março de 2016 — processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1 —, de 5 de Abril de 2016 — processo n.º 127/10.0TBPDL.L1.S1 —, de 10 de Abril de 2018 — processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1 —, de 5 de Junho de 2018 — processo n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1 —, de 19 de Junho de 2018 — processo n.º 152/13.0TCFUN.L1.S2 —, de 18 de Setembro de 2018 — processo n.º 20403/16.8T8SLB.L1.S1 —, de 4 de Outubro de 2018 — processo n.º 20329/16.5T8LSB.L1.S1 —, de 25 de Outubro de 2018 — processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1 —, de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 —, ou de 11 de Dezembro de 2018 — processo n.º 6917/16.3T8GMR.G1.S1.

[27] Em Itália, afirma-se que “… o conteúdo dos deveres de informação dos intermédiários … [se prende], em particular, com a prestação de uma correcta informação ao investidor sobre a natureza dos títulos adquiridos e a solvabilidade do emitente; na prática, o intermediário deve permitir, não um investimento ‘seguro’, e sim um investimento ‘adequado’ [Valentino Lenoci, “Responsabilità dell’intermediario finanziario e tutela del risparmiatore”, in: Giurisprudenza di merito, ano 38.º (2006), págs. 2080-2100 (2081)].

[28] Cujo teor é o seguinte: “Em 12 de Abril de 2006, o funcionário do Réu, Carlos Duarte Ferreira Graça, atuando em nome do mesmo, disse ao Autor marido, que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada”.

[29] Cujo teor é o seguinte: “O referido funcionário sabia que o Autor marido era uma pessoa simples, emigrante há muitos anos na Suíça não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitissem saber os vários tipos de produtos financeiros e avaliar, os riscos de cada um deles”.

[30] Cujo teor é o seguinte: “6. O A. marido apenas autorizou a realização da aplicação porque o referido funcionário lhe disse que o capital era garantido pelo Banco Réu, que os juros eram pagos semestralmente e que podia levantar total ou parcialmente o capital e respetivos juros quando assim entendesse. 7. Atuou, assim, convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo. 8. Se o Autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria. 9. Era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu que nunca foi intenção dos Autores investir em produtos de risco e que os mesmos estavam convencidos que o Réu lhes restituiria o capital e os juros quando os solicitasse”.

[31] Cujo teor é o seguinte: “O A. marido apenas autorizou a realização da aplicação porque o referido funcionário lhe disse que o capital era garantido pelo Banco Réu, que os juros eram pagos semestralmente e que podia levantar total ou parcialmente o capital e respetivos juros quando assim entendesse”.

[32] Cujo teor é o seguinte: “O Réu colheu a assinatura do Autor marido no documento de fls. 17 denominado SLN 2006 - Boletim de Subscrição, preenchido nos serviços do Réu, através do qual é formalizada uma ordem de subscrição das referidas obrigações, sem que o conteúdo de tal documento fosse explicado ao Autor marido, o qual não percebeu o seu alcance, nem entendeu que estava a dar uma ordem de subscrição de obrigações”.

[33] O texto do art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários é o seguinte: “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

[34] Expressão de Manuel de Andrade (com a colaboração de Rui de Alarcão), Teoria geral das obrigações, cit., pág. 342.

[35] Vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 — processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1.

[36] Vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2018 — processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1.

[37] O resultado corresponde àquele a que se chegou no direito italiano, de que a indemnização deve conter-se dentro dos limites do interesse contratual negativo (cf. Valentino Lenoci, “Responsabilità dell’intermediario finanziario e tutela del risparmiatore”, cit., pág. 2089]. 

[38] Cf. acórdão do STJ de 5 de Junho de 2018 — processo n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1 —: “Apurando-se que o autor investiu em obrigações convencido que estava a investir num depósito a prazo, o dano directo por ele sofrido corresponde aos montantes investidos, acrescido de juros de mora à taxa legal (por não se verificar o pressuposto a que alude o art. 102.º do CCom) a contar das datas em que os mesmos dever-lhe-iam ter sido reembolsados (como sucederia se, efectivamente, tivesse sido contratado esse depósito); a essa importância devem ser deduzidos o valor das obrigações da emitente (apesar da insolvência desta) e o valor dos juros remuneratórios que foram por esta pagos, assim se limitando a medida da responsabilidade do recorrente ao prejuízo efectivamente sofrido pelo recorrido”.