Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P4088
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CARMONA DA MOTA
Descritores: REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
EXPULSÃO
RESIDÊNCIA PERMANENTE
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS DA SENTENÇA
REENVIO DO PROCESSO
Nº do Documento: SJ200611160040885
Data do Acordão: 11/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Sumário : I - «Se for aplicável pena de prisão [ao «agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos»: art. 1.º, n.º 1, do DL 401/82], deve o juiz atenuar especialmente a pena (…) quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado» (art. 4.º).
II - Para negar essa atenuação, não basta, pois, que se possam colocar reservas à capacidade de ressocialização do jovem.
III - «A atenuação especial da pena p. no art. 4.º do DL 401/82 não se funda nem exige “uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente”, nem, contra ela, poderá invocar-se “a gravidade do crime praticado e/ou a defesa da sociedade e/ou a prevenção da criminalidade”. Pois que, por um lado, a lei não exige - para que possa operar - a «demonstração de» (mas a simples «crença em») «sérias razões» de que «da atenuação resultem vantagens para a [sua] reinserção social» (cf. Ac. do STJ de 27-02-03, Proc. n.º 149/03 - 5.ª). E que, por outro, «a atenuação especial da pena a favor do jovem delinquente não pressupõe, em relação ao seu comportamento futuro, um “bom prognóstico”, mas, simplesmente, um “sério” prognóstico de que dela possam resultar “vantagens” para uma (melhor) reinserção social do jovem condenado» (ibidem).
IV - «O que o art. 9.º do CP trouxe de novo aos chamados jovens adultos foi, além do mais, a imperativa atenuação especial (“deve o juiz atenuar”), mesmo que o princípio da culpa o não exija, quando “haja razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” (art. 4.º do DL 401/82)» (cf. Ac. do STJ de 29-01-04, Proc. n.º 3767/03 - 5.ª).
V - «A atenuação especial dos arts. 72.º e 73.º do CP, uma das principais manifestações do princípio da culpa (…), beneficia tanto adultos como jovens adultos. Mas, relativamente aos jovens adultos (art. 2.º do DL 401/82) - e, aí, a diferença -, essa atenuação especial pode fundar-se não só no princípio da culpa (caso em que essa atenuação especial recorrerá aos arts. 72.º e 73.º do CP) como, também ou simplesmente, em razões de prevenção especial (ou seja, de reintegração do agente na sociedade)» (ibidem).
VI - Na decisão de facto, o tribunal colectivo considerou provado que «a arguida se encontra(va) a residir em Portugal há quatro anos», mas, embora só se considere «residente o estrangeiro habilitado com título válido de residência em Portugal» (art. 3.º do DL 244/98), não consta dos factos provados que a arguida, ao tempo da condenação, não estivesse habilitada com título válido de residência no país.
VII - Uma vez que a «expulsão de estrangeiro» facultada, em caso de condenação por crime previsto no DL 15/93, pelo respectivo art. 34.º, n.º 1, «não pode ter lugar como consequência automática da sua condenação (...), devendo ser sempre avaliada em concreto a sua necessidade e justificação» (TC 07Nov96, DR, I-A, 04DEZ96), o tribunal a quo fundou-se, para decretar a expulsão da arguida, no art. 101.º, n.º 1, do DL 244/98 («A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no país, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva»), no pressuposto de que a arguida - apesar de «residir em Portugal há quatro anos» - seria uma «cidadã estrangeira não residente no País», «encontrando-se em Portugal há pouco tempo».
VIII – E terá pressuposto ainda - mas também aqui sem indicação da correspondente fonte documental - de que a arguida não estava habilitada com título válido de residência no país.
IX – O acórdão incorreu, assim, no vício - apreciável oficiosamente - de «contradição entre a fundamentação e a decisão» ou, mesmo, de «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» (art. 410.º, n.º 2, do CPP), vícios que, inviabilizando a decisão do recurso (art. 426.º, n.º 1, do CPP), implicarão o reenvio do processo para novo julgamento. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




1. OS FACTOS

No dia 16.03.2005, no período compreendido entre as 17:10 e as 17:30, AA esteve no cruzamento formado pela Travessa do ... com a Rua do..., em Lisboa, próximo do Largo ..... ..., a vender embalagens, contendo doses individuais de heroína a consumidores daquele produto que ali a abordavam para lho adquirir. Em troca, a arguida recebia daqueles as quantias correspondentes ao preço que os mesmos por elas pagavam. (...) Assim, durante tal período de tempo, pelas 17:10, a arguida entregou embalagens, com produto estupefaciente, a dois consumidores que ali a abordaram para lhas adquirir, recebendo destes, em troca, a quantia correspondente ao preço que por elas pagaram. (...) Pelas 17:15, a arguida entregou duas embalagens, com produto estupefaciente, a um consumidor que ali a abordou para lhas adquirir, recebendo deste, em troca, a quantia correspondente ao preço que por elas pagou. Pelas 17:25, a arguida entregou algumas embalagens, com produto estupefaciente, a um consumidor que ali a abordou para lhas adquirir, recebendo deste, em troca, a quantia correspondente ao preço que aquele por elas pagou. Pelas 17:28, a arguida entregou duas embalagens, com produto estupefaciente, a um consumidor que ali a abordou para lhas adquirir, recebendo deste, em troca, a quantia correspondente ao preço que aquele por elas pagou. Ocorreu então a intervenção dos agentes da PSP que vigiavam o local e se aperceberam do que ali estava a suceder. No seguimento dessa intervenção policial, foi a arguida detida e sujeita a revista, tendo sido encontradas em seu poder: 3 embalagens contendo, cada uma delas, uma mistura em pó, com o peso total líquido de 0,386 g., em cuja composição se encontra uma substância activa denominada heroína; e a quantia de € 155,75, em notas e moedas do Banco Central Europeu (sendo 3 notas de 20 euros, 6 notas de 10 euros, 5 notas de 5 euros, e o restante em moedas), correspondendo esta quantia ao produto das vendas de heroína, embalada em doses individuais, por ela efectuadas, no aludido local, antes de ali ser detida pelos agentes da PSP. A arguida tinha consigo as embalagens contendo heroína dispondo-se a vendê-las a consumidores de tais substâncias que para lhas adquirir a abordassem no local. (...) No dia 08 de Junho de 2005, no período compreendido entre as 15:35 e as 16:00, a arguida esteve no mesmo cruzamento, desta vez a vender embalagens contendo doses individuais de cocaína a consumidores daquele produto que ali a abordavam para lho adquirir. 14.Assim, no exercício da referenciada actividade de venda de cocaína a consumidores, durante o aludido período de tempo, naquele local pelas 15:35, a arguida recebeu certa quantia de alguém que a abordou e, acto contínuo, dirigiu-se a uma parede próxima de si e retirou de um saco que ali guardava (nuns cabos de telefone que por ali passavam) 1 embalagem com a cocaína que em seguida entregou àquele que a abordou. Pelas 15:45, a arguida recebeu novamente certa quantia de alguém que a abordou e, acto contínuo, retirou do referido saco (que escondia nos fios de telefone) 3 embalagens, cada uma delas contendo produto estupefaciente, embalagens essas que em seguida entregou àquele que tinha acabado de lhe entregar o dinheiro. Pelas 15:50, a arguida, depois de retirar uma embalagem, com produto estupefaciente, do aludido embrulho, entregou-a a uma consumidora que a abordou para lha adquirir, recebendo desta, em troca, a quantia correspondente ao preço que aquela por ela pagou. Pelas 16:00, a arguida foi abordada por BB, de quem recebeu € 9,00 (nove euros), quantia correspondente ao preço de embalagens, com produto estupefaciente, que o segundo pretendia adquirir-lhe. Esta venda acabou por não se concretizar já que foi interrompida pela intervenção de agentes da PSP, que vigiavam o local e se aperceberam do que ali estava a suceder. A arguida foi então interceptada e sujeita a revista, tendo sido encontrada em seu poder a quantia de € 33,60, em notas e moedas do Banco Central Europeu, correspondendo esta quantia ao produto das vendas de cocaína embalada em doses individuais por si ali efectuadas antes de ter sido detida. Nesse montante estava incluída a quantia que a arguida momentos antes recebera de BB. Foram ainda encontradas, num embrulho em papel de alumínio que a arguida escondia na parede próximo de si, acondicionadas num pequeno saco de plástico, 20 embalagens contendo cada uma delas uma mistura em pó, com o peso total líquido de 2,576 g., em cuja composição se encontrava uma substância activa denominada cocaína (cloridrato). A arguida tinha consigo estas embalagens com cocaína dispondo-se a vendê-las a consumidores de tal substância que a abordassem para o efeito. No dia 25 de Janeiro de 2006, pelas 20:45, a arguida dirigiu-se ao bar/café ".. ...", sito na Rua do ..., n.° ..., em Lisboa, levando consigo um saco desportivo. Dentro desse saco tinha 142 embalagens contendo, cada uma delas, uma mistura em pó, com o peso total líquido de 23,108 g, em cuja composição se encontrava uma substância activa denominada cocaína (cloridrato); bem como 48 embalagens contendo cada uma delas uma mistura em pó, com o peso total líquido de 3,686 g, em cuja composição se encontrava uma substância activa denominada heroína; e ainda a quantia de € 587,00, em notas e moedas do Banco Central Europeu; A arguida tinha consigo estas embalagens contendo cocaína e heroína dispondo-se a vendê-las a consumidores de tais substâncias que para o efeito a abordassem. A quantia em dinheiro apreendida correspondia ao produto de anteriores vendas de embalagens com doses individuais daqueles produtos estupefacientes por ela efectuadas. A quantia de € 117,92 em notas e moedas do Banco Central Europeu pertencente à arguida e que esta deixou, no dia 31 de Outubro de 2005, pelas 16:30, no caixote do lixo da casa de banho do café "..." proveio da venda de cocaína e heroína a consumidores. A arguida conhecia a natureza estupefaciente do produto contido nas embalagens apreendidas e que tinha em seu poder, bem sabendo que as tinha consigo e que as afectava à venda a terceiros. A arguida não ignorava que a venda de tais produtos estupefacientes é proibida e punida por lei, tendo-os consigo, para tal efeito, de forma livre, voluntária, e consciente. Os arguidos são cidadãos estrangeiros, naturais de Cabo Verde. A arguida encontra-se a residir em Portugal há quatro anos. Não tem a residir em Portugal qualquer familiar. Depois de ter sido despedida em Junho de 2005, não mais teve qualquer emprego. As suas habilitações literárias consistem no 9° ano de escolaridade e do seu CRC nada consta.


2. a condenação

Com base nestes factos, a 2.ª Vara Criminal de Lisboa, em 28Set06, condenou AA (-09Abr85), como autora de um crime de tráfico comum de drogas ilícitas, na pena principal de 6 anos de prisão e na pena acessória de expulsão por 10 anos:

Em três ocasiões distintas a arguida esteve a vender na rua produto estupefaciente, mais concretamente cocaína e heroína, aos consumidores que a si se dirigissem, fazendo dessa actividade, conforme pelo lapso de tempo decorrido resulta da matéria provada, o seu modo de vida. As quantidades de droga e de dinheiro que lhe foram apreendidas demonstram a dimensão de um negócio próspero. E a arguida não é pessoa autorizada a manusear ou vender tais substâncias. Está, contudo, acusada da prática de três crimes distintos. É de julgar que a arguida por três vezes cometeu este crime ou unificar numa única conduta a sua actuação? Para que alguém pratique um crime tem que preencher objectiva e subjectivamente o tipo legal da norma penal incriminadora. Sabemos que nas três ocasiões a que se reportam os factos isso aconteceu, pois das três vezes esteve a arguida a vender substâncias incluídas nas tabelas legais, ou seja, a vender droga. Nas três ocasiões, a arguida conhecia a natureza estupefaciente do produto contido nas embalagens apreendidas e que tinha em seu poder, bem sabendo que as tinha consigo e que as afectava à venda a terceiros e sabia que a venda de tais produtos estupefacientes é proibida e punida por lei, tendo-os consigo, para tal efeito, de forma livre, voluntária, e consciente. O tipo penal está por três vezes preenchido. Mas há ainda que avaliar se a arguida tomou uma única resolução criminosa que se traduziu em mais do que um acto consubstanciador da conduta desejada, ou se a arguida renovou a sua resolução criminosa de cada vez que praticou os actos provados. Não obstante as detenções sofridas, parece claro que a conduta da arguida não foi sujeita a um processo interruptivo que exigisse nova resolução criminosa. Independentemente de ter sido detida de permeio, tal diligência não foi suficientemente forte para pôr em causa aquela resolução. Nessa medida, cremos que resulta dos factos que a arguida tomou, por uma vez, a resolução criminosa de se dedicar em exclusivo á venda de droga e, para esse efeito, praticou, por diversas vezes, actos de venda de droga. Pelo exposto, julgamos que a arguida praticou apenas um, e não três, dos crimes de tráfico pelos quais vem acusada, e que nesse que praticou se incluirão todos os actos provados. Ao crime em apreço é aplicável uma moldura penal abstracta de prisão de 4 a 8 anos. Na determinação da medida da pena há que atender ao critério estabelecido no art. 71° do Código Penal. Assim, e em primeiro lugar, há que atender à culpa. Sendo o juízo de culpa uma ponderação valorativa do processo de formação da vontade do arguido, tendo como critério aquilo que uma pessoa (enquanto homem médio com características pessoais similares à condição do agente) colocada na posição daquele faria perante a mesma situação, não poderemos deixar de a considerar elevada. No fundo, o juízo de culpa releva, necessariamente, da intuição do julgador, sendo este assessorado pelas regras da experiência que lhe permitem proceder à valoração nos termos descritos. E no caso vertente, a arguida deliberadamente violou normas que punem actos de conhecida gravidade, socialmente perniciosos. Com efeito, ponderados os efeitos do consumo de droga, nos indivíduos com comportamentos aditivos e em todos os que os rodeiam, e também naqueles que são prejudicados com os desvarios praticados por quem carece de uma dose para cumprir o seu vicio, a resposta social é determinada e a censura social associada ao tráfico é bastante forte. Será ainda de ponderar: - o grau de ilicitude dos factos, elevado como se vê pelas quantidades apreendidas e pelo tempo decorrido entre a primeira e a última situação; - as repercussões dos seus actos, intensas para o cidadão; - a intensidade do dolo, directo; - as condições pessoais da arguida, suas habilitações literárias e situação económica; - a sua conduta anterior e posterior ao facto. Face ao exposto. julga o tribunal adequada a pena de 6 anos de prisão. Conforme requerido pelo Ministério Público na acusação, importa ainda conhecer da questão da pena acessória de expulsão dos arguidos do território nacional. Ora, segundo o disposto no art. 101°/1 do DL 34/2003, se um cidadão estrangeiro não residente no pais for condenado por crime doloso a pena de prisão efectiva superior a 6 meses, pode igualmente ser sujeito à pena acessória de expulsão do território nacional. Considerando a condenação agora determinada, bem como a circunstância de a arguida se encontrar em Portugal há pouco tempo, não tendo neste pais qualquer significante elo de ligação, entendemos ser de aplicar a referida expulsão. Associada à medida, determina-se igualmente a interdição de entrada cujo prazo, ao abrigo do art. 105° do mesmo diploma se fixa em 10 anos tendo em consideração a gravidade dos factos e as suas repercussões.


3. O RECURSO

3.1. Insatisfeita, a arguida recorreu ao Supremo, em 11Out06, pedindo a redução da pena principal e a revogação da pena acessória:

A determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (...). Na determinação concreta da pena, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente - vd. artigo 71.°, n.º 2, do Código Penal. A culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas. O limite máximo de pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado (...). Com as exigências de prevenção geral, procura-se satisfazer a necessidade comunitária de punição; com a prevenção especial, pretende-se satisfazer as exigências da socialização do agente, com o objectivo da sua integração na comunidade. A função intimidatória da pena deve estar subordinada à sua outra função socialmente integradora. Donde, a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação, mas antes a intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica. Assim, a moldura penal aplicável ao caso concreto deve definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente. Entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social. Importa, ainda, acautelar que a pena concreta não seja excessiva, cerceando os objectivos da reinserção social, considerando as especiais exigências de socialização da jovem recorrente. A pena de 6 (seis) anos de prisão a que o tribunal a quo condenou a ora recorrente é elevada, porquanto tendo em conta as exigências de prevenção (geral e especial) e a culpa da Recorrente, não se justifica a sua condenação em tal pena. A aqui recorrente deverá beneficiar da atenuação especial da pena, atenta a idade à data dos factos e a ausência de antecedentes criminais. Uma vez que a ora recorrente tinha idade inferior a 21 anos, à data dos factos importa aplicar o regime especial contemplado no Decreto-lei n.º 401/82. Na condenação da aqui recorrente, importa ainda levar em conta que aquela não tem antecedentes criminais, além da atenuação especial da pena (artigos 72.° a 74.°, do Código Penal). Por tudo, deve a aqui recorrente, ser condenada na pena de 3 (três) anos de prisão. Mais deve, consequentemente, ser revogada a pena acessória de expulsão do território nacional, a que a ora recorrente foi também condenada.

3.2. O MP, na sua resposta de 24Out06, admitiu que o acórdão, não tendo ponderado a aplicação do regime especial para jovens, haja incorrido em nulidade por omissão de pronúncia.

No acórdão recorrido e no que à medida concreta da pena concerne ponderou-se a culpa da arguida como elevada na medida em que esta violou normas que punem actos de conhecida gravidade, socialmente perniciosos. Ponderou-se, igualmente a ilicitude dos factos como elevada face às quantidades apreendidas e pelo tempo decorrido entre a primeira e a última situação. Ponderou-se, igualmente, as repercussões dos actos intensas para o cidadão e a intensidade do dolo que foi directo. Ponderou-se as condições pessoais da arguida e a sua conduta anterior e posterior ao facto. Concordamos com a analise feita pelo tribunal «a quo» e sendo a moldura penal abstracta fixada entre os 4 anos de prisão e os 12 anos de prisão não podemos deixar de concordar que a medida concreta da pena deve cifrar-se acima dos mínimos legais. No entanto não podemos deixar de considerar que o tribunal «a quo» não teceu, como devia, qualquer consideração acerca da vantagem na aplicação do regime especial para jovens, como manda a lei (Dec.- Lei nº 401/82 de 23 de Setembro). Neste particular o tribunal a quo deveria ter ponderado tal situação sendo certo que teria, igualmente, de fundamentar a opção tomada sendo que tal falta acarreta o reenvio do processo para nova decisão, por nulidade do acórdão assim proferido (cfr. art. 379° n.º 1 al. c) do CPP). Respondendo à questão avançada pela recorrente neste particular não nos repugna que o tribunal a quo lance mão do regime especial para jovens, sendo certo que não se aceita, porém, a medida da pena concreta indicada pela arguida, pois isso seria cifrar a pena perto do mínimo legal sem suporte axiológico para tal. Na verdade o facto da arguida não contar com antecedentes criminais tem relevo diminuto, face à sua idade - bastante jovem - sendo certo que outros factores a apontar no sentido de tão benévola pena não se vislumbram. E, como se sabe, neste tipo de criminalidade são elevadas as exigências de prevenção geral e especial. Conforme tem sido entendimento dos nossos tribunais superiores, «o limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas jurídicas violadas, além de constituir um elemento dissuasor». Também o preâmbulo do Dec.-Lei n.° 401/82 de 23 de Setembro refere que a presente lei trata de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada. E, mais adiante: as medidas propostas não afastam a aplicação da pena de prisão quando isso se torne necessário para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade. Posto isto e também as considerações vertidas no acórdão recorrido, com as quais se concorda, acerca da culpa, ilicitude dos factos, intensidade do dolo, condições de vida da arguida e seus antecedentes criminais, entendemos que ao atenuar especialmente a pena, caso se entenda ser de operar a lei a que nos temos referido, a mesma terá de cifrar-se em limite superior ao indicado pela recorrente mas inferior ao fixado pelo tribunal a quo por força da atenuação especial. Relativamente à pena acessória de expulsão do território nacional, nenhum reparo fazemos à decisão recorrida face ao estatuído no art. 34° n.º 1 do DL n.º15/93 de 22 de Janeiro pelo que defendemos ser de manter a decisão nesta parte.


4. o regime penal do jovem adulto

4.1. «A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos, constante do DL 401/82, de 23-09 - regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária - não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos» (STJ 11-06-2003, recurso 1657/03-3).

4.2. «A oficiosidade da aplicação e do conhecimento de todas as questões que lhe pertinem resulta da natureza dos interesses que se visam proteger, na realização de uma irrecusável (...) opção fundamental de política criminal, e da própria letra da lei ao usar a expressão “deve” com significado literal de injunção» (ibidem): «Se for aplicável pena de prisão [ao «agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos»: art. 1.1 do DL 401/82], deve o juiz atenuar especialmente a pena (...) quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado» (art. 4.º).

4.3. Para negar essa atenuação, não basta, pois, que se possam colocar reservas à capacidade de ressocialização do jovem. Aliás, «a atenuação especial da pena p. art. 4.° do DL 401/82 não se funda nem exige “uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente” nem, contra ela, poderá invocar-se “a gravidade do crime praticado e/ou a defesa da sociedade e/ou a prevenção da criminalidade”. Pois que, por um lado, a lei não exige - para que possa operar – a «demonstração de» (mas a simples «crença em») «sérias razões» de que «da atenuação resultem vantagens para a [sua] reinserção social» (cfr. STJ 27-02-2003, recurso 149/03-5). E já que, por outro, «a atenuação especial da pena a favor do jovem delinquente não pressupõe, em relação ao seu comportamento futuro, um “bom prognóstico”, mas, simplesmente, um “sério” prognóstico de que dela possam resultar vantagens para uma (melhor) reinserção social do jovem condenado» (ibidem).

4.4. Tanto mais que, «tratando-se de jovens delinquentes, são redobradas as exigências legais de afeiçoamento da medida da pena à finalidade ressocializadora das penas em geral». Efectivamente, se, quanto a adultos não jovens, a reintegração do agente apenas intervém para lhe individualizar a pena entre o limite mínimo da prevenção geral e o limite máximo da culpa, já quanto a jovens adultos essa finalidade da pena, sobrepondo-se então à da protecção dos bens jurídicos e de defesa social, poderá inclusivamente - bastando que “sérias razões” levem a crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” - impor, independentemente da sua (menor) culpa, o recurso à atenuação especial da pena» (STJ 29-01-2004, recurso 3767/03-5): «O que o art. 9.º do CP trouxe de novo aos chamados jovens adultos foi, além do mais (1), a imperativa atenuação especial (“deve o juiz atenuar”), mesmo que o princípio da culpa o não exija, quando “haja razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” (art. 4.º do DL 401/82)» (ibidem).

4.5. «A atenuação especial dos art.s 72.º e 73.º do CP, uma das principais manifestações do princípio da culpa (ou seja, o de que a pena, ainda que fique aquém do limite mínimo da moldura de prevenção, “em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa” - art. 40.º, n.º 2), beneficia, evidentemente, tanto adultos como jovens adultos. Mas, relativamente aos jovens adultos (art. 2.º do DL 401/82) - e, aí, a diferença -, essa atenuação especial pode fundar-se não só no princípio da culpa (caso em que essa atenuação especial recorrerá aos art.s 72.º e 73.º do CP) como, também ou simplesmente, em razões de prevenção especial (ou seja, de reintegração do agente na sociedade)» (ibidem).

4.6. Nem poderá invocar-se, contra a atenuação especial da pena, o perigo de reincidência (a menos, claro, que esse perigo só possa concretamente debelar-se mediante um dissuasor reforço da pena de prisão).

4.7. Relativamente a jovens adultos, em suma, a atenuação especial da pena de prisão - quando (concretamente) aplicável – apenas será de afastar se contra-indicada por uma manifesta ausência de «sérias razões» para se crer que, dela, possam resultar vantagens para a reinserção social do jovem condenado.


5. A NULIDADE DA SENTENÇA

5.1. «Se for aplicável pena de prisão», o tribunal, ante a questão da determinação da medida da pena de prisão a aplicar a um «jovem» (ou seja, ao agente de um crime que, à data da prática deste, tiver completado 16 anos sem ainda ter atingido os 21 anos»: art. 1.2 do DL 401/82 de 23Set), terá sempre de fundamentar especificamente a denegação da atenuação especial da pena (2).

5.2. Outro procedimento configurará um verdadeiro erro de direito, como tal controlável, mesmo em revista, por violação além do mais, do disposto no art. 4.º do DL 401/82: «Deve o juiz atenuar especialmente a pena (...)».

5.3. É nula a sentença que deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar (art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP).

5.4. Tal nulidade, mesmo que não arguida, é oficiosamente cognoscível pelo tribunal de recurso (art. 379.º, n.º 2, do CPP).

5.5. Ora, o tribunal a quo não chegou a pronunciar-se (incorrendo, por isso, em «omissão de pronúncia») sobre a questão, oficiosa, da «atenuação especial relativa a jovens», apesar de a agente do crime contar apenas 19 anos de idade (no início, em 16Mar05, da sua actividade criminosa) e 20 anos de idade (no seu termo, em 25Jan06, data da sua detenção).


6. A PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO

6.1. Na decisão de facto, o tribunal colectivo considerou provado que «a arguida se encontra(va) a residir em Portugal há quatro anos».

6.2. Embora só se considere «residente o estrangeiro habilitado com título válido de residência em Portugal» (art. 3.º do DL 244/98), não consta dos factos provados que a arguida, ao tempo da condenação, não estivesse habilitada com título válido de residência no país.

6.3. Uma vez que a «expulsão de estrangeiro» facultada, em caso de condenação por crime previsto no presente diploma [DL 15/93], pelo art. 34.1 do DL 15/93, «não pode ter lugar como consequência automática da sua condenação (...), devendo ser sempre avaliada em concreto a sua necessidade e justificação» (TC 07Nov96, DR, I-A, 04Dez96), o tribunal a quo fundou-se, para decretar a expulsão da arguida, no art. 101.1 do DL 244/98 («A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no país, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva»).

6.4. Além disso, o tribunal a quo, ao determinar a sua expulsão com base no «disposto no art. 101.1 do DL 34/2003» (3), aplicável aos «cidadãos estrangeiros não residentes no país», pressupôs que a arguida – apesar de «residir em Portugal há quatro anos» - seria uma «cidadã estrangeira não residente no País», «encontrando-se em Portugal pouco tempo».

6.5. E terá pressuposto ainda – mas também aqui sem indicação da correspondente fonte documental – de que a arguida não estava habilitada com título válido de residência no país.

6.6. O acórdão incorreu, assim, no vício – apreciável oficiosamente – de «contradição entre a fundamentação e a decisão» ou, mesmo, de «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» (art. 410.2 do CPP).

6.7. Estes vícios – a par da apontada omissão de pronúncia – inviabilizam a decisão do recurso (art. 426.1 do CPP) e implicam o reenvio do processo para novo julgamento - pela Vara Criminal de Lisboa a que, com excepção da 2.ª, este vier a tocar em redistribuição – das questões da atenuação especial da pena principal, da aplicabilidade e fundamento da pena acessória e da «medida concreta» de uma e outra.


7. DECISÃO

Conhecendo da questão prévia da «contradição entre a fundamentação e a decisão» de expulsão da arguida e da «insuficiência para a decisão [de expulsão] da matéria de facto provada» (supra, 6.7) e da nulidade por omissão de pronúncia da sentença recorrida (supra, 5.5), o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência, anula parcialmente (4) o acórdão recorrido e determina o reenvio do processo para novo julgamento(5) das questões da atenuação especial da pena principal, da aplicabilidade e fundamento da pena acessória e da «medida concreta» de uma e outra.


Lisboa, 16 de Novembro de 2006

Carmona da Mota (relator)

Pereira Madeira

Santos Carvalho
----------------------------------------------------------------
(1) A faculdade concedida ao juiz de lhe impor uma medida de correcção em lugar de uma pena de prisão até 2 anos “quando as circunstâncias do caso e considerada a personalidade do jovem maior de 18 anos e menor de 21 anos resulte que a pena de prisão até 2 anos não é necessária nem conveniente à sua reinserção social” (art. 6.º, n.º 1).
(2) Pronunciando-se, sempre, pela (in)existência de (sérias) razões para (se) crer) que da atenuação resultem vantagens para a sua reinserção social e só a negando «quando tiver sérias razões para crer que da atenuação [não] resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».
(3) Rectius, «DL 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei 97/99, de 26 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de ao de Janeiro e pelo presente diploma [Decreto-Lei 34/2003, de 25 de Fevereiro]»]
(4) Pois que no tocante, apenas, à questão sobre que aí não chegou a pronunciar-se, devendo tê-lo feito, da «atenuação especial da pena».
(5) Pela Vara Criminal de Lisboa, com excepção da 2.ª, a que o processo vier agora a tocar em redistribuição.