Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B4528
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REGISTO
DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA OBRIGATÓRIA
Nº do Documento: SJ2000801290045282
Data do Acordão: 01/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
1. A regra de que o STJ não exerce controlo sobre a matéria de facto nem revoga por erro no apuramento desta, e se limita a sindicar a aplicação do direito aos factos que as instâncias deram como provados, não é absoluta: o Supremo conhece de matéria de facto quando, na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou ofensa de dispositivo legal que fixe a força de determinado meio de prova.

2. A presunção registral que dimana do registo definitivo é ilidível – o registo, ainda que definitivo, constitui mera presunção juris tantum.

3. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos arts. 374º e 375º do Cód. Civil, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, isto é, prova plenamente que o autor do documento fez as declarações que lhe são atribuídas.

4. Os factos compreendidos na declaração e contrários aos interesses do declarante valem a favor da outra parte, nos termos da confissão, podendo, nessa medida, o documento ser invocado, como prova plena, pelo declaratário contra o declarante.

5. Mas, em relação a terceiros, tal declaração não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

AA instaurou acção declarativa com processo ordinário contra ­R. & F., L.da, pedindo a condenação desta a entregar-lhe os veículos automóveis ligeiros de passageiros, da marca Ford Fiesta, com a matrícula …-…-NR, do ano de 1999, e da marca Ope1 Corsa, com a matrícula …-…-LM, do ano de 1998, e a pagar-lhe uma indemnização em montante nunca inferior a € 3.350,00, pelo período de tempo em que estiveram em poder da demandada, com o consequente não uso e desvalorização dos mesmos.

Alega, em síntese, que em 30 de Setembro de 2001 declarou comprar a BB, e este declarou vender-lhe, as referidas viaturas – de que o BB era dono, por as ter anteriormente adquirido, por compra, a particulares – pelo preço global de € 19.951,92 (4.000.000$00), recebendo deste os respectivos documentos (livrete, título de registo de propriedade e requerimento-declaração para registo da propriedade), e encontrando-se a propriedade dos mesmos registada a seu favor desde 21 de Janeiro de 2002.

Porque os ditos veículos se encontravam, na data do negócio, em poder de terceiro – CC – entregou ao vendedor, em pagamento parcial do preço ajustado, e contra a entrega dos mencionados documentos, a quantia de 200.000$00 (€ 997,60),ficando acordado que o remanescente do preço seria pago no acto da entrega dos referidos veículos, a ter lugar no prazo máximo de 3 dias.

Não obstante, até hoje nem o vendedor, nem o terceiro a quem estavam confiados, lhe entregaram os veículos, estando estes, pelo menos desde Janeiro de 2002, em poder da ré, sem que esta tenha qualquer título que legitime a detenção, e negando-se a entregá-los, apesar de várias vezes instada a fazê-lo, alegando tê-los comprado ao CC.

Os veículos sofreram desvalorização, estimada em € 1.700,00, quanto ao Ford, e em € 1.650,00 quanto ao Opel.

A ré contestou, invocando a sua ilegitimidade, bem como a excepção de litispendência, por se achar pendente uma acção em que ela, ré, é autora e que visa a declaração de nulidade, por simulação, dos negócios de compra e venda que integram a causa de pedir na presente acção.

Impugnou ainda a matéria alegada pelo autor, aduzindo, em síntese, que adquiriu os veículos, por compra, ao referido CC, em data anterior ao alegado negócio entre o autor e BB, pagando o preço respectivo e recebendo as viaturas, que ficaram na sua posse, tendo o vendedor prometido entregar os respectivos documentos dias depois. Veio, mais tarde, a apurar que o referido CC havia comprado os veículos ao BB, mas não tinha pago o preço respectivo. Certo é que o negócio entre o autor e o BB foi simulado, para criar a falsa aparência de um terceiro de boa fé, com o propósito de a prejudicar, nada tendo o autor pago ao pretenso vendedor e sabendo bem que as viaturas já haviam sido vendidas a terceiro.

É, assim, tal negócio nulo, porque simulado, não produzindo quaisquer efeitos, designadamente os das invocadas presunções de registo e posse, devendo, por isso, a acção improceder.

Na mesma peça processual, a ré requereu a intervenção provocada de BB e de CC e mulher DD.

Na réplica, o autor reputou de inepto o requerimento de intervenção provocada, pugnando pelo seu indeferimento liminar, e sustentou igualmente a improcedência das arguidas excepções.

Na audiência preliminar foi julgada improcedente a excepção de litispendência, considerando-se, porém, que a invocada acção constituía causa prejudicial em relação à presente, e determinando-se, por isso, a suspensão da instância até ser decidida aquela.

Foi, entretanto, junta aos autos certidão da decisão que homologou a desistência parcial do pedido na dita acção, e proferido, nesta, despacho a declarar finda a suspensão da instância. No mesmo despacho foi igualmente decidido não admitir o incidente de intervenção provocada deduzido pela ré, por não se acharem preenchidos os respectivos pressupostos legais.

No saneador, foi julgada improcedente a arguida excepção de ilegitimidade da ré, operando-se, de seguida, a condensação, dando­-se por assentes os factos aceites pelas partes e levando-se à base instrutória a matéria de facto controvertida.

A ré agravou do despacho que declarou cessada a suspensão da instância e determinou o prosseguimento dos autos, tendo o recurso sido recebido com subida diferida e efeito meramente devolutivo.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, com condenação da ré a entregar ao autor os dois identificados veículos e a sua absolvição do demais pedido.

Da sentença interpôs a ré o pertinente recurso de apelação.

E a Relação do Porto, apreciando os interpostos recursos – o agravo e a apelação – negou provimento ao primeiro e julgou improcedente a apelação, mantendo o despacho agravado e confirmando a sentença apelada.

De novo inconformada, a ré traz, agora a este Supremo Tribunal, recurso de revista.

E, no remate das suas alegações, formula as seguintes conclusões:

1ª - A presunção registral sub judice é juris tantum e admite contraprova;

2ª - O documento de fls. 160 (da providência cautelar) tem valor probatório pleno quanto às declarações que o BB nele prestou;

3ª - A sua não ponderação implicou violação expressa dos arts. 376º/1 e 393º/2 e 394º, todos do Código Civil;

4ª - Ao julgar procedente a acção os julgadores desvalorizaram completamente a lógica da experiência comum (conjugada com os factos concretos provados e a declaração de fls. 160), dando crédito a uma história “enfeitadinha” para Tribunal com o intuito claro de beneficiar apenas da presunção registral;

5ª - Neste contexto resulta violado o princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 655º do CPC, e devia ter sido aplicado, mas não foi, o disposto no art. 665º do mesmo diploma;

6ª - A valoração do documento de fls. 160, conjugada com o disposto nos normativos supra citados, teria de importar elisão da prova registral e improcedência total da acção.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


2.


São os seguintes os FACTOS PROVADOS:
I – A propriedade dos veículos de marca Ford Fiesta, com a matrícula …-…-NR e de marca Opel Corsa B, com a matrícula …-…-LM, encontra-se registada a favor do autor, na Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa, desde 21.01.2002;

II – A “F. L., S.A.” foi a primeira proprietária, em Portugal, do aludido veículo Ford;

III – Por acordo verbal celebrado em Agosto de 1999, a firma “HR – A. de A., S.A.”, declarou comprar à “F. L., S.A.” , a qual declarou vender-lhe, com reserva de propriedade a seu favor, o mesmo veiculo Ford;

IV – Por acordo verbal celebrado em Janeiro de 2000, EE declarou comprar à firma “HR – A. de A., S.A.”, a qual declarou vender-lhe, o dito veículo Ford Fiesta;

V – Por acordo verbal celebrado em meados de 2001, BB declarou comprar a EE, o qual declarou vender-lhe, o citado veículo Ford Fiesta;

VI – Em 30 de Setembro de 2001, a propriedade do referido veículo Ford encontrava-se registada em nome da firma “HR – A. de A., S.A.”;

VII – A “O. P., C. e I. de V., S.A.” foi a primeira proprietária, em Portugal, do veículo Opel Corsa identificado em I;

VIII – Por acordo verbal celebrado em Janeiro de 1999, a firma “V. – A. de A., L.da”, declarou comprar à “O. P., C. e I. de V., SA”, a qual declarou vender­-lhe, esse veículo Opel Corsa;

IX – Por acordo verbal celebrado em Maio de 2000, aquele BB declarou comprar à firma “V. – A. de A., L.da”, a qual declarou vender-lhe, o mesmo veículo Opel Corsa;

X – Em 30 de Setembro de 2001, a propriedade do referido veículo Opel Corsa encontrava-se registada em nome da firma” V. – ­A. de A., L.da”;

XI – Os supra identificados veículos estão em poder da ré, expostos ao público no stand de vendas do estabelecimento comercial desta;

XII – Instada por diversas vezes, inclusive em Janeiro de 2002, a entregar esses veículos ao autor, a ré tem-se negado a fazê-lo, alegando, para o efeito, ser proprietária desses veículos, por os ter comprado a CC;

XIII – Na providência cautelar não especificada, que se encontra apensa a estes autos, foi decretada a apreensão material e judicial dos supra referidos veículos, tendo a mesma sido concretizada em 19 de Dezembro de 2002, nomeando-se, no acto, como fiel depositário desses veículos, o autor;

XIV – Na referida providência cautelar, a ré deduziu oposição;

XV – Em 13 de Setembro de 2002, e junto do Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Famalicão, a Ré intentou contra BB, AA, CC e mulher, DD uma acção declarativa com processo comum, na forma ordinária, onde pede o seguinte: ser declarada a nulidade do negócio de compra e venda dos automóveis sub judice celebrado entre os réus BB e AA, porque simulado, e porque consubstancia uma venda de bens alheios; serem cancelados os registos de aquisição a favor do réu AA , que sob as inscrições n.° 898 e 917, ambas de 21.01.2002, se encontram lavrados na CRA do Porto; e subsidiariamente, serem todos os réus solidariamente condenados a pagar ao autor a quantia de € 15.712,13, acrescida de juros de mora, à taxa de 7% desde a citação e até à data do efectivo e integral pagamento;

XVI – Por acordo verbal celebrado, o autor AA declarou comprar a BB e este declarou vender-lhe, pelo preço global de € 19.951,92 (4 000 contos), no estado de usados, o veiculo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca Ford Fiesta (JAS), com a matrícula …-…-NR, do ano de 1999, e o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca Opel Corsa B, com a matrícula …-…-­LM, do ano de 1998;

XVII – BB emitiu a declaração junta aos autos a fls. 7 (do processo cautelar apenso), cujo teor aqui se dá por reproduzido, na qual declarou haver recebido do autor a quantia de 200.000$00 (€ 997,60), por conta do preço de 4.000.000$00 (quatro mil contos), pela venda dos veículos referidos no n.º anterior;

XVIII – O autor tem em seu poder os livretes e títulos de registo de propriedade dos veículos desde um período de tempo aqui não concretamente apurado;

XIX – Por os veículos se encontrarem em poder de CC, num Stand em Vila Nova de Famalicão, para que este para eles arranjasse comprador, os mesmos não foram entregues ao autor;

XX – Os veículos desde Janeiro de 2002, e até ao dia 19 de Dezembro de 2002, sofreram uma desvalorização em valor aqui não concretamente apurado;

XXI – De uma conta aberta em nome do filho do sócio-gerente da ré (FF), o mesmo sócio gerente da ré, FF, emitiu a favor de CC, três cheques juntos a fls. 164, 166 e 168, nos valores de um milhão de escudos e 750.000$00 e 1.400000$00, cujo teor aqui se reproduz; ­

XXII – As viaturas estiveram em poder da ré, durante um período de tempo aqui não concretamente apurado;

XXIII – O CC e a ré realizaram vários negócios relacionados com viaturas;

XXIV – O CC acha-se, desde data aqui não concretamente apurada, ausente em parte incerta;

XXV – A ré diligenciou mais do que uma vez no sentido de encontrar o CC, o que não conseguiu.


3.

Sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões da alegação do recorrente, e limitado, em princípio, às questões aí suscitadas, vejamos cada uma dessas questões.
Antes, porém, importa precisar o sentido da decisão recorrida.
No entendimento da Relação, tendo em conta os factos assentes outra não podia ser a decisão decretada na sentença da 1ª instância.
Estando provado que, por acordo verbal, o autor declarou comprar a BB e este declarou vender-lhe, pelo preço global de € 19.951,92 (4 000 contos), no estado de usados, os dois veículos automóveis a que se referem os autos, e que, com base no celebrado contrato de compra e venda, o autor registou a seu favor a propriedade de ambas as viaturas, é seguro que o demandante beneficia da presunção, não elidida, resultante do registo da titularidade do direito de propriedade sobre estas.
E, por outro lado, não logrou a ré fazer prova de factos que legitimem a detenção dos veículos, pelo que deverá restituí-los ao autor.

3.1. Outro é, porém, o entendimento da ré recorrente.
Para esta, a presunção decorrente do registo é juris tantum, admitindo contraprova.
E do documento de fls. 160 do processo cautelar apenso, escrito e assinado por BB, resulta provado que este vendeu as viaturas a CC. Isto porque o BB aceitou que a letra e a assinatura de tal documento era sua, e essa aceitação conferiu força probatória plena a tal documento e à declaração dele constante, de que vendeu os carros ao CC, como resulta do art. 376º n.º 1 do CC, sendo indiferentes as explicações que o BB tenha dado sobre os motivos que o levaram a produzir tal declaração, uma vez que o dito documento “nem sequer admitiria prova testemunhal”, face ao disposto nos arts. 393º n.º 2 e 394º do mesmo Código.
Assim – conclui a recorrente – o aludido documento, conjugado com o disposto nos citados preceitos do CC, “é mais do que suficiente para elidir essa presunção e ditar a improcedência da acção”; e a sua não ponderação implicou a violação expressa de tais normativos.

Que dizer desta argumentação?

O documento de fls. 160 do processo cautelar é um fax enviado em 17.10.2001 por BB a V. – A. de A., L.da , do teor seguinte:
“Tenho os documentos do veículo matrícula …-…-LM comprado a vocês já a bastante tempo. Acontece que à um mês vendi o carro a um tipo de Famalicão onde foi burlado com cheque sem cobertura. Agora não tenho o carro nem dinheiro só tenho os documentos. Pedia o favor de não entregar nada a ninguém caso apareçam a pedir segunda via da declaração.
Muito obrigado.”
[Segue-se a identificação do emitente do fax e a sua assinatura].
Não se suscitam dúvidas quanto á autoria do documento, cuja letra e assinatura o BB reconheceu como suas.
Na fundamentação das respostas à matéria de facto, o Ex.mo Juiz escreveu que, confrontado com o teor do documento, o BB (que depôs com testemunha arrolada pelo autor) “afirmou que foi a forma que na altura cogitou para reaver os veículos”.
3.1.1. Como é sabido, o STJ, seja na apreciação do recurso de revista, seja no conhecimento do recurso de agravo, só conhece de questões de direito (art. 26º da LOFTJ). Não exerce controlo sobre a matéria de facto nem revoga por erro no apuramento desta; a sua função é a de sindicar a aplicação do direito aos factos que as instâncias deram como provados (arts. 722º/2, 729º/1 e 2 e 755º/2 do CPC).
O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode, pois, como regra, ser objecto de recurso de revista.
Esta regra não é, porém, absoluta: ela comporta as excepções a que alude o citado n.º 2 do art. 722º.
De acordo com a 2ª parte deste preceito, o Supremo conhece de matéria de facto quando, na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou ofensa de dispositivo legal que fixe a força de determinado meio de prova.
Como assinala o Cons. FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, em bom rigor, as assinaladas excepções não representam desvios à regra geral que veda ao Supremo o conhecimento da matéria de facto. Do que se trata, nas hipóteses apontadas, é de verdadeiros erros de direito.
É precisamente o que acontece no caso em apreço, em que a ré recorrente sustenta, como vimos, que as instâncias, na fixação da matéria de facto, postergaram a aplicação do disposto no art. 376º n.º 1 do CC, não atentando na força probatória plena que, ancorada neste preceito e reforçada pelo disposto no n.º 2 do art. 393º e no n.º 1 do art. 394º, do mesmo diploma, constitui atributo do documento particular escrito e assinado por BB, inserto nos autos de providência cautelar apensos, e que acima se deixou transcrito.
Vale isto dizer que o recurso vem, nesta parte, fundado na segunda excepção do n.º 2 do art. 722º do CPC, impondo-se a sua apreciação, não obstante não ter sido este preceito invocado pela recorrente.

3.1.2. No dizer da recorrente, a desconsideração, pelas instâncias, da força probatória plena de tal documento conduziu a que não fosse dada como provada, como devia, a venda dos veículos, feita pelo BB ao CC, antes da alienação dos mesmos a favor do autor, o que obviou a que a presunção – ilidível – decorrente do registo, de que o autor beneficia, se tivesse como efectivamente ilidida.
Será assim?
O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Mas, como bem afirma a recorrente, esta presunção registral é ilidível – embora não por contraprova, mas sim através da prova do contrário – pois o registo, ainda que definitivo, constitui mera presunção juris tantum.
O documento particular em causa foi escrito e assinado pelo BB.
Nos termos do n.º 1 do art. 376º do CC, o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
E o n.º 2 estatui que os factos compreendidos na declaração se consideram provados na medida em que forem desfavoráveis ao declarante.
Uma primeira precisão há, desde já, que efectuar: não obstante os termos, aparentemente inequívocos, dos dois preceitos, a força probatória atribuída ao documento não impede que as declarações dele constantes sejam impugnadas com fundamento na falta ou em vícios da vontade (simulação, erro, dolo, coacção, etc.).
Depois, há ainda que considerar que a montante da questão da força probatória do documento se situa a da interpretação da declaração negocial que ele contém, quando o sentido desta não for claro e inequívoco. E aqui, ao contrário do que parece supor a recorrente, não há obstáculo a que se recorra à prova testemunhal para a interpretação da declaração – o n.º 3 do art. 393º do CC não consente dúvidas a tal respeito.
Uma vez fixado o sentido da declaração documentada, surge então o problema da força probatória do respectivo documento, a enfrentar no âmbito do citado art. 376º.
Determinada a sua força probatória formal – o reconhecimento da sua autoria, “nos termos dos artigos antecedentes”, ou seja, nos termos dos arts. 374º e 375º – impõe-se, de seguida, apurar qual a sua força probatória material, qual o valor probatório do documento, no tocante às declarações que contém, ou, se se preferir, qual a eficácia dessas declarações.
E a resposta encontra-se no n.º 2 do art. 376º, já (na parte que aqui importa considerar) acima transcrito.
Dele decorre que só os factos compreendidos nas ditas declarações, e apenas na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante, se consideram plenamente provados.
É dizer: o documento particular, reconhecida ou não impugnada a sua veracidade, nos termos sobreditos, prova plenamente que o autor do documento fez as declarações que nele lhe são atribuídas; os factos compreendidos na declaração e contrários aos interesses do declarante valem a favor da outra parte, nos termos da confissão (sendo também aqui aplicável o princípio da indivisibilidade desta, como resulta do disposto na 2ª parte do apontado n.º 2).
Portanto – como assinala o Prof. VAZ SERRA – “nessa medida, o documento pode ser invocado, como prova plena, pelo declaratário, contra o declarante; em relação a terceiros, tal declaração não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal (cfr. art. 358º, n.os 2 e 4)”
Cai, assim, pela base toda a arquitectura da argumentação da recorrente: o documento particular a que busca arrimo não tem, contra o autor – que é um simples terceiro – a força probatória plena que esta lhe atribui, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal.
E, sendo assim, perde igualmente todo o sentido o apelo ao disposto nos arts. 393º n.º 2 e 394º n.º 1, como facilmente se intui da letra destes preceitos.

3.2. A recorrente questiona ainda o modo como as instâncias apreciaram a prova produzida, não tendo em conta, a seu ver, as regras da experiência comum, e dando crédito a uma ficção criada com o intuito claro de conduzir à presunção decorrente do registo, actuando em violação do princípio da livre apreciação da prova, acolhido no art. 655º do CPC.
Trata-se, porém, de matéria que escapa à apreciação deste Supremo Tribunal, e que, por isso, este não pode sindicar.
Já ficou dito, a tal respeito, o suficiente (cfr. supra, 3.1.1.).
Reconhece-se que a livre apreciação da prova, sendo embora discricionária, não significa a ausência de regras e critérios, não representa a consagração da arbitrariedade. A discricionaridade tem os seus limites, que não devem ser ultrapassados: o próprio art. 655º aponta, como referência, a «prudente convicção» do tribunal.
A liberdade de apreciação da prova é, como refere FIGUEIREDO DIAS, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material”; não é, seguramente, uma operação puramente subjectiva, emocional e imotivável, antes se traduz “em valoração racional e crítica, de acordo com as regras da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos” .
Repete-se, porém, que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo nos casos, já referenciados, da 2ª parte do n.º 2 do art. 722º do CPC.
Não cabe, por isso, ao Supremo, fora destes casos, sindicar o modo como foram, pelas instâncias, valoradas e apreciadas as provas, i.e., a forma como foi actuado o princípio da livre apreciação das provas.

3.3. Tendo em conta tudo quanto se deixou referido, surge como evidente a sem-razão da recorrente na sua referência ao art. 665º do CPC e, consequentemente, ao uso anormal do processo, previsto neste normativo, que imputa ao autor.
Não obstante não ter sido tal questão suscitada no recurso para a Relação, nem por isso se deve ter por afastada a possibilidade de o Supremo dela conhecer, já que o conhecimento do vício em causa é oficioso.
Certo é, porém, que não se mostra minimamente indiciado que o autor se tenha servido do processo para praticar um acto simulado, como a ré recorrente alegou, mas que a prova produzida não confirmou.
Pelo que improcede também, tal como as demais, a conclusão da alegação da recorrente em que esta questão vem equacionada.

4.

Decorre do exposto a improcedência do recurso.
Nega-se, pois, a revista, com custas pela recorrente.
Lisboa, 29 de Janeiro de 2008

(Santos Bernardino)
(Bettencourt de Faria)
(Pereira da Silva))

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1-Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., pág. 2
2- Na Rev. Leg. Jur. ano 114º, pág. 287..
3- Ac. do Trib. Const. de 19.11.1996, in DR, II Série, de 06.02.97.