Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
622/07.9TMBRG.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
GUARDA DE MENOR
PODER PATERNAL
PROCESSO TUTELAR DE MENORES
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/24/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Legislação Nacional: CONVENÇÃO DA HAIA SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS, DE 25 DE OUTUBRO DE 1980, APROVADA PELO DECRETO Nº 22/83 DE 11 DE MAIO;
REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003 DO CONSELHO, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2003;
OTM – ORGANIZAÇÃO TUTELAR DE MENORES, DL Nº 314/78, DE 27 DE OUTUBRO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 1409º E SEGS.
Jurisprudência Nacional: SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, 27 DE MAIO DE 2008, WWW.DGSI.PT, PROC Nº 08B1203, 20 DE JANEIRO DE 2009, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 08B2777, 5 DE NOVEMBRO DE 2009 (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 1735/06.OTMPRT.S1
Sumário :
1. O processo destinado a obter o regresso de uma criança ilicitamente retida num Estado-Membro, previsto no artigo 11º do Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro, não se destina a obter nenhuma decisão sobre a sua guarda, mas a garantir, de forma expedita, a eficácia de uma decisão judicial que decidiu sobre essa guarda.
2. Sendo expressamente qualificado por lei como processo de jurisdição voluntária (artigos 146º e 150º da OTM (Organização Tutelar de Menores, Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro), são-lhe aplicáveis as regras constantes do artigo 1409º e segs. do Código de Processo Civil.
3. A intervenção do Supremo Tribunal da Justiça encontra-se assim limitada à apreciação de decisões de aplicação da lei estrita, não podendo ser apreciadas “resoluções tomadas segundo critérios de conveniência ou oportunidade”.
2. A ilicitude da deslocação ou da retenção é condição para que seja determinada a entrega imediata da criança.
3. Sendo ilícita, a entrega deve ser ordenada, salvo se ocorrerem as circunstâncias ponderosas que a Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, aprovada pelo Decreto nº 22/83 de 11 de Maio e o referido Regulamento consideram aptas a fundamentar uma decisão de recusa.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Em 27 de Setembro de 2007, o Ministério Público veio requerer, “com carácter de urgência”, que o menor AA, filho de BB e de CC, nascido em 9 de Abril de 2004 em Montmorency, França, fosse retirado à mãe, e que fosse proferida decisão sobre o seu regresso a França, conforme carta rogatória que junta e “ao abrigo do disposto nos artigos 1º, 3º, 7º, 8º, 11º e 12º da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças”.
Em síntese, invocou que os pais, que viviam em França em união de facto, se encontram separados desde Abril de 2005; que, nessa altura, a mãe trouxe o menor para Portugal sem consentimento do pai, aqui passando a residir; que, na sequência de uma acção de regulação das responsabilidades parentais intentada pelo pai, em França, em 24 de Fevereiro de 2006, havia sido determinado que o poder paternal fosse exercido por ambos, mas que a residência habitual do menor fosse a do pai, que a mãe tinha direito de visita e de ter o filho consigo livremente e que só com autorização do outro progenitor ou do tribunal podia qualquer um deles sair com o filho de França.
Pela sentença de fls. 108 foi decidido não ordenar o regresso, “por o menor AA não ter sido ilicitamente deslocado, por estar integrado no seu ambiente e, sobretudo, por do regresso a França poder ficar sujeito a perigo de ordem psicológica ou noutra situação intolerável”.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 158, esta sentença foi anulada, para que “se tomem declarações à mãe, no sentido de esclarecer se se opõe à entrega do menor ao pai e com que fundamento, sempre com o contraditório assegurado”.
Regressado o processo à 1ª Instância, a mãe do menor veio dizer que se opunha ao regresso.
Por nova sentença, de fls. 321, foi decidido não determinar o regresso, “por se verificarem os pressupostos constantes do artº 13º, al. b), da Convenção de Haia, ratificada pelo Decreto-Lei nº 33/83, de 11 de Maio”, decisão confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 409.

2. CC recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi admitido, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentou, nas quais esclarece que “o presente processo não visa a regulação do poder paternal, mas visa, isso sim, dar cumprimento a uma decisão judicial proferida por um Tribunal Francês”, ao abrigo da qual foi requerida “a devolução do menor AA, à residência habitual que pela dita sentença francesa lhe foi fixada na casa do pai”, formulou as seguintes conclusões:

“A – A sentença do Tribunal de Grande Instância de Pontoise, França, em processo de regulação do poder paternal, proferiu sentença transitada em julgado, e com observância do contraditório, em que, além do mais, fixou a residência do menor BB na casa do pai, que residia e reside em França.
B – Proibindo ainda qualquer dos pais do referido menor de sair do território nacional francês sem o acordo prévio do outro progenitor ou sem autorização da autoridade judiciária.
C – Apesar dos progenitores do menor se haverem separado e deixado de coabitar em Maio de 2005, a verdade é que o exercício do poder paternal continuava, ainda nessa ocasião, a caber a ambos os progenitores.
D – Sucede que tendo-se a mãe do menor ausentado de França sem consentimento nem conhecimento e contra a vontade do Recorrente, pai do mesmo, violou claramente o referido exercício do poder paternal, o qual veio a ser legitimamente regulado pela aludida sentença do tribunal francês atrás referida, que atribuiu ao pai o exercício de tal poder.
E – Deste modo, a competência em matéria de responsabilidade parental relativamente ao menor continua a pertencer aos tribunais franceses, e daí,
F – O presente processo, requerido e instaurado ao abrigo da acima mencionada Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 26.10.1980, ratificada por Portugal pelo Decreto n° 33/83, destina-se a promover o regresso ao Pais decisor de menores transferidos ilicitamente – arts. 1° alª a) e 3° alª a) dessa Convenção e art. 11° n° 1 do Regulamento (CE) n° 2201/2003
G – Tal processo não constitui de modo algum nem uma alteração da anterior regulação do poder paternal, nem constitui uma nova regulação, já que a tanto a Convenção como o Regulamento (CE) visam essencialmente fazer respeitar e executar por um Estado as decisões proferidas sobre tal matéria por um outro Estado.
H - A própria Convenção só prevê a hipótese do regresso do menor não ser determinado no caso excepcional de haver oposição ao regresso por parte do progenitor, e desde que esse progenitor prove – artº 13° alªs a) e b) da referida Convenção,
– que o requerente não exerce o direito/dever de custódia,
– que o requerente consentiu na retirada ou transferência do menor,
– que o menor após o seu regresso fica sujeito a graves perigos de ordem física ou psíquica ou a outra situação humanamente intolerável.
Ora, a mãe do menor opôs-se ao regresso do menor, mas a verdade é que nada provou que, nos termos daquele art. 13° da Convenção, permitisse que o regresso não fosse determinado,
J – Pelo que o douto acórdão recorrido, ao não determinar tal regresso, apesar de não se ter feito prova de tal matéria excepcional, violou esse citado art. 13° do referida Convenção e art. 11º nº 1 do dito Regulamento (CE) e os restantes normativos invocados de uma e outro,
K – Assim se impondo a sua revogação e, consequentemente, a sua substituição por douto acórdão que determine o aludido regresso do menor à casa e custódia do aqui Recorrente”.

3. A fls. 488, foi junta cópia de uma sentença proferida em 9 de Março de 2010, pelo Tribunal de Grande Instância de Nanterre, enviada pela Direcção-Geral de Reinserção Social do Ministério da Justiça, que procedeu a nova regulação do exercício da autoridade parental em relação ao menor AA, nomeadamente mantendo o exercício em comum da mesma mas fixando “a residência habitual da criança no domicílio maternal”, em Portugal; nova cópia veio aliás a ser junta por iniciativa da mãe, a fls. 497.
Notificado para se pronunciar, o recorrente veio dizer ter interposto recurso da referida sentença, que portanto não transitou em julgado.

4. Vem provada a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):

“1. O menor AA é cidadão português nascido no Hospital de Montmorency, França, em 09/04/2004.
2. Os pais do menor são: CC, divorciado, nascido em 21/01/1958, e BB, solteira, nascida em 11/06/1968, ambos portugueses.
3. Os pais do menor viveram em união de facto em França, tendo-se separado em Maio de 2005.
4. Em 24/02/2006, o progenitor (pai) do menor requereu a regulação das responsabilidades parentais no Tribunal de Primeira Instância de Pontoise, tendo a audiência sido realizada em 12/6/2006 e a sentença exarada em 10/08/2006.
5. À data em que tal processo correu termos já a requerida e o menor viviam em Portugal, tendo este regressado após a separação, em Maio de 2005.
6. O exercício do poder paternal do menor foi regulado pela já referida sentença, ficando a ser exercido conjuntamente pelos progenitores mas o domicílio do menor foi fixado junto do pai, tendo ainda ficado decidido que o menor não poderia sair do território francês sem decisão judicial ou sem acordo prévio por escrito do outro progenitor.
7. A mãe da menor foi notificada da decisão de regulação do poder paternal por carta enviada para a sua residência em França.
8. O menor está a viver em Portugal sem o consentimento e com a oposição do pai, pelo menos a partir da data em que instaurou a acção em França, em 24/02/2006.
9. A mãe e o menor vivem com a família materna alargada em Cabanelas – Vila Verde, sendo o agregado familiar constituído pelos pais da requerida, pelo menor e por uma filha adolescente da requerida.
10. O agregado familiar do menor é apoiado pelos tios maternos, que residem na proximidade da residência do menor.
11. Os avós maternos do menor são reformados, a filha da requerida é estudante e a requerida é operária fabril numa cerâmica onde ganha o salário mínimo nacional de 426 euros.
12. A irmã uterina do menor tem 15 anos.
13. O agregado vive numa casa com fracas condições de habitabilidade.
14. O menor frequenta um jardim-de-infância, nunca tendo manifestado dificuldades de integração e adaptação, andando asseado e bem alimentado.
15. O menor é bastante observador, curioso e tem um grau de autonomia próprio para a idade,
16. O menor viveu sempre com a mãe e está em Portugal desde que tinha aproximadamente um ano.
17. A mãe do menor e a avó materna assumem um papel de destaque no mapa de referências vivenciais do menor, estabelecendo com as mesmas uma grande intimidade e receptividade afectivas, afigurando-se como essenciais para a vida do menor continuar no seu núcleo familiar.
18. O menor é acompanhado pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Vila Verde e apresenta-se diariamente limpo e bem cuidado, sendo uma criança feliz, alegre e bem integrada a nível escolar.
19. A mãe é atenta e preocupada com o filho, acarinhando-o, sendo que este se sente bem na sua companhia e é feliz.
20. A mãe do menor admitiu que bebe álcool e que necessita de ajuda, tendo já participado em consultas para o efeito.
21. A mãe do menor exerce a sua actividade profissional de forma assídua e zelosa.
22. A mãe do menor opõe-se ao regresso do menor a França.
23. O pedido de regresso formulado pelo progenitor ao abrigo da Convenção de Haia foi formulado em 23/04/2007.”

5. Cumpre conhecer do recurso. Antes, todavia, há que ter em conta o seguinte:
– Tal como o recorrente expressamente recorda nas alegações, o que está em causa neste processo é o cumprimento da sentença proferida em 10 de Agosto de 2006 pelo Tribunal de Pointoise, França, que fixou a residência habitual do menor “na casa do pai”, fundamentando-se o pedido de entrega na Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 26 de Outubro de 1980 e aprovada pelo Decreto nº 22/83, de 11 de Maio; há no entanto que ter também em conta o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003;
– Como igualmente observa o recorrente, e se escreveu já no acórdão deste Supremo Tribunal de 5 de Novembro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 1735/06.OTMPRT.S1), “não está em causa neste processo – nem poderia estar (artigo 16º da Convenção) – nenhuma decisão sobre a guarda da menor. Trata-se, diferentemente, de um processo expedito (cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Janeiro de 2009, disponível em www.dgsi.pt, como proc. 08B2777), tendente a garantir a eficácia de uma decisão judicial (…). Em tal eventualidade, os tribunais têm de determinar a entrega imediata da criança, sem que possam discutir a bondade da solução, salvo se ocorrerem as circunstâncias ponderosos que a Convenção da Haia e o Regulamento (CE) nº 2201/2003 consideram aptas a fundamentar uma decisão de recusa.”;
– Este processo não comporta nenhum reconhecimento de sentença, ou equivalente; nomeadamente, não cabe apreciar se os tribunais franceses eram ou não internacionalmente competentes para regular o exercício das responsabilidade parentais, nem tão pouco saber se as circunstâncias em que o processo correu (nomeadamente quanto à possibilidade de funcionamento efectivo do contraditório) afectam ou não a exequibilidade da sentença (cfr. artigo 14º da Convenção);
– O presente processo é expressamente qualificado por lei como processo de jurisdição voluntária (artigos 146º e 150º da OTM (Organização Tutelar de Menores, Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro), o que significa que lhe são aplicáveis as regras constantes do artigo 1409º e segs. do Código de Processo Civil; em particular, salienta-se desde já que o presente recurso se considera limitado à apreciação de decisões de aplicação da lei estrita, não podendo o Supremo Tribunal da Justiça conhecer de “resoluções tomadas segundo critérios de conveniência ou oportunidade”.

6.O recorrente considera que o acórdão recorrido violou o artigo 13º da Convenção e o nº 1 do artigo 11º do Regulamento, bem como “os restantes normativos de um e outro”
Ora o acórdão recorrido, para confirmar a decisão de não entrega do menor, baseou-se nas razões seguintes:
– A prova feita não revela que tenha ocorrido “uma situação de deslocação, nem de retenção ilícitas”;
“Se a deslocação tivesse sido ilícita, justificava-se a recusa do pedido com fundamento no disposto no artº 12º dessa Convenção, por ter decorrido mais de um ano entre a deslocação (Maio de 2005) e o presente processo (mesmo considerando a data da sua entrada na autoridade administrativa) e o menor se encontrar integrado no seu novo ambiente”;
“Mesmo que se interpretasse os citados instrumentos de direito internacional, no sentido de considerar ilícita a retenção a partir da sentença do Tribunal de Pontoise, verifica-se o circunstancialismo previsto no artº 13º, al- b), da Convenção (…)”.
Tais conclusões não merecem qualquer censura, como se passa a justificar.

7. Em primeiro lugar, porque não pode considerar-se, face aos elementos do processo, que tenha havido “deslocação ou retenção ilícita” (artigo 3º da Convenção).
Não há, desde logo, qualquer prova de que a deslocação para Portugal, em Maio de 2005, tenha (ou não) sido realizada contra a vontade ou sem o conhecimento do recorrente; apenas ficou assente a falta de consentimento e a oposição “a partir da data em que instaurou a acção em França, em 24/02/2006”.
Isto significa que as afirmações de que a própria deslocação “violou clara e manifestamente o (…) exercício do poder paternal” (conclusão D), mesmo antes de ter sido instaurado o processo de regulação (24 de Fevereiro de 2006), não podem ser consideradas (para os efeitos da al. a) do artigo 3º). Claro que a propositura da acção tendente a regular o exercício do poder paternal revela oposição a que o menor continue em Portugal, como aliás está provado; mas é posterior à deslocação.
A eventual ilicitude desloca-se, assim, para a hipótese de retenção; e não poderia considerar-se ilícita a retenção a não ser desde o momento em que a sentença de 10 de Agosto de 2006 fixou ao menor, como residência habitual, a casa de seu pai.
Ora nessa altura a custódia que a sentença atribuiu ao pai (na medida em que fixou a residência como se viu) não era efectivamente exercida pelo pai; nem se pode dizer que “o devesse estar” a ser exercida efectivamente pelo pai, individualmente ou em conjunto, pela razão atrás apontada relativamente à deslocação (al. b) do artigo 3º).
Não pode pois considerar-se ilícita, nem a deslocação, nem a retenção; o que, por si só, justifica a decisão proferida pelas instâncias.

8. Também tem razão o acórdão recorrido quando afirma que, ainda que se pudesse haver tal retenção como ilícita, ocorreriam razões que, aos olhos da Convenção e do Regulamento, justificam a recusa de entrega.
Nos termos do artigo 12º da Convenção, se não tiver decorrido um ano desde a deslocação ou retenção ilícita “e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o regresso imediato da criança”; ainda que esse prazo tenha decorrido, o regresso deve ser determinado “salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente”.
Ainda assim, a entrega não é obrigatória (a) se a custódia não era efectivamente exercida pela pessoa com esse direito à época da transferência ou da retenção ou (b) se existir “risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável”; nesta última hipótese, a entrega não pode ser recusada ”se se provar que foram tomadas medidas adequadas para garantir a sua protecção após o regresso” (nº 4 do artigo 11º do Regulamento).
Resulta da matéria de facto provada que “o pedido de regresso formulado pelo progenitor ao abrigo da Convenção de Haia foi formulado em 23/04/2007”, ou seja, menos de um ano depois de ter sido proferida a sentença de 10 de Agosto de 2006.
No entanto, as instâncias consideraram preenchida a hipótese prevista na al. b) do artigo 13º da Convenção: “Acresce que, retirar uma criança de tenra idade (cinco anos) à mãe, com quem sempre viveu, desde que nasceu; retirá-la da terra onde vive desde que tem um ano de idade e, por isso, da única que conhece; retirá-la do meio familiar em que se encontra inserida; levá-la para um país cuja língua não fala, para ir residir com um pai que mal conhece; não é apenas submeter a criança a uma situação intolerável, nem a perigos abstractos de ordem psíquica. É muito mais grave. Configura uma situação de maus-tratos a menor, cujas sequelas poderão afectá-lo de forma grave e perene, a que qualquer pessoa deve obstar e que um progenitor não pode praticar” (acórdão recorrido, pág. 22).
Trata-se de uma conclusão que, situando-se fora do âmbito da legalidade estrita em que o Supremo Tribunal da Justiça pode intervir, está definitivamente assente (nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil, atrás citado).
A terminar, resta observar que não se mostra preenchida a hipótese do nº 4 do artigo 11º do Regulamento, por não constar do processo nenhum elemento nesse sentido; e ainda que o recorrente não tem razão quando afirma “não se ter feito prova” dos factos necessários ao preenchimento das excepções ao dever de determinar a entrega, previstas no artigo 13º da Convenção. Quanto a este último ponto, cabe recordar que basta a verificação de uma das alíneas, a) ou b), do artigo 13ª; e que a conclusão referida à al. b) tem amplo suporte na matéria de facto provada – cfr., em especial, os pontos 5, 9, 10, 12, 14, 16, 17, 18, 19, sendo irrelevante saber se a prova veio ao processo trazida pela mãe ou não.

9. Torna-se assim desnecessário verificar que a sentença de 9 de Março de 2010, do Tribunal de Grande Instância de Nanterre, veio modificar a regulação do exercício das responsabilidades parentais determinada pela sentença de 10 de Agosto de 2006, nomeadamente fixando “no domicílio maternal”, em Portugal, “a residência habitual da criança”.

10. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Reitera-se que a 1ª Instância deverá cumprir o disposto no nº 6 do artigo 11º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 24 de Junho de 2010
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Barreto Nunes