Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A1334
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
ALEGAÇÕES
CONCLUSÕES
MATÉRIA DE FACTO
DESPACHO DO RELATOR
DESPACHO DE SUSTENTAÇÃO
NOTIFICAÇÃO À PARTE
NULIDADE
Nº do Documento: SJ200505240013346
Data do Acordão: 05/24/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 2779/04
Data: 05/18/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Sumário : I - Sendo a impugnação da matéria de facto em via de recurso de apelação uma autêntica questão, deve ela ser incluída nas conclusões das alegações do recorrente, de forma sintética mas com indicação precisa dos concretos pontos de facto impugnados, embora sem necessidade de referência a números, sendo suficiente que a contra parte e o julgador possam apurar ao certo o que é que o recorrente impugna.

II - A especificação dos concretos meios probatórios não integra uma autêntica questão, mas simples indicação dos elementos susceptíveis de conduzir à procedência da impugnação da matéria de facto, pelo que não tem de constar das conclusões das alegações do apelante, bastando que conste do corpo das mesmas alegações.

III - Na hipótese de as alegações do apelante conterem, no seu corpo, impugnação de matéria de facto e indicação dos concretos meios probatórios susceptíveis de conduzir a decisão diferente sobre ela, serão de considerar deficientes as conclusões das mesmas alegações que não indiquem a matéria de facto concretamente impugnada.

IV - Nessa situação deve ser proferido pelo relator despacho - convite de suprimento da deficiência, integrando a sua omissão nulidade secundária que, se for oportunamente arguida, conduzirá à nulidade do próprio acórdão da Relação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 6/12/99, A e marido, B, instauraram contra o condomínio do prédio urbano situado no Alto da Loba, designado por Lote n.º 8, na freguesia de Paço de Arcos, concelho de Oeiras, acção com processo ordinário, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhes o custo das obras a realizar de reposição da fracção "AH" do prédio, a qual pertence aos autores, no estado em que se encontrava antes das infiltrações e humidades verificadas, a repor o muro de divisão do terraço no local em que este deveria estar, que é o constante do projecto aprovado pela Câmara Municipal de Oeiras, conforme a notificação n.º 94/97 daquela edilidade ao condomínio, a repor o pavimento existente no terraço, nos mesmos materiais (marmorite) que existiam antes de efectuadas as obras de impermeabilização da placa que separa o terraço do piso de baixo, sendo consequentemente levantado e retirado o actual pavimento de mosaico de cerâmica de vidro, a custear a reparação do piano deles autores, conforme orçamento de C que juntam como documento n.º 52, a indemnizar os autores dos danos não patrimoniais sofridos por perda da qualidade de vida, fixados com referência a metade do valor locativo mensal de 100.000$00, no total de 5.000.000$00, a compensar a autora, que padece de doença crónica irreversível, dos danos não patrimoniais sofridos por, em resultado da não realização das obras necessárias e urgentes, ter sido posto em causa o que medicamente se impunha - manter-se afastada de locais húmidos e com bolores fúngicos -, pelo valor de 2.000.000$00, a indemnizar os autores dos danos não patrimoniais sofridos, danos esses provocados pela contínua degradação da sua habitação ao longo de dez anos, o que impediu o convívio na sua morada de família com os amigos mais próximos, especialmente importante para o seu equilíbrio psico-somático, pelo valor de 1.000.000$00, e a pagar juros à taxa legal, desde a citação, sobre as importâncias em dinheiro em que vier a ser condenado, até efectivo e integral pagamento.

Invocam para tanto que, tendo adquirido a dita fracção em Setembro de 1986, notaram em finais de 1989 que o tecto da sua casa apresentava manchas de humidade, provocadas por infiltrações de águas, tendo disso dado conhecimento à administração mas não tendo sido, até hoje, efectuadas obras no interior da fracção, apesar de os prejuízos sofridos pelos autores se irem agravando até ser, finalmente, impermeabilizada a placa do telhado em 1998, e das insistências deles autores;

as infiltrações e humidades causaram danos em todas as divisões da casa;

a fracção dos autores abrange um terraço privativo, separado do terraço da fracção contígua por um muro que deveria estar implantado no enfiamento da linha de separação entre os dois elevadores do prédio;

quando os autores compraram a fracção, o terraço tinha como pavimento marmorite, que, contra sua vontade, foi substituída por mosaico de cerâmica de vidro, escorregadio, aquando de obras de impermeabilização do mesmo terraço;

os autores sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais por o condomínio nunca ter levado a cabo as obras necessárias, a que se encontrava obrigado.

O réu contestou por excepção (invocando ineptidão da petição inicial), por impugnação, e pedindo a condenação dos autores como litigantes de má fé.

Em réplica, os autores rebateram a matéria de excepção e o pedido de condenação por litigância de má fé.

Determinada a intervenção principal provocada de D, proprietária da fracção contígua à dos autores, para contestar, querendo, o pedido de reposição do muro no local em que, segundo os autores, devia ter sido construído, foi proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias, - julgando nomeadamente improcedente a deduzida -, nem nulidades secundárias, ao que se seguiu a enumeração da matéria de facto desde logo dada por assente e a elaboração da base instrutória.

Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, no início da qual os autores requereram que fosse admitida ampliação do pedido, requerimento esse que foi indeferido por despacho de que os mesmos autores agravaram ao mesmo tempo que agravaram de despacho que indeferiu pedido que formularam de aplicação de sanção pecuniária compulsória e de despacho que, no decurso da mesma audiência, indeferiu requerimento de redução a escrito, por eles pedida, na parte em que o depoente confessara determinados factos; esse agravo veio, porém, a ser julgado deserto por falta de alegações.

Decidida a matéria de facto sujeita a instrução, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu a proceder ao pagamento aos autores da quantia de 981.000$00, correspondente a 4.893,21 euros, a título de custo de obras a realizar na fracção "AH", acrescida de juros de mora legais a contar da citação até integral e efectivo pagamento, a repor o muro de divisão do terraço de acordo com o projecto de arquitectura aprovado, bem como a repor o pavimento do terraço de molde a aproximar-se o mais possível do correspondente ao primitivo, a pagar aos autores, a título de indemnização por danos não patrimoniais, pela perda da qualidade de vida, pela degradação da sua habitação e pela perturbação na saúde da autora, a quantia de 3.000.000$00, correspondente a 14.963,94 euros, também acrescida dos respectivos juros legais de mora a contar da citação até integral e efectivo pagamento, e absolveu o réu da parte restante do pedido.

Apelou o réu, tendo a Relação negado provimento à apelação e confirmado o acórdão recorrido, por acórdão de que vem interposta a presente revista, de novo pelo réu, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:

1ª - As conclusões da alegação do recurso deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses desenvolvidas nas alegações;

2ª - Os tribunais, ao apreciarem o critério legal a que devem obedecer as conclusões do recurso, não podem deixar de ter sempre presente o princípio constitucional do acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa;

3ª - Só em casos de não cumprimento das determinações dos Tribunais, feitas de acordo com a lei, é que deve recusar-se o conhecimento do objecto do recurso com base na equiparação da deficiência ou obscuridade das conclusões à sua falta;

4ª - A garantia constitucional do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto tem relevância constitucional;

5ª - O art.º 690º-A do Cód. Proc. Civil, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec. - Lei n.º 329-A/95, de 12/12, não impõe que deva ser levada às conclusões das alegações a indicação precisa e concreta dos factos que considera incorrectamente julgados pelo Tribunal;

6ª - O acórdão recorrido viola as als. a) e b) do n.º 1 daquele art.º 690º-A e o n.º 2 do mesmo artigo na redacção do Dec. - Lei n.º 39/95;

7ª - Nas alegações, o recorrente referiu, de forma inequívoca, quais os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, e também indicou os meios probatórios concretos e constantes das gravações (transcrição dos depoimentos das testemunhas);

8ª - A Relação deveria ter tomado em consideração a matéria de facto que o recorrente considera incorrecta e as transcrições constantes do corpo alegatório;

9ª - Porque o não fez, não cumpriu a exigência legal que lhe era imposta pelo art.º 690º-A do Cód. Proc. Civil;

10ª - E deverá ter de o fazer, em conformidade com a lei que a todos vincula, concretamente, deverá ter de conhecer da matéria de facto invocada pelo recorrente correspondente às gravações da prova reproduzidas, e, depois, apreciar da sua bondade e razoabilidade, tudo em conformidade com as als. a) e b) do n.º 1 do dito art.º 690-A;

11ª - Mas mesmo que se entendesse, por hipótese, que o art.º 690-A determina que no recurso sobre matéria de facto deve o recorrente especificar quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os meios probatórios que impunham decisão diversa, sempre o Tribunal da Relação deveria convidar o recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões de recurso;

12ª - No acórdão recorrido, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a parte do recurso afectada por essa omissão dos concretos meios probatórios constantes da gravação da prova realizada no processo e que impunham decisão diversa da recorrida, aos quais o recorrente se referiu e fundamentou a sua defesa;

13ª - A Relação deu lugar à nulidade consignada na al. d) do n.º 1 do art.º 668º do Cód. Proc. Civil, aqui aplicável por remissão do art.º 716º do mesmo diploma (omissão de pronúncia);

14ª - A nulidade por omissão de pronúncia ocorre, única e exclusivamente, porque a Relação entendeu não convidar o recorrente ao aperfeiçoamento das suas alegações e, subsequentemente, alegando a falta de transcrição, não se pronunciou sobre a decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância;

15ª - O Tribunal a quo deu lugar à nulidade prevista no art.º 201º, uma vez que a irregularidade cometida influi necessariamente não só no exame como também na decisão da causa;

16ª - O Tribunal a quo violou igualmente o princípio da cooperação previsto no art.º 266º do C.P.C.;

17ª - O acórdão recorrido violou irremediavelmente o disposto no art.º 690º, n.º 4, do C.P.C., na medida em que deveria ter notificado o recorrente a completar as suas alegações e não o fez; no art.º 660º, n.º 2, do mesmo diploma, na medida em que o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não as resolveu; no art.º 266º, n.º 1, do mesmo diploma, na medida em que, na condução e intervenção do processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes, cooperar entre si, o que não aconteceu por parte da Relação, violando assim o referido princípio; no art.º 668º, n.º 1, al. d), do C.P.C., aqui aplicável por remissão do art.º 716º do mesmo diploma, na medida em que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar, quando o deveria ter feito, sobre questões que deveria decidir, o que é neste preceito cominado com a nulidade do acórdão proferido; no art.º 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, na medida em que a defesa dos direitos, liberdades e garantias das partes deve ser assegurada por um processo justo e equitativo; sendo nulo o acórdão recorrido, o presente processo terá de baixar à Relação para que se faça a sua reforma, pelos mesmos Juízes sendo possível, na medida em que as invocadas nulidades não poderão ser supridas pelo S.T.J.;

18ª - O Tribunal da Relação tampouco se pronunciou quanto à questão levantada pelo recorrente sobre a nulidade prevista na al. c) do art.º 668º do C.P.C.;

19ª - O recorrente, nas conclusões do recurso da decisão da 1ª instância, suscitou questões sobre as quais Relação não se pronunciou, nem tampouco fundamentou a decisão proferida;

20ª - A Relação limitou-se a apresentar uma decisão vaga, completamente desprovida dos motivos ou fundamentos que a determinaram;

21ª - Embora se possa entender que o acórdão em causa não deixou, em bom rigor, de se pronunciar sobre as questões postas, a verdade é que as decidiu sem procurar elucidar ou esclarecer os motivos e fundamentos da pronúncia, o que equivale a conclusões sem premissas, havendo erro na construção do acórdão, por omissão dos fundamentos;

22ª - Os danos existentes na fracção dos recorridos devem-se a vários factores, designadamente ao defeito na construção, falta de isolamento e ventilação imputáveis ao construtor do imóvel e às infiltrações pela placa de cobertura;

23ª - Decorre das regras da experiência comum que infiltração não é o mesmo que condensação;

24ª - Não estão preenchidos os pressupostos essenciais para poder operar o instituto da responsabilidade civil, mormente não existe nexo de causalidade entre os danos de condensação existentes em todas as divisões da fracção e as alegadas infiltrações provenientes das partes comuns;

25ª - O acórdão recorrido omitiu o nexo da causalidade adequada e bem assim os pressupostos essenciais ao regime da responsabilidade civil, pelo que violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto no n.º 1 do art.º 483º do Cód. Civil;

26ª - O recorrente suscitou em instâncias próprias a condenação dos autores como litigantes de má fé, quer perante o Tribunal da 1ª instância, quer perante a Relação, questão essa que não obteve qualquer pronúncia por nenhum deles;

27ª - O recurso pelos recorridos à presente acção de condenação excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes;

28ª - O montante arbitrado a título de danos não patrimoniais é manifestamente exagerado, não se coadunando com a jurisprudência dos tribunais portugueses.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, sendo este anulado por omissão de pronúncia, ordenando-se que o processo volte ao Tribunal da Relação para que este se pronuncie sobre a matéria de facto impugnada, julgando os factos conforme o requerido e dando provimento ao recurso, julgando-se finalmente a acção improcedente e absolvendo-se o réu do pedido.

Em contra alegações, os recorridos pugnaram pela confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que o âmbito do recurso se afere pelas conclusões das alegações do recorrente (art.ºs 660º, n.º 2, 684º, n.º 3, e 690º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil).

A primeira questão suscitada pelo recorrente consiste em nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, por violação do disposto no art.º 690º-A, n.ºs 1, als. a) e b), e 2 (este na versão do Dec. - Lei n.º 39/95, de 15/2, por a presente acção ter dado entrada em Juízo antes da alteração introduzida pelo Dec. - Lei n.º 183/2000, de 10/8), do Cód. Proc. Civil, na medida em que ele recorrente, nas alegações da sua apelação, sustentara dever ser alterada a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto extraída da base instrutória, pretensão essa rejeitada pelo acórdão recorrido com base no facto de aquele não ter indicado os meios concretos de prova que impunham decisão diferente.

Sustenta o recorrente que a lei não exige que nas conclusões das alegações seja feita indicação precisa e concreta dos factos que o recorrente considera incorrectamente julgados, e que de todo o modo os indicou no corpo das alegações, onde também indicou os meios probatórios concretos, constantes das gravações (transcrição dos depoimentos das testemunhas).

O que dispõe o art.º 690º-A, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, é que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a), e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b).

Nesses dispositivos, com efeito, não se impõe que aquela especificação concreta seja feita nas conclusões das alegações. Há, porém, que atender ao disposto no art.º 690º, n.º 1, do mesmo Código, segundo o qual o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

Ou seja, as conclusões são apenas a indicação sintética dos fundamentos com base nos quais o recorrente pretende a alteração ou anulação da decisão, consistindo, como diz Rodrigues Bastos ("Notas ao Código de Processo Civil", 3º, 299), na elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões por que devem ser decididas em determinado sentido. Trata-se de proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação (Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil Anotado", 5º, 359). Daí que se deva entender que as conclusões deverão conter o enunciado das questões a decidir sem que tenham de incluir a repetição exaustiva da fundamentação desenvolvida ao longo do corpo das alegações.

Por isso, sendo a impugnação de matéria de facto uma autêntica questão fundamental, susceptível de conduzir a decisão diferente, deve ela ser incluída nas conclusões das alegações, de forma sintética mas obviamente com indicação precisa dos pontos de facto impugnados, como resumo do que a tal respeito tenha sido referido no corpo das alegações. Só assim se pode entender que é suscitada tal questão: para se impugnar matéria de facto há, forçosamente, que especificar de forma concreta quais os pontos de facto impugnados, embora sem necessidade de referência a números, pois o que importa é que a contra parte e o julgador possam apurar ao certo o que é que o recorrente impugna.

Já no que respeita à especificação dos concretos meios probatórios, não se trata aí de questão alguma, mas de simples indicação dos elementos susceptíveis de conduzir à procedência daquela impugnação. Por isso, a este respeito, há que entender que basta que essa especificação concreta seja feita no próprio corpo das alegações, o que se compreende porque tal especificação não traduz uma verdadeira questão, não tendo por isso que ser integrada nas conclusões, mas simples enunciado dos elementos de prova susceptíveis de conduzir, no entender do recorrente, a decisão diferente em relação à matéria de facto impugnada.

Por outro lado, dispõe o n.º 4 do mencionado art.º 690º do C.P.C. que "quando as conclusões faltem, sejam deficientes, obscuras, complexas, ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2, o relator deve convidar o recorrente a apresentá-las, completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada; ...".

A utilização do termo "deve" mostra claramente que não se trata aqui de mera faculdade, mas de um acto imposto por lei, cuja omissão integra nulidade por poder influir no exame ou na decisão da causa (art.º 201º do mesmo Código).

Ou seja: verificando-se aquela situação, descrita no mencionado dispositivo, respeitante às conclusões das alegações, deve ser proferido o despacho - convite de suprimento ou correcção pelo recorrente, sob pena de ser cometida uma nulidade secundária, de conhecimento não oficioso (art.º 203º, n.º 1, do mesmo diploma), mas que na presente revista se mostra suscitada nas conclusões das alegações do recorrente; mas não há que proferir, pois a lei não o impõe e se pretendesse que a insuficiência do corpo das alegações fosse suprida da mesma maneira não se compreenderia que restringisse àquela alusão às conclusões, qualquer despacho - convite nesse sentido se a falta se verificar com referência apenas ao próprio corpo das alegações.

Ora, na hipótese de as alegações conterem, no seu corpo, impugnação de matéria de facto e indicação dos concretos meios de prova susceptíveis, no entender do recorrente, de conduzir a decisão diferente sobre tal matéria de facto, será caso de se considerar deficientes as conclusões das mesmas alegações se estas não indicarem a matéria de facto ali dessa forma impugnada.

O acórdão recorrido, porém, em parte alguma exige que a indicação dos pontos de facto impugnados ou dos meios de prova concretos susceptíveis de conduzir a diferente decisão de facto sejam integrados nas conclusões das alegações. Nele nem sequer se fala em falta de especificação concreta de pontos de facto, pelo que nessa parte não se entende a impugnação feita nas alegações do presente recurso. O que nele se refere a este respeito é apenas a falta de indicação dos concretos meios probatórios que impunham, no entender do então apelante, decisão diferente, não referindo sequer que tal indicação devia ser feita nas conclusões das alegações.

Nestas condições, o que há que verificar é se as conclusões das alegações da apelação contêm indicação concreta de pontos da matéria de facto impugnados e quais, e, como se constata que nas conclusões de tais alegações não se contém indicação concreta dos meios de prova em que o recorrente se baseia para proceder a impugnação de matéria de facto, há que analisar o corpo das mesmas alegações para se verificar se nele é feita essa indicação.

Analisadas as conclusões das alegações do recorrente na apelação, verifica-se que nelas é impugnada a decisão da matéria de facto respeitante aos pontos 3º, 17º, 19º, 21º, 30º e 36º da base instrutória (fls. 643-644).

Por outro lado, no corpo das mesmas alegações da apelação igualmente impugna o recorrente o decidido quanto àqueles pontos de facto 3º, 17º, 19º, 21º, 30º e 36º (fls. 628-629, 633, 634 e 635), aí impugnando ainda os pontos de facto 24º, 25º e 26º da base instrutória, estes últimos não indicados nas respectivas conclusões.

Por outro lado ainda, no já aludido corpo das alegações da sua apelação indica o ora e então recorrente os meios de prova em que concretamente se baseia para proceder àquela impugnação de matéria de facto: a fls. 629 a 632 quanto aos pontos de facto da base instrutória 3º, 17º, 19º e 21º, a fls. 634 quanto aos pontos 24º, 25º e 26º, e a fls. 634 e 635 quanto aos pontos 30º e 36º.

Sendo assim, é de concluir que, quanto aos pontos de facto 24º, 25º e 26º, as conclusões das alegações do recorrente na apelação se mostravam deficientes, uma vez que era bem clara a sua intenção de impugnar o decidido quanto a esses pontos mediante a sua indicação e a referência aos meios de prova em que concretamente se baseava. Por isso, face ao acima exposto, impunha-se que, para ser remediado o manifesto lapso do recorrente, fosse proferido despacho - convite no sentido de este, querendo, completar as suas conclusões. Não tendo tal despacho sido proferido, foi cometida a apontada nulidade, que não é, directamente, do acórdão recorrido, mas que conduz à nulidade deste nos termos do n.º 2 do art.º 201º do Cód. Proc. Civil.

Além disso, os meios de prova em que o recorrente concretamente se baseava encontram-se indicados no corpo das ditas alegações, e até mediante transcrição em escrito dactilografado como o exigia o n.º 2 do apontado art.º 690º-A na redacção então em vigor; acrescendo que os próprios recorridos se aperceberam dessa indicação, que rebateram nas suas contra alegações, como se vê nomeadamente a fls. 700 e 703.

Donde que, não tendo conhecido da impugnação feita pelo apelante sobre a decisão da matéria de facto, apenas aludindo aos pontos de facto 3º, 17º, 19º, 21º e 36º, mas rejeitando essa correspondente pretensão do recorrente com base na circunstância de, segundo entende, este não ter indicado os concretos meios de prova em que se baseava, - do que aliás, conforme se referiu acima, se discorda, pois essa indicação de simples elementos de prova, destinados à resolução de questões de facto postas nas conclusões das alegações, se encontra feita no corpo destas e a lei não exige que essa indicação seja feita nas conclusões das alegações ou em separado das mesmas -, tenha o acórdão recorrido omitido a decisão de uma questão a que se encontrava obrigado, cometendo uma nulidade prevista na primeira parte da al. d) do n.º 1 do art.º 668º do Cód. Proc. Civil, a qual não pode ser suprida por este Supremo, tal devendo ser feito na Relação, pelos mesmos Juízes que proferiram o acórdão recorrido sendo possível, nos termos do n.º 2 do art.º 731º do Cód. Proc. Civil. E isto também quanto à já indicada nulidade resultante da falta de despacho - convite, pois esta implica igualmente omissão de pronúncia, no caso sobre a matéria de facto dos pontos 24º, 25º e 26º.

Invoca também o recorrente contradição entre as respostas aos quesitos 3º, 13º, 17º, 19º e 21º, com base na utilização dos termos, de significado diferente, "condensação" e "infiltração". Tal contradição, a verificar-se, poderia conduzir à remessa do processo à Relação nos termos do art.º 729º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil. Uma vez que, porém, terá de ser reapreciada a matéria de facto respectiva, aquela questão fica agora forçosamente prejudicada, não havendo em consequência que dela conhecer neste momento (art.º 660º, n.º 2, do C.P.C.), coisa que só terá de ser feita se for mantida a decisão de facto e de novo for suscitada tal questão.

Outras nulidades do acórdão recorrido invoca o recorrente: uma da al. b) do n.º 1 do art.º 668º do Cód. Proc. Civil, e outras duas da primeira parte da al. d) do mesmo n.º 1. Naquele caso, por falta de indicação dos fundamentos que justifiquem a decisão, e neste por omissão de pronúncia sobre duas outras questões suscitadas nas conclusões das alegações do recorrente na apelação, e que são a da verificação da nulidade da sentença da 1ª instância prevista na al. c) do mesmo n.º 1, por oposição entre os fundamentos e a decisão, e a da condenação dos autores por litigância de má fé.

Quanto às omissões de pronúncia agora em causa, não tem o recorrente razão, pois o acórdão recorrido conheceu da questão da nulidade por oposição entre fundamentos e decisão, como se vê a fls. 799 e 800, e a questão da litigância de má fé por parte dos autores não se mostra suscitada nas conclusões das alegações do recorrente na apelação, sendo certo que é nas conclusões das alegações do recorrente que devem ser enunciadas as questões que este pretende que sejam apreciadas em via de recurso (art.ºs 660º, n.º 2, 684º, n.º 3, e 690º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil).

Já no que respeita à invocada falta de fundamentação, o acórdão recorrido mostra-se em geral fundamentado, mas, quanto à decisão confirmatória da condenação do réu na reposição do muro, nada refere, como a sentença da 1ª instância também nada referia, sobre os fundamentos determinantes da responsabilização do condomínio por tal reposição. Por isso, entende-se que nesta parte se verifica a invocada nulidade, que só poderá ser suprida na Relação também por força do disposto no mencionado art.º 731º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil.

Impõe-se, em resumo, que na Relação seja proferido o indicado despacho - convite no sentido de o recorrente completar, querendo, as conclusões das suas alegações da apelação com a inclusão nelas da impugnação da matéria de facto dos pontos 24, 25º e 26º da base instrutória, e que posteriormente nela seja reformado o acórdão recorrido, pelos mesmos Juízes que o proferiram sendo possível, mediante conhecimento da questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto dos pontos 3º, 17º, 19º, 21º, 24º, 25º, 26º (estes três últimos na hipótese de o recorrente completar nesse sentido as conclusões das suas alegações), 30º e 36º, da base instrutória, fundamentando-se ainda a decisão, se for mantida, proferida quanto à obrigação de reposição do muro pelo ora recorrente; o que prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas.

Pelo exposto, acorda-se em declarar nulo o acórdão recorrido e em determinar a remessa dos autos à Relação para os fins acima indicados.

Custas a final.


Lisboa, 24 de Maio de 2005
Silva Salazar,
Ponce de Leão,
Ribeiro de Almeida.