Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A2741
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
ALEGAÇÕES
PRAZO
CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: SJ200710180027411
Data do Acordão: 10/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
- Havendo recurso de apelação de ambas as partes – art. 690º-3 CPC -, alega em primeiro lugar o apelante assim considerado segundo a ordem de interposição dos recurso, e, seguidamente, o segundo apelante, contando-se o início do respectivo prazo da notificação da apresentação da alegação do primeiro recorrente.
- Perante um contrato de empreitada, de natureza duradoura e execução prolongada, cuja execução se previa desenvolver-se ao longo de mais de um ano, a relevância dos incumprimentos tem de ser aferida no seu contexto global, nomeadamente à luz de um juízo de prognose sobre a exigibilidade da relação de confiança entre os contraentes, tudo segundo um critério objectivo, valorando a sua relevância na satisfação do interesse do credor, medida de avaliação do cumprimento das obrigações.
- O abandono da obra representa um incumprimento cuja gravidade, aferida pela globalidade das prestações contratuais convencionadas e da respectiva execução, assume, seguramente, quer quantitativa quer qualitativamente, significado relevante à luz do critério de objectividade legalmente acolhido, ou seja, quando valorado por uma pessoa estranha aos juízos valorativos próprios do interesse subjectivo do credor.
- A justa causa, como fundamento da resolução, repousa na ideia do concurso de circunstâncias que segundo a boa fé, a confiança, correcção e lealdade deixem de manter como exigível a uma das partes a continuação da relação contratual.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa contra CC e mulher, DD, com o fim de obterem a condenação dos Réus a pagarem-lhes a quantia de € 67 392,14 euros, bem como juros legais de mora desde a citação até integral pagamento.
Como fundamento deste pedido invocam um contrato de empreitada que celebraram com os Réus, que teve como objecto a construção da casa de habitação destes, contrato a cuja execução, após divergências, os RR. puseram fim, resolvendo-o, e recusando, então e posteriormente, o pagamento aos AA. das quantias respeitantes aos trabalhos realizados, previstos no contrato inicial e efectuados a mais (extra-contrato).

Os Réus contestaram e deduziram reconvenção.
Alegaram que valor da empreitada, de esc. 40 000 000$00, já incluía o IVA, impugnaram a alegada dívida referente ao preço de materiais e custo de trabalhos a mais, acrescentando que os RR. não cumpriram os prazos acordados em qualquer das fases da construção e que abandonaram a obra.
Reconvindo, invocaram prejuízos decorrentes desse abandono com o arrendamento de casa, juros de empréstimo contraído, custo de conclusão das obras, danos morais e penalização de juros convencionada no aditamento ao contrato de empreitada, nos montantes de, respectivamente, € 4.414,40, 997,60, 47.933,12, 997,60 e 1.795,67.

A acção acabou por ser julgada improcedente. A reconvenção procedeu parcialmente com a condenação dos AA. a pagarem aos RR. as quantias de € 1.795,67, a título de penalização pelo atraso na conclusão das obras, e de € 498,80, a título de danos morais, a cada um dos RR..
Apelaram ambas as Partes que viram a Relação julgar o contrato resolvido com justa causa pelos RR. e, em consequência, alterar o sentenciado, ora com a condenação dos AA. no pagamento da indemnização de € 53.490,75 (1.776,76+997,60+47.933,12+997,60+ 1.795,67).

Os Autores pedem revista em que pugnam por que se julgue deserto o recurso de apelação dos RR. e se condenem estes no pagamento da indemnização de € 39.078,69, o que fazem a coberto da seguinte síntese conclusiva:
- Nos termos do art. 698º-2 CPC, os RR. deveriam ter apresentado as suas alegações dentro do mesmo prazo de 30 dias em que os AA. o fizeram;
- Mesmo que assim se não entenda e mantenha a disciplina fixada no despacho que recebeu os recursos, o prazo contava-se logo após o termo do prazo para alegação dos AA., não tendo os RR. que esperar, como esperaram, serem notificados das alegações dos AA. para se dar início à contagem do prazo das suas alegações.

- O não cumprimento do contrato de empreitada deve-se a culpa dos RR., pois que:
- devido às alterações ordenadas pelos RR, à revelia dos AA., o fiscal camarário mandou parar a obra, também pelo facto de “a licença da obra ter caducado”;
- na correspondência enviada aos RR, os AA. deixaram bem claro que uma das condições para retomarem os trabalhos, comprometendo-se a concluí-los em três meses, seria que houvesse licença de construção, não podendo ser obrigados a trabalhar sem licença, então caducada;
- Ninguém pode ser sancionado por respeitar a lei, não assistindo aos RR. justa causa para rescindirem o contrato.
- Mesmo admitindo que houve justa causa de rescisão, o valor da indemnização há-de corresponder ao prejuízo efectivo que corresponde á diferença entre o valor que os RR. tiveram de pagar a mais pela conclusão das obras – € 78.192,06 – e o valor que teriam de pagar aos AA. se estes concluíssem a empreitada - € 54.867,76 (199.519,15-144.651,39, ou seja, € 23.324,30, a que haverá a deduzir o valor dos trabalhos a mais realizados pelos AA. - € 12.523,19 -, pelo que o valor a pagar seria apenas de € 10 801,11.

- Inexistindo justa causa de resolução do contrato de empreitada, a indemnização pela extinção, no caso de desistência do dono da obra, é composta pelos gastos e trabalho do empreiteiro e pelo proveito que poderia tirar da obra – art. 1229º C. Civil.
- Pelos trabalhos efectivamente realizados, os AA. têm a receber dos RR. o montante global de € 183.730,08 (trabalhos previstos e efectuados, no valor de € 171.206,89, menos trabalhos em falta para a conclusão da obra, no valor de € 78.192,06, mais trabalhos a mais realizados, no valor de € 12.523,19) a que, deduzindo o montante pago pelos RR. (de € 144.651,39), está por pagar a quantia de € 39,078,69.

Os RR. apresentaram resposta, em defesa do julgado.


2. - As conclusões com que encerram as alegações do recurso postulam resposta às seguintes questões:

- Extemporaneidade das alegações dos RR. no recurso de apelação (matéria de agravo);

- Se ocorreu justa causa para resolução do contrato de empreitada pelos RR. e, em caso afirmativo, determinação da indemnização devida pelos Autores; e,

- Se o contrato de empreitada se extinguiu por desistência dos Autores e, em caso afirmativo, fixação do montante indemnizatório devido pelos Réus.


3. - De entre o acervo dos factos provados seleccionam-se e reproduzem-se, por relevantes, os seguintes:


3. 1. - Da matéria de agravo/tempestividade das alegações dos RR. na apelação:

Proferida a sentença, ambas as Partes interpuseram recurso de apelação;
Considerando terem os AA. interposto recurso em primeiro lugar, o Senhor Juiz fez consignar, no despacho que recebeu os recursos, que “Para efeitos do art. 698º-3 CPC, o primeiro apelante é o Autor ( o requerimento a interpor recurso entrou primeiro) e o segundo o Réu (nestes casos o 1.º apelante alega em 30 dias e o 2.º apelante, nos 30 dias seguintes, alega e contra-alega, podendo, depois, o primeiro apelante contra-alegar em 20 dias (…)”;
O despacho foi notificado às Partes em 05/12/2005, os AA. apresentaram as suas alegações em 23/01/06, do que os RR. foram notificados em 07/02/06, tendo apresentado as alegações em 13/3/06 (30º dia após a notificação da apresentação da alegação dos AA.).
A intempestividade foi invocada nas contra-alegações dos AA, apresentadas em 28/04/06.


3. 2. - Da matéria relativa ao objecto da causa e do recurso:
Em Março de 2000, Autor e Réu celebraram um contrato de empreitada, tendo em vista a construção de uma moradia para os Réus, nos termos constantes do contrato que constitui o documento n.º1 da petição inicial – al. a ).
Tendo sido fixado, pela totalidade dos custos da obra, o preço global de 40.000.000$00 – al. b).
Nos termos do contrato, a obra deveria estar concluída em final de Fevereiro de 2001, mas na Adenda ao mesmo contrato, desde logo se previa que o Autor pudesse concluir a obra até 30/6/2001 – al. c).
Em 23 de Janeiro de 2001 os mesmos, agora acompanhados de suas esposas, celebraram um aditamento ao contrato inicial, nos termos constantes do documento n.º 2 da petição inicial – al. d).
Os Réus entregaram aos Autores, por conta do preço da empreitada, a quantia de 144.651,39 euros (29.000.000$00).- al. e).
Em 10 de Setembro o Réu marido enviou ao Autor a carta que constitui o documento n.º 3 da petição inicial, em que o acusava de ter abandonado a obra. Dessa carta consta ainda: “caso não tenha abandonado a obra e queira continuar a fazê-la, V. Exa. teria de me entregar a moradia concluída num prazo de três meses, sujeitando-se a todas as penalizações previstas no aditamento ao contrato de empreitada, que serão descontadas no pagamento final do preço da empreitada. Assim sendo, fico a aguardar que v. Exa. diga alguma coisa sobre o assunto no prazo máximo de quinze dias. Caso nada me diga, entendo que abandonou a obra de vez e recorrerei aos meios próprios para ressarcimento de todos os prejuízos e danos”;
O Autor respondeu a esta carta, em carta de 19/9/2001, nos termos que contam do documento n.º 4 da petição, negando ter abandonado a obra, “uma vez que foi v. Exa. (o R.) que retirou as chaves das portas não as querendo entregar aos nossos funcionários ficando esta empresa sem acesso à obra (…)” e reclamando o pagamento dos trabalhos extra-contrato executados até aí, terminando: “Nestes termos, esta firma é que necessita que V/Exas se pronunciem sobre os pagamentos para que possamos avançar com a obra rapidamente”.
Em carta de 28/9/2001 o Réu marido respondeu a esta carta com a carta que se encontra nos autos como documento n.º 6 da petição inicial, na qual o Réu, depois de refutar a existência de dívidas e retenção da chave, colocava duas questões ao Autor: “se quer continuar com a empreitada e acabar com a obra no prazo que lhe foi referido na minha carta anterior, ou se prefere entregar a obra no estado em que se encontra, devendo ser feito um acerto de contas (…)”, concluindo “dou a v. Exa. um prazo de oito dias para se pronunciar sobre as questões acima referidas. Decorrido que seja esse prazo e nada me diga de concreto, entenderei que abandonou definitivamente a empreitada e irei responsabilizá-lo pelas consequências de tal comportamento”.
Por carta de 8/10/2001, que consta do documento n.º 7 da petição, o Autor responde à anterior, insistindo na dívida dos “extras executados” e afirmando-se disposto a concluir a obra no prazo de 3 meses após o seu reinicio, colocando duas condições: a de haver licença de construção com validade e o pagamento imediato do valor dos trabalhos e materiais extra colocados e realizados, devidamente discriminados na relação anexa (esc. 5 290 000$00+ 899.300$00 de IVA), bem como o pagamento do IVA da factura anteriormente paga (esc. 1 700 000$00), admitindo o Autor na mesma carta a rescisão do contrato, mediante acordo de pagamento dos extra devidos.
Em resposta, o Réu remeteu a carta datada de 12/10/2001, recusando o pagamento de qualquer valor de extras ao Autor e concedendo-lhe o prazo de oitos dias para dizer se queria ou não continuar a obra, informando-o que “se nada disser de relevante neste lapso de tempo, entendo que abandonou definitivamente a obra e tomarei conta da mesma a partir dessa data”;
Na sua carta de 22/10/2001, que constitui o documento 10 e 11 da petição, o Autor voltou a colocar como condição para a continuação da obra o pagamento dos extras realizados, que “ultrapassam em muito o valor de 29.000.000$00” já entregues, e informou que “caso resolva tomar conta da obra (…) considero que da sua parte há a resolução do contrato de empreitada, o que entendo ser feito sem causa justificativa” – al. f ). Na sua carta de 6/12/2001, que constitui o documento n.º 12 da petição, o Réu marido considerou resolvido o contrato de empreitada invocando atraso na construção da obra e recebimento de mais dinheiro que a obra realizada, defeitos de execução e abandono da obra, em 5 de Setembro. – al. g).
À data da construção da moradia os Autores tinham alvará – quesito 1-A.
O Inverno de 2000/2001 foi chuvoso de Dezembro a Abril – quesito 3.
Em Julho de 2001 os Réus deram ordens directas ao pessoal a trabalhar por conta dos Autores, sem conhecimento destes, para construírem o muro da frente, que separa a casa da estrada, com altura superior ao previsto – qto 8.
Com efeito, o projecto previa que esse muro, com a extensão total de 60 metros, tivesse a altura uniforme de 1,30 metros, acompanhando o declive da estrada – quesito 9.
Tendo o Réu marido dado instruções àquele pessoal para que o mesmo fosse executado de forma a que o seu cume fosse plano – quesito 10.
Assim o muro foi executado com a altura mínima de 1,30 metros e a máxima de 3 metros - quesito 11 .
O fiscal da Câmara mandou parar a obra devido ao facto dos muros terem altura superior ao legalmente permitido e ao facto da licença da obra ter caducado – quesito 12.
Os Réus solicitaram aos Autores que continuassem a trabalhar nalguns acabamentos, o que os Autores fizeram – quesito 13.
Esta situação durou até 5 de Setembro de 2001, altura em que o Autores deixaram de fazer trabalhos na casa, nunca mais tendo trabalhado na obra após esta data - quesito 14.
Em 5 de Setembro a obra estava no estado que se encontra relatado no Relatório de Peritagem que constitui o documento n.º 51, elaborado, a pedido dos Réus, por engenheiro civil - quesitos 16 e 17 .
A moradia em construção está implantada numa zona alta, onde as águas não empoçam - quesito 144.
No Inverno de 2000/2001 a casa já tinha telhado e a maior parte do trabalho que havia para fazer era dentro da casa, pelo que a chuva em nada impedia o bom ritmo das obras – quesito 145.
Um fiscal da câmara passou pela moradia em causa, em passagem de rotina – quesito 154.
Os Autores, sem prejuízo da matéria do quesito160, no dia 5 de Setembro levaram vários objectos que tinham na obra e nunca mais aí voltaram, a partir dessa data - quesito 156.
O Autor e outros trabalhadores tinham uma cópia da chave da obra – quesito 158 – e se não entraram mais na casa não foi por falta de chaves, mas sim porque não quiseram – quesito 159. O Autor marido esteve no interior da obra, após 5 de Setembro de 2001 - quesito 160 .
As portadas interiores que se encontravam na obra foram levadas pelo o Autor marido em 5 de Setembro do ano de 2001 – quesito 163.
Em 5 de Setembro do ano de 2001 a obra encontrava-se nas circunstâncias que refere o relatório de vistoria junto pelos Réus à notificação judicial avulsa do Autor marido – quesito 164.
As paredes exteriores duplas foram executadas com tijolo de 11 cm e o caderno de encargos previa 15 cm – quesito 173.
Após a remessa da carta relativa à declaração de resolução do contrato, os Réus mandaram fazer vistoria ao estado da obra que veio a ser realizada no dia 6 de Novembro de 2001 – quesito 183.
Nesta altura não era possível habitar a casa – quesito 184 – Pelo que os Réus continuaram a pagar de renda de casa pelo local onde moram a importância de 88.500$00 (€ 441,44) - quesito 185.
Os Autores não concluíram nenhuma das várias fases de construção previstas no contrato de empreitada
- Quesito 187.
No valor das obras que falta executar para conclusão da obra incluem-se os trabalhos e materiais em falta, e correcção dos trabalhos mal executados e correcção/substituição de material danificado, praticados pelo anterior construtor - quesito189.
Os Réus tinham conhecimento da data em que caducava a licença de construção e que não renovaram a mesma logo que esta caducou - quesito 244 .
Os Autores retiraram as portadas de madeira ainda não colocadas - quesito 248 .
Os Autores puseram como condição para a continuação da obra a existência de licença de construção, actualizada, a qual nunca foi conseguida pelos Réus antes de 5 de Abril de 2002 – quesito 250 .
A realização da obra em falta, em atraso e a rectificação dos defeitos importa em € 78.192,06;
Os valores dos trabalhos a mais realizados pelos AA. somam € 12.523,19.

4. - Mérito do recurso.

4. 1. - Extemporaneidade das alegações do recurso de apelação.

A Relação considerou tempestiva a alegação oferecida pelos RR. no recurso de apelação, invocando, sucessivamente, três fundamentos: - o despacho a fixar a ordem de apresentação das alegações foi notificado aos AA., que contra ele não reagiram, tendo, por isso, transitado em julgado; - o regime legal estabelecido pelo n.º 3 do art. 698º é mesmo o concretizado pelo julgador da 1ª Instância no despacho; e, - o prazo para o oferecimento da peça pelos AA., contava-se, efectivamente, da notificação da apresentação da alegação dos 1.ºs Apelantes (AA.).

Os Recorrentes, esquecendo completamente que a sua pretensão foi rejeitada pela Relação desde logo com fundamento na imutabilidade da decisão, por força do caso julgado (formal) que se formou sobre o despacho que fixou a ordem de apresentação das alegações, insistem na tese de que ambas as Partes estavam obrigadas a alegarem nos trinta dias subsequentes ao despacho que admitiu os recursos, invocando em seu favor o ac. deste STJ (e desta secção) n.º 03A1360 ITIJ, e subsidiariamente, na imposição de apresentação da alegação dos AA. nos trinta dias seguintes ao termo do prazo para alegação daqueles.

Ora, antes de mais, há que dizer que o despacho que fixou a ordem de interposição dos recurso e de apresentação das alegações, porque não impugnado tempestivamente se tornou definitivo, por via do trânsito em julgado, razão por que, quando suscitada a questão pelos AA. – apenas nas contra-alegações -, há muito a decisão se tornara inimpugnável, a todos se impondo o respectivo cumprimento no processo (arts. 672º e 677º CPC).

Depois - referência que, sendo já desnecessária, apenas se deixa por razões de rigor -, o apoio que os Recorrentes reclamam no acórdão referido resulta, crê-se, de uma interpretação que, ao menos a nosso ver, não coincide com o que nele se decidiu, podendo decorrer de um leitura menos correcta que, aceita-se, o respectivo sumário pode sugerir.
Com efeito, o acórdão do Supremo acolhe a solução seguida pela decisão ora recorrida, por ser a que resulta da lei, embora a critique, o que tudo é coisa bem diferente do afirmado pelos Recorrentes.

Finalmente, carecem também de razão os Recorrentes quando pretendem ver iniciada a contagem do prazo em causa com o mero decurso do prazo para apresentação das suas alegações como 1.ºs Apelantes.
Com efeito, a lei não prevê, hoje, diferentemente do que sucedia anteriormente á Reforma de 95, a apresentação sucessiva das alegações, na modalidade de contagem de prazo após o termo do prazo concedido à outra parte (arts. 705º e 699º do Cód. 67), fazendo sempre depender o início do prazo da efectiva notificação da prática do acto pela parte contrária – n.ºs 2 e 3 do art. 698º.
É pacífico o entendimento na jurisprudência e a doutrina, nesta específica matéria de recurso, que aludem sempre a prazos com termo inicial na notificação de decisão judicial ou notificação do acto pela outra parte (ac. cit.; AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em PC”, 4.ª ed., 178; LOPES DO RÊGO, “Comentários ao CPC”, I, 2.ª ed., 594; LEBRE DE FREITAS, “CPC, Anotado”, 3º, 70; RIBEIRO MENDES, “Os recursos no CPC Revisto, 70).

De resto, assim o terão entendido também os Recorrentes. É que, apesar da solução que defendem, não deixaram de oferecer as sua contra-alegações nos 20 dias posteriores à notificação da alegação dos RR.. A posição que assumem levaria, então, perversamente, a que nem sequer se estivesse a apreciar a questão, pela óbvia razão de que a peça em que ela foi suscitada seria, ela mesma, intempestiva.

Tempestiva e eficazmente apresentadas, pois, as alegações da apelação dos RR., razão por que a apreciação feita do respectivo objecto não enferma de vício formal.

4. 2. Resolução do contrato de empreitada. Justa causa.

4. 2. 1. - No acórdão recorrido considerou-se válida e eficaz a resolução do contrato efectuada pelos Réus, declarando-se o contrato resolvido com justa causa.

Fundou-se o decidido na existência de mora na execução da obra desde a sua 4.ª à 7.ª fase, sendo que aquela nunca foi terminada, não tendo sido a pluviosidade, como invocado, impeditiva do cumprimento dos prazos; na existência de defeitos; no “abandono da obra” em 5 de Setembro de 2001, sem que nessa ocasião tivessem levantado as questões que vieram a levantar quanto interpelados nas cartas do Réu; na falta de fundamento da exigência de pagamento imediato dos trabalhos extra, por nada ter ficado acordado nesse sentido. Mais se entendeu que a circunstância de a licença ter caducado é “irrelevante para a discussão”, quer porque os AA. já se encontravam em mora quer porque, apesar da caducidade da licença, os trabalhos continuaram, concluindo que não foi por causa da falta de licença que os AA. não trabalharam, nem os RR. recusaram obtê-la, “pois que apenas queriam saber se os AA. continuariam ou não o contrato”.

Os Recorrentes vêm agora sustentar que não abandonaram a obra, tendo apenas suspendido a execução dos trabalhos, retirando alguns objectos e portadas não aplicadas, estando dispostos a concluir a obra mediante a satisfação das duas condições, uma das quais era a existência da licença de construção, que os RR. nunca comunicaram já possuírem, não sendo estes obrigados a trabalharem sem licença.

4. 2. 2. - Liminarmente, há que fazer notar que se encontra assente que, em 5 de Setembro de 2001, os AA deixaram de fazer trabalhos, levaram vários objectos e nunca mais tendo voltado à obra porque não quiseram, o que traduz um abandono (fls. 678 e 682).

Estamos no campo da matéria de facto.

Na verdade, o que está em causa é uma ilação extraída do conjunto dos factos provados, e neles contida, que integra um juízo de valor sobre matéria de facto.
Não está em causa, em tal juízo, a aplicação ou interpretação de qualquer norma jurídica, sendo que não existe preceito que disponha sobre o conceito de “abandono” ou que forneça qualquer critério sobre o seu conteúdo qualitativo ou quantitativo.
Estamos, então, perante um juízo de valor cuja formulação pelo julgador se apoia nas “máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana”.
Quando assim é, apoiando-se a emissão do juízo em simples critérios do bom pai de família, do homem comum e prudente, desligado do apelo à sensibilidade do julgador enquanto dotado de uma formação específica no campo jurídico, deve entender-se que tais juízos consubstanciam matéria de facto.
É o que acontece quando, como no caso, não está em causa “a ponderação de valores típicos da ordem jurídica”, mas, antes, ilações tiradas do sector da actividade económica empresarial. Sobre estes, porque fundamentalmente ligados à matéria de facto, a última palavra deve, então, caber à 2ª Instância (A. VARELA, RLJ 122º-220; ac. cit. de 3/10/02).

O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei substantiva por erro de interpretação ou de aplicação, não podendo ser objecto do mesmo a fixação do factos (arts. 721º-2 e 722º-2 CPC), ficando, por isso, vedado ao STJ, no âmbito de tal recurso, afastar ou censurar as ilações retiradas dos factos provados pela Relação quando, baseando-se nos referidos critérios desligados do campo do direito, estiverem logicamente fundamentadas, como se verifica no caso em apreciação, pois que não integram mais que matéria de facto (acs. de 18/1/01, 13/3/01 e 3/6/03, Rev. 3516/00-2ª sec., 278/01-1ª e 1244/03-1ª).

Definitivamente adquirido, pois, que os Autores abandonaram a obra (e não apenas a suspenderam).

4. 2. 3. - Opõem os mesmos AA. que os RR. nunca satisfizeram uma das condições por eles postas para dar continuidade à obra – a existência de licença de construção válida – sem a qual o prosseguimento dos trabalhos, porque ilegal e sancionável com coima, lhes seria inexigível.

Impondo-se, como dito, o respeito pelo decidido no âmbito da competência reservada à 2ª Instância sobre a matéria de facto, a questão não mais pode colocar-se ao nível de saber se, havendo suspensão da obra pelos AA., com continuidade dependente, além do mais, a existência de licença de construção, a falta desta justificava a manutenção da suspensão.
É que os pressupostos não se verificam; se houve abandono, já não pode falar-se de mera suspensão.
Agora, o que pode subsistir é a questão de saber se a falta de licença foi e era causa idónea para justificar esse abandono.

Percorridos os factos alegados como fundamento da acção, verifica-se, por um lado, que os AA. fundaram a sua pretensão em inválida rescisão do contrato pelos RR., que os teriam impedido de aceder à obra, apesar de até essa altura terem efectuado trabalhos de acabamentos “correndo por conta dos AA. o pagamento das coimas que viessem a ser aplicadas”.
Jamais a caducidade da licença foi invocada como causa impeditiva da suspensão de trabalhos ou do “abandono” dos mesmos, mas apenas invocada em resposta à interpelação dos AA. e sempre em cumulação com a exigência de pagamentos não acordados quanto ao vencimento.
Ou seja, só após o abandono, pondo termo de facto à execução contratual, e perante o pedido de confirmação do mesmo, os AA. colocam uma condição relativa à execução do seu objecto, de forma evasiva e em cumulação com outra que sabiam não ser aceite.

Nada a censurar, assim, relativamente ao concluído pela Relação no sentido de que a não renovação da licença “não serve de fundamento ao comportamento dos Réus”, pois que, como argumenta, não só os AA. não deixaram de prosseguir a obra após a caducidade da licença, antes e depois da sua constituição em mora, durante quase seis meses (21/3 a 5/9), não sendo a sua falta factor impeditivo, nem os RR., alguma vez, lhes exigiram tal, afastando o nexo de causalidade.

4. 2. 4. - Como se escreveu no acórdão de 04/4/2006 – processo n.º 205/06-1, também relatado pelo ora relator, “pressuposto do direito à resolução é, em regra, o incumprimento da obrigação ou prestação principal do contrato.
Quando não esteja em causa o cumprimento de uma única prestação ou da essencial, como acontece nos contratos duradouros, de execução continuada ou prestações periódicas, ou obrigações acessórias ou secundárias, haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, sob o aspecto da sua aptidão e adequação para proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do negócio, tudo sem prejuízo de se manter presente que qualquer desvio do clausulado representa incumprimento cuja repercussão no todo contratado não pode deixar de se ter em conta”.

No caso, deparamos com um contrato de natureza duradoura e execução prolongada, cuja execução se previa desenvolver-se ao longo de mais de um ano, em que a relevância dos incumprimentos tem de ser aferida no seu contexto global, nomeadamente à luz de um juízo de prognose sobre a exigibilidade da relação de confiança entre os contraentes, tudo segundo um critério objectivo, valorando a sua relevância na satisfação do interesse do credor, medida de avaliação do cumprimento das obrigações.

O abandono da obra representa um incumprimento cuja gravidade, aferida pela globalidade das prestações contratuais convencionadas e da respectiva execução, assume, seguramente, quer quantitativa quer qualitativamente, significado relevante à luz do critério de objectividade legalmente acolhido, ou seja, quando valorado por uma pessoa estranha aos juízos valorativos próprios do interesse subjectivo do credor.

Como faz notar BAPTISTA MACHADO (“Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in “Obra Dispersa”, 138, 141 e 143), “diferentemente dos contratos de execução instantânea, os de execução continuada ou periódica criam uma relação contratual mais complexa que apresenta aspectos particulares no que se refere à valoração do inadimplemento para efeitos de resolução. (...) É que a particular natureza do contrato faz com que cada prestação, ou cada inadimplemento, não devam ser tomados isoladamente, mas, antes, com referência à relação contratual complexiva”. Incumprida uma prestação, o credor terá normalmente interesse na seguintes, embora um certo inadimplemento, ainda que de menor importância, possa “legitimar a resolução se, pela natureza e circunstâncias de que se rodeou for de molde a fazer desaparecer a confiança do credor no exacto e fiel cumprimento das prestações subsequentes”, perda de confiança que, pela sua origem ou circunstâncias, seja “de molde a justificar um justo receio quanto ao cumprimento futuro das obrigações contratuais. Aqui o inadimplemento tem a função ou o valor de um elemento sintomático”, ou seja, “todo o comportamento que afecte gravemente essa relação (de confiança) põe em perigo o próprio fim do contrato, abala o fundamento deste, e pode justificar, por isso, a resolução.

A justa causa, como fundamento da resolução, repousa justamente nessa ideia do concurso de circunstâncias que segundo a boa fé, a confiança, correcção e lealdade deixem de manter como exigível a uma das partes a continuação da relação contratual.

Ora, há que convir que perante todo o circunstancialismo descrito, confrontado com os mencionados valores que enformam os referidos critérios de exigibilidade e boa fé, há razões para a resolução da relação contratual constituída entre AA. e RR. por banda destes, surgindo legitimada a declaração resolutiva em questão.

4. 3. - Consequências da resolução. Indemnização.

Os Recorrentes defendem que, aceite a resolução, a indemnização deve corresponder ao valor da diferença entre o que pagaram a mais para a conclusão das obras e o valor que teriam de pagar aos AA. se estes as concluíssem e trabalhos a mais.
Sobre este ponto, os Recorridos limitaram-se a remeter para o critério do acórdão recorrido.
Este, por sua vez, limitou-se a considerar o valor pedido, depois de notar não se entender como chegaram os RR. à verba pedida de € 47.933,12, embora não dispusesse de elementos para corrigir o possível lapso.

Não está, pois, em causa o fundamento nem o critério jurídico que deve presidir á fixação da indemnização, nomeadamente se deve ter-se em conta o interesse positivo ou negativo do contrato.
Na verdade, no campo que ora nos ocupa, os Reconvintes peticionaram o valor da diferença entre o que terão que pagar a mais pela conclusão das obras, valor que situaram em € 152.680,68 e o que já entregaram aos AA., que, na formulação do pedido, referiram ser de € 94.771,60, o que liquidaram em € 47,933,12.

Ora, são evidentes ou ostensivos dois erros: a diferença entre as referidas verbas não é de € 47.933,12 mas superior; e, nunca foi posto em causa no processo que o pagamento ascende a 29 mil contos, ou seja, € 144.651,39 (e não 94.771,60).

Provou-se que o valor que os RR. terão de pagar a mais para a construção da obra em falta e supressão dos defeitos é de € 78.192,06 (em vez dos € 152,680,68), tal como se provou que os AA. fizeram obras extra no valor de € 12.523,19 e, como ab initio estava assente, do preço contratado estavam em dívida 11.000 contos ou € 54.867,76.

Assim, o prejuízo dos RR. há-de corresponder, no critério que presidiu à formulação da pretensão e que vem aceite, à diferença entre o que terão de pagar para a conclusão da obra sem defeitos – 78 192,06 – e o que teriam de pagar na execução completa do contrato acrescido do valor dos trabalhos a mais incorporados na obra pelos AA. ao tempo da sua interrupção – 54.867,76+12.523,19=67.390,95.

Assiste, por isso, neste ponto, razão aos Recorrentes.

A indemnização a que se refere a al. c) do pedido reconvencional é de fixar em € 10.801,11, em vez dos pretendidos e atribuídos € 47 933,12, donde que a indemnização global fique reduzida a € 16.358,75, em substituição da verba de 53.490,75 a que chegara a Relação.

4. 4. - Extinção do contrato de empreitada por desistência e respectiva indemnização.

Decidida como ficou a confirmação do julgado quanto à extinção do contrato de empreitada com fundamento na existência de causa justificativa de resolução pelos Réus e dessa causa extraídas as inerentes consequências indemnizatórias, fica prejudicado o conhecimento da invocada desistência da empreitada, enquanto fundamento de extinção da mesma relação contratual, e respectivas consequências – art. 660º-2 C. Proc. Civil.

5. - Decisão.

Em conformidade com o que ficou exposto, acorda-se em:
- Conceder parcialmente a revista;
- Alterar a decisão impugnada, mediante a redução para a quantia de € 16.358,74 (dezasseis mil, trezentos e cinquenta e oito euros e setenta e quatro cêntimos) o montante global da indemnização a pagar pelos Autores aos Réus, em consequência da redução para € 10.801,11 da verba parcial de € 47.933,12, mantendo em tudo o mais o nela decidido;
- Condenar nas custas do recurso e nas Instâncias ambas as Partes na proporção do respectivo vencimento.

Lisboa, 18 Outubro 2007

Alves Velho (relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias