Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B4346
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
NULIDADE DO CONTRATO
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: SJ200604060043462
Data do Acordão: 04/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. É às instâncias, não ao STJ, salvo caso excepcional contemplado no art. 722º nº 2 do CPC, que compete o apuramento e fixação dos factos.
II. Declarado nulo, por inobservância da forma legal, contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, a retribuição acordada é, pelo cessionário, devida ao cedente, enquanto subsistir a exploração, de facto, por parte do primeiro, de tal estabelecimento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. a) "Empresa-A", intentou acção declarativa, com processo comum, sumário, impetrando, nos termos e com os fundamentos que brotam de fls. 1 a 4:

1. O decreto de resolução do contrato de cessão de exploração da loja nº...do estabelecimento denominado "... Centro Comercial", a sua pertença, com consequente condenação da ré, AA, a entregar-lhe tal loja.
2. A condenação da demandada a pagar à sua pessoa "todas as prestações do preço dessa cessão já vencidas e não pagas, no montante de 1.806.515$00, vincendas até à data da resolução do contrato e ainda a indemnização, pelo ocupação da loja entre esta última data e a da sua entrega efectiva, de montante equivalente ao valor das prestações que se venceriam após a data da resolução, bem como os juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até ao seu efectivo pagamento", importando em Esc. 473.736$00 os já vencidos.

b) Contestou AA, propugnando a justeza da sua absolvição da instância, por ilegitimidade passiva, ou, a tal se não entender, a bondade da sua absolvição do pedido e da condenação da ré a pagar-lhe 4.987,98 euros, por via da procedência da reconvenção (cfr.42 a 47).
c) Replicou " a Empresa-A", defendendo, "inter alia", o demérito da defesa exceptiva e da reconvenção (vide fls. 94 a 96).
d) Cumprido que foi o demais legal, veio a ser sentenciada, para além da improcedência da reconvenção, a parcial procedência da acção com:

1. Declaração de nulidade do acordo celebrado entre autora e ré, denominado "Contrato Promessa de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial", celebrado em 1.11.1994.

2. Condenação da ré a pagar à autora a "quantia que se vier a liquidar em execução de sentença correspondente às prestações mensais, desde Julho de 1997 (esta sem juros moratórios) e das restantes até à desocupação em data indeterminada de 1997, acrescidas de juros moratórios à taxa comercial, a que acrescem ainda 10% das mensalidades em dívida relativos à electricidade."
e) Com êxito apelou a autora, já que o TRL, por acórdão de 14-06-04, com o teor que fls. 264 a 272 mostram, alterou a sentença impugnada, no tocante ao expresso em d) 2., condenando a ré a pagar à autora "a quantia de Esc. 25.000$00 acrescida de 10% relativos à electricidade, actualizada anualmente com referência ao coeficiente legal estabelecido para as rendas comerciais, com o limite mínimo de 5%, nos dias 1 de Novembro dos anos de 1997 a 2001, relativa aos meses de Julho de 1997 a 15 de Maio de 2002, acrescida de juros de mora contados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento da quantia de capital."
f) Do supracitado acórdão traz revista AA, a qual, na alegação oferecida, em que pede a revogação da decisão da 2ª instância, alegadamente violadora dos art.s 286º, 289º e 342º, todos do CC, e 712º do CPC, com manutenção do, na 1ª instância, decidido, tendo tirado as conclusões seguintes:

"1 - A forma escolhida para a celebração do contrato dos autos não obedece aos requisitos legais que obrigavam à época a sua realização por escritura pública (alínea K do Art. 89º do Cod. do Notariado).
2 - A não observância da forma legalmente prescrita importa nulidade do contrato, vício que é do conhecimento oficioso do Tribunal - Art. 286º do C. Civil.
3 - Os efeitos da nulidade estão previstos no Art. 289º, nº 1 do mesmo diploma e caracterizam-se pela sua retroactividade.
4 - Relativamente a um contrato considerado oficiosamente como Nulo não pode ser decretada qualquer resolução.
5 - E muito menos pretender que se operem os efeitos de uma resolução inexequível.
6 - Os depoimentos das testemunhas transcritos no douto acórdão recorrido não contêm afirmações que imponham alterar a resposta ao quesito 15º.
7 - O mesmo se verificando em relação ao quesito 6º, quanto à matéria invocada da contestação.
8 - A data da entrega das chaves, como "facto novo" é irrelevante, atento o disposto em 6.
9 - Carecendo de fundamento a alteração da matéria de facto, prejudicada fica a alteração da decisão recorrida.
10 - De qualquer modo, o não pagamento de qualquer prestação sempre acarretaria a cessação imediata do contrato e dos seus efeitos (ponto 4 da matéria de facto assente).
11 - A modificação das respostas aos quesitos só deve ocorrer quando haja um erro evidente na apreciação da matéria de facto, o que não foi o caso.
12 - Mas ainda que se considere por admitida a alteração à matéria de facto consignada no douto acórdão recorrido tal não permite quantificar qualquer valor indemnizatório sustentado num contrato inválido.
g) Contra-alegação inocorreu.
h) Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Eis como se configura a factualidade dada como assente no acórdão sob recurso:
"1. A A. é proprietária do estabelecimento denominado "... Centro Comercial" composto por várias lojas em que se exercem diversos ramos de comércio e instalado na loja ... do lote ... da Rua André Vidal de Negreiros, em Lisboa.
2. A A. cedeu à R. a exploração da loja nº ... desse centro comercial.
3. O preço acordado para essa cessão foi de Esc. 40.000$00, dos quais Esc. 100.000$00 foram pagos no acto de celebração do acordo e dos restantes Esc. 300.000$00 foram divididos em doze prestações mensais e sucessivas.
4. A falta de pagamento pontual de qualquer daquelas prestações acarretaria a imediata cessação do contrato, sem necessidade de qualquer aviso ou comunicação.
5. A não ser nos casos em que esse pagamento viesse a ser efectivado até ao fim do mês em que a prestação deveria ter sido paga, acrescido de uma sanção de montante igual a metade do valor da prestação em dívida.
6. Entre a A. e a R. foi celebrado o acordo constante de fls. 5 e 6.
7. O acordo teve início a 1 de Novembro de 1994 e era renovável por períodos de seis meses, desde que não fosse denunciado por qualquer das partes com sessenta dias de antecedência em relação ao termo do prazo inicial ou suas prorrogações.
8. Como compensação do gasto de electricidade foi acordado entre A. e R. o pagamento de um valor mensal equivalente a 10% da prestação mensal.
9. No caso de efectiva renovação, o valor da cessão seria anualmente - em 1 de Novembro - actualizado com referência ao coeficiente legal estabelecido para as rendas comerciais, mas com um limite mínimo de 5%.
10. As prestações mensais deveriam ser pagas no dia 8 de cada mês imediatamente anterior àquele a que disser respeito.
11. A partir da mensalidade que se venceu a 8 de Junho de 1997 a R. deixou de pagar as prestações do preço anual da cessão, bem como o uso da electricidade.
12. O Centro Comercial estava infestado de baratas.
13. Uma das portas de segurança não fechou durante um período.
14. Diversos cessionários do Centro fecharam as lojas.
15. Entre as quais a R.
16. A A. não aceitou a prestação que se venceu a 8 de Junho de 1997.
17. A R., desde Julho de 1997, deixou de ter a loja aberta ao público.
18. A R. entregou as chaves da loja à A., a 15 de Maio de 2002."

III. 1. Visto o que delimita o âmbito do recurso (art.s 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC, diploma legal este a que pertencem os normativos que se vierem a citar sem indicação de outra proveniência), importa deixar dilucidado o seguinte, liminarmente, ponderado o vazado nas conclusões 6ª a 9ª, inclusive, e 11ª da alegação da revista:
Fora dos casos previstos na lei, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito (art. 26º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro).
É às instâncias, não ao STJ, salvo caso excepcional contemplado no art. 722º nº 2 (não ocorrente, "in casu", manifestamente, mesmo na tese da ré, já que aquele é díspar, logo urgindo distinguir, da invocação de mero erro no julgamento da matéria de facto, da sustentação, enfim, tão só, de errónea apreciação das provas, com incidência na fixação dos factos materiais da causa, sem ofensa do consignado no último artigo de lei chamado à colação) que compete o apuramento e fixação dos factos.
Daí, o prescrito nos art.s 712º nº 6 e 729º nº 2.
Considerado o neste número já explanado, bem como, outrossim, o se não estar ante qualquer das hipóteses contempladas no art. 729º nº 3, a materialidade fáctica que como definitivamente fixada se tem é a elencada em II., a qual, por despiciendo isso ser, se não reescreve.

2. Não acontece dissídio quanto à qualificação do contrato celebrado entre autora e ré (cessão de exploração de estabelecimento comercial) e ao ser nulo, por inobservância da forma legal (art. 220º do CC).
Se a declaração de nulidade tem efeito retroactivo -art.289º nº1 do CC - (do que, note-se, não flui, é apodíctico, desde logo, a obrigação de restituição do pago pela demandada -cfr. Ac. deste Tribunal, proferido nos autos de Revista registados sob o nº 3716/04- 1ª, in "Sumários", Nº85, pág. 61), sem embargo, ainda, do valimento do vertido nas conclusões 2ª e 4ª (no acórdão recorrido não se descortina, todavia, decreto de resolução de contrato nulo!...), tal não desagua no dever acolher-se a pretensão recursória, pelos fundamentos dissecados na decisão de 14-06-04, para as quais remetemos, consoante consentido pelo art. 713º nº 5, aplicável "ex vi" do disposto no art. 726º, na esteira, sempre se aditará, do que constitui jurisprudência pacífica, a respeito de hipótese em tudo similar à em apreço, ambas merecedoras de igual tratamento, aquela sendo a de, à sombra de contrato de arrendamento nulo, se ter constituído posse (ou detenção) do arrendado, sem pagamento, subsistindo a ocupação do imóvel, do valor correspondente à utilização da coisa (a renda acordada) - cfr., neste sentido, entre muitos outros: Ac. de 15-02-05 (Revista nº 4401/04-06ª, in "Sumários", Nº 88, pág. 42), Acs. do TRL, de 89-06-08, 95-02-02 e 96-11-28, in CJ-Ano XIV-tomo 3, pág. 136, Ano XX-tomo I, pág. 115, e Ano XXI-tomo V, pág. 113, e do TRC, de 90-01-16, in CJ-Ano XV-tomo I, pág. 87.

Não é, pois, irrelevante a data da entrega das chaves (conclusão 8ª), mais não colhendo o aduzido nas conclusões 10ª e 12ª, em prol da concessão da revista.
Efectivamente:
O encontrado "valor indemnizatório" filia-se no acordado (vide II. 3 e 9) e o contrato predito é atípico, mas oneroso!...
O prémio ao incumpridor relapso não encontra arrimo na lei!!!

IV. CONCLUSÃO

Falecendo o constante das conclusões da alegação de AA, em abono do recurso, nega-se a revista, confirmando-se, como decorrência de tal, a decisão sob recurso.

Custas pela recorrente (art.446º nºs 1 e 2).


Lisboa, 6 de Abril de 2006
Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos
Noronha Nascimento.