Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
44/13.2JELSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: CORREIO DE DROGA
ESTRANGEIRO
EXPULSÃO
FINS DAS PENAS
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ACESSÓRIA
RESIDÊNCIA PERMANENTE
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
Data do Acordão: 03/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO DOS ESTRANGEIROS - AFASTAMENTO DO TERRITÓRIO NACIONAL - EXPULSÃO JUDICIAL / PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO.
DIREITO PENAL - TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES.
Doutrina:
- Jeschek , Tratado de Direito Penal, edição espanhola, p. 780.
Legislação Nacional:
D.L. N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGO 21.º, N.º1.
LEI N.º 23/2007, DE 4-7: - ARTIGO 151.º.
Sumário :

I - Tem-se por proporcionada às necessidades de prevenção e à culpa a aplicação da pena de 6 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, à recorrente que, no âmbito de um transporte como correio de droga, desembarcou no Aeroporto de Lisboa, proveniente da Argélia, transportando, na sua bagagem de porão, cocaína com o peso bruto de 8 419,600 g.
II - A lei descrimina entre o cidadão estrangeiro residente e o não residente quanto à aplicação da pena acessória de expulsão de território nacional prevista no art. 151.º da Lei 23/2007.
III -O conceito de residente não é a mera constatação de uma situação factual imposta pelas circunstâncias, mas uma noção jurídica que tem subjacente o incontornável pressuposto da detenção de um título de residência.
IV -Para os residentes a expulsão deve ter subjacente uma ponderação das consequências que dimanam para o arguido e para aqueles que constituem o seu agregado familiar, como também deve ser avaliada a gravidade dos factos e os seus reflexos em termos de permanência em território nacional.
V - Distinto é o caso daquele que não tem uma relação jurídica que fundamente a legalidade da permanência e que se encontra em situação irregular, o que, só por si, já é justificante do desencadear do procedimento administrativo com vista à sua saída do solo nacional.


Decisão Texto Integral:

                                   Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, veio interpor recurso da decisão que a condenou na pena de seis anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente previsto e punido nos termos do artigo 21 do Decreto Lei 15/93.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:

1. A pena imposta à ora recorrente é excessiva e deve ser reduzida para medida que se aproxime dos respectivos limites mínimos;

2. O douto acórdão deverá ser revogado na parte em que decretou a pena acessória de expulsão do país;

3. A não ser assim, deverá aquela pena acessória ser reduzida ao limite mínimo legal;

4. Foram, assim, violados os artigos 71º do código penal, 34º, n.º 1 e 35º, ambos do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, assim como foi desrespeitado o disposto no artigo 30º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

Respondeu o Ministério Publico advogando a improcedência do recurso.

Neste Supremo Tribunal de Justiça o Exº Sr.Procurador Geral adjunto emitiu proficiente parecer nos termos constantes de fls.

                          Os Autos tiveram os vistos legais

                                               *

                                   Cumpre decidir.

Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:

1.            NO DIA 8.2.20131, PELAS 0.45 HORAS, A ARGUIDA CHEGOU AO AEROPORTO DE LISBOA PROCEDENTE DA ARGÉLIA NO VOO TP ..., TRANSPORTANDO CONSIGO TRÊS BAGAGENS DE PORÃO QUE OSTENTAVAM AS ETIQUETAS118534, 118533 E 118535.

2.            TENDO-SE APRESENTADO NO CANAL VERDE FOI SELECCIONADA PARA REVISÃO DE BAGAGEM.

3.            NO DECURSO DA QUAL FOI ENCONTRADO NA POSSE DA ARGUIDA DISSIMULADA EM QUATRO BARRICAS TÉRMICAS, QUE CONSTITUÍAM A SUA BAGAGEM DE PORÃO, OSTENTANDO AS ETIQUETAS ANTES DESCRITAS, SETE EMBALAGENS CONTENDO UM PRODUTO SUSPEITO DE SER COCAÍNA COM O PESO BRUTO GLOBAL DE 8419,600 GRAMAS 

4.            MAIS LHE FOI APREENDIDO:

- UMA ETIQUETA DE BAGAGEM COM O N.118534; UMA ETIQUETA DE BAGAGEM COM O N.º 118533;

- UMA ETIQUETA DE BAGAGEM COM O Nº 118535;

- UM TALÃO DE EXCESSO DE BAGAGEM PAGO EM DINHEIRO NO VALOR DE 597BRL;

- A QUANTIA DE BRL 197 (CENTO E NOVENTA E SETE REAIS) EM NOTAS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL;

- A QUANTIA DE USD 650 (SEISCENTOS E CINQUENTA DÓLARES) EM NOTAS DA RESERVA FEDERAL DOS ESTADOS IDOS DA AMÉRICA;

- UM BILHETE ELECTRÓNICO (E-TICKET) COM O N." ..., PARA OS VOOS TAP ..., COM PARTIDA DO RIO DE JANEIRO (BRASIL) E DESTINO A LISBOA (PORTUGAL) NO DIA 06/02/2013, TAP ..., COM PARTIDA DE LISBOA (PORTUGAL) E DESTINO A ARGEL (ARGÉLIA) NO DIA 07/02/2013, TAP TP 249, COM PARTIDA DE ARGEL (ARGÉLIA) E DESTINO A LISBOA (PORTUGAL) NO DIA 19/02/2013 E TAP ..., COM PARTIDA DE LISBOA (PORTUGAL) E DESTINO RIO DE JANEIRO (BRASIL) NO DIA 19/02/2013;

- UM BILHETE ELECTRÓNICO (E-TICKET) COM O Nº ... PARA O VOO 5000 DA AIR ALGÉRIA NO DIA 08/02/2013 COM PARTIDA EM ARGEL E DESTINO A NIAMEY (NIGÉRIA) E PARA O VOO 5001 DA AIR ALGÉRIA NO DIA 21.2.2013 COM PARIDA EM NIAMEY (NIGÉRIA) E DESTINO A ARGEL (ARGÉLIA);

- UM CARTÃO DE EMBARQUE DO VOO TAP ..., COM PARTIDA DO RIO DE JANEIRO (BRASIL) E DESTINO A LISBOA (PORTUGAL), NO DIA 06/02;

- UM TALÃO DE ENTRADA EM ARGEL;

- UM CARTÃO DE EMBARQUE PARA O VOO... COM PARTIDA DE ARGEL E DESTINO A LISBOA NO DIA 7/2, TUDO EM NOME DO ARGUIDO;

- UM TELEMÓVEL MARCA NOKIA, MODELO 5230-1B COM O 1MBI Nº... E RESPECTIVA BATERIA, CONTENDO NO SEU INTERIOR O CARTÃO SIM DA OPERADORA TIM COM O Nº ... E UM CARTÃO MICROSD COM CAPACIDADE DE 2GB;

- UM TELEMÓVEL MARCA SONY ERICSSON K510A, COM O IMEI Nº ... E RESPECTIVA BATERIA, CONTENDO O CARTÃO SIM DA OPERADORA TIM COM O N°...;

- UM TELEMÓVEL DUAL SIM DA MARCA NOKIA, MODELO 592, COM OS IMEIS NºS ... E ... E RESPECTIVA BATERIA, CONTENDO UM CARTÃO SIM DA OPERADORA MTN COM O Nº ... E UM CARTÃO MICRO SD COM A CAPACIDADE DE UM GB;

- UM GALAXY TAB COM O IMEI N° ... CONTENDO UM CARTÃO SIM DA OPERADORA TIM COM O Nº ...E UM PROBOX PB-70S COM O Nº PB70S 1209170694. 

5.            O PRODUTO REFERIDO EM 3, FOI SUBMETIDO A EXAME LABORATORIAL E IDENTIFICADO COMO SENDO COCAÍNA (CLORIDRATO) TENDO A AMOSTRA COFRE O PESO LIQUIDO DE 26 GRAMAS ENQUANTO QUE O REMANESCENTE E A TARA PESAVAM, RESPECTIVAMENTE, 7003,000 E 1385,600 GRAMAS. 

6.            A ARGUIDA CONHECIA PERFEITAMENTE A NATUREZA E CARACTERÍSTICAS ESTUPEFACIENTES DO PRODUTO QUE LHE FOI APREENDIDO.

7.            PRODUTO QUE ACEITARA TRANSPORTAR POR, PARA TANTO, LHE TER SIDO PROMETIDA QUANTIA NÃO APURADA.

8.            AS QUANTIAS EM DINHEIRO APREENDIDAS ERAM PARTE DO LUCRO QUE IRA OBTER COM O TRANSPORTE DE TAL PRODUTO.

9.            POR SUA VEZ OS TELEMÓVEIS FORAM UTILIZADOS NOS CONTACTOS MANTIDOS COM VISTA À SUA OBTENÇÃO E DESTINAVAM-SE AINDA A PERMITIR-LHE CONTACTAR O ULTERIOR DESTINATÁRIO DA COCAÍNA.

10.          A ARGUIDA AGIU LIVRE E VOLUNTARIAMENTE.

11.          BEM SABENDO QUE TAL CONDUTA ERA PROIBIDA E PUNIDA POR LEI

12.          A ARGUIDA, É NATURAL DA NIGÉRIA E NÃO POSSUI, EMPREGO ESTÁVEL OU QUALQUER OUTRA LIGAÇÃO PROFISSIONAL NO NOSSO PAÍS.

13.          A ARGUIDA VIVIA HÁ 3 ANOS EM S. PAULO ONDE EXPLORAVA UM RESTAURANTE.

14.          A ARGUIDA NÃO TEM FILHOS TENDO A SUA FAMÍLIA NA NIGÉRIA.

15.          A ARGUIDA TAMBÉM SE DEDICAVA AO COMERCIO DE CABELO HUMANO E ROUPA, AUFERINDO CERCA DE €2000,00 COM ESTAS ACTIVIDADES.

16.          A ARGUIDA TEM DE HABILITAÇÕES LITERÁRIAS O 12º ANO DE ESCOLARIDADE.

17.          A ARGUIDA DECLAROU NÃO TER PROCESSOS PENDENTES E NÃO TEM ANTECEDENTES CRIMINAIS.

3.3. FACTOS NÃO PROVADOS

a)            A ARGUIDA PRATICOU OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS EM VIRTUDE DA SITUAÇÃO ECONÓMICO-FINANCEIRA EM QUE VIVIA À DATA DA PRÁTICA DOS MESMOS.

                                                                                *

O objecto do presente recurso cinge-se à matéria da medida da pena em relação à qual refere a decisão recorrida

- POR UM LADO, A ILICITUDE DO FACTO (DE NATUREZA ELEVADA JÁ QUE SE TRATA DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES), A FORTE INTENSIDADE DO DOLO, O COMPORTAMENTO ANTERIOR DA ARGUIDA, NUNCA CENSURADO EM TRIBUNAL;

 POR OUTRO LADO, A QUALIDADE E A QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA AO ARGUIDO (7.029,000 GRAMAS DE PESO LÍQUIDO), AS CIRCUNSTÂNCIAS QUE RODEARAM A PRÁTICA DO CRIME E AS CONDIÇÕES SOCIO-ECONÓMICAS E PESSOAIS DA ARGUIDA À DATA DA PRÁTICA DOS FACTOS;

A QUE ACRESCEM EXIGÊNCIAS DE PREVENÇÃO GERAL, PORQUANTO, SE TRATAM DE INFRACÇÕES QUE EXIGEM UMA RESPOSTA INSTITUCIONAL INTENSA E EFICAZ, SOBRETUDO DE CARÁCTER PREVENTIVO, SENDO CERTO QUE A ARGUIDA NÃO TEM ANTECEDENTES CRIMINAIS E, EMBORA DE MODO POUCO RELEVANTE, TENDO EM CONTA QUE FOI DETIDA EM FLAGRANTE DELITO, TENHA CONFESSADO INTEGRAL E LIVREMENTE A PRÁTICA DOS FACTOS.

COM O CONSENTIMENTO E CONHECIMENTO DA ARGUIDA, FOI-LHE FACILITADO O CAMINHO NA QUALIDADE DE CORREIO.

O FACTO DE O ARGUIDO SER UM “CORREIO” NÃO ATENUA A CULPA DO MESMO, JÁ QUE O TRANSPORTE DA DROGA A TROCO DE REMUNERAÇÃO PECUNIÁRIA É TÃO OU MAIS GRAVE DO QUE A SUA VENDA DIRECTA. CFR NESTE SENTIDO DOUTO ACÓRDÃO DO STJ, DE 19/02/97, PROFERIDO NO PROCº Nº 1049/96, 3ª SECÇÃO.

 POR TODO O EXPOSTO, SOMOS DE PARECER QUE O CASO CONCRETO EXIGE CUIDADOS ESPECIAIS, DADO QUE ESTE TIPO DE CRIMES SÃO ACTIVIDADES CRIMINOSAS DE DIFÍCIL CONTROLO, CONSUBSTANCIADAS NO RECRUTAMENTO, PELAS REDES INTERNACIONAIS CRIMINOSAS, DE INDIVÍDUOS COM DIFICULDADES NA VIDA, A NÍVEL FAMILIAR E ECONÓMICO.

POR ESTAS RAZÕES, ATENTAS TODAS ESTAS CIRCUNSTÂNCIAS E O GRAU DE CULPA DA ARGUIDA ENTENDEMOS ADEQUADO CONDENAR A MESMA, NUMA PENA PRISÃO DE 6 (SEIS) ANOS E 6 (SEIS) MESES PELO CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES P. E P. PELO ARTº 21º Nº 1 DO DL. Nº 15/93.

Importa verificar se, na esteira do afirmado pela recorrente, existe uma violação na pena aplicada:

  -Em termos dogmáticos é fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa).

            Não obstante, estes dois factores básicos para a individualização da pena não se desenvolvem paralelamente sem relação alguma. A culpa jurídico-penal afere-se, também, em função da ilicitude; na sua globalidade aquela encontra-se substancialmente determinada pelo conteúdo da ilicitude do crime a que se refere a culpa.

   A ilicitude e a culpa são, assim, conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação as paixões que diminuem as faculdade de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa.

      A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. Importa, ainda, considerar o grau de colocação em perigo do bem jurídico protegido quer na tentativa quer nos crimes de perigo. 

A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspecto subjectivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial.[1]

                                                                     *

             O conteúdo da culpa ocupa o lugar preferencial entre os elementos fácticos de individualização da pena que o Código Penal coloca como directriz da actuação do juiz. Os motivos e objectivos do agente, a atitude interna que se reflecte no facto e a medida da infracção do dever são todos eles circunstâncias que fazem aparecer a formação da vontade do agente a uma luz mais ou menos favorável e, como tal, minoram ou aumentam o grau de reprobabilidade do crime.

  Dentro dos motivos do facto criminoso distingue-se entre estímulos externos e os motivos internos. Em qualquer dos grupos interessa para a individualização da pena constatar o grau de força do motivo e indagar o seu valor ético. Também os objectivos perseguidos pelo agente devem ser examinadas no que respeita á sua qualidade ética.

   Não deve equiparar-se a atitude interna do agente com o seu carácter, mas deve entender-se como um posicionamento actual referido ao delito concreto o que corresponde á formação da vontade na execução daquele. Também a atitude interna do arguido deve ser valorada conforme as normas da ética social (v.g. posição de indiferença face ao bem jurídico protegido, escassa reprobabilidade do facto por circunstancias externas, predisposição neurótica, erro de proibição, situação passional inevitável ou transtorno mental agudo.

Para a individualização da pena, tanto na perspectiva da culpa como da prevenção- é essencial a personalidade do agente que, não obstante, só pode ter-se em conta para a referida individualização quando mantenha relação com o facto. Aqui, deve considerar-se em primeiro lugar as condições pessoais e económicas do agente. Sem dúvida que estas circunstâncias devem ser objecto de um tratamento cuidadoso, porque em nenhum outro sector se manifesta como aqui a individualização da pena. Assim dentro das condições pessoais jogam um papel, só determinável caso por caso, a origem e a educação, o estado familiar, a saúde física e mental, a posição profissional e social, as circunstancias concernentes ao modo de vida e a sensibilidade do agente face á pena.

Pertencem, além do mais, á personalidade do agente a medida e classe da necessidade de ressocialização do agente assim como a questão de saber se existe tal necessidade. Assim, a educação; a formação escolar; a profissão; as relações sociais; o estado de saúde; a inteligência; o posto de trabalho; os encargos económicos podem fazer com que os efeitos da pena apareçam a uma luz totalmente distinta. Em particular a escolha entre pena privativa de liberdade e multa; a duração daquela a selecção de tarefas e regras de conduta dependem das considerações acerca da forma como o processo sancionador completo, incluída a eventual execução de uma pena privativa de liberdade, se repercutirá no agente, na sua posição profissional e social, e no fortalecimento do seu carácter com vista á prevenção de futuros delitos.

                                                                 *

O círculo de elementos fácticos de individualização de pena amplia-se substancialmente mediante a consideração da vida anterior do agente e a conduta posterior ao delito. Esta ampliação é indispensável para relacionar de uma maneira de uma forma que seja justo e previna a comissão de delitos.

O princípio do acusatório não é violado pela valoração de factos anteriores e posteriores ao delito. Sem embargo a individualização da pena não pode ser um acerto de contas com o agente porque não é missão do direito penal trazer perante o tribunal toda a história de vida de um cidadão

A conduta posterior ao delito pode constituir um elemento importante a propósito da culpa e da perigosidade do arguido.

                                                                 *

        Face a esta explanação de natureza teórica, e que apenas pode relevar como premissa na lógica que nos leva á individualização da pena no caso concreto, impõe-se, agora, a consideração das circunstâncias singulares que este revela. Uma primeira conclusão, face á argumentação da recorrente, é de que foram devidamente valorados os factores de medida da pena que, em seu entender, justificariam uma diminuição da medida da pena nomeadamente a ausência de antecedentes criminais.

     A decisão recorrida imprime um carácter vincante, na medida da pena, ás necessidades de prevenção geral expressas no perigo que representa o tráfico de estupefacientes em que os denominados “correios de droga” assumem um papel essencial. Em tal consideração relevaram circunstâncias ligadas á “execução do facto” abrangendo-se a elevada ilicitude deste reflectida na quantidades apreendida.

 A decisão recorrida valorou intensamente a quantidade fazendo reflectir tal valoração na consideração na intensidade da ilicitude. Estamos em crer que a questão da quantidade não se pode colocar em termos absolutos. Porém, igualmente é certo que, ao nível de tipo de ilícito há que considerar o elevado grau de perigo pela forma como são colocados em causa valores fundamentais da vida em comunidade com a finalidade de conseguir vantagem em termos patrimoniais.

 Indubitavelmente que sete quilogramas de cocaína serão consumidos por um número muito grande de consumidores, afectando aqueles valores e representam um valor económico importante. Especificamente, e considerando os indicadores constantes de documentos oficiais a cocaína no caso vertente, representaria o suficiente para 80.000 consumos diários/média  [2] [3]

   Não é possível minimizar, como faz a recorrente, a dimensão do ilícito representada pela potencialidade que representa a quantidade apreendida em termos de ofensa de bem jurídico protegido.

                                                                  *

     Em relação á desvalorização sobre o papel dos “correios de droga” deverá salientar-se a relevância específica, em sede de ilicitude, resultante das circunstâncias singulares do tipo legal violado e que imprimem carácter vincante ás necessidades de prevenção geral, expressas no perigo que representa o tráfico de estupefacientes em que os denominados “correios de droga” assumem um papel essencial.

    Tal circunstância não pode obscurecer a policromia de actuações que cabem no âmbito do mesmo tipo legal imputado ao agente-artigo 21 do diploma citado- e, consequentemente, em sede de culpa a diferença que existe entre quem detém o domínio do tráfico e se propõe auferir o correspondente lucro ilícito e aquele cuja intervenção é meramente instrumental, quando não acidental, assumindo os riscos principais da parte logística, inclusive a nível de integridade física, a troco de uma compensação monetária.

      Em abstracto tal diferença é patente no perfil sócio-económico dos denominados correios de droga (debilidade socio-económica; estruturas sociais mais frágeis) que se conjuga com um aumento substancial do número de detenções deste tipo de agente de crime, essencialmente na Europa e na América do Sul.

   Porém, refira-se que não é possível ignorar o papel essencial dos mesmos “correios” na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais. Sendo pessoas fragilizadas em termos económicos os mesmos “correios” têm, todavia, a consciência de serem os instrumentos de um mal. Saliente-se que, durante o ano de 2011, foram aprendidos 3.678.217 gramas de cocaína dos quais uma parte substancial transportada pelos mesmos “correios”.

  Em termos de mera hipótese académica saliente-se o desvalor da tese da redução da pena e sua suspensão defendida pelo recorrente. A prevalecer tal tese, e em termos de relação custo/beneficio, a decisão criminosa seria sempre afirmativa face á inexistência de uma privação efectiva de liberdade contraposta á possibilidade de elevados proventos económicos.

Sendo certo que em cada decisão criminal se reflectem opções de política criminal tal pressuposto é por demais evidente no caso dos denominados correios de droga pois que a minimização da prevenção geral corresponde á proliferação de tal tipo de actuação criminosa transformando o nosso país em porta de entrada de tal tipo de tráfico. Como é evidente tal consideração é formulada em abstracto e será sempre a concreta conformação dos diversos factores de medida de pena que, em concreto nos levam á determinação desta.  

 A percepção de tal fenomenologia está patente nas decisões deste Supremo Tribunal de Justiça que, perante situações com um perfil comum, aplicam penas idênticas e em que o traço distintivo da medida da pena tem a sua génese nas particulares características de cada caso.  

    A pena aplicada no caso vertente situa-se nos limites propostos por tal jurisprudência em que assume relevância, como no caso vertente e nas condições descritas, a quantidade de droga apreendida.

   Assim sendo, encontrando-se correctamente definidos os parâmetros dentro dos quais tem lugar a fixação da medida concreta da pena não se vislumbra qualquer razão para, no que concerne, colocar em causa a decisão recorrida no que concerne á pena aplicada.

                                                         *

Relativamente  pena acessória de expulsão aplicada refere a decisão recorrida que

NA DOUTA ACUSAÇÃO FOI PROMOVIDA A CONDENAÇÃO DA ARGUIDA NA PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL, NOS TERMOS DAS DISPOSIÇÕES CONJUGADAS DOS ARTIGOS 134°, N." 1, ALÍNEAS E) E F), 151° Nº 1 DA LEI Nº 23/2007 DE 04/07, E DO ARTIGO 34°, N° 1 DA LEI Nº 15/93 DE 22 DE JANEIRO.

DESDE LOGO, NOS TERMOS DO ARTº 34º, Nº 1, DO DL Nº 15/93, DE 22/01, EM CASO DE CONDENAÇÃO POR CRIME PREVISTO NO REFERIDO DIPLOMA, SE O ARGUIDO FOR ESTRANGEIRO, O TRIBUNAL PODE ORDENAR A SUA EXPULSÃO DO PAÍS, POR PERÍODO NÃO SUPERIOR A 10 ANOS.

E DISPÕE O ARTº 134º SOB A EPÍGRAFE, FUNDAMENTOS DA EXPULSÃO QUE:

1— SEM PREJUÍZO DAS DISPOSIÇÕES CONSTANTES DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DE QUE PORTUGAL SEJA PARTE OU A QUE SE VINCULE, É EXPULSO DO TERRITÓRIO PORTUGUÊS O CIDADÃO ESTRANGEIRO:

A) QUE ENTRE OU PERMANEÇA ILEGALMENTE NO TERRITÓRIO PORTUGUÊS;

B) QUE ATENTE CONTRA A SEGURANÇA NACIONAL OU A ORDEM PÚBLICA;

C) CUJA PRESENÇA OU ACTIVIDADES NO PAÍS CONSTITUAM AMEAÇA AOS INTERESSES OU À DIGNIDADE DO ESTADO PORTUGUÊS OU DOS SEUS NACIONAIS;

D) QUE INTERFIRA DE FORMA ABUSIVA NO EXERCÍCIO DE DIREITOS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA RESERVADOS AOS CIDADÃOS NACIONAIS;

E) QUE TENHA PRATICADO ACTOS QUE, SE FOSSEM CONHECIDOS PELAS AUTORIDADES PORTUGUESAS, TERIAM OBSTADO À SUA ENTRADA NO PAÍS;

F) EM RELAÇÃO AO QUAL EXISTAM SÉRIAS RAZÕES PARA CRER QUE COMETEU ACTOS CRIMINOSOS GRAVES OU QUE TENCIONA COMETER ACTOS DESSA NATUREZA, DESIGNADAMENTE NO TERRITÓRIO DA UNIÃO EUROPEIA.

2— O DISPOSTO NO NÚMERO ANTERIOR NÃO PREJUDICA A RESPONSABILIDADE CRIMINAL EM QUE O ESTRANGEIRO HAJA INCORRIDO.

3— AOS REFUGIADOS APLICA-SE O REGIME MAIS BENÉFICO RESULTANTE DE LEI OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL A QUE O ESTADO PORTUGUÊS ESTEJA OBRIGADO.”

                     POR SUA VEZ, O ARTIGO 151º DESTA LEI ESTATUI QUE:

“1— A PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO PODE SER APLICADA AO CIDADÃO ESTRANGEIRO NÃO RESIDENTE NO PAÍS, CONDENADO POR CRIME DOLOSO EM PENA SUPERIOR A 6 MESES DE PRISÃO EFECTIVA OU EM PENA DE MULTA EM ALTERNATIVA À PENA DE PRISÃO SUPERIOR A 6 MESES.

(…) ”

ORA, NA DOUTA ACUSAÇÃO INVOCOU-SE QUE A ARGUIDA É NATURAL DA NIGÉRIA E QUE SÓ SE ENCONTRAVA EM PORTUGAL EM TRÂNSITO, NÃO TENDO EM TERRITÓRIO NACIONAL QUAISQUER FAMILIARES OU AMIGOS, LIGAÇÕES AFECTIVAS OU PROFISSIONAIS.

COM EFEITO, NO QUE RESPEITA AO REGIME JURÍDICO DE ENTRADA, PERMANÊNCIA E SAÍDA DO TERRITÓRIO PORTUGUÊS DOS CIDADÃOS ESTRANGEIROS APLICAVA-SE O DISPOSTO NO DL N.º 59/93, DE 3 DE MARÇO, EXPRESSAMENTE REVOGADO PELO DL N.º 244/98, DE 8 DE AGOSTO (QUE SOFREU DIVERSAS ALTERAÇÕES, DESIGNADAMENTE PELA LEI N.º 97/99, DE 26 DE JULHO, DL N.º 4/01, DE 10 DE JANEIRO, DL N.º 34/03 DE 25 DE FEVEREIRO E, FINALMENTE, LEI N." 23/2007 DE 04/07).

E A PRÓPRIA LEI N." 23/2007 DE 04/07 REFERE, SOB A EPÍGRAFE, LIMITES À EXPULSÃO QUE NÃO PODEM SER EXPULSOS DO PAÍS OS CIDADÃOS ESTRANGEIROS QUE:

(…)

B) TENHAM EFECTIVAMENTE A SEU CARGO FILHOS MENORES DE NACIONALIDADE PORTUGUESA A RESIDIR EM PORTUGAL;

C) TENHAM FILHOS MENORES, NACIONAIS DE ESTADO TERCEIRO, RESIDENTES EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS, SOBRE OS QUAIS

EXERÇAM EFECTIVAMENTE O PODER PATERNAL E A QUEM ASSEGUREM O SUSTENTO E A EDUCAÇÃO;

JÁ PARA NÃO FALAR DA PREVISÃO CONSTANTE DO ARTº 136º NO QUE CONCERNE À PROTECÇÃO DO RESIDENTE DE LONGA DURAÇÃO EM PORTUGAL E ONDE SE ESTATUI QUE:

1— A DECISÃO DE EXPULSÃO JUDICIAL DE UM RESIDENTE DE LONGA DURAÇÃO SÓ PODE BASEAR-SE NA CIRCUNSTÂNCIA DE ESTE REPRESENTAR UMA AMEAÇA REAL E SUFICIENTEMENTE GRAVE PARA A ORDEM PÚBLICA OU A SEGURANÇA PÚBLICA, NÃO

DEVENDO BASEAR-SE EM RAZÕES ECONÓMICAS.

2— ANTES DE SER TOMADA UMA DECISÃO DE EXPULSÃO DE UM RESIDENTE DE LONGA DURAÇÃO, SÃO TIDOS EM CONSIDERAÇÃO

OS SEGUINTES ELEMENTOS:

A) A DURAÇÃO DA RESIDÊNCIA NO TERRITÓRIO;

B) A IDADE DA PESSOA EM QUESTÃO;

C) AS CONSEQUÊNCIAS PARA ESSA PESSOA E PARA OS SEUS FAMILIARES;

D) OS LAÇOS COM O PAÍS DE RESIDÊNCIA OU A AUSÊNCIA DE LAÇOS COM O PAÍS DE ORIGEM.

TAIS FACTOS INVOCADOS NA ACUSAÇÃO, RESULTARAM PROVADOS DAS DECLARAÇÕES DO PRÓPRIO ARGUIDO E BEM ASSIM DO SEU RELATÓRIO SOCIAL.

POR CONSEGUINTE, PELOS MOTIVOS SUPRA EXPOSTOS, ENTENDEMOS SER DE APLICAR-LHE UMA PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL PELO PERÍODO DE 10 (DEZ) ANOS.

                                                                 *
O último segmento a analisar no presente recurso relaciona-se com a decisão de expulsão de território nacional. Dispõe o artigo 151 da Lei 23/2007 que:
1—A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses.
2—A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.
3—Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.
Decorre do exposto que em relação á aplicação da pena acessória de expulsão a lei descrimina entre o cidadão estrangeiro residente, e o não residente, sendo certo que os pressupostos exigidos naquela primeira situação destacam-se pela sua exigência. Na verdade, para os residentes o decretar da expulsão deverá ter subjacente não só uma ponderação das consequências que dimanam para o arguido, como também para aqueles que constituem o seu agregado familiar.
Igualmente presente deverá estar o avaliar da gravidade dos factos praticados e os seus reflexos em termos de permanência em território nacional.
Distinta é a situação daquele em relação ao qual não existe uma relação jurídica que fundamente a legalidade da situação de permanência no País e que se encontra num situação irregular que, só por si, já é justificante do desencadear de procedimento administrativo com vista á sua saída do solo nacional. Na verdade, o conceito de residente no País não é a mera constatação de uma situação factual imposta pelas circunstâncias, mas sim uma noção jurídica que tem subjacente o incontornável pressuposto de detenção de um título de residência que a recorrente efectivamente não tem-confrontar artigo 74 e seguintes do diploma citado.
Não sendo uma mera aplicação automática da pena principal o certo é que o decretar da expulsão nesta especifica envolvente se justifica em função de uma condenação em pena de prisão e tem o pressuposto da ilegalidade da sua permanência no País como aponta o nº1 do artigo 151 da Lei 23/2007
A razão da diversidade de tratamento encontra-se ligada á circunstância de a fixação de residência ter subjacente a criação de um vínculo social e económico e de todo um processo de socialização e identificação comunitária. Tais necessidades estão arredadas em relação ao cidadão que não mora no Pais e em relação ao qual o exercício pelo julgador do poder-dever de verificar, e decidir, de acordo com os pressupostos legais apenas exige a existência de uma condenação em prisão superior a seis meses pela prática de crime doloso.
No caso vertente, como aponta a decisão recorrida, a recorrente invoca uma situação de residente que não detem pois que a mesma é uma não residente em termos jurídicos
     Assim, não estão infirmados os pressupostos da expulsão decretada

Nestes termos, 

Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto por AA confirmando a decisão condenatória proferida.

Custas pela recorrente

Taxa de Justiça 5 UC


Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
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[1] Conf. Jeschek  Tratado de Direito Penal” ed espanhola pag 780
[2]    No nosso país o único texto legal que comporta uma referência a quantidades é a Portaria 94/96 que, embora com uma outra finalidade totalmente distinta, nos dá, no mapa elaborado com referência ao respectivo artigo 9, uma indicação dos limites quantitativos diários de consumo no que concerne a estupefacientes apontando-se o valor de 0,1 gramas no que concerne á heroína e 0,2 gramas no que respeita á cocaína
[3] Relatório anual de Combate ao Tráfico de Estupefacientes relativo ao ano de 2011 refere-se o preço de  50.07 Euros/grama em relação á cocaína