Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
675/18.4T8TVD.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃOJSTJ000
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Data do Acordão: 10/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :
I - A informação prestada pelo intermediário financeiro é deficiente e inexacta quando não elucida aspectos essenciais do produto de modo a permitir ao cliente entender as respectivas especificidades.
II - Constitui aspecto essencial para um investidor de perfil conservador, a informação de apresentar a aplicação (obrigações SLN) como sendo um produto seguro, sem que lhe tenha sido explicitado, pelo menos, que, por estar em causa obrigações representativas de dívida subordinada, a sua implicação em caso de insolvência ou liquidação da sociedade, no sentido de não lhe assistir a garantia prevista para os depósitos bancários a prazo até 25 000 ecu.
III - A violação do dever de informação que impende sobre intermediário financeiro leva a presumir a sua conduta como culposa, nos termos do disposto no art. 314.º, n.º 2, do CVM.
IV - A verificação do nexo de causalidade entre o acto ilícito e o dano decorrente da perda do capital investido, enquanto pressuposto da responsabilidade do intermediário financeiro, constitui ónus do lesado a quem incumbe demonstrar que o comportamento violador do dever de informação havia sido decisivo e causal da subscrição das obrigações, no sentido de que, caso tivesse recebido a informação completa, não teria subscrito as obrigações.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório


1. AA instaurou acção declarativa de condenação com processo comum contra o Banco BIC Português, SA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €50.000,00, acrescida de juros remuneratórios e moratórios até integral pagamento.


Fundamentou a acção na responsabilidade do Banco por violação do dever de informação da Banco, invocando, essencialmente:


- ter subscrito, em 2006, uma obrigação SLN 2006, no montante de €50.000.00, na convicção de que se trataria de aplicação segura, em tudo semelhante a um depósito a prazo, ainda que com melhor rentabilidade;


- ter sido afirmado pela funcionária do Banco, sua gestora de conta e em quem depositava total confiança, de que se tratava de um produto sem qualquer risco que poderia ser movimentado a todo o tempo não obstante estar sujeito a um prazo de dez anos;


- ter apenas subscrito tal obrigação em face das informações que lhe foram prestadas;


2. A Ré contestou, defendendo-se por excepção (invocando a incompetência territorial do tribunal e a prescrição do direito do Autor) e por impugnação, concluindo pela improcedência da acção.


3. Em resposta o Autor defendeu a improcedência das excepções.


4. Realizada audiência prévia foi julgada improcedente a excepção de incompetência territorial e relegada para final o conhecimento da prescrição. Foi elaborado saneador, fixado o objecto do lítigio e enunciados os temas de prova.


6. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a acção procedente condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 50.000,00 acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal de 4% ao ano, contados desde a citação e até integral pagamento.


7. A Ré interpôs apelação impugnando a matéria de facto.


8. O Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu acórdão, que confirmando a decisão sumária, alterou parcialmente a matéria de facto impugnada e revogou a sentença, julgando a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido.


9. Inconformado, o Autor interpôs recurso de revista, concluindo nas suas alegações (transcrição):


a) Além de outras alterações à matéria de facto, que visaram complementá-la, mas que são irrelevantes à decisão da causa, com as quais aliás o A. até concordou expressamente em sede de Contra-alegações na Relação, o Tribunal a quo procedeu à eliminação do ponto 23º da matéria de facto provada, fixada na sentença da primeira instância: «o A. nunca teria feito este investimento se o Banco Réu o tivesse informado das características do produto”.


b) Esta decisão, relativa à matéria de facto, visa a instrumentalização do recente Acórdão deste Supremo Tribunal, segundo a qual os investidores não qualificados do Banco Privado de Negócios (BPN) têm de "provar que a prestação de informação devida" os "levaria a não tomar a decisão de investir", tese de acordo com a qual o A. veria reconhecida a procedência da acção.


c) Na espécie de fundamentação que construiu a tal propósito, a Relação considera que foram fornecidos todos os elementos essenciais do negócio e que, espantemo-nos, o risco, não foi abordado, “não era questão que estivesse sequer em cima da mesa”; E “isto” – tecnicidades à parte - choca com o princípio de justiça mínima inerente ao conceito de Estado de Direito.


d) Assim, como se:


i) Facto público: a operação de colocação das Obrigações não estivesse - e estava!- precisamente relacionada com o cumprimento dos ratios de solvabilidade da SLN e do banco em consequência inspecção levada a cabo pelo Banco de Portugal, que detectou sérias dificuldades em que se encontrava o Grupo –


ii) Facto público: à data da emissão das referidas obrigações e pelo menos desde 2004, o Grupo encontrava-se em sérias dificuldades, o que era conhecido pelas altas hierárquicas do banco.


iii) Facto público: toda essa informação deveria ter sido transmitida aos subscritores e não foi, como está provado no processo-crime nº 4910/08.9..., em que o fundador do grupo SLN/BPN, BB, acabou condenado a uma pena de prisão efetiva de 15 anos de prisão, pela prática dos crimes de falsificação de documentos, fraude fiscal qualificada, burla qualificada, branqueamento de capitais e abuso de confiança.


e) É perante esta realidade, que envolve a prestação de informações falsas, quer à falsificação de elementos contabilísticos, relativamente ao Banco de Portugal e à CMVM, que o Tribunal da Relação de Lisboa considera que “o risco não era questão que estivesse sequer em cima da mesa”.


f) É perante esta realidade, que o Tribunal da Relação considera que o tema do risco “não estava em cima da mesa”, recorrendo a uma “fundamentação” (sem conceder) que campeia na fantasia de vocábulos como “percepção” e “aparência”, associados, arrazoando que (pág. 31): “A segurança do produto em causa era percepcionada, à data, como sendo tão sólida (ou mais!) como os depósitos efectuados no próprio banco. (…) «o que era relevante para a decisão de investimento seria sempre a aparente robustez da entidade emitente das obrigações» e (… «Ora, no momento em que esta obrigação foi subscrita (2006) a percepção sobre a solvibilidade do banco e da SLN era precisamente a mesma».


g) É, objectivamente, chocante, que a VIGARICE / BURLA das obrigações SLN seja branqueada desta forma, considerando-se que o risco “não era questão que estivesse sequer em cima da mesa”, quando é inolvidável que Banco encobriu a situação aos investidores que VIGARIZOU / BURLOU; Exactamente o mesmo que ocorreu no caso B..., como aliás, o MM.º Juiz em primeira instância fez questão de plasmar na Douta Sentença.


h) Uma decisão desta jaez, faz tábua-rasa de jurisprudência anterior, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-06-2018 (Processo nº18331/16.6T8LSB.L1.S1), que se afirma que « (…) das regras da experiência comum podemos facilmente retirar, como retirou a Relação, a conclusão (a presunção) de que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever «as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do apelante, que corria o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro no caso de insolvência da sociedade emitente dessas obrigações»; ou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-10-2018, (Processo nº 2581/16.8T8LRA.C2.S1): «(…) das regras da experiência comum podemos facilmente retirar, que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do apelante, que corria o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro no caso de insolvência da sociedade emitente dessas obrigações, ou que o retorno do capital não era garantido.


i) No fundo, assenta num raciocínio, redundante e tautológico – para não dizer niilista… - segundo o qual, por inexistir, à data da subscrição, conhecimento público da possibilidade de insolvência do Banco, não poderia ser pelo Banco fornecida informação relativa ao risco que tal subscrição representava, raciocínio que oculta, de forma a furtar-se à crítica que o mesmo, automaticamente, desencadeia.


j) Obviamente, uma tal resposta à matéria de facto, não é, porque não podia ser, espelhada, na fundamentação, em qualquer facto provado que permita deduzi-la, ou sequer, em qualquer elemento de prova, omitindo qualquer referência às regras de experiência comum; ou seja, esta fundamentação não é minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu, devendo entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação.


k) Convém a tal propósito notar que está provado que “13.º - Foi comunicado ao autor pela referida funcionária que o capital aplicado estava garantido.”, redacção que até peca por defeito, na medida em que resulta do depoimento prestado pela Testemunha CC (ficheiro de Áudio ............................07) que o que foi comunicado aos subscritores das obrigações, foi que «O capital, o capital estava seguro. Portanto, acontecesse, acontecesse o que acontecesse...», «em qualquer circunstância o capital estava garantido.», «alguém garantia, o banco, a SLN, alguém garantia o capital aos clientes».


l) A este propósito, a Relação decidiu, ainda (!), expurgar dos factos provados o ponto 14 “14.º - A informação acima indicada foi a única que foi dada ao autor”, quando do depoimento da testemunha DD , ao minuto 14:00, resulta que nem sequer existia ficha técnica destas obrigações no Balcão do Banco, explicando, ao minuto [18.30], que se a informação técnica lhe fosse dada e lhe dissessem... cuidado, isto são obrigações subordinadas, o A. « não comprava.»,. «Olhe e até lhe digo mais, nem eu comprava nem eu o incentivava a comprar.».


m) Aqui chegados, percebemos que a Relação não fez apenas tábua-rasa das regras de experiência comum, decidindo, agora, com base num padrão de conhecimento do investidor que, simplesmente, não existia na altura (2006), desprezando, totalmente, o facto de os superiores do banco bem saberem dos riscos que a subscrição das obrigações acarretavam para os seus clientes, atenta a situação de crise do Grupo, que escolheram omitir para angariar os fundos necessários para garantir as ratios de solvibilidade que o Banco, não tinha – e eles sabiam que não tinha.


n) Mas não é só isso: É, simplesmente, obliterar, OBLITERAR o que foi expressamente afirmado pela Testemunha: «Se a informação técnica lhe fosse dada e lhe dissessem... cuidado, isto são obrigações subordinadas… Ele não comprava».


o) E a Relação só faz “isto”, e fá-lo “assim”, por entender que este Supremo Tribunal apenas intervém no domínio da matéria de facto quanto esteja em causa a violação da lei adjectiva, a ofensa de disposição legal que exija um determinado meio de prova ou se coloque em causa força probatória plena de certo meio de prova, não podendo, pois, sindicar o modo como a Relação apreciou a impugnação da fixação dos factos com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação.


p) No entanto, tal limitação não afecta a possibilidade de anulação do acórdão recorrido, por verificação de qualquer das causas de nulidade da decisão elencadas no art. 615.º do CPC, que como é sabido, visam o erro na construção do silogismo judiciário.


q) Desde logo, quando estão em causa factos julgados provados em resultado de um silogismo dedutivo, impõe-se uma motivação ainda mais exigente, de modo a possibilitar ao tribunal de recurso o reexame do caminho seguido em ordem a verificar se está ou não em conformidade designadamente com as regras de experiência – matéria que cabe nos poderes de cognição do STJ, obrigação a que a Relação não dá cumprimento e à qual, claramente, fugiu.


r) Acresce que, verifica-se ainda a nulidade prevista na al. c) –do art.º 615º quando em face das premissas que constituem a matéria de facto, o julgador ensaia um salto lógico no desconhecido, dando por adquirido aquilo que não é suportável à face da experiência comum pode-se afirmar a existência do vício do erro notório.


s) No caso dos autos, verifica-se esse vício, na medida em que «15º O A. não possuía conhecimentos técnicos dos mercados financeiros.» e «13º. Foi comunicado ao autor pela referida funcionária que o capital aplicado estava garantido.», pelo que não se trata, só, da obliteração da prova produzida quanto ao facto 23, maxime, depoimento da testemunha DD donde resulta que o A. não sabia, nem podia saber, que a em caso de insolvência – e o Grupo estava em sérias dificuldades, devido às quais as obrigações foram emitidas, a fim de “reparar” as ratios de solvibilidade do banco detectadas em inspecção do Banco de Portugal – o seu crédito seria graduado como subordinado, determinando a perda do capital investido, como também, porque tal silogismo afronta às regras da experiência.


t) Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente assumir também o reembolso do capital investido;


u) Provando-se que a gerência do Banco propôs aos AA uma aplicação financeira – a aquisição de obrigações da SLN - com garantia do capital investido a que os AA deram a sua anuência, por se tratar de um produto comercializado pelo B (...) (detido a 100% pela referida SLN) em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido e rentabilidade assegurada, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido e os juros; E no caso concreto a responsabilidade é imputável ao Banco por três vias distintas.


v) A primeira: a inobservância dos deveres de informação pelo banco réu na aquisição dos produtos financeiros em causa, ao não ter fornecido a ficha técnica e ao não ter informado o A. de que se tratavam de obrigações subordinadas, explicando-lhe que em consequência disso e em caso de insolvência ocorreria perda total do capital investido, torna-o responsável pelos prejuízos causados aos autores, nos termos do art.º 314.º, n.º1 do CVM.


w) A Segunda: além desta responsabilidade contratual, existe também responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo por parte do Banco, a que se reporta o art.º 227.º do CC, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304º, nº 1 e 2, do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de lealdade e transparência, como também da violação dos deveres de informação a que aludem os arts. 7º, nº 1, e 312 nº 1, ambos do CVM, assim fazendo incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 314º, nº 1 do mesmo código, sendo certo, também, que o Banco não ilidiu a presunção legal de culpa do nº 2 do citado art. 314º (todos os indicados artigos na redacção anterior ao DL 357-A/2007, de 31.10), constituindo-se por essa via, igualmente, na obrigação de indemnizar os danos causado aos AA..


x) Terceira: Resultando dos factos provados que o Réu se vinculou junto do A. a assumir a obrigação de reembolso do capital subscrito e respetivos juros - obrigações que recaiam sobre a SLN -, e resultando claramente do depoimento da testemunha CC que «o banco, a SLN, alguém garantia o capital aos clientes.», tal declaração reveste a declaração de vontade do R., através do seu funcionário, seguindo um argumentário de vendas transmitido pela Administração do Banco, a uma assunção de dívida, nos termos previstos no art. 595.º, n.º 1, al. b) do CC..


y) Quanto ao nexo causal entre o facto e o dano, que no caso dos autos tal causalidade está amplamente provada (DD: se [essa informação] se lhe tivesse sido dada... O senhor EE... Ele não comprava.(…) até lhe digo mais, nem eu comprava nem eu o incentivava a comprar.»); havendo-se a responsabilidade do bano como contratual, está abrangido pela presunção do art.º 799.º, n.º 1 do CC (M.Cordeiro, in “Direito Bancário”, pág. 432); ao que acresce que (STJ, 25-10-2018, P. nº 2581/16.8T8LRA.C2.S1): « (…) das regras da experiência comum podemos facilmente retirar, que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do apelante, que corria o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro no caso de insolvência da sociedade emitente dessas obrigações, ou que o retorno do capital não era garantido.»”.


9. Em contra-alegações a Ré defende a improcedência do recurso.


II – APRECIAÇÃO DO RECURSO


De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - CPC) mostra-se submetida à apreciação deste tribunal as seguintes questões:

Das nulidades de acórdão

Da (in)verificação dos pressupostos da responsabilidade do intermediário financeiro pela perda do capital investido em obrigações SLN Rendimento Mais 2006


1. Os factos


1.1 provados


1. O BPN - Banco Português de Negócios SA, após Dezembro de 2012, mediante operação de fusão por incorporação, alterou a denominação para "BANCO BIC PORTUGUÊS SA", tendo ocorrido transferência global do património da sociedade incorporada para o Banco Réu.


2. O A. é cliente da R. Banco BIC Português SA, antes denominado BPN, SA, na agência de ....


3. O A. é titular de UMA OBRIGAÇÃO denominada "SLNRM2-SLN2006", no valor global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).


4. A OBRIGAÇÃO em causa era remunerada a uma Taxa Anual Nominal Bruta, que sempre foi creditada na conta do A.


5. A remuneração contratada deixou de ser tempestivamente paga, por depósito na conta do A..


6.O A. detinha no anteriormente denominado BPN, SA, depósitos e outros instrumentos financeiros associados à sua conta, como papel comercial e unidades de participação em fundos de investimento.


7. O A detinha em depósito a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).


8. Em 2006, a funcionária do denominado Banco BPN, SA, na agência de ..., DD, propôs ao A. uma aplicação segura para o seu aforro, num produto, em tudo idêntico a um depósito a prazo, mas com uma rentabilidade superior.


9. A funcionária indicada, DD, era a gestora da sua conta no Banco R.


10. Nela, o A. depositava confiança.


11. Em face das informações que lhe foram prestadas, o A. anuiu a proceder a tal aplicação.


12. Nesse seguimento veio o A. a subscrever a OBRIGAÇÃO de que é titular.


13. Foi comunicado ao A. pela referida funcionária que o capital aplicado estava garantido, que era uma aplicação em obrigações, que a entidade emitente era a SLN, que esta entidade era a dona do banco, que o produto era a 10 anos, com uma taxa de juro superior à praticada nos depósitos a prazo e, por fim., que seria possível obter liquidez antecipada através da venda do produto a um outro cliente.


14. Eliminado.


15. O A. não possuía conhecimentos técnicos dos mercados financeiros.


16. As expressões a utilizar na argumentação dos diversos funcionários na promoção do produto eram o capital garantido, a elevada taxa de remuneração, a entidade emitente ser a dona do banco e a possibilidade de obter liquidez através da venda do produto a um outro cliente.


17. A entidade emissora das obrigações era a SLN, sociedade que não oferecia quaisquer reserva, visto ser a detentora da totalidade do capital social do Banco.


18. A Direcção Comercial do BANCO BPN SA, transmitia aos funcionários da Rede de Balcões que este era um produto e investimento seguro.


19. A funcionária DD, gestora do A. e que o aconselhou na compra do produto, agiu conforme as instruções dos seus superiores hierárquicos, designadamente, a sua Direcção e Administração.


20. A funcionária sempre aceitou a bondade e credibilidade das informações que recebeu dos seus superiores hierárquicos, nunca as questionando.


21. Por esse motivo, crente que o produto era seguro, procurou motivar para o mesmo os clientes que se enquadrassem num perfil de aforradores.


22. O A. enquadrava-se nesse perfil, pois era cliente do Banco, em aforro a médio longo prazo, através de depósitos a prazo e de outros instrumentos financeiros, como papel comercial e unidades de participação em fundos de investimento.


22A. No mês seguinte à da aquisição das obrigações, o autor recebeu por correio o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.


22B. E, também e desde então, os vários extractos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo.


22C. Nessas comunicações, o produto em causa surge separado dos depósitos, num título denominado "CARTEIRA DE TÍTULOS" e com um sub-título "OBRIGAÇÕES".


22D. As obrigações estavam sujeitas às condições constantes do documento de fls. 49 e segs., nomeadamente:


- Emitente: SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S. A.


- Finalidade do empréstimo: Consolidação da dívida da emitente, potenciando um melhor equilíbrio entre as maturidades do seu passivo e do seu activo.


- Valor nominal: 50.000 € por obrigação.


- Pagamento de juros: semestral e postecipadamente.


- Reembolso e prazo: O prazo máximo do empréstimo é de 10 anos, sendo amortizado ao par, de uma só vez, em 9 de maio de 2016, salvo de houver reembolso antecipado, nos termos previstos no ponto "CALL OPTION".


- Reembolso antecipado: Não é permitido o reembolso antecipado da emissão por iniciativa dos obrigacionistas.


- Garantias e subordinação: As receitas da emitente respondem integralmente pelo serviço da dívida do empréstimo obrigacionista. Em caso de falência, liquidação ou processo análogo da emitente, os pagamentos dos juros e o reembolso das obrigações representativas da presente emissão ficam subordinadas ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, tendo, contudo, os detentores das obrigações prioridade sobre os accionistas da emitente.


- Colocação e agente pagador: BPN - Banco Português de Negócios, S. A.


23. Eliminado.


24. Os juros acordados foram creditados tempestivamente na sua conta.


25. A SLN, entretando redenominada Galilei, apresentou em Tribunal um Plano Especial de Revitalização, em ... de ... de 2015, o qual correu termos no Tribunal da Comarca de ..., Instância Central - ... Secção de Comércio - J., sob o n.e 22922/15.4...


26. Nessa altura, mesmo ainda não tendo atingido a plena maturidade, o A. reclamou os seus créditos, o que fez em 18/09/2015.


27. Depois de propor o PER a emitente, agora Galileia deixou de creditar, através do Banco R. os juros que se venciam.


28. Na data do seu vencimento, o capital investido pelo A não lhe foi restituído, nem foram pagos os juros contratuais.


29. O que levou o A., em Março de 2017 a endereçar uma exposição à Administração do Banco réu, interpelando-o sobre a possibilidade de os ressarcir do prejuízo sofrido.


30. A sociedade emitente, GaHlei, SGPS, foi declarada insolvente por decisão de 29/06/2016, no processo que correu termos no mesmo Tribunal e juízo sob o n.923449/15.0...


31. Os créditos do A. constam da lista provisória como créditos subordinados.


32. Em consequência da situação de insolvência da emitente Galilei, SGPS, não será pago ao A. o capital aplicado nas obrigações.


2. O direito


Revogando a sentença que condenou a Ré no pedido, o tribunal a quo afastou a violação do dever de informação por parte do Banco, enquanto intermediário financeiro, por entender que não lhe poderia ser assacada qualquer responsabilidade face à inexistência de conduta ilícita. Defendeu, nesse sentido, que “a simples circunstância de ter sido referido ao Autor, pela funcionária do Banco BPN, SA que o aconselhou a investir € 50.000,00 na subscrição duma Obrigação SLN, reembolsável no prazo máximo de 10 anos, que se tratava de um produto com capital garantido, em tudo semelhante a um depósito a prazo, com rentabilidade assegurada, podendo dispor do capital e juros quando entendesse, não permite, sem mais, consubstanciar a violação do dever de informação a cargo do Banco réu.


As «obrigações» são, no universo dos produtos financeiros conhecidos, daqueles que mais garantias oferecem de retorno do capital.


É certo que as obrigações não garantem de forma absoluta que o capital seja devolvido, pois que, em caso de insolvência do emitente, o investidor pode não vir a receber o capital que aplicou.


Mas isso é o risco próprio de qualquer investimento, sendo certo que nem os depósitos a prazo garantem de forma absoluta que o capital aplicado seja devolvido, pois que, apesar da existência (actualmente) de uma garantia do Estado para os depósitos a prazo, a verdade é que tal garantia tem um limite que é substancialmente inferior aos valores aplicados pelo Autor. (…) Por outro lado, a simples afirmação (feita ao Autor pela aludida funcionária do BPN, SA) de que este produto financeiro era de "capital garantido" não traduz omissão de qualquer informação relevante ou informação "não verdadeira", sendo tão só uma expressão corrente para explicar ao cliente, sem especiais conhecimentos, que se tratava de um produto seguro e os riscos, na prática, não divergiam em muito dos riscos dum depósito a prazo.


É que, in casu, a probabilidade de a entidade emitente (a SLN) não cumprirera muito semelhante à de o Banco BPN não cumprir, tendo em conta a estrutura acionista existente à data da contratação (a SLN era, em 2006, detentora da totalidade do capital social do Banco BPN, SA). Neste contexto circunstancial, para além de a obrigação de restituição do capital investido recair sobre a emitente das obrigações, que, em último grau, detinha o Banco BPN, a "garantia" do capital por este último equiparava-se ou até podia ainda ser inferior à da SLN, em virtude de aquele ser detido pela SLN, SGPS, S.A, a emitente das obrigações postas à subscrição. Aliás, se esta última não estivesse em condições de restituir o capital, menos ainda poderia estar o Banco BPN.”.


Considerou ainda que, igualmente, não se encontrava demonstrado o nexo de causalidade entre o facto e o dano, justificando:


De qualquer modo, como a causa do dano consubstanciado no não pagamento (em 2016) da obrigação emitida pela SLN e subscrita pelo Autor reside num factor totalmente estranho à actuação dos funcionários do Banco réu (a progressiva degradação da situação financeira da SLN, entre 2006 e 2016), sem que algo permita concluir que, em 2006, pudesse ser antecipada a sua ocorrência, sempre se terá de concluir que, mesmo que tivesse existido incumprimento de deveres legais e contratuais de informação (ilicitude) e que não tivesse sido ilidida a presunção de culpa que recai sobre o intermediário financeiro (nos termos do art. 314° do CVM), sempre faltaria, para se poder afirmar a existência de responsabilidade civil do ora Réu (com base na actuação inicial dos funcionários do BPN), o imprescindível nexo de causalidade entre o incumprimento de deveres inerentes à actividade de intermediação financeira e a desvalorização do título adquirido pelo Autor.”.


Visando a reposição do decidido em 1.ª instância, o Autor defende que se encontram suficientemente demonstrados os pressupostos da responsabilidade da Ré: ilicitude da conduta do banco como intermediário financeiro e nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano. Imputa ainda ao acórdão recorrido nulidades – falta de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão – relativamente à apreciação em sede de impugnação da matéria de facto.


Vejamos.


2.1 Das nulidades


Invoca o Autor a nulidade de decisão prevista no artigo 615.º, n.º1, alíneas b) e c), do CPC, respectivamente, falta de fundamentação da decisão de facto e contradição entre os fundamentos e a decisão, reportada à alteração da matéria de facto no que se reporta à eliminação do ponto n.º 23 dos factos provados1.


Apreciando tal matéria, refere o acórdão:

Por outro lado, não resultou provado que o A. nunca teria feito este investimento, isto é, nunca teria subscrito uma obrigação emitida pela SLN, se tivesse sido informado que, em caso de insolvência da sociedade emitente das obrigações, os credores obrigacionistas são pagos em último lugar na fase da liquidação, só depois de integralmente pagos os créditos comuns (nos termos do art. 177°, n° 1, do CIRE).

De resto, na data em que esta obrigação da SLN foi subscrita pelo Autor (2006), não era minimamente expectável que uma emissão obrigacionista da empresa proprietária de um banco pudesse vir a não ser paga. Sobretudo tendo em conta a variedade do vasto património empresarial que a mesma sociedade detinha, à época, e a segurança que daí advinha para o mercado.

A segurança do produto em causa era percecionada, à data, como sendo tão sólida (ou até mais!) como os depósitos efetuados no próprio banco.

Era, assim, indiferente a informação sobre quem garantia o produto ou sobre eventuais riscos advenientes da subscrição do produto, até porque, ã época, não era sequer previsível ou imaginável pelas partes que o mesmo pudesse vir a não ser pago.

Efectivamente, o que era relevante para a decisão de investimento seria sempre a aparente robustez da entidade emitente das obrigações. Ora, no momento em que esta obrigação foi subscrita (2006), a perceção sobre a solvabilidade do banco e da SLN era precisamente a mesma. Mais: o banco era, ele próprio, parte integrante do património da SLN; o banco era, para os credores da SLN, garante da solvabilidade daquela entidade.

A ideia que transparece do depoimento das testemunhas DD e FF (ambas ex-funcionários do BPN, sendo a Ia gerente de conta do A. e a 2a ex-gerente da agência de ...), e do que seria por elas transmitido aos clientes do Banco BPN, era a de que se tratava de um produto financeiro extremamente seguro, segurança essa que as testemunhas ligavam ao facto de se tratar de um produto que era emitido pela empresa que detinha fa 100%) o próprio banco. Perante estas informações e a realidade dos factos que, à data (2006), eram conhecidos, nenhum elemento essencial do produto ficou por comunicar ao Autor,

De facto, o que resultou do depoimento das referidas testemunhas é que a matéria do risco não foi sequer abordada nas conversas com os clientes, pura e simplesmente porque o tema do risco não era questão que estivesse sequer em cima da mesa.

Perante o teor destes depoimentos, esta Relação dissente radicalmente do tribunal "a quo" no que concerne à total ausência de prova do facto descrito no item 23° (O A. nunca teria feito este investimento se o BANCO Réu o tivesse informado das características e riscos do produto).”.

Conforme se evidencia do teor do acórdão, tais nulidades não se verificam pois o tribunal recorrido não só justificou a sua decisão (a ocorrer fundamentação deficiente a mesma não é causa de nulidade2), como a conclusão que retira – eliminação da referida matéria da factualidade provada – encontra total sentido lógico no fundamento que indica: ausência de qualquer prova nesse sentido, aspecto que se encontra evidenciado no teor da fundamentação à matéria de facto constante da sentença onde, efectivamente, nada se mostra justificado, nomeadamente em termos de presunção de facto3.


2.2 Da violação do dever de informação


Fundamentalmente o acórdão recorrido sustentou a inexistência de ilicitude na conduta do intermediário financeiro por considerar que a informação prestada no sentido de o produto ser seguro foi suficiente porque não abrangido pelos artigos 304.º e 312.º, n.º1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários: o dever de informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente do produto.


Trata-se de um entendimento que considera que apenas se insere na alínea a) do n.º 1 do citado artigo 312.º o risco endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco, no caso, a insolvência da entidade emitente.


Não podemos concordar.


Na caracterização da (in)existência de violação do dever de informação por parte do Banco enquanto intermediário financeiro a divergência de entendimento das instâncias assenta na perspectiva interpretativa dos deveres de informação do intermediário financeiro e na questão da segurança do produto em causa – as obrigações SLN (ao invés da sentença, para o acórdão recorrido a informação prestada ao Autor tinha sido verdadeira e suficiente por estar em causa um produto seguro4).


A lei (cfr. artigo 312.º, do Código dos Valores Mobiliários) atribui ao intermediário financeiro deveres especiais de informação, que têm por finalidade garantir a confiança dos investidores e promover a indispensável eficiência e transparência do mercado5. Para tal, no desempenho concreto dessa actividade, o intermediário está obrigado a prestar uma informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (artigo 7.º do Código dos Valores Mobiliários)6.


É condição básica de um cabal esclarecimento do cliente a não omissão de dados informativos que, pela sua importância, devam ser tidos como essenciais no processo de tomada da decisão de investir (Simão Mendes de Sousa, Contrato de Swap de Taxa de Juro: Dever de Informação e Efeitos da Violação do Dever, AUTORESFDL, 2017, pp. 55-56).


Nesta linha de pensamento e quanto à questão do (in)cumprimento do dever de informação por parte do intermediário financeiro, importa ter em devida conta o que se encontra decidido em sede de uniformização de jurisprudência7: “(…) Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.°, n.º 1, do CVM”.


No caso, a matéria de facto provada (cfr. n.ºs 8 e 13) revela que a informação prestada ao Autor não pode ser considerada completa e inequívoca pois que, embora o mesmo soubesse que se tratava de Obrigações SLN, não lhe foi explicada a característica da subordinação, tendo-lhe sido referido que se tratava de um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo e que o capital aplicado estava garantido.


Acresce que, na linha do que tem vindo a ser considerado neste tribunal, culminando com o posicionamento evidenciado no segmento uniformizador do AUJ supra referido, o dever de informar adstrito ao intermediário abarcava, ainda, o de comunicar explicitamente ao investidor que o produto implicava uma indisponibilidade do capital por determinado período, não podendo ser solicitado o reembolso antecipado da emissão.


Cabe ainda realçar, no que toca à segurança do produto, que a informação prestada foi deficiente e também inexacta pois, estando em causa obrigações representativas de dívida subordinada, carecia de ser emitido esclarecimento acerca da sua implicação em caso de insolvência ou liquidação da sociedade, no sentido de não lhe assistir a garantia prevista para os depósitos bancários a prazo até 25 000 ecu (artigos 164.º e 166.º, n.º1, do DL 298/92, de 31-12, na redacção do DL 252/2003, de 17-10).


Essa característica consubstanciava uma diferença relevante para um investidor com perfil conservador já que, em caso de insolvência da entidade emitente das obrigações (como veio a suceder), o Autor não tinha garantia legal (a priori) de reaver qualquer montante aplicado no produto.


Assim, não pode deixar de se concluir que a informação foi deficiente ao deixarem de ser esclarecidos aspectos essenciais do produto para permitir ao Autor entender e estar ciente das respectivas especificidades.


Impunha-se, por isso, em nome da boa fé e lisura contratual8, que na informação prestada tivesse sido elucidada a questão do (não) asseguramento do reembolso do capital investido.


Por conseguinte, contrariamente ao concluído pelo tribunal a quo, encontra-se demonstrada a violação do dever de informação por parte do Banco; como tal, a prática do acto ilícito pressuposto da sua responsabilidade.


Uma vez violado, pelo intermediário financeiro, o dever de informação relativamente aos esclarecimentos que estava obrigado a prestar ao legal representante da Autora, há que presumir a sua conduta como culposa, nos termos do disposto no artigo 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários.


2.3 Do nexo de causalidade


Concluiu ainda o acórdão recorrido que não se verificava o pressuposto da responsabilidade do Réu reportado ao nexo causal entre o facto ilícito e o dano (reconduzido ao não reembolso do capital investido), justificando da seguinte forma:

“De facto, essa falta de reembolso do capital investido pelo Autor na subscrição da obrigação emitida pela SLN ocorreu por efeito da degradação da situação financeira da sociedade emitente (durante o período de dez anos que decorreu entre 2006 e 2016), e não por causa de qualquer deficiente informação ou actuação do intermediário financeiro BPN aquando da subscrição da obrigação (ocorrida dez anos antes).

É que - como bem se observou no Acórdão do S.T.J. de 6/06/201341 - "no mercado de capitais não existem investimentos de risco nulo (afinal, até os depósitos bancários, que são considerados dos investimentos mais seguros, estão sujeitos ao risco de insolvência das entidade bancárias) ".

De resto, não pode perder-se de vista que o BPN - Banco Português de Negócios, S.A. (que era o banco onde o Autor tinha depositada a quantia que investiu na aquisição da obrigação emitida pela SLN em 2006) só foi salvo da sua iminente insolvência graças à nacionalização do seu capital operada pela Lei n° Lei 62-A/2008, de 11 de Novembro42.

De sorte que, não fora a imprevisível nacionalização desta instituição bancária (em fins de 2008) - um facto que nenhuma das partes poderia seguramente antecipar em 2006 -, sempre se poderia argumentar que a alegada garantia de reembolso, pelo BPN, do capital investido pelo Autor na aquisição da obrigação emitida pela SLN (em 2006) de muito pouco lhe teria valido, porque o BPN ter-se-ia, ele próprio, tornado insolvente em 2008, isto é, oito anos antes do vencimento da obrigação emitida pela SLN (que só ocorreu em 2016).”.

Relativamente a este aspecto, ainda que não possamos comungar da fundamentação tecida pelo tribunal a quo, terá também de se concluir pela ausência de demonstração do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.


Na verdade, não obstante o artigo 314.º, n.º1, do Código dos Valores Mobiliários, determinar que os intermediários financeiros estão obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, tal comando legal não se afasta da regra consagrada no artigo 563.º, do Código Civil (demonstração da adequação do comportamento ilícito e danoso para a produção do tipo de danos sofridos pelo lesado)9, pelo que não se encontra estabelecida qualquer presunção de nexo de causalidade, conforme foi clarificado no AUJ n.º 8/2022 já referido10, cabendo, por isso, ao lesado demonstrar os factos que revelem a existência do nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano.


Em conformidade com tal entendimento no que diz respeito ao pressuposto nexo de causalidade, para que na situação sob apreciação se pudesse concluir pela responsabilização do Banco pelo dano decorrente da perda do capital investido, caberia a demonstração (ónus do Autor) de que o comportamento do Banco violador do dever de informação havia sido decisivo e causal da subscrição das obrigações, no sentido de que, caso tivesse recebido a informação completa, não teria subscrito a obrigação, isto é, nunca teria adquirido a obrigação caso tivesse sido informado, designadamente, de que a mesma era produto com risco de perda de capital, cujo reembolso o Banco não podia garantir. Tal, porém, não se encontra provado11, o que determina, necessariamente, a improcedência da sua pretensão.


IV. DECISÃO


Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça, em julgar a revista improcedente, ainda que por fundamento não de todo coincidente.


Custas pelo Autor.

Lisboa, 17 de Outubro de 2023

Graça Amaral (Relatora)


Maria Olinda Garcia


Ricardo Costa





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1. As considerações que o Recorrente tece quanto às alterações feitas no acórdão recorrido a outros pontos da matéria de facto situam-se fora do poder de controle por parte deste tribunal. Na verdade, a inconsideração de depoimento testemunhal na reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal da Relação, assumindo apenas relevância no âmbito do erro de julgamento (não das nulidades de decisão), não pode ser objecto de sindicância pelo STJ, atento os poderes que a lei lhe atribui no domínio dos factos (encontra-se vedada a possibilidade de este tribunal modificar ou sancionar a decisão fáctica fixada pela instância recorrida quando estejam em causa meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal, ou seja, sem valor probatório tabelado).↩︎

2. Entendimento que se mostra consistente na jurisprudência e na doutrina – cfr., entre outros, acórdão do STJ de 03-03-2021, Processo n.º 844/18.7T8BNV.E1.S1, a que se pode aceder através das Bases Documentais do ITIJ.↩︎

3. Onde se pode ler “Os únicos factos para os quais era necessário prova, pois não estavam já assentes por acordo das partes, nem por documento, eram os relativos àquilo que foi dito ao autor na altura da subscrição das obrigações. Nesse aspeto a prova assentou totalmente no depoimento de DD, mencionada nos factos provados. Essa testemunha era funcionário do então BPN e foi quem contactou diretamente o autor para o informar da aplicação financeira em causa. Toda a informação que os funcionários tinham por parte da direção do banco, nomeadamente o chamado “argumentário de vendas” (documento interno destinado a servir de guião aos funcionários para venderem o produto aos clientes do banco), era no sentido de que o capital era garantido, que não tinha qualquer risco, era como se fosse um depósito a prazo. Tinha uma rentabilidade maior mas também tinha um prazo de permanência muito maior, 10 anos. Foi isso que informou ao autor. Mais lhe disse que se necessitasse do dinheiro, poderia vender as obrigações, o que na altura era fácil pois havia muita gente interessada em comprá-las. A testemunha sabia que o autor tinha um perfil conservador, só tinha aplicações em depósitos a prazo. Achou que seria por produto bom para o autor por causa da elevada remuneração e pela ausência de risco. Caso soubesse que havia risco, nunca teria aconselhado ao autor a subscrição. Aliás, afirmou que não vendia nada que ela própria não comprasse. Nessa altura, em 2006, também vendia produtos de risco, mas não os aconselhava aos clientes. Tais declarações foram confirmadas na íntegra pela testemunha FF, que na altura era (e continua a ser) o gerente da agência em causa e também pela testemunha CC, que era a gerente da agência de .... Quanto às condições das obrigações, foi naturalmente relevante o documento de fls. 49 e segs.”.↩︎

4. Tal como referimos, em face da perspectiva de o risco da operação referente ao cumprimento da obrigação de reembolso - incumprimento da prestação principal da entidade emitente – enquanto risco geral de incumprimento -, não estar abrangido pelos artigos 304.º e 312.º, n.º1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários – CVM. Nesse sentido, o intermediário financeiro não se encontrava obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.↩︎

5. Cfr. artigo 304.º, do Código dos Valores Mobiliários.↩︎

6. Refere-se no acórdão de 15-12-2020 (proferido no Processo n.º 2243/18.1T8STR.E1.S1, com intervenção da aqui Relatora e da 1.ª Adjunta):

Determina o n.º1 do artigo 304.º do CVM, que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade por forma a proteger os legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, dispondo o n.º2 que os mesmos devem conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

Encontram-se assim os intermediários financeiros adstritos a deveres principais (os indicados de protecção dos legítimos interesses dos clientes, de informação e publicidade) e a deveres acessórios de boa-fé nas relações que estabelecem com todos os intervenientes no mercado (n.º2 do artigo 304.º do CVM).

Importa realçar que relativamente aos deveres de protecção dos legítimos interesses dos clientes, o intermediário financeiro deve averiguar não apenas os objectivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste a recepção do serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento (artigo 304.º, n.º 3, CVM), pelo que não pode incentivar o cliente a efetuar operações que tenham objetivos contrários aos interesses do mesmo (artigo 310.º, n.º 1 CVM), fazendo prevalecer os interesses do cliente sobre os seus ou de outros eventuais interessados (artigo 309.º, n.º 3, CVM).

Destinando-se as informações a prestar ao cliente para a tomada de uma decisão esclarecida e fundamentada, a extensão e profundidade da mesma dependem do grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º n.º2, CVM)”.↩︎

7. Acórdão Uniformizador n.º 8/2022, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 3 de Novembro de 2022 (com a Declaração de Retificação n.º 31/2022, de 21 de Novembro de 2022).↩︎

8. Refere Agostinho Cardoso Guedes, o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo, coloca-se, principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações, as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé. No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem (A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil, Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, a pp. 138-139).↩︎

9. Consagrando o princípio da causalidade adequada estabelecendo que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo necessário, por isso, que o evento causador do dano tenha não só determinado a ocorrência do dano, mas se configure como causa provável ou adequada do mesmo.↩︎

10. Que, quanto a este pressuposto da responsabilidade do intermediário financeiro, uniformizou jurisprudência, nos seguintes termos:

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.↩︎

11. O tribunal a quo alterou a matéria de facto e deu como não provada a matéria que a 1.ª instância havia fixado no ponto n.º 23.º, com o seguinte teor “O A. nunca teria feito este investimento se o BANCO Réu o tivesse informado das características e riscos do produto.”↩︎