Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B1164
Nº Convencional: JSTJ00000389
Relator: JOAQUIM DE MATOS
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200205280011642
Data do Acordão: 05/28/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 722/01
Data: 07/02/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV.
DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 146 N1.
CCIV66 ARTIGO 342 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC85185 DE 1993/09/29.
ACÓRDÃO STJ PROC84490 DE 1994/06/01.
Sumário : I - Aquele que alega justo impedimento deve, sob pena de indeferimento, oferecer logo a respectiva prova.
II - Não supre tal prova a simples conformação, por não impugnação, da contraparte com os factos alegados pelo requerente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - A, id. a fls. 2, propôs acção de restituição de posse contra o Município de Viana do Castelo, aí também id., pedindo a condenação deste à restituição definitiva de um terreno, instalações fabris e armazém e dos móveis aí existentes e grades e vasilhame de refrigerantes retirados e, ainda, em indemnização a liquidar em execução de sentença nos termos e pelas razões que explicita, aqui dados por reproduzidos, com os juros legais respectivos, acrescidos - a partir do trânsito em julgado da decisão - de juros à taxa anual de 5% em harmonia com o disposto no art. 829º-A, nº 4, do CCivil.
Para o efeito alegou, em suma, que:
Na qualidade de arrendatária, celebrou com o R., como seu senhorio, um contrato de arrendamento relativo a uma parcela de terreno, de que este a esbulhou, impedindo-a de praticar os actos a que esse imóvel (assim como as instalações fabris e armazém nele implantados) estava afecto; e
A conduta do R. lhe causa prejuízos que, por estarem ainda em evolução, não pode quantificar, relegando o cálculo para o momento da execução.
Citado, o R. contestou, alegando que o terreno que a A. pretende ver restituído é um bem do domínio público e, por isso, insusceptível de ser objecto de arrendamento, já que o convencionado entre as partes é um contrato de índole administrativa, no qual o R. concedeu à A., a título precário, o uso privativo de um imóvel público.
Foi proferido o despacho saneador e foram elaborados especificação e questionário, destes dois últimos tendo ambas as partes apresentado reclamação que foi em parte deferida.
Acerca do deferimento da apresentação e junção tardia do rol de testemunhas pela R. recorrente, que não invocou justo impedimento, a A. interpôs agravo.
Teve depois lugar a realização do julgamento e de seguida foram dadas as respostas aos quesitos que não suscitaram qualquer reclamação das partes.
Oportunamente foi dada a sentença de fls. 412 a 425 que, julgando a acção improcedente, absolveu o R. do pedido.
Dessa decisão recorreu a A. para a Relação do Porto que, nos termos e pelas razões contidas no douto Acórdão de fls. 502 a 515, confirmou a sentença recorrida.
Discordando uma vez mais, a A. interpôs recurso de revista para a Relação do Porto, para este Supremo Tribunal de Justiça, e, pedindo a revogação do decidido, alega para o efeito o contido a fls. 526 a 583, com as conclusões seguintes;
1. Por requerimento de fls. 139 e segs. dos autos, a R., alegando não ter recebido a notificação para apresentar provas e a "possibilidade de extravio, quer pelos serviços dos correios, quer no próprio escritório" do seu mandatário, invocou justo impedimento e requereu a admissão do seu rol de testemunhas não apresentado tempestivamente;
2. Por requerimento de fls. 144 dos autos, a A. opôs-se à arguição de justo impedimento deduzida pela R., não tendo aceite, nem confirmado os factos invocados pela recorrida - que não estava sequer obrigada a impugnar - invocando que tal arguição não pode proceder, nem pode ser admitida agora a apresentação do rol de testemunhas;
3. A R. não ofereceu qualquer prova com o seu requerimento de fls. 139 a 141 dos autos e não demonstrou, nem provou minimamente, qualquer facto a partir do qual possa concluir-se pela existência do justo impedimento (Cfr. arts. 146º do CPCivil e 342 n. 1 do CCivil);
4. A alegada mas inexistente aceitação dos factos pela A. sempre seria totalmente irrelevante, pois a R. sempre teria que provar os factos alegados, o que não fez, pois estava em causa o cumprimento de prazo peremptório fixado na lei (Cfr. art. 512° do CPCivil), que não podia ser prorrogado por acordo das partes e, principalmente, por ser necessário demonstrar que o alegado pela R. integrava justo impedimento;
5. O acórdão recorrido enferma assim de manifestos erros de julgamento na parte em que negou provimento ao agravo interposto do despacho de fls. 147 dos autos, pelo qual foi aceite o justo impedimento e admitido o rol de testemunhas da R., tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 146° do CPCivil e 342 n. 1 do CCivil;
6. A matéria constante do art. 23º da contestação - o terreno em causa "encontrava-se afecto ao uso directo e imediato do público" não contém quaisquer factos concretos, pois o conceito de uso directo e imediato pelo público constitui mera conclusão jurídica ou, pelo menos, conclusão de facto, pelo que era insusceptível de integrar a especificação ou o questionário (Cfr. art. 511 n. 1 do CPCivil);
7. A referida matéria contida no art. 23° da contestação nunca poderia entender-se confessada ou aceite pela ora recorrente, pois, não constituindo matéria de excepção, a ora recorrente não a podia impugnar (Cfr. art. 502 n. 1 do CPCivil) e, além disso, a agora recorrente nunca considerou o terreno em causa como integrado no domínio público municipal, não sendo essa questão, por qualquer forma "consensual entre as partes", como erradamente se decidiu no acórdão recorrido (Cfr. art. 511º/1, do CCivil);
8. A conclusão de que o terreno em causa se encontrava afecto ao "uso directo e imediato do público" nunca poderia resultar da sua localização ou confrontações, como erradamente se decidiu no acórdão recorrido, no qual não foi sequer dado como provado qualquer facto concreto que permitisse essa conclusão;
9. A integração do terreno em causa no domínio público municipal e a consequente afectação ao uso directo e imediato do público, só poderia ser provada por documento de que resultasse que aquele integra o domínio público municipal, pois não é possível provar a titularidade de prédios sem recurso a documentos autênticos - certidão predial, escritura pública, caderneta predial, decisão judicial, etc. (Cfr. arts. 364 n. 1, do CCivil, 2º/1/a), do CRPredial, 80º/1, do CNotariado e 722 n. 2 e 2ª parte, do CPCivil);
10. A factualidade em causa está em manifesta contradição com a escritura de fls. 20 e segs. dos autos, sendo claro que não era possível especificar que o terreno estava no uso directo e imediato do público, quando nos próprios autos existe um documento autêntico demonstrativo que o terreno se encontrava ocupado por construções da mesma natureza e de pior qualidade e, em consequência, que não estava afecto a qualquer utilização pública;
11. O acórdão recorrido enferma de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 502 n. 1 e 511 n. 1 do CPCivil e 364º do CCivil, na parte em que confirmou o despacho proferido no Tribunal de 1ª instância de 95/06/30 por entender que a matéria contida do art. 23º da contestação podia ser incluída na alínea V da especificação;
12. A classificação de um bem imóvel como público depende da lei, só sendo públicas as coisas assim qualificadas e submetidas por lei ao domínio de uma pessoa colectiva de direito público em razão da sua primacial utilidade pública (Cfr. arts. 84°/2 e 266° da CRP e 202° do CCivil);
13. No caso sub judice não se provou nem demonstrou o facto constitutivo do integração do imóvel no imóvel no domínio público, pois dos factos considerados assentes não resulta que aquele imóvel:
- estava afecto por lei ao domínio público;
- estava afecto de forma directa e imediata a um concreto fim de utilidade pública, que nunca foi sequer dado como provado; e
- não houve qualquer declaração que lhe atribuísse esse carácter;
14. Da escritura de fls. 20 e segs. dos autos resulta que a CMVC decidiu arrendar o terreno em causa à A. por, além do mais, o local já se encontrar ocupado por outras construções idênticas e de pior qualidade, pelo que é indiscutível que o imóvel não se encontrava afecto a qualquer fim de utilidade pública;
15. Ainda que se entendesse que o referido imóvel estava integrado no domínio público - o que se impugna - sempre se teria de considerar que o mesmo foi afecto ao uso privativo da ora recorrente, através de contrato que lhe conferiu um verdadeiro direito subjectivo privado e que se rege por normas de direito privado;
16. O acórdão recorrido, ao considerar que o dito imóvel se encontra integrado no domínio público do Município de Viana do Castelo, enferma assim de claros erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto no art. 84º da CRP e no art. 1304º do CCivil;
17. A A. e a CMVC celebraram um verdadeiro contrato de arrendamento, pois verificou-se a concessão do gozo de um imóvel, por um certo prazo e mediante o pagamento de uma renda, encontrando-se preenchidos todos os requisitos específicos deste tipo contratual, tendo sido essa a designação atribuída pelas partes (Cfr. Dec. 14630, de 28/11/1927, Lei 2030, de 22/06/1948, DL 45133, de 13/06/63 e art. 1º do RAU);
18. A cláusula 2ª do contrato de arrendamento, que conferia à CMVC o poder de despejar a A., é nula (Cfr. arts. 294º e 1095º do CCivil), conforme se decidiu no douto acórdão deste Tribunal de 94/03/02, transitado em julgado (Cfr. Pº 84511), pelo que nunca podia servir para classificar o contrato sub judice;
19. À data da celebração do contrato em análise, o art. 815º do CAdministrativo continha uma enumeração taxativa dos contratos administrativos, pelo que se as partes tivessem pretendido celebrar verdadeiro contrato dessa natureza teriam que ter optado por um dos tipos aí previstos o que não aconteceu;
20. A escritura de fls. 83 e segs. dos autos, bem como a procuração de fls. 89 e segs., são assim totalmente irrelevantes para impedir a qualificação do contrato celebrado entre o A. e a CMVC como arrendamento, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido;
21. Na escritura de fls. 83 é referida expressamente a renúncia da ora recorrente ao direito de indemnização no caso da expropriação, o que demonstra claramente que esse contrato era um verdadeiro contrato de arrendamento que conferia o direito a indemnização, o que nunca aconteceria se a ora recorrente estivesse apenas a ocupar precariamente parcela de terreno do domínio público;
22. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, a escritura de fls. 10 e segs. dos autos não integra qualquer licença a título precário, mas antes um verdadeiro contrato de arrendamento, pois não consubstancia qualquer acto unilateral da CMVC, mas sim um acordo de ocupação de um terreno celebrado com a A.;
23. O acórdão recorrido enferma assim de manifestos erros de julgamento na parte em que decidiu que o contrato de 59/01/26 não é um verdadeiro contrato de arrendamento;
24. Ao proceder à ocupação ilícita e abusiva das instalações fabris da A., a R. lesou direitos subjectivos da A., bem como o seu direito de propriedade sobre os equipamentos, produtos, matérias-primas, vasilhame e viatura que estavam no interior do edifício;
25. A ocupação das instalações da A. levada a cabo pela R. é manifestamente ilícita, pois a resolução do contrato de arrendamento de 59/01/26 tinha de ser decretada judicialmente (Cfr. arts. 63° do RAU e arts. 1047° e 1097º do C Civil), não se verificando in casu qualquer actuação legitimada pelo alegado privilégio da execução prévia como erradamente se julgou no acórdão recorrido;
26. Independentemente da questão do alegado privilégio da execução prévia, da natureza do terreno e do contrato de 59/01/26, a conduta da R. sempre seria manifestamente ilícita e abusiva, pois a R. não permitiu à A. a remoção de todos os seus equipamentos, matérias-primas, produtos e viatura que se encontravam no interior das instalações (Cfr. art. 59°/2 do RAU), lesando flagrantemente o direito de propriedade da A. sobre esses bens;
27. A entender-se que o privilégio da execução prévia invocado no acórdão recorrido, ora previsto no art. 149 n. 2 do CProcedimento Administrativo, ou qualquer outra norma legal, permitiria à CMVC ocupar as instalações da A, apropriar-se e danificar os seus bens sem a indemnizar, sempre seria manifesta a sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, do acesso à Justiça, da legalidade e da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos arts. 2º, 9º/b, 20º, 22º, 266º e 268º/4 da CRP;
28. Os funcionários e representantes da R., ao procederem à ocupação ilícita das instalações da A., violaram a lei e lesaram direitos subjectivos da A., não tendo agido com a diligência exigida pelas circunstâncias, pelo que a sua culpa é inquestionável;
29. Em virtude da conduta manifestamente ilegal da R., a A. foi forçada a suportar diversos e extensos prejuízos, maxime, os constantes dos nºs 18 a 38 dos factos dados como provados no acórdão recorrido, que constituem uma consequência directa, adequada, normal e previsível da forma como foi efectuada a ocupação abusiva das instalações da A. (Cfr. arts. 483° e 563° do CCivil); e
30. A A. tem assim direito a ser indemnizada pela R. por todos os prejuízos que foram provados no presente processo, e que, na sua quase totalidade em nada dependem da questão do alegado privilégio da execução prévia, da natureza do terreno em causa e do contrato de 59/01/26, enfermando o acórdão recorrido de claros erros de julgamento nesta parte e tendo assim violado frontalmente o disposto nos arts. 22° da CRP e 483° e 562° e segs. do CCivil.
A A. recorrida, contra-alegando, propõe se confirme o julgado da Instância.
II - Após os vistos, cumpre decidir:
A - Factos:
1. A A. é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, constituída por escritura pública de 19/02/47, que tem por objecto a indústria e o comércio de refrigerantes;
2. Em 1958, a A. requereu ao R. autorização para construir em terreno municipal um barracão para instalação de uma fábrica de refrigerantes e a cedência de 540 m2 de terreno no Largo Infante D. Henrique para a construção de um barracão destinado a uma fábrica de refrigerantes, tendo a Câmara deliberado deferir, a título precário, o requerido (doc. a fls. 81 a 82, cujo teor se tem por reproduzido);
3. Em 26/01/59, A. e R. celebraram o contrato cujo teor consta do documento junto a fls.20 a 23, que se tem por reproduzido;
4. Os funcionários e trabalhadores da Câmara Municipal de Viana do Castelo (CMVC) logo afirmaram aos gerentes da A. que usariam da força pois tinham ordem para arrombar a porta de entrada da fábrica para desta expulsarem, mesmo contra a vontade dos seus sócios-gerentes, todo o pessoal que lá se encontrasse assim como para de lá retirar todas as maquinarias, equipamentos e quaisquer outros móveis;
5. No terreno referido no dito contrato a A. construiu, há mais de 30 anos, um edifício;
6. Nesse edifício a A. fabricava e armazenava as tradicionais gasosas e laranjadas "Santa Luzia" e outras bebidas e nele exercia a sua actividade industrial e comercial;
7. Em reunião de 14/01/91, a CMVC deliberou, por unanimidade, mandar notificar o representante legal da A. para, no prazo de 6 meses a contar da data de notificação fazer entrega ao Município do trato de terreno referido e das benfeitorias no mesmo levadas a efeito;
8. Essa deliberação camarária de 14/01/91 foi notificada à A. em 2/02/91;
9. Por despacho do Presidente da CMVC de 24/01/92, ordenou-se a notificação da A. para, até 31/01/92, entregar ao Município o terreno arrendado e as benfeitorias aí levadas a efeito;
10. O despacho foi notificado à A. em 28/01/92;
11. A A. não entregou o aludido trato de terreno, permanecendo na fruição da unidade fabril e armazém nele construídos e dos móveis existentes;
12. Em 7/02/92, cerca das 18 horas, surgiram junto das instalações da A. vários funcionários superiores da CMVC e um grupo de cerca de 50 trabalhadores de mesma;
13. Os aludidos funcionários e trabalhadores eram acompanhados por uma força constituída por agentes da Polícia de Segurança Pública;
14. Os funcionários e trabalhadores da CMVC logo afirmaram aos gerentes da A. que usariam da força pois tinham ordem para arrombar a porta de entrada da fábrica para desta expulsarem, mesmo contra a vontade dos sócios gerentes, o pessoal que lá se encontrasse assim como para de lá retirar todas as maquinarias equipamentos e quaisquer outros móveis;
15. Os funcionários da CMVC logo preveniram e advertiram que a força física teria de ser usada e arrombada a porta se os gerentes B e C e o pessoal que se encontrava na fábrica dela se não retirassem;
16. Perante a ameaça do arrombamento da porta de entrada da fábrica, que era iminente, e para evitar confronto físico, os gerentes da A. e seu pessoal prontificaram-se a abandonar as instalações;
17. Os funcionários da CMVC arrombaram a porta e, uma vez dentro das instalações, retiraram de lá elevado número de grades para embalar bebidas, tendo-as removido para instalações suas que se encontram próximas do local;
18. Os funcionários da CMVC, após retirarem as referidas grades, fecharam as portas da fábrica e soldaram-nas;
19. A R. utilizou as instalações em causa, tendo nelas armazenado cadeiras retiradas do Teatro Sá de Miranda;
20. A A., desde 26/01/59, sempre usou e fruiu o terreno, a fábrica e o armazém referidos;
21. O terreno referido no contrato a que se alude em 3. encontrava-se afecto ao uso directo e imediato do público;
22. A fábrica e o armazém da A. estiveram sem ser utilizados por ela no período compreendido entre 7/02/92 e 19/05/94;
23. Em virtude da degradação das instalações e dos equipamentos fabris provocada pelo esbulho praticado pela R. e da ocupação das instalações com cadeiras a esta pertencentes, a actividade industrial da A. permanece, na presente data, totalmente paralisada;
24. Em 7/09/92, trabalhavam na fábrica e armazém da A. 29 empregados;
25. A A., durante o encerramento da fábrica, teve despesas de funcionamento decorrentes, nomeadamente, do pagamento de salários e outras despesas com pessoal, de encargos com passivo bancário e de pagamentos a fornecedores, o que se traduziu num prejuízo mensal de cerca de 565000 escudos;
26. Durante a inactividade da fábrica, o edifício sofreu degradações e vários danos, apresentando todos os vidros da janelas exteriores e do isolamento de parte fabril partidos, várias telhas retiradas provocando infiltrações, de que resultaram prejuízos;
27. O veículo de mercadorias "Bedford", que ficou encerrado nas instalações fabris, está em avançado estado de degradação e a sua substituição implica gasto superior a 3000000 escudos;
28. A A. sofreu igualmente danos resultantes do desaparecimento e degradação das matérias primas, de produtos acabados, de vasilhame e grades que tinha armazenados e afectos à indústria, bem como das grades de vasilhame de refrigerantes que o R. tirou das instalações fabris e que, até agora, não restituiu, o que traduz um prejuízo superior a 25000000 escudos;
29. Em 1991, a A. apresentou resultados operacionais positivos no valor de 8334182 escudos;
30. O encerramento da fábrica implicou a perda da sua clientela e o aparecimento rápido da concorrência na região, causando prejuízos;
31. A degradação das instalações fabris não permite a sua reparação, impondo a construção de raiz de nova fábrica, com o consequente investimento na elaboração de vários projectos, licenciamentos, realização de obras de construção civil e aquisição de novos equipamentos;
32. A A., para reiniciar a laboração normal da fábrica, terá de adquirir novos equipamentos industriais e administrativos, ferramentas, utensílios, móveis e repor existências de matérias primas e subsidiárias, vasilhame e grades:
33. As marcas Santa Luzia e Altamira eram altamente prestigiadas na região e contribuíam de forma significativa para a actividade comercial e industrial da A.;
34. O relançamento no mercado dessas duas marcas implicará a realização de acções de promoção, marketing e publicidade;
35. O encerramento da fábrica provocou o descrédito da A. junto da banca, fornecedores e clientes e inviabilizou a realização de investimentos;
36. Tais factos determinaram o decréscimo das vendas da A. e a diminuição das margens de lucros e outros prejuízos;
37. A A. terá ainda de continuar a pagar as remunerações ao pessoal e à gerência; e
38. Atendendo ao volume de facturação total no ano de 1991, a A. deixou de auferir lucros desde 7/02/92 até ao completo reinicio de actividade.
B - Direito:
1. À luz do estatuído nos arts. 684º, nºs 2 e 3 e 690º , nºs 1 a 4, ambos do CPCivil, as conclusões do alegado pelo recorrente delimitam o objecto do recurso.
O âmbito de aplicação da revista resulta do art. 26º da LOTJ99 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei nº 3/99, de 13/01), ao dispor que "fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito" e do art. 729º, nº 2, do CPCivil, ao estabelecer que "a decisão da 2ª Instância, quanto à matéria de facto, não pode ser alterada, salvo o caso excepcional do nº 2 do art. 722º", pelo qual "o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova".
2. Do conteúdo das alegações da A. recorrente, bem como das suas conclusões, resulta que as questões aí suscitadas pela mesma - sobre as quais cabe tomar posição - são as seguintes: a) Da verificação do justo impedimento invocado pela recorrida; b) Da existência de erro sobre a situação jurídica do terreno objecto do contrato de 26/01/59; c) Da qualificação jurídica de tal contrato; e d) Da responsabilidade civil da recorrida.
Atentemos agora em cada uma dessas questões.
Antes porém diremos que se a primeira delas, cuja análise passamos a efectuar, vier a ser decidida no sentido da procedência, tal facto determinará que nada se diga sobre as três restantes referenciadas questões, por o seu conhecimento ficar prejudicado com a decisão e, em consequência, nenhuma posição se tomará relativamente às mesmas.
a) "Da existência do justo impedimento invocado pela recorrida":
A propósito diremos que a R., através do requerimento de fls. 139 a 141, alegou não ter recebido notificação para apresentar prova e a "possibilidade de extravio, quer pelos serviços dos correios, quer no próprio escritório do seu mandatário e, invocando justo impedimento, requereu a admissão do seu rol de testemunhas não apresentado tempestivamente", mas não ofereceu qualquer prova em tal domínio.
A A., "notificada para se pronunciar sobre a alegação de justo impedimento do R. na apresentação do rol de testemunhas", veio, a fls. 144, dizer, designadamente, que:
"1. O signatário não põe em causa os factos invocados ...", "pois a honorabilidade do Ilustre Mandatário da R. está fora de questão, merecendo o maior respeito e consideração".
No entanto, o aliás douto requerimento não pode, porém, proceder nem pode ser admitida agora a apresentação do rol de testemunhas".
"2. Nos termos do art. 146º/1 do CPC, «considera-se justo impedimento o evento normal- mente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário».
O Ilustre Advogado da R. aventa duas hipóteses que poderiam estar na origem «de lhe não ter chegado às mãos tal notificação». A primeira seria o extravio pelos serviços do correio, hipótese que considera rara; a segunda, extravio no seu próprio escritório.

Em rigor, só a primeira situação enunciada configura uma situação de justo impedimento enquadrável na previsão normativa da citada disposição legal".
E, no seguimento do que se transcreveu, a aludida A., a fls. 145, concluiu que:
"Deve ser julgado improcedente o pedido de justo impedimento formulado pela R., por não provado e dada a sua manifesta extemporaneidade (v. art. 146º/2 do CPC)".
Foi então proferido o despacho de 19/10/1995, de fls. 147 e 147 verso que, entendendo a posição da A. como aceitação do justo impedimento invocado pela R. e os factos por ela alegados para seu suporte, deu como comprovado tal justo impedimento e, em consequência, admitiu a junção do rol de testemunhas.
Desse despacho a A. interpôs agravo para a Relação do Porto.
Este Tribunal confirmou o despacho de fls. 147 a 147 verso, por haver entendido que a A., não estando embora obrigada a impugnar os factos alegados pela R., ao afirmar que não os punha em causa, deu lugar a que se julgasse assente e aceite o alegado justo impedimento.
Na revista a A. suscita, uma vez mais, a questão da inexistência do justo impedimento invocado pela R. e, consequentemente, da ilegal e extemporânea junção e admissão do rol de testemunhas desta, a tal matéria se reportando a fls. 528 a 535, que sumaria nas conclusões 1 a 5, transcritas em I, o que aliás faz em termos semelhantes aos que já usara nas Instâncias.
Insiste na ideia de que à sua afirmação de fls. 144 não pode dar-se outro significado que não seja "apenas o de uma mera cortesia para com o mandatário da R., relativamente ao qual nunca pretendeu por em causa o seu profissionalismo", aliás "de acordo com os deveres da profissão, maxime, os deveres de urbanidade e lealdade que devem pautar o exercício da actividade dos advogados e demais profissionais do foro e que para os advogados decorre do disposto nos arts. 86º e 89º do Estatuto da Ordem dos Advogados e do art. 266º-B, do CPC".
Refere ainda que foi sempre bem clara a sua oposição à arguição de justo impedimento, tendo dito, expressamente, logo a fls. 147, que "o aliás douto requerimento não pode, porém, proceder nem pode ser admitida agora a apresentação do rol de testemunhas" e terminado por dizer também que "deve ser julgado improcedente o pedido de justo impedimento formulado pela R., por não provado e dada a sua manifesta extemporaneidade (v. art. 146º/2 do CPC)", o que aliás invariavelmente tem reafirmado em vários momentos do processo.
E repete que "a R. não ofereceu qualquer prova com o seu requerimento de fls. 139 a 141 dos autos, não tendo demonstrado, nem provado minimamente qualquer facto a partir do qual se possa concluir pela existência do justo impedimento", acrescentando que "a alegada mas inexistente aceitação dos factos sempre seria totalmente irrelevante, porque a R. sempre teria que provar os factos alegados, o que não fez, porque estava em causa o cumprimento de um prazo peremptório (v. art. 512º do CPCivil), que não podia ser prorrogado por acordo das partes e, principalmente, porque seria necessário demonstrar que o alegado pela R. integrava justo impedimento".
Referiremos antes de mais que, estando em causa, neste recurso, matéria de instrução e prova anterior à vigência das alterações introduzidas no CPCivil pelo DLei nº 329-A/95, de 12/12, a lei processual aplicável à questão aqui equacionada é o CPCivil na redacção que vigorava à data dessas alterações.
E, pronunciando-nos sobre a mencionada questão e a sua decisão na presente revista, diremos que, dado o contido nos autos e as posições assumidas pelas partes no seu decurso e nesta sede, temos para nós que não pode nem deve manter-se o entendimento adoptado nas decisões das Instâncias pois é para nós insofismável não ser o mesmo curial face ao contido nas normas legais aplicáveis ao conceito de justo impedimento (v. art. 146º do CPCivil) e ao ónus da prova (v. art. 342º/1 do CCivil).
Na verdade, estando-se, como se está, ante um prazo peremptório para a prática de acto processual (prazo para a apresentação do rol de testemunhas previsto no art. 512º do CPCivil), o seu decurso extingue, em princípio, o direito a praticá-lo.
A extinção do direito só não acontecerá se a parte tiver sido impedida de cumprir o prazo por qualquer acontecimento imprevisível alheio à sua vontade, o que deve ser alegado e objecto de apresentação da prova respectiva em simultâneo com tal alegação.
Numa situação dessas o juiz apreciará a justificação apresentada e a prova oferecida e, após, ouvida a parte contrária, se considerar como verificado impedimento justificativo e que a parte se apresentou logo que o mesmo terminou, deve admitir a parte a praticar o acto.
Focando o caso vertente, notaremos que a posição da A., ao pronunciar-se sobre o invocado justo impedimento, não dá lugar a qualquer dúvida sobre a sua oposição ao mesmo.
Ainda que, em contrário, se argumente com o facto de o Ilustre Advogado da A. ter dito o contido em 1. de fls. 144 já transcrito que, como refere, mais não terá sido que uma mera cortesia para o Ilustre Advogado da R., dado o carácter bem claro da posição assumida pela A. no sentido da inexistência de justo impedimento, temos como inadequado o decidido pelas Instâncias a propósito.
Aliás também consideramos que o requerimento da R., a invocar justo impedimento, devia ter sido indeferido já que a mesma que não ofereceu prova do facto invocado, como era necessário que tivesse feito (Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/09/93, in Pº 85185, 1ª Secção e de 1/06/94, in Pº 84490, 2ª Secção).
Decorre do exposto que o requerido justo impedimento devia ter sido indeferido e que o rol de testemunhas, por extemporâneo, não poderia admitir-se, tendo assim sido violados os arts. 146º do CPCivil (na redacção anterior ao DLei nº 329-A/95) e 342º/1 do CCivil.
Ora, dada essa ilegal admissão e a subsequente inquirição de testemunhas da R. e sua eventual e correlativa influência nas respostas aos quesitos, impõe-se revogar o julgado das Instâncias no tocante ao justo impedimento e anular todo o processado ulterior ao despacho respectivo, de fls. 147 a 147 verso, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões.
III - Dado o explanado, acorda-se em conceder a revista e, assim, decide-se:
A - Revogar o julgado sobre justo impedimento e ordenar a sua substituição por outro a indeferir o requerido nesse domínio e a consequente baixa dos autos à 1ª Instância;
B - Anular o processado subsequente àquele julgado;
C - Declarar prejudicado o conhecimento das demais questões; e
D - Determinar que as custas sejam fixadas a final.

Lisboa, 28 de Maio de 2002.
Joaquim de Matos,
Ferreira de Almeida,
Abílio Vasconcelos.