Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B806
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOITINHO DE ALMEIDA
Descritores: IFADAP
Nº do Documento: SJ200304100008062
Data do Acordão: 04/10/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4961/02
Data: 10/29/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : Os contratos de atribuição de ajudas, outorgados pelo IFADAP, são contratos de direito privado a que é inaplicável o disposto no artigo 141° do CPA.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. O Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP) instaurou execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra "A-Sociedade de Gestão Imobiliária e de Participações, S.A." e B, para cobrança de Esc.35.685.884$00 e juros desde 15 de Setembro de 2000, até pagamento, sendo a responsabilidade do segundo Executado limitada a Esc.22.241.520$00.

Os embargos deduzidos pelos Executados foram julgados improcedentes.

Por acórdão de 29 de Outubro de 2002, a Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelos Embargantes.

Inconformados recorreram para este Tribunal, concluindo as alegações da sua revista nos seguintes termos:

1. O Douto Tribunal recorrido interpreta e aplica mal o art°224° do C. Civil, pois que retira da presunção da notificação, uma presunção de culpa, o que é insustentável e inadmissível legalmente.

2. Era à recorrida que incumbia provar os factos por si invocados, mormente que a não recepção da carta ocorreu por culpa dos recorrentes/destinatários, o que não fez.

3. Não resultam da matéria provada, quaisquer factos que provem a culpa da recorrente.

4. Mesmo que existisse uma presunção de culpa que beneficiasse a recorrida, o que não é o caso, a recorrente sempre a teria ilidido através das comunicações datadas de 15 de Março de 2000 e 20 de Junho de 1999.

5. O acto de notificação neste caso é a assinatura do AR.

6. Não a tendo havido, não houve notificação, sob pena de se lesar o beneficiário.

7. O tribunal não deveria ter aplicado o disposto no art°224°, n°2 do C. Civil, não considerando efectuada a notificação, aplicando o n°1 do art°224° do C. Civil no sentido de a não recepção da carta de rescisão do contrato e solicitação do pagamento das quantias a reembolsar, não ser imputável à Embargante, já que não chegou ao seu poder nem dele foi conhecida, valendo logo, que deveria ter sido notificada ao seu Mandatário (sic).

8. Este é o sentido do art°6° n°2 do DL 31/94 de 5/2.

9. A recorrida emitiu uma certidão de dívida, sem dar oportunidade à recorrente para cumprir ou exercer o contraditório que lhe assiste e sem lhe ter dado a conhecer o conteúdo da deliberação do Conselho de Administração de 01/07/99 a rescindir o contrato, com exigência de devolução das ajudas processadas, acrescidas dos respectivos juros.

10. O contrato não cessou, por resolução.

11. Estando em vigor, não se constituindo a recorrida na obrigação de restituição de quaisquer quantias, não satisfazendo a certidão de dívida, os requisitos de titulo executivo.

12. A devolução dos subsídios e prémios constantes da certidão de dívida a fls, decorrido o prazo de um ano sobre a sua atribuição é ilegal.

13. O decurso do prazo referido no art°141° do CPA, sem que o acto seja impugnado ou revogado, determina a sanação deste, tudo se passando como se o acto fosse válido.

14. É ilegal e nula, a Sentença recorrida que aceita a correspondência entre as quantias a reembolsar atribuídas há mais de um ano em conexão com os valores inscritos na certidão de dívida, por violação do disposto no art°141° do CPA.

15. A certidão de dívida só é válida, na parte da devolução dos subsídios e prémios atribuídos há menos de um ano.

Ao decidir de forma diversa (o) Douto Acórdão recorrido, violou o correcto entendimento dos artigos 224°, n°2; 342°; 801°, n°2 e 808° todos do Código Civil: art°6°, n°2 do DL 31/94 de 5/2 e 141°, n°1 do CPA.

2. Deram as instâncias como provados os seguintes factos:

1. Em 17 de Maio de 1996 e 25 de Novembro de 1995, a Embargante celebrou com a Embargada os Contratos de Atribuição de Ajuda ao abrigos do Reg. (CEE 2080/92, Medidas Florestais na Agricultura).

2. A execução apensa reporta-se ao projecto de investimento 9443. 3446.5.

3. Com data de 21 de Julho de 2000, o Exequente emitiu a certidão de dívida a que se reportam fls.4 e 5 da execução.

4. O Embargado enviou à Embargante A a carta registada, com aviso de recepção, datada de 14 de Setembro de 1999, comunicando-lhe a rescisão do contrato relativo ao projecto n°9443.3446.5 e reclamando o pagamento das quantias em dívida até ao dia 28 de Setembro de 1999; a carta foi enviada para a morada/sede que está identificada no contrato, e que não foi recepcionada pela Embargante, com a indicação de não reclamada, e, assim, devolvida ao remetente.

5. A Embargante, através do seu mandatário, enviou ao Embargado a carta, datada de 21 de Junho de 1999, endereçada ao Presidente do Conselho de Administração, solicitando, além do mais, a realização de uma reunião, cuja cópia está junta a fls.26/7.

6. Os serviços de inspecção do Embargado, em face da análise dos projectos apresentados pelos Embargantes, detectaram desconformidades. Solicitaram então à Embargante as cartas militares e artigos matriciais correspondentes aos terrenos e áreas envolvidos nos projectos de financiamento aprovados pelo Embargado, através de carta datada de 25 de Janeiro de 1999, pedido que foi renovado através de nova carta, datada de 1 de Junho do mesmo ano, nelas mencionando a detectada sobreposição de parte do património afecto.

7. Até à presente data a Embargante não facultou ao Embargado os elementos solicitados.

8.Verificou aquela Direcção de Serviços do Embargado a duplicação de ajudas numa área de 30,77 ha.

9.Face à irregularidade detectada, a Direcção de Inspecção do Embargado propôs ao Conselho de Administração a rescisão do contrato.

10.O Conselho de Administração do Embargado deliberou, em 1 de Julho de 1999, rescindir o contrato, com exigência de devolução das ajudas processadas, acrescidas dos respectivos juros.

11.A Embargante, por carta datada de 13 de Dezembro de 199, solicitou a reanálise do processo.

12.Os competentes serviços do Embargado procederam à pretendida reanálise, concluindo não se justificar a alteração da deliberação tomada.

13.O Conselho de Administração do Embargado deliberou manter a anterior decisão de 1 de Julho de 1999, ou seja, a rescisão unilateral do contrato, com exigência de devolução das ajudas e pagamento dos juros respectivos.

14.Esta decisão foi transmitida à Embargante, por carta de 28 de Fevereiro de 2000 (ref.37500/299/2000).

Cumpre decidir;

4. São as seguintes as questões suscitadas no presente recurso: validade das notificações (1), validade da resolução do contrato pelo Embargado (2) ilegalidade da devolução dos subsídios decorrido o prazo de um ano após a sua atribuição (3).

4.1 Validade das notificações.

Consideram os Recorrentes não estar provado que, por sua culpa não foi recebida a carta de 14 de Setembro de 1999,pela qual o Embargado comunicava a resolução do contrato, não se encontrando, assim, preenchidas as condições previstas no n°2 do artigo 224°, do Código Civil.

A este respeito basta observar que o acórdão recorrido tirou das circunstâncias em que a carta foi enviada e devolvida a presunção de que não foi recebida por culpa do destinatário. Com efeito, a carta foi enviada para o local contratualmente previsto, sede da Recorrente, registada e com aviso de recepção. E esta não ilidiu tal presunção. Com efeito, pelas razões mencionadas no acórdão, as cartas que os Recorrentes invocam em nada relevam para o efeito.

4.2 Validade da resolução do contrato

Pretendem os Recorrentes que o Recorrido emitiu uma certidão de dívida sem lhes dar oportunidade para cumprir ou exercer o contraditório. E não se verificou a transformação da mora em incumprimento definitivo (artigos 801°, n°2 e 808°, do Código Civil). Do que resulta carecer de validade a resolução do contrato por aquele efectuada.

A este respeito basta observar que o Recorrido deu à Embargante a possibilidade de reconsiderar a sua decisão de resolver o contrato e, após uma reanálise da situação, manteve o decidido. Não é, pois, correcto sustentar-se a falta de contraditório.

Quanto à não transformação da mora em incumprimento definitivo, não foi esta questão levada às conclusões nem constituiu objecto do recurso de apelação. Não pode, assim, o Supremo sobre ela pronunciar-se.

4.3 Ilegalidade da devolução dos subsídios decorrido um ano sobre a sua atribuição.

Quanto a este ponto basta observar que, pelas razões mencionadas no acórdão recorrido, o disposto no artigo 141° do CPA é aqui inaplicável. Os contratos em causa são contratos de direito privado, como este Supremo vem entendendo (acórdão de 12 de Outubro de 2000, in CJ,STJ, Ano VIII, tomo III, p.74).

Termos em que se nega a revista.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 10 de Abril de 2003

Moitinho de Almeida

Ferreira de Almeida

Abílio Vasconcelos.