Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
97P1166
Nº Convencional: JSTJ00034419
Relator: LEONARDO DIAS
Descritores: FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO
EMPRESA
SUBSÍDIO DE FORMAÇÃO
QUALIFICAÇÃO
CONVOLAÇÃO
DIREITO DE DEFESA
CONTRADITÓRIO
BURLA AGRAVADA
NULIDADE DA DECISÃO
Nº do Documento: SJ199712170011663
Data do Acordão: 12/17/1997
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T CR LISBOA 3J
Processo no Tribunal Recurso: 64/96
Data: 06/20/1997
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO. NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CONST - DIR FUND. DIR INT PUBL - DIR TRAT.
DIR CRIM - CRIM C/PATRIMÓNIO / DIR PENAL ECON.
Legislação Nacional:
Legislação Comunitária: T CEE ART123 ART126 A B ART128.
Jurisprudência Nacional:
Sumário : I - O DL 28/84 de 20 de Janeiro assume-se, por princípio, como um sistema preventivo/repressivo de certos comportamentos danosos para a economia nacional, independentemente do sector de actividade económica em que se verifiquem.
II - Face ao disposto no artigo 21 do mencionado decreto-lei, na indagação sobre a existência de um subsídio ou subvenção relevante para efeitos do mesmo diploma, impõe-se saber se se está ou não perante uma prestação feita a "empresa ou unidade produtiva", sendo certo que aquele diploma - contrariamente a muitos outros - não contém uma definição de "empresa".
III - Dadas as específicas razões de política criminal que determinaram as incriminações da fraude na obtenção de subsídios ou subvenções e do desvio ilícito dos mesmos, todos os elementos de interpretação (literal, sistemático, lógico e teleológico) conduzem a ver, no artigo 21 citado, um conceito amplo de empresa, quer no sentido objectivo - toda a conjução de pessoas e meios materiais e/ou imateriais que prossegue uma actividade económica (produção de bens e/ou serviços para a troca) - quer no subjectivo - toda a entidade que, independentemente do seu estatuto jurídico e do facto de essa não ser a única nem sequer a principal das actividades, explora uma empresa em sentido objectivo.
IV - Pelo seu esquema de organização interna, o "ISEL - Instituto Superior de Engenharia de Lisboa" - conjuga, de forma duradoura e autónoma, pessoas e meios materiais e não materiais na prossecução das suas finalidades e uma destas - a prestação de serviços ao exterior, contra retribuição - é uma actividade económica. Deve, pelas razões apontadas, ser considerado uma "empresa", para os efeitos do disposto no artigo 21 do DL 28/84.
V - Todavia, a sua concessão a uma empresa ou unidade colectiva, sendo necessária, não é condição suficiente da relevância do subsídio ou subvenção para efeitos do citado decreto-lei. Imprescindível, como resulta do seu artigo 21, é ainda que se traduza, substancialmente, numa prestação feita à custa de dinheiros públicos (atribuição de dinheiro ou financiamento directo, com exclusão, portanto, das formas indirectas de auxílio, como os benefícios fiscais e os perdões de dívida), desacompanhada, pelo menos em parte, de contraprestação segundo os termos normais do mercado e, no caso de ser totalmente reembolsável, sem a exigência de juros ou com juros bonificados, e, finalmente, que "deva, pelo menos em parte, destinar-se a desenvolvimento da economia".
VI - Tal significa que pelo menos uma parte da prestação tem de ser vinculada - pelos próprios termos da concessão - a uma aplicação específica que possa ser considerada, objectivamente, como causa próxima ou factor de potenciação directa do desenvolvimento da economia.
VII - Sem prejuízo de se verificarem outras situações, são típicas prestações para desenvolvimento da economia as feitas para melhorar, qualitativa ou quantitativamente, as próprias condições de produção da empresa ou para que esta, independentemente de esse não ser o seu escopo económico, leve a cabo acções de formação profissional de trabalhadores do e/ou para o sector económico.
VIII - As prestações feitas ao "ISEL", no âmbito do "PRODEP - Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal - Subprograma Ensino Superior" e para as acções aprovadas nos concursos públicos 12/90 e 21/91 (anúncios publicados no DR, III série, ns. 207 de 7 de Setembro de 1990 e 197, de 28 de Agosto de 1991, respectivamente) destinavam-se, directamente, não a melhorar as suas condições de produção de serviços para a troca nem a apoiar a formação de trabalhadores do e/ou para o sector económico, mas, sim, a promover a formação de docentes para o ensino superior. Ou seja, directamente, destinavam-se a promover o desenvolvimento educativo e não o económico. Por essa razão, não podem ser consideradas subsídio ou subvenção, nos termos e para os efeitos do DL 28/84.
IX - O direito de defesa do arguido, entendido como direito de organizar e orientar a sua defesa não só quanto aos factos mas também quanto à sua qualificação jurídica, impõe que ele nunca possa ser validamente condenado com base numa qualificação jurídica distinta da acusação ou da pronúncia se, previamente, quanto a ela, não tiver tido a possibilidade de se defender.
X - O tribunal pode e deve corrigir, sempre, a (incorrecta) qualificação jurídica dos factos da acusação ou da pronúncia mas tem de dar, sempre, conhecimento prévio dessa possível alteração, ao arguido, por forma a que este possa, plenamente, defender-se da nova qualificação.
XI - Tendo sido os arguidos condenados por crime de burla agravada, quando estavam acusados pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio, sem que o tribunal lhes tivesse dado conhecimento da possibilidade dessa alteração da qualificação jurídica, o acórdão é nulo, nos termos dos artigos 358 n. 1 e 379 alínea b) ambos do CPP.