Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
30/16.0T9CNT.C2-A.S1
Nº Convencional: 3ª. SECÇÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: RECLAMAÇÃO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
RECURSO DE DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA / NULIDADE DA SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
Doutrina:
- PEREIRA MADEIRA, Et alii, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2.ª Edição Revista, Almedina, p. 1132-1133.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 379.º, N.º 1, ALÍNEA C), 437.º, N.ºS 2 E 5 E 438.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 3/2014, DE 10-10-2018.
Sumário :
I – No âmbito do art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, segundo o qual é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, a falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal.

II – O Reclamante interpôs «recurso extraordinário para fixação de jurisprudência», invocando os artigos 437º, nºs. 2 e 5, 438º, nºs.1 e 2, do CPP), pretensão que foi convolada para recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada no AUJ n.º 3/2014.

III – A decisão agora objecto de reclamação foi proferida nos precisos limites da pretensão recursória admitida: tratou-se de determinar se o acórdão recorrido da Relação de Coimbra estava em oposição à jurisprudência fixada no acórdão n.º 3/2014 deste Supremo Tribunal, concluindo-se negativamente, por inexistência de identidade normativa já que o sedimento normativo em que assentou o acórdão recorrido, proferido em 10 de Outubro de 2018, é, pois, claramente diferente daquele que está subjacente no AFJ n.º 3/2014, por força da alteração legislativa decorrente da publicação e entrada em vigor, a partir de 1 de Setembro de 2013, do novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e da publicação da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, alteração que veio a interferir efectivamente na resolução da questão objecto de pronúncia na decisão recorrida.

IV - Como facilmente se conclui, não se observa qualquer omissão de pronúncia no acórdão reclamado. As questões subjacentes no recurso para fixação de jurisprudência interposto pelo agora Reclamante, oficiosamente «corrigido» para recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada foram todas objecto de exame, sem nenhuma omissão de pronúncia, não relevando para o caso a assumida discordância do mesmo Reclamante quanto à decisão proferida, assim improcedendo a invocada nulidade.

V - Não tem qualquer fundamento igualmente a alegada «aplicação inconstitucional da Portaria n.º 280/2013, de 26.08, em processo penal». Na verdade, para além da circunstância de essa eventual inconstitucionalidade não ter sido oportunamente invocada, o Reclamante, para além da mera citação de preceitos constitucionais, não invoca, e muito menos fundamenta, o parâmetro constitucional em que se fundaria essa inconstitucionalidade, vício que não afecta o acórdão agora reclamado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Por acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Setembro de 2019, foi rejeitado, por maioria, o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada interposto por AA que o designara de «recurso extraordinário para fixação de jurisprudência». A deliberação teve voto de vencido do Ex.mo Presidente desta 3.ª Secção.
Vem agora o Recorrente arguir a nulidade do mesmo acórdão «por deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar», com os seguintes fundamentos (transcrição):

«Tendo rececionado notificação, datada de 15.10.2019, com a ref.ª citius nº8888723, em resultado do aliás mui douto despacho de V. Exª que ordenou a transcrição da parte do texto que, no, também mui douto, Aresto, de 25.09.2019, se encontrava manuscrito e impercetível para o aqui signatário, e que se verificou assim tratar-se da introdução de uma declaração correspondente a um voto de vencido,

E considerando que a suspensão da pena de prisão de 4 meses pelo período de um ano em que o ora recorrente foi condenado chegará ao fim daqui a um par de semanas, ou seja, já no próximo dia 14 de Novembro, e portanto que não há qualquer interesse dilatório no presente requerimento,

Vem, respeitosamente, e de forma a acautelar a interposição de um novo recurso, desta feita fundado no disposto no art.437º, nº1 do C.P.P., para assegurar a unidade do direito, arguir, ao abrigo do disposto nos arts.4º do CPP e art.615º, nºs.1, al.d), e 4 do CPC, a nulidade do douto Aresto aqui em apreço, por deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar,

E sem prejuízo ainda de o pleno das secções criminais poder ser chamado a pronunciar-se sobre a questão de direito aqui em causa (vide art.4º do CPP e art.692º, nº4, in fine, do CPC), conforme se deixa requerido nos termos do art.686º, nºs 1 e 2 do CPC,

Tendo presentes os fundamentos que se passam a enumerar:
I.
Principia-se assim por salientar que o presente Aresto, com um voto de vencido, apontou no sentido inverso ao que ficou plasmado naquele outro Aresto do STJ, da mesma secção, proferido em 24.01.2018, no âmbito do Processo n.º 5007/14.8TDLSB.L1.S1.

Com efeito, neste último decidiu-se, ao invés, que a jurisprudência fixada no AFJ 3/2014, de 06.03.2014, mantém plena atualidade, na medida em que a Portaria 280/2013, de 26-08, continua a ter um âmbito de aplicação restrito às ações referidas no seu artigo 2.º, ficando desta forma excluídos de tal regulamentação, os processos de natureza penal, mantendo-se assim plenamente válidos os fundamentos invocados para fundamentar o referido acórdão de fixação de jurisprudência.
II.
Mas, mesmo que, por hipótese meramente académica assim se não entendesse,

E que, não se concluísse que, em consonância com o mencionado AFJ 3/2014, de 06.03.2014, se deveria considerar admissível, em processo penal, a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, como sucedeu no caso vertente, nos termos do disposto no art.150.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CPC de 1961, na redação do DL 324/2003, de 27.12, e na Portaria 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no art.4.º do CPP,
Há outra verdade inescapável.

Com efeito, o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06, só entrou em vigor no dia 1 de Setembro do mesmo ano (vide art.8º do correspondente diploma preambular), ficando por regulamentar especificamente a questão da remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico.

Na prática, quando muito poderia ter-se verificado era uma inconstitucionalidade por omissão.
III.

De todo o modo, sempre ressalvado o devido respeito que é muito, a aplicação feita no Aresto sub judicio da Portaria nº 280/2013, de 26.08, é inconstitucional.

Começando por se dizer que, admitindo como mera hipótese de patrocínio e sem conceder, se a aplicação de tal Portaria estivesse para o processo penal, e implicando toda a tramitação nela gizada a utilização da plataforma citius por todos os operadores, nomeadamente o disposto no art. 5º, Como explicar então que só exatamente quatro anos depois da entrada em vigor daquela Portaria, com a publicação de uma outra Portaria, com o nº170/2017, de 25.05 (vide art.4º, nº2 que mandou aplicar finalmente o art.5º daquela outra Portaria de 2013), mais exatamente só a partir do dia 1 de Setembro de 2017 é que os mandatários puderam passar a utilizar aquela plataforma para o envio de peças processuais no âmbito do processo penal!?

Até aquela data, todos, sem exceção, o fizeram através de meios alternativos de transmissão eletrónica de dados, ou seja, lançando mão do correio eletrónico certificado pela Ordem dos Advogados Portugueses, através da aposição de assinatura digital.

Se dúvidas existissem sobre qualquer documento ou peça processual apresentadas pelos advogados signatários dos e-mail`s, o CPC, tal como sucede com os documentos e as peças processuais apresentados através da plataforma citius, investe o Juiz titular do processo do poder dever de ordenar a junção dos respetivos originais.

Nada disto sucedeu no caso vertente aliás, em que o Meritíssimo Juiz do TRC se limitou a rejeitar o recurso do aqui impetrante, porque duvidou sem mais, não há outra forma de o dizer, da autenticidade das alegações de recurso que foram carreadas para os autos via e-mail, certificado da Ordem dos Advogados portugueses, com assinatura autógrafa digitalizada, certificada pela empresa multicert, aposta por um advogado, como válida.

Pugnar pela invalidade de tal meio de remessa de peças processuais a Juízo, no processo penal, à época, significaria um brutal retrocesso na desmaterialização dos processos induzida pelo próprio CPC de 2013, e uma clara violação do elemento teleológico das normas relativas ao envio de peças processuais que já vigoravam desde 2003/2004.
IV.

A aplicação da Portaria nº280/2013, de 26.08, ao processo penal, ao caso vertente atenta contra os direitos e sentimentos de Justiça do recorrente, causa verdadeiro alarme social e afeta a credibilidade da Justiça.

Na prática, a aplicação de tal Portaria ao caso em apreço, não é inconstitucional “apenas” por lhe tolher o direito de ver apreciado um recurso, apresentado tempestivamente, de uma decisão da Judicatura de 1ª Instância, que era recorrível, e se ter traduzido numa denegação de justiça, num impedimento de acesso a um Tribunal Superior e na postergação dos seus mais basilares direitos de defesa.

É que, ela pura e simplesmente não poderia ser aplicável em processo penal, porquanto o seu art.5º previa a utilização da plataforma citius, e tal uso só se tornou possível em processo penal a partir da publicação da Portaria nº170/2017, de 25.05 (vide art.4º, nº2).

Por conseguinte, o mui douto Aresto fez uma aplicação inconstitucional da Portaria nº 280/2013, de 26.08, em processo penal, à data da remessa pelo aqui recorrente das suas alegações de recurso para o TRC, por infringir a jurisprudência fixada (vide arts. 446º, nº 3 e 437º, nº 1, e do CPP) no AFJ 3/2014, de 06.03.2014, que mantém plena atualidade, bem como o disposto nos arts. 20º, nºs.1, 2, 4 e 5, e 32º, nºs 1, 2, 7 e 10 da C.R.P.»

Apreciando:

De acordo com o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Comentando este preceito, considera PEREIRA MADEIRA que a «[a] falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide […] sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidas pela parte em defesa da sua pretensão» Et alii, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2.ª Edição Revista, Almedina, pp. 1132-1133..

No caso, o recorrente, o Recorrente foi condenado no Juízo de Cantanhede na pena de quatro meses de prisão, suspensa por um ano, pela prática de um crime de desobediência.
Interpôs recurso ordinário para o Tribunal da Relação de Coimbra, mas a impugnação foi rejeitada por decisão sumária, por «extemporaneidade e manifesta irreunião dos pressupostos legais».
Reclamou em 1.6.2018 dessa decisão para a conferência […], apresentando requerimento por correio electrónico.
Por acórdão de 10 de Outubro de 2018, o Tribunal da Relação recusou o conhecimento da reclamação com base nos fundamentos resumidamente registados no acórdão agora sob reclamação:

─ Por via da entrada em vigor em 1.9.2013 da versão do Código de Processo Civil reformada pela Lei n.º 41/2013, de 26.6, foi revogada – art.º 4º al.ª a) respectivo – a legislação que, na visão interpretativa do AFJ n.º 3/2014, permitia a prática de actos em processo penal por correio electrónico, mormente, o art.º 150º n.º 1 al.ª d) do CPC/1961, na redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e a regulamentação dele dependente, designadamente, a da Portaria n.º 642/2004, 16.6.
─ Na consequência, a disciplina do mencionado acórdão ficou «[…] automaticamente ultrapassada, prejudicada e caducada […]».
─ A partir da mencionada, inexiste base legal ou jurisprudencial que, em processo penal, autorize a apresentação de peças em juízo através de correio electrónico.
─ À data da prática do acto de reclamação, dispunha o Recorrente, em alternativa, de três meios para o concretizar, de que nenhum, porém, lançou mão: entrega da peça na secretaria judicial; remessa por correio registado; envio por telecópia, através de equipamento constante da lista oficial, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27.2.
─ O acto de reclamação, na forma em que foi praticado, está ferido de nulidade, por violador de normas expressas e imperativas – art.os 295º e 294º do CC.
─ Tanto constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do respectivo mérito – art.os 278º al.ª e), 576º n.os 1 e 2, 577º e 578º, todos do CPC, e 4º.

Não se conformando com tal decisão, o Reclamante interpôs «recurso extraordinário para fixação de jurisprudência», invocando os artigos 437º, nºs. 2 e 5, 438º, nºs.1 e 2, do CPP), alegando que «o douto Acórdão, como a decisão sumária que este manteve, subverte frontalmente, salvo o devido respeito, o que ficou decidido e plasmado no douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 3/2014».
Embora nominado como recurso para fixação de jurisprudência, no acórdão reclamado foi determinada a convolação da pretensão recursória para recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada. Precisamente a jurisprudência fixada no citado AUJ n.º 3/2014.

E toda a fundamentação se desenvolve em torno da questão de saber se efectivamente o acórdão recorrido se encontrava em oposição com o acórdão fundamento – o mencionado acórdão de fixação de jurisprudência.
Convocando a argumentação aduzida a propósito dos pressupostos do recuso extraordinário em questão, lê-se no acórdão reclamado:

«Posto isto, importa indagar da verificação dos requisitos do recurso extraordinário interposto, isto é, da sua admissibilidade e da existência de oposição entre julgados.

Iniciamos tal tarefa com a verificação dos pressupostos de natureza formal.
Que se verificam.
O recorrente, enquanto arguido, tem legitimidade para o presente recurso. O acórdão recorrido transitou em julgado. O recurso foi interposto dentro do prazo legal, valendo-se o recorrente do disposto nos artigos 239.º do CPC e 107.º, n.º 5 e 107.º-A do CPP.

Já o pressuposto de natureza substancial - inalterabilidade da legislação no período compreendido entre a prolação das decisões conflituantes - não se verifica.

Segundo o AFJ 3/2014 com o qual alegadamente o acórdão recorrido se encontra em conflito:
«Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27.12, e na Portaria nº 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal».

Como se salienta no já citado parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, em argumentação que secundamos:

«O acórdão uniformizador foi, desse modo, tirado com referência ao art.º 150º n.os 1 al.ª d) e 2 do CPC/1961, na redacção Decreto-Lei n.º 324/2003 – que previa entre as formas da prática dos actos processuais escritos das partes a remessa a juízo por correio electrónico [-] – e à Portaria n.º 642/2004, de 16.6 – que, além do mais, regulava aquela forma de prática de actos [-]. Preceitos e diploma que, pesem as alterações introduzidas no art.º 150º referido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24.8 – que, entre o mais, eliminaram a possibilidade da apresentação de peças por correio electrónico – e a substituição da Portaria n.º 642/2004 pela Portaria n.º 114/2008, de 6.2, o acórdão uniformizador considerou sobrevigentes em processo penal, por isso que fixando interpretação no sentido de continuar a ser permitido nesse contexto a remessa a juízo de peças processuais por correio electrónico.

Acontece todavia que o CPC/1961 foi revogado e substituído, a partir de 1.9.2013 pelo CPC/2013, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26.6, cujo art.º 144º optou pela transmissão electrónica de dados como forma exclusiva da prática dos actos escritos das partes em juízo – n.os 1 a 6 da norma, em articulação com o art.º 132º n.º 1 do mesmo diploma e com a Portaria n.º 280/2013, de 26.8 –, com a única derrogação de, não sendo obrigatória a constituição por advogado e não estando o interessado patrocinado, se permitir a entrega das peças em mão na secretaria judicial, a remessa delas por correio registado ou o seu envio por telecópia – n.º 7 do preceito.
Ora, vale tudo isto por dizer que, como assinala o próprio Acórdão Recorrido, o quadro legal que relevou na sua decisão – é dizer, o do CPC/2013 e da Portaria n.º 280/2013 referida, esta na redacção da Portaria n.º 170/2017, de 25.5, tudo por referência à data de 1.6.2018, que foi a da apresentação da reclamação para a conferência [-] – não foi manifestamente o mesmo em se moveu o acórdão de fixação, pelo que logo fica excluído o pressuposto da identidade da questão de direito tratada num e noutro, que constitui requisito inafastável do recurso extraordinário.

Mais do que isso, sobre ser outro o quadro, é bem diversa a sua filosofia geral, a apontar, decididamente, para a adopção da transmissão electrónica de dados como única forma da prática de actos processuais das partes, apenas se tolerando outras formas – mas, mesmo assim, sem que entre elas esteja expressamente previsto o correio electrónico –, a título residual mormente e com já referido, nas causas em que, não sendo o patrocínio obrigatório, não intervenha mandatário judicial.

Quadro esse em que, de resto, já não operava a restrição do regime da tramitação electrónica aos procedimentos cíveis, que constava do art.º 2º da Portaria n.º 280/2013 na sua versão inicial, que a essa data já tinha sido revogado pela Portaria n.º 170/2017, de 25.5, que, do mesmo passo, alargara o âmbito daquele regime a todos o processos jurisdicionalizados de 1ª instância [-].»

O sedimento normativo em que assentou o acórdão recorrido, proferido em 10 de Outubro de 2018, é, pois, claramente diferente daquele que está subjacente no AFJ n.º 3/2014, por força da alteração legislativa decorrente da publicação e entrada em vigor, a partir de 1 de Setembro de 2013, do novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e da publicação da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, alteração que veio a interferir efectivamente na resolução da questão objecto de pronúncia na decisão recorrida.

Não existindo essa identidade normativa nas situações apreciadas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, torna-se evidente que são também diferentes as pronúncias em termos de direito, o que afasta, sem margem para dúvidas, a integração do pressuposto substancial da oposição de julgados.

O recurso interposto, convolado para recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, deve, assim, ser rejeitado, nos termos do disposto nos artigos 446.º, n.º 1, 437.º e 441.º, n.º 1, do CPP.»

Como se vê, a decisão reclamada foi proferida nos precisos limites da pretensão recursória admitida. Tratou-se de determinar se o acórdão recorrido da Relação de Coimbra estava em oposição à jurisprudência fixada no acórdão n.º 3/2014 deste Supremo Tribunal, concluindo-se negativamente porque «[o] sedimento normativo em que assentou o acórdão recorrido, proferido em 10 de Outubro de 2018, é, pois, claramente diferente daquele que está subjacente no AFJ n.º 3/2014, por força da alteração legislativa decorrente da publicação e entrada em vigor, a partir de 1 de Setembro de 2013, do novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e da publicação da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, alteração que veio a interferir efectivamente na resolução da questão objecto de pronúncia na decisão recorrida». Pelo que, «não existindo essa identidade normativa nas situações apreciadas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, torna-se evidente que são também diferentes as pronúncias em termos de direito, o que afasta, sem margem para dúvidas, a integração do pressuposto substancial da oposição de julgados.

Como facilmente se conclui, não se observa qualquer omissão de pronúncia no acórdão reclamado. As questões subjacentes no recurso para fixação de jurisprudência interposto pelo agora Reclamante, oficiosamente «corrigido» para recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada foram todas objecto de exame, sem nenhuma omissão de pronúncia, não relevando para o caso a assumida discordância do mesmo Reclamante quanto à decisão proferida.

Improcede, assim, a nulidade invocada.

Não tem qualquer fundamento igualmente a alegada «aplicação inconstitucional da Portaria n.º 280/2013, de 26.08, em processo penal». Na verdade, para além da circunstância de essa eventual inconstitucionalidade não ter sido oportunamente invocada, o Reclamante, para além da mera citação de preceitos constitucionais, não invoca, e muito menos fundamenta, o parâmetro constitucional em que se fundaria essa inconstitucionalidade, vício que não afecta o acórdão agora reclamado.

Em face do exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a reclamação deduzida por AA.

Custas pelo Reclamante, com 2 UC de taxa de justiça.


SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 6 de Novembro de 2019

Manuel Augusto de Matos (Relator)

Lopes da Mota