Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | MOITINHO DE ALMEIDA | ||
| Descritores: | DIREITO DE RETENÇÃO PROMITENTE-COMPRADOR SINAL JUROS DE MORA | ||
| Nº do Documento: | SJ200311200034552 | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 3220/02 | ||
| Data: | 01/30/2003 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Sumário : | Não constitui pressuposto do direito de retenção previsto no artigo 755°, n°1 alínea f), do Código Civil, a posse por parte do promitente comprador. 2. São devidos juros de mora em relação à obrigação de pagamento do dobro do sinal, a tal não se opondo o artigo 442°, n°4 do mesmo Código. 3. O artigo 755), n°1 alínea f) do Código Civil não é material ou organicamente inconstitucional. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. No apenso de reclamação de créditos, respeitante ao processo n°4/1997, do 2° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, em que foi declarada a falência de A, após a sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em 17 de Setembro de 2001, foi esta, por despacho de 15 de Outubro do mesmo ano, objecto de certas rectificações. Da sentença de verificação e graduação de créditos e do despacho rectificativo recorreram a Caixa Geral de Depósitos e o credor B, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 30 de Janeiro de 2003, julgado improcedentes ambas as apelações. Inconformada, recorreu a Caixa Geral de Depósitos para este Tribunal, concluindo as alegações da sua revista nos seguintes termos: 1. A Caixa Geral de Depósitos é credora reclamante dos montantes de crédito referenciados nos pontos 13 a 23 da matéria de facto constante da douta sentença de verificação de créditos- para a qual integralmente se remete- sendo que esses créditos, de 277.762.148$00 relativo a dois empréstimos (quanto ao 1°, 46.249.920$50 e, quanto ao 2°, 231.512.227$00), gozam de garantia de hipoteca registada, e em vigor, sobre os prédios apreendidos na massa falida e em vigor desde uma data muito anterior à data da constituição do "direito de retenção" alegado pelos demais credores reclamantes. A problemática da "posse" e "tradição da coisa" 2. O credor C reclamou o crédito de 1.120.000$00, em relação à fracção "G" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n°1313 da freguesia de S. Sebastião, mas não alegou "e nem provou os elementos típicos da "tradição da coisa", ou seja, da fracção que prometeu comprar. 3. O credor D reclamou o crédito de 11.294.521$00 (10.000.000$000+ 1.294.521$00), alegando, em relação à fracção "L" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°1321 da freguesia de Amora, mas não alegou -e nem provou-os elementos típicos da "tradição da coisa", ou seja, da fracção que prometeu comprar. 4. O credor B reclamou, em relação à fracção "N" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°1321 da freguesia de Amora, o crédito de 22.154.171$00, mas não alegou "e nem provou - os elementos típicos da "tradição da coisa", ou seja, da fracção que prometeu comprar. 5° Não existiu a "tradição da coisa", no caso, das fracções prometidas comprar a que se reporta o artigo 442° e 755° alínea f) do Código Civil, em relação às referenciadas fracções prometidas comprar pelos credores reclamantes C, D e B, não tendo eles, assim, alguma vez adquirido ou tomado a posse dessas fracções. 6° Ou seja, os referidos credores não alegam os "elementos típicos" da posse, nomeadamente o direito de usar e fruição e os factos correlativos a esse uso e fruição. 7. Não deveria ter sido reconhecida e graduada (preferentemente aos créditos da recorrente) a totalidade do montante dos créditos reclamados por cada um dos credores C, D e B, por falta da concreta e real "entrega da coisa" prometida vender, no caso, das fracções que eles prometeram comprar; A problemática da cobrança dos juros sobre o valor do "sinal" e/ou "dobro do sinal". 8. O credor B apenas mantém - agora - a sua reclamação de créditos em relação à fracção "N" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°1321, sendo que essa fracção foi prometida comprar pelo valor de 13.750 contos, tendo sido pago, de sinal, quanto à mesma, o montante de 3.098 contos. 9. O referido credor reclamou créditos no valor de 9.431.124$00, sendo 6.307.000$00 correspondente ao valor do sinal pago em referência aos contratos-promessa de compra e venda das fracções "L" e "N", ambas do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°1321, e o remanescente, de 3.124.124$00, correspondente a juros sobre aquele montante (de 6.307.000$00) e uma "parcela" de juros sobre o valor desse "sinal" correspondente a 1.533.335$00. 10. No crédito reconhecido na douta sentença de verificação e graduação de créditos, de 4.631.355$00 incluem-se uma parcela de "sinal" correspondente a 3.098.000$00 e uma "parcela" de juros sobre o valor desse "sina" correspondente a 1.533.355$00. 11. O credor reclamante D alegou e reclamou um crédito de 10.000.000$00, relativo ao dobro do sinal correlativo a um incumprimento do contrato-promessa de compra e venda, relativa à fracção "L" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°1321, e, ainda o montante de 1.294.521$00 correspondente a juros desde 03.07.1997 (data da alegada constituição em mora por parte da A) até à data da falência (13.05.1998). 12. Como "sinal" para compra dessa fracção pagou à falida apenas o montante de 5.000.000$00. 13. A credora E alegou e reclamou um crédito de 10.000.000$00, relativo ao dobro do sinal correlativo a um incumprimento do contrato-promessa de compra e venda, relativa à fracção "P" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°1321 e, ainda, o montante de 980.822$00 correspondente a juros; 14. A referida reclamante e promitente-compradora entregou à promitente-vendedora (falida) apenas o montante de 5.000.000$00, a título de "sinal". 15. A credora F-Sociedade Técnica de Todas as Carpintarias, Lda alegou e reclamou um crédito de 22.760.150$00, relativo ao dobro do sinal correlativo a um incumprimento do respectivo contrato-promessa de compra e venda, relativo às fracções "R" e "A", ambas do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°1321 e, ainda, o montante de 4.700.603$00 correspondente a juros desde 20.09.1994 até à data da falência; 16. A referida credora reclamante e promitente-compradora F Lda entregou à promitente-vendedora (falida) a título de "sinal" e "reforço de sinal", apenas o montante de 11.380.075$00 (9.714.083$80+1. 665.992$00). 17. Antes da falência, os credores reclamantes não tinham interpelado, maxime judicialmente, a empresa falida para o efeito de a mesma pagar o valor do "sinal" ou do "dobro do sinal". 18. Antes da falência, não havia sido proferida qualquer sentença condenando a empresa falida a pagar qualquer indemnização a favor dos credores reclamantes e declarando a existência, em relação a esses créditos", de "direito de retenção"; 19. Mesmo que tivessem sido proferidas sentenças, antes ou depois da sentença de falência, essas sentenças sempre seriam (como são) inoponíveis à ora recorrente, Caixa Geral de Depósitos, na medida em que a CGD não foi parte em qualquer desses processos, e, assim, nunca fariam caso julgado contra ela; 20. Ainda que existissem essas eventuais sentenças, estas não teriam eficácia retroactiva, mas apenas estabeleceriam condenações a partir da data da citação para a acção a que essa sentença se reportasse e, assim, essas sentenças não teriam natureza "declarativa" mas sim "condenatória"; 21. na sentença de verificação e graduação de créditos não está contida qualquer declaração da existência de uma situação de incumprimento contratual de contratos-promessa de compra e venda mas tão somente o reconhecimento dos créditos reclamados; 22. As impugnações no âmbito do processo de falência, tal como dos processos de execução, reportam-se aos actos e factos com relevância jurídica, ou seja, às "questões de facto", e não aos efeitos ou consequências desses actos ou factos, ou seja, às "questões de direito"; 23. A questão da existência, ou não, de uma situação de" incumprimento" contratual é uma "questão de direito" e não uma "questão de facto". 24. Do facto da não impugnação das reclamações de créditos não decorre, de per si, a condenação no pagamento dos referidos juros sobre o devido "sinal" ou sobre o devido "dobro do sinal". 25. E, por isso, a graduação preferencial com base no "direito de retenção" (e com preferência sobre os créditos da Recorrente) - e, em qualquer caso, se esse direito não violasse a Constituição da República Portuguesa - apenas deveria ter sido feita pelo valor de 10.000.000$00, 10.000.000$00, 22.760.150$00 e 3.098.000$00. 26. Não deveria ter sido reconhecido e graduado (preferentemente aos créditos da recorrente Caixa Geral de Depósitos) o crédito de "juros", nos montantes de 1.294.521$00, 980.822$00, 4.700.603$00, e de, pelo menos, 1.533.355$00, invocado - respectivamente - pelos reclamantes - D - E - "F - Sociedade Técnica de Todas as Carpintarias Lda.", e - B A problemática da inconstitucionalidade do "direito de retenção" 27. A fracção autónoma "G" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n°1313, da freguesia de S.Sebastião, prometida vender ao credor reclamante C, é constituída por um bem destinado a garagem; 28. A fracção autónoma "A" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o n°1321, da freguesia de Amora, prometida vender ao credor reclamante "F-Sociedade de Todas as Carpintarias Lda", é constituída por um bem destinado a garagem; 29. A fracção autónoma "B" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°1321, prometida vender ao credor reclamante G, é constituída por um bem destinado a garagem; 30. A fracção autónoma "L" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°1321, prometida vender ao credor reclamante D, é constituída por um bem destinado a comércio (loja); 31. As disposições dos artigos 442°, n°3, 755°, alínea f)- conjugado com o artigo 759° n°2, todas do Código Civil, aprovadas pelo Decreto-Lei n°236/80, de 17/7 e Decreto-Lei n°379/86, de 11/1- e que prevêem o referido direito de retenção não foram aprovadas pela Assembleia da República ou, sequer foram aprovadas pelo Governo no uso de uma autorização legislativa e, por isso, padecem de uma inconstitucionalidade orgânica. 32. E ofende também o "princípio da tutela da confiança nas instituições" (artigo 2° da CRP) na medida em que é um direito sem aparência e que, à data da constituição e registo da hipoteca, é oculto e que não se podia prever e, assim, a ser tutelado não cria um "mínimo de certeza" nos direitos dos cidadãos e nas legítimas expectativas juridicamente criadas com a constituição e registo da hipoteca. 33. E viola as regras legais do princípio da "igualdade" constitucional (artigo 13° da CRP) na medida em que dá primazia a um"direito de crédito" de um promitente-comprador em relação a um idêntico "direito de crédito" de outro credor da empresa falida - garantido por hipoteca registada antes da constituição do "direito de retenção"- sem qualquer" justificação social razoável", maxime nos casos em que a fracção "possuída" não se trata de uma fracção habitacional, como se verifica- em relação a alguns credores - no caso concreto. 34. E viola as regras legais sobre a restrição de direitos, na medida em que faz preterir, em termos absolutos, os titulares de um crédito hipotecário, com registo e hipoteca, por créditos posteriormente constituídos, sem qualquer razoabilidade ou justificação social plausível (artigo 18°, n°s 2 e 3 da CRP); 35. O direito de retenção ofende a "consistência prática" do direito de hipoteca" registado, ou seja, o conteúdo económico do direito de hipoteca (artigo 62° da CRP), já que o bem dado de garantia é, na prática, "expropriado" a favor de terceiros, titulares de um crédito sem qualquer "relevante justificação social". 36. Assim, as normas dos artigos-conjugados - 442°, 755°, alínea f) e 759°, n°2, todos do Código Civil, as quais prevêem e tutelam o alegado "direito de retenção" são, na medida em que colidem - e criam um direito prevalecente à hipoteca registada - com os direitos do credor hipotecário, como é, no caso a recorrente, violam da Constituição da República Portuguesa, no caso, nos seus artigos (sic) 2°, 13°, 18° n°s 2 e 3, 62°, 167° (na versão de 1982) actualmente 164°, e 168 (na versão de 1982), actualmente 165°, pelo que são normas inconstitucionais; As conclusões 37ª, 38ª e 39ª repetem o que precede e daí que não as mencionemos. 2. Quanto à matéria de facto remete-se para a decisão da 1ª instância (artigos 713°, n°6 e 726°, do Código de Processo Civil). Cumpre decidir. 3. No presente recurso a Caixa Geral de Depósitos contesta a existência de tradição dos imóveis, pressuposto do direito de retenção (1), entende que não são devidos juros sobre o valor do sinal ou o dobro do valor do sinal (2) e considera inconstitucionais os artigos 442°, 755°, n°1, alínea f) e 759°, n°2, do Código Civil (3). 3.1 Direito de retenção Considera a Recorrente que se desconhece a que título os credores em causa detêm as fracções objecto dos respectivos contratos-promessa. Se a posse que exercem é em nome próprio ou em nome alheio, se é precária ou definitiva. A este respeito observa o acórdão recorrido: "A verdade é que todos eles alegaram - sem que tal tenha sido contestado - que tomaram posse da coisa (objecto da promessa), sendo certo que nos respectivos contratos-promessa se faz menção àquela ou a entrega das chaves, na sequência do contrato (págs. 444 e 447, em relação a C; 260 e 286, em relação a D e 246 e 255, em relação a B). E convirá referir aqui que o direito de retenção é um direito real de garantia (não de gozo), conferindo ao titular a faculdade de não abrir mão da coisa enquanto não se extinguir o seu crédito, mais que lhe dar o poder de praticar determinados actos de uso e fruição, como é próprio da generalidade dos direitos reais de gozo (vide Ac.do STJ, de 13/01/2000, acedido em www.dgsi.pt.jstj.nsf..., no qual se citam, a propósito, alguns doutrinadores). Daí que não se veja que fosse necessário alegar mais do que fizeram os reclamantes visados". Temos apenas a acrescentar ao assim decidido que a Recorrente vê como condição do direito de retenção a "posse", que nos contratos-promessa de compra e venda ,em geral, não existe. De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, o promitente-comprador não exerce, normalmente, uma verdadeira posse, mas a mera detenção ou posse precária da coisa objecto do contrato (entre outros, o acórdão de 10 de Novembro de 1998, revista n°942/98). A tradição da coisa legitima a detenção pelo promitente-comprador e esta detenção encontra-se provada nos autos. 3.2 Juros sobre o montante do sinal ou do sinal em dobro Considera a Recorrente que o facto de não ter impugnado os créditos em causa não implica que os juros sobre o montante do sinal ou do sinal em dobro sejam devidos. E para que o sejam necessário é que tenha havido interpelação do devedor , que não existiu. Esta questão é uma questão nova que a Recorrente não suscitou no recurso de apelação e que, por isso, dela se não toma conhecimento. Considera ainda a Recorrente tais juros serem inadmissíveis face ao disposto no artigo 442°, n°4, do Código Civil que estabelece:"Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento". Ao insistir neste entendimento a Recorrente ignora o que sobre o assunto foi escrito no acórdão recorrido. Fundado na jurisprudência deste Tribunal (entre outros, o acórdão de 12 de Janeiro de 1994, na CJ STJ, 1994, tomo I, pág.31) observou que do referido preceito não pode extrair-se a inadmissibilidade de pedidos de juros decorrentes da mora no pagamento do dobro do sinal. Para a fundamentação do acórdão recorrido se remete nos termos do disposto nos artigos 713°, n°5 e 726°, do Código de Processo Civil. 3.3 Inconstitucionalidade dos artigos 442°, 755°, n°1, alínea f) e 759°, n°2, do Código Civil Considera a Recorrente que ao conferir preferência ao direito de retenção sobre a hipoteca, ainda que esta tenha anteriormente sido registada, os artigos 442°, 755°, n°1, alínea f) e 759°, n°2, do Código Civil violam os artigos 2°, 13°, 18°, n°s 2 e 3, 62°, 167° (na versão de 1982, actualmente 164°, 168° (na versão de 1982), actualmente 165°. Violação do princípio da igualdade de tratamento Impõe este princípio que situações idênticas sejam objecto do mesmo tratamento. Todavia, na comparação entre as várias situações beneficia o legislador de uma larga margem de apreciação, intervindo o controlo judicial apenas em caso de flagrante e intolerável desigualdade, ou seja, quando a diferença de tratamento constitua uma arbitrariedade. Contrariamente ao que a Recorrente pretende não é este o caso. Temos de admitir que a medida em causa se não justifica exclusivamente pela necessidade de protecção dos consumidores face às instituições de crédito, uma vez que, pela sua generalidade, ela protege não só os consumidores como qualquer promitente-comprador e ainda que este disponha de poder económico igual ou superior ao de tais instituições. A solução legislativa encontrada pode justificar-se também pela necessidade de dinamizar o mercado da construção através do reforço da posição dos promitentes-compradores, sem protecção adequada em caso de falência do construtor. Pretende-se, assim, tornar mais seguro e confiante o comércio jurídico (neste sentido, o acórdão do STJ de 20 de Outubro de 2002, processo n°2752/02). Nestas condições não pode considerar-se arbitrária tal solução legislativa. Princípio da confiança legítima Contrariamente ao que pretende a Recorrente, a preferência dada ao direito de retenção, mesmo relativamente a hipoteca anteriormente registada não viola o princípio da confiança legítima. A este respeito basta observar que o credor pode verificar a detenção do imóvel e, conhecendo a lei, tem de admitir como plausível a existência, no futuro, de direitos de retenção, com as consequências que aquela lhes atribui (veja-se neste sentido o acórdão do STJ de 30 de Janeiro de 2003, processo n°273/02). Inconstitucionalidade existe quando se entenda aplicável a alínea f) do artigo 755°, n°1 do Código Civil a garantia hipotecária registada anteriormente ao regime criado pelo Decreto-Lei n°236/80, de 18 de Julho (neste sentido, o acórdão do STJ de 3 de Junho de 2003, revista n°1432/03), mas não é este o caso dos presentes autos. A argumentação da Recorrente no fundo reduz-se a simples crítica da opção legislativa. Restrição de direitos, afectação da consistência prática do direito de hipoteca A este respeito basta observar que, pelas razões acima expostas a medida em causa é justificada e que a preferência dada ao direito de retenção não pode ser considerada como uma "expropriação" do direito de garantia que é a hipoteca. Ao adquirir tal direito o credor não pode ignorar a respectiva força legal. A constitucionalidade material do artigo 755°, n°1, alínea f) do Código Civil tem sempre sido admitida por este Tribunal (acórdãos de 30 de Janeiro de 2003, revista n°4471/02, de 18 de Fevereiro de 2003, revista n°4437/02, de 30 de Março de 200, revista n°174/00 e de 6 de Maio de 1998, revista n°356/97). Inconstitucionalidade orgânica Entende a Recorrente que a regulamentação legal em causa é da competência exclusiva da Assembleia da República. Observa a este respeito que o direito de retenção constituiu uma expropriação forçada dos direitos do credor hipotecário, direitos análogos ao direito de propriedade da falida. Sobre esta matéria já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 30 de Janeiro de 2003, acima mencionado, concluindo pela inexistência de inconstitucionalidade orgânica. Concorda-se com esta decisão. É certo que o direito de propriedade deve considerar-se como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n°404/87, 257/92 e 431/64, respectivamente no Diário da República, II série, de 21/12/87 e de 16/6/93, e I série A, de 21/6/94) pois constituiu um direito essencial à realização do homem como pessoa (acórdão do mesmo Tribunal de 22/9/99, n°517/99). Não é o caso do direito real de hipoteca. E ainda que se entendesse dever este direito beneficiar de tratamento idêntico ao direito de propriedade, a regulamentação em causa não contende com o seu núcleo essencial, hipótese em que a intervenção legislativa cairia na reserva de competência da Assembleia da República (entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n°373/91, no Diário da República I série A, de 7/11/ 91). Com efeito, os créditos hipotecários gozam, em geral, de preferência sobre os demais créditos que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artigo 686°, n°1, do Código Civil) cedendo, porém, no caso limitado de existência de direito de retenção. A inconstitucionalidade orgânica das disposições em causa foi afastada no recente acórdão do Tribunal Constitucional de 15 de Julho de 2003, n°374/03, processo n°480/98 (Diário da República, II Série de 3 de Novembro de 2003, p.16 551). Termos em que se nega a revista. Custas pela Recorrente.
Lisboa, 20 de Novembro de 2003 Moitinho de Almeida Ferreira de Almeida Abílio Vasconcelos |