Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
079907
Nº Convencional: JSTJ00014100
Relator: CESAR MARQUES
Descritores: INFLAÇÃO
CORRECÇÃO OFICIOSA
ACTUALIZAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
PRINCIPIO DISPOSITIVO
ONUS DA ALEGAÇÃO
Nº do Documento: SJ199203190799071
Data do Acordão: 03/19/1992
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Referência de Publicação: BMJ N415 ANO1992 PAG525
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 273 N2 ARTIGO 514 N1.
CCIV66 ARTIGO 805 N3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1988/11/06 IN BMJ N373 PAG462.
Sumário : I - A inflação, como facto notorio, não carece de alegação -
- artigo 514, n. 1, do Codigo de Processo Civil, podendo efectuar-se a correcção remuneratoria pelo recurso as tabelas oficiais que referem os indices de inflação.
II - Contudo, isso não dispensa o Autor de pedir tal correcção, ja que o Tribunal não pode alterar ou completar os pedidos deduzidos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Socevora - Sociedade Distribuidora de Cerveja e Refrigerantes, S.A., demandou em acção com processo especial nos termos do artigo 68 do Codigo da Estrada, A, Prensoland Lusitana - Equipamentos Industriais Limitada, e Royal Exchange Assurance, pedindo a sua condenação no pagamento solidario de 5921017 escudos e oitenta centavos a titulo de indemnização pelos danos sofridos em virtude de acidente de viação em que intervieram, alem de outro, o seu veiculo pesado de carga com a matricula ... e o auto-ligeiro de mercadorias com a matricula ..., pertencente a Prensoland Lusitana, Limitada, conduzido pelo reu A e seguro na Royal Exchange Assurance.
Todos os reus contestaram. Fe-lo, em primeiro lugar, a Seguradora, impugnando a versão do acidente relatada pela autora, acrescentando que tinha assumido a responsabilidade civil para com terceiros, inerente ao Veiculo ... mas apenas ate ao limite maximo de
1000000 e requerendo, ainda,a intervenção principal de B, dono do taxi com a matricula ... que ficou danificado no mesmo acidente, e de
C, por si e em representação de sua filha menor D, que seguiam no veiculo da autora e tinham sofrido ferimentos.
Em separado, tanto a Prensoland Lusitana, Limitada, como o A, impugnando, tambem a versão da autora, pois atribuiram a culpa na produção do acidente aos condutores do taxi e do auto-pesado da autora, requereram o chamamento a autoria do B e da Sociedade Portuguesa de Seguros para a qual o B transferira a responsabilidade civil pelos danos causados com o mencionado taxi em circulação.
O A requereu, ainda, a concessão do beneficio da assistencia judiciaria, na modalidade de dispensa total de preparos e do previo pagamento de custas.
Por despacho de folhas 59 e seguintes admitiu-se tanto a requerida intervenção principal como o chamamento a autoria.
O B veio, então, dizer que ja havia intentado uma acção contra a Royal Exchange Assurance, que se encontrava pendente, e que ia diligenciar no sentido de ser apensada aos presentes autos.
A folhas 76 foi junta declaração da C, dizendo que, viajando na viatura da autora com suas filhas D e C, não tiveram qualquer prejuizo derivado do acidente.
A Sociedade Portuguesa de Seguros contestou, referindo manter com o Albano um contrato de seguro ate ao montante de 1000000 escudos, que o acidente ocorrera como a autora o relatara, e pediu a condenação da Prensoland Lusitana, Limitada, como litigante de ma fe.
Contestaram, então, em separado, a Preusoland Lusitana,
Limitada, e o A, so aquela deduzindo a excepção da sua ilegitimidade e, relativamente ao acidente e danos dele resultantes, uma e outro impetrando a absolvição do pedido.
Fora, entretanto, apensa a acção acima mencionada que o
B intentara contra a Royal Exchange Assurance, na qual pedia a condenação desta a pagar-lhe 124945 escudos por danos sofridos, devido ao acidente, no seu veiculo ... e, ainda, a intervenção principal da Socevora.
A Seguradora contestou, salientando haver interesse na apensação dos processos e, quanto ao acidente, responsabilizou pela sua produção o condutor do veiculo da autora e o B, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Concedido ao A o beneficio da assistencia Judiciaria na modalidade pretendida, foi proferido saneador onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida por Prensoland Lusitana,
Limitada.
Apenas esta reclamou da especificação e do questionario, tendo obtido um quase total deferimento.
E interpos recurso de agravo do saneador, que foi admitido com subida diferida.
Procedeu-se, oportunamente, a audiencia de discussão e julgamento, tendo, apos a inquirição de testemunhas, sido requerida, pelo B, a ampliação do pedido, nos termos do artigo 273 do Codigo Processo Civil, "dado o tempo decorrido desde a entrada da acção em juizo, cerca de quatro anos, e a circunstancia da moeda, neste periodo, perdido o valor a um coeficiente medio nunca inferior a 12% que e um facto notorio". E, como se ve da acta da audiencia, a folhas 455 verso, tal pedido foi deferido sem oposição das res Prensoland Lusitana,
Limitada, e Royal Exchange Assurance.
Não houve reclamação das respostas ao questionario e foi proferida sentença, em 28 de Março de 1988, condenando os reus A, Prensoland Lusitana, Limitada, e Royal Exchange Assurance a pagar, solidariamente, a Socevora, sendo a responsabilidade da Seguradora ate ao montante de 1000000 escudos, a quantia de 4959363 escudos e cinquenta centavos, acrescida de juros legais contados desde 11 de Outubro de 1983; e so a Royal Exchange Assurance a pagar ao
B 86545 escudos, acrescidos de quantia a liquidar em execução de sentença referida aos dias de paralisação do veiculo ..., acrescidos de juros a taxa legal contados desde 3 de Fevereiro de 1984, de harmonia com o rateio a efectuar com a condenação a
Socevora e que não era possivel fazer de momento, face ao que havera a liquidar em execução de sentença.
Chegou-se, na sentença, pelo seguinte modo, as indemnizações apontadas, sendo certo que se entendeu que a culpa na produção do acidente coube, exclusivamente, ao A: a) para a Socevora: pela reparação do tractor, 519550 escudos; pela reparação do reboque, 249213 escudos e cinquenta centavos; com o transporte do reboque e do tractor para os locais de reparação, 44600 escudos; pela agua perdida e pelo vasilhame danificado, 46000 escudos; com o aluguer de viatura de susbstituição, 600000 escudos; e com a aquisição do veiculo de substituição, 3500000 escudos. b) para o B: pela reparação do veiculo, 85635 escudos; em transportes de taxi, 750 escudos e 160 escudos.
Quanto a Socevora, porque intentou a acção em 5 de
Julho de 1983, ja na vigencia das alterações introduzidas no Codigo Civil pelo Decreto 262/83, de 16 de Junho, decidiu-se que a indemnização a que tinha direito vencia juros legais desde a citação. E o mesmo sucedeu com relação ao B, que propos a acção em 6 de Janeiro de 1984.
E consignou-se na sentença que, quando propuseram as acções, os autores deviam ja ter formulado os pedidos tendo em conta a inflação entretanto verificada, pelo que a nenhuma correcção monetaria se procedeu.
O A requereu, sem exito, o esclarecimento da sentença com base em pretenso erro material no valor encontrado para a indemnização a atribuir a Socevora.
Da sentença so apelaram a Prensoland Lusitana, Limitada, e o A, que aderiu as alegações daquela.
Pelo que, e como se concluiu no acordão recorrido, a sentença transitou em julgado no que respeita a indemnização a pagar ao B pela Royal Exchange Assurance.
E, no que toca a indemnização a pagar a Socevora, foi decidido pela Relação: que não era devida a condenação em juros, por não ter sido pedida; tambem não era devida a quantia de 3500000 escudos pela aquisição do veiculo de substituição; e, em vez de 600000 escudos com o aluguer da viatura de substituição, fixou-se essa importancia em 222057 escudos; pelo que a indemnização total a pagar a
Socevora seria de 1681370 escudos.
Considerando-se, no entanto, ser a inflação um facto notorio que não carece de prova nem de alegação, e devendo a indemnização efectuar-se em dinheiro por impossibilidade de reconstituição natural, havia que tomar em conta a inflação no momento de apurar a quantia devida.
Por isso procedeu o acordão recorrido a actualização da importancia de 1681370 escudos, tendo em atenção os indices dos preços ao consumidor nos anos de 1982 a
1987 inclusive, tendo chegado a quantia de 4485607 escudos e 50 centavos, que os reus foram condenados, solidariamente a pagar a Socevora, sendo a Royal
Exchange Assurance ate ao limite de 1000000 escudos.
Refira-se que o agravo interposto do saneador foi julgado deserto por falta de alegações.
Do acordão interpos a Prensoland Lusitana, Limitada, o presente recurso, concluindo nas suas alegações: uma coisa são factos notorios e coisa diversa são pedidos cujo suporte assenta em factos daquela especie; cada um e livre de formular, ou não, os pedidos que entenda; se estes se fundarem em factos notorios, não carecem os mesmos de ser alegados e provados, o que não quer dizer que os pedidos não devam ser formulados; o acordão, ao condenar nos valores correspondentes a inflação, esta a sair do ambito do recurso e a condenar em objecto diverso do pedido, ofendendo, assim, o n. 1 do artigo 661 do Codigo de Processo Civil; e, indirectamente, os artigos 804 n. 1 e 806, ambos do
Codigo Civil; pelo que a indemnização devera ficar limitada a 1681370 escudos.
E a Socevora rebate dizendo não ter sido violado qualquer preceito legal, um vez que: a obrigação de indemnizar e uma divida de valor; as indemnizações deve aplicar-se o principio da actualização tendo em vista a diminuição do poder de compra por motivo da inflação; a aplicação do principio da actualização e de conhecimento oficioso não dependendo de qualquer pedido ou prova formulada pela autora; tanto os juros como a actualização em função da inflação tiveram em vista repor o valor dos danos a data do pagamento dos mesmos. O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico junto deste Supremo
Tribunal apos o seu visto.
Deram as instancias como provados os seguintes factos: a) face a especificação: em 9 de Junho de 1981, pelas 16 horas e 45 minutos, ao kilometro 199,5 da estrada nacional n. 1, ocorreu um acidente em que intervieram: um veiculo pesado de carga, constituido por um tractor e um atrelado, marca Volvo, com a matrícula ..., que seguia no sentido Mealhada-Coimbra, conduzido por E; um veiculo ligeiro de mercadorias, marca Morris, com a matricula ...., que seguia no sentido Coimbra-Mealhada, conduzido por A, e um veiculo com a matricula ..., que seguia no sentido Coimbra-Mealhada, conduzido por B
; a data do acidente, o auto-psado pertencia a Socevora; o auto-ligeiro de mercadorias a Prensoland Lusitana, Limitada, e o outro veiculo ao referido B; a Prensoland Lusitana, Limitada, a data do acidente, tinha transferido a responsabilidade pelos prejuizos provocados a terceiros com o seu veiculo ... para a Royal Exange Assurance, ate ao limite de 1000000 escudos, por contrato de seguro titulado pela apolice n. 97655; o ... seguia na meia faixa direita da via, atento o seu sentido de marcha; o ... seguia na meia faixa direita da via, atento o seu sentido de marcha; deu-se um embate entre o .... e o ...., na meia faixa esquerda da via, atento o sentido de marcha deste ultimo veiculo; o condutor do .... accionou os travões do veiculo por si comandado; e, em consequencia, ficou na estrada um rasto de travagem de 50 metros de comprimento; apos o acidente o ... ficou atravessado obliquamente na estrada, e voltado com as rodas do seu lado esquerdo no ar; a estrada no local do acidente e em recta; b) em consequencia das respostas ao questionario: na data do acidente o A era empregado da Prensoland Lusitana, Limitada; o .... ultrapassou o ... e este seguia a uma velocidade de 60 Kilometros por hora; apos a ultrapassagem, o ... continuou a rolar, utilizando parte da meia faixa esquerda da via atento o seu sentido de marcha, procurando assim ultrapassar um veiculo pesado que seguia a frente do .... e embateu no ...; o ... e o ... embateram, respectivamente, com a parte da frente e a parte esquerda das viaturas; a travagem efectuada pelo condutor do ..... fez com que este veiculo se atravessasse na estrada e depois se voltasse, ficando na posição ja acima descrita; apos o embate entre o ... e o ..., aquele veiculo entrou na berma direita atento o seu sentido de marcha e, ao procurar reentrar na faixa de rodagem e ja com as rodas do lado esquerdo no ar, voltou-se sobre o seu lado direito, ficando na posição ja indicada; o .... foi embatido pelo ... quando este se voltava sobre o seu lado direito. a estrada, no local do acidente, tem a largura de 7 metros e sessenta centimetros, as bermas a largura de 2 metros em cada lado da estrada e o piso da estrada estava seco; o .... circulava a velocidade superior a 60 Kilometros por hora; o ... continuou a sua marcha por mais 50 metros apos o acidente e o seu condutor continuou a accionar os travões; o ... encostou ao lado direito atento o seu sentido de marcha e parou; a Socevora dedica-se ao comercio e distribuição de aguas e refrigerantes, entre as quais a Agua do Luso; em consequencia do acidente resultaram prejuizos no tractor e atrelado do ... e, por isso, a Socevora teve de os mandar reparar, despendendo 519550 escudos na reparação do tractor e 249213 escudos e cinquenta centavos com a reparação do reboque; com o transporte do reboque e do tractor para os locais de reparação, a Socevora despendeu 44600 escudos; o reboque e o tractor so foram entregues reparados a
Socevora em 2 de Fevereiro de 1982; o ...., na altura do acidente, transportava agua do Luso em garrafões, tendo a agua o valor de cerca de
40000 escudos e o vasilhame o valor de cerca de 6000 escudos ; a agua e o vasilhame ficaram inutilizados em consequencia do acidente; durante o periodo compreendido entre 9 de Junho de 1981 e 17 de Setembro de 1981, a Socevora alugou por diversas vezes uma viatura para substituir o ..., e nesses alugueres despendeu cerca de 600000 escudos; a Socevora, logo que se apercebeu dos elevados encargos que constituiam para si esses alugueres, procedeu a aquisição de um novo veiculo pesado de transportes com capacidade de deslocação identica ao ..., esse veiculo so foi entregue a Socevora em 17 de Setembro de
1981 e na sua aquisição a Socevora despendeu 3500000 escudos; do acidente resultaram prejuizos no ... e a sua reparação orçou em 85635 escudos; por causa do acidente o B teve de chamar um veiculo de aluguer para transportar uma sua cliente do local do acidente a maternidade em Coimbra e com esse aluguer despendeu 750 escudos; o B teve, ainda, por causa do acidente, de chamar um veiculo de aluguer para o transportar da sua residencia ao Hospital da Mealhada e com esse aluguer despendeu 160 escudos; a reparação do ... durou 32 dias.
O acordão e posto em crise, neste recurso, apenas no aspecto em que corrigiu, com base na inflação, a indemnização a pagar a Socevora.
Ora o acidente de viação ocorreu em 9 de Junho de 1981 e a acção foi proposta pela Socevora em 5 de Julho de
1983, que pediu que os reus fossem solidariamente condenados a pagar-lhe 5921017 escudos e oitenta centavos a titulo de indemnização pelos prejuizos sofridos.
Não foi pedida a condenação dos reus no pagamento de juros, embora ja então estivesse em vigor a alteração introduzida no n. 3 do artigo 805 do Codigo Civil pelo artigo 1 do Decreto 262/83.
Tambem não foi pedida a actualização da indemnização devido a inflação entretanto ocorrida, por ampliação do pedido, ate ao encerramento da discussão em primeira instancia, como era permitido pela parte final do n. 2 do artigo 273 do Codigo de Processo Civil. E isto apesar de, conforme se mencionou, o autor B ter requerido, em tais termos, a ampliação do pedido que formulara, finda a inquirição da ultima testemunha em audiencia de julgamento, e que o tribunal, sem qualquer oposição, deferiu.
Ora, face ao principio da estabilidade da instancia, contido no artigo 268 do Codigo de Processo Civil, citado o reu, a instancia deve manter-se a mesma quanto ao pedido, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
E certo que se entende que a inflação, como facto notorio, não carece de alegação - artigo 514 n. 1 do Codigo de Processo Civil - podendo efectuar-se a correcção monetaria pelo recurso as tabelas oficiais que referem os indices de inflação.
Mas isso não dispensa o autor, com o devido respeito por opinão contraria, de pedir tal correcção, ja que o tribunal não pode alterar ou completar os pedidos deduzidos pelo autor.
E, conforme se salientou, a autora não solicitou que, no seu pedido se considerasse a desvalorização da moeda entretanto ocorrida.
No sentido apontado decidiram os acordãos deste Supremo
Tribunal de 3 de Novembro de 1983 e de 25 de Junho de
1986, respectivamente no Boletim 331, pagina 504 e 358, pagina 470.
Pelo que não podiam os reus ser condenados numa quantia que a autora não pediu - artigo 661 n. 1 do Codigo de Processo Civil.
Mas, que assim não fosse, caberia apreciar um outro aspecto da questão.
Conforme se ve da materia de facto provada, os reus, na primeira instancia, foram condenados a pagar a Socevora
4959363 escudos e cinquenta centavos, correspondentes a soma de 519550 escudos da reparação do tractor, 249213 escudos e cinquenta centavos da reparação do reboque,
44600 escudos do transporte do reboque e do tractor para os locais de reparação, 46000 escudos da agua perdida e vasilhame inutilizados na ocasião do acidente, 600000 escudos do aluguer de viatura de substituição e 3500000 escudos do custo de aquisição de um veiculo para substituir o acidentado, o qual, conforme se deu como provado, foi entregue a Socevora em 17 de Setembro de 1981.
Ora a acção so foi proposta em 5 de Julho de 1983 e a citação do reu que o foi em ultimo lugar ocorreu em 11 de Outubro de 1983 - ver folhas 28.
A entender-se que a correcção monetaria da indemnização devido a desvalorização da moeda não necessita de ser pedida e deve ser oficiosamente efectuada, então tal correcção deveria ter sido considerada na sentença.
O certo, porem, e que ai nenhuma actualização se fez.
Pelo contrario, expressamente se entendeu que a autora, quando propos a acção, em 5 de Julho de 1983, devia ter ja formulado o pedido tendo em conta a inflação verificada - ver sentença a folhas 464.
Certo que na sentença se decidiu que a autora tinha direito a juros legais, a partir da ultima citação ocorrida em 11 de Outubro de 1983, de harmonia com o disposto no n. 3 do artigo 805 do Codigo Civil.
So que tais juros - que, alias, não haviam sido pedidos e que a Relação decidiu que a autora a eles não tinha direito - não são o mesmo que a actualização da indemnização por virtude de inflação verificada; e, que assim se não entenda, sempre não teria sido feita qualquer actualização da inflação, digo, da indemnização desde a data do acidente, em 9 de Junho de 1981, ate a citação ocorrida em 11 de Outubro de 1983.
Ora a Socevora não interpos recurso da sentença, apesar de ter pedido uma indemnização de 5921017 escudos e oitenta centavos e so lhe sido concedida a de 4959363 escudos e cinquenta centavos, e devia te-lo feito nos termos do artigo 682 n. 1 do Codigo de Processo Civil.
Dela so recorreram os reus A e Prensoland Lusitana, Limitada.
Foi, apenas, nas alegações, como recorrida, para este
Supremo Tribunal que a Socevora defendeu que a aplicação do principio da actualização da indemnização era de conhecimento oficioso, não dependendo de qualquer pedido por si formulado.
Pelo que não podia a Relação, em tais circunstancias, uma vez que decidiu não ser legal a condenação dos reus em juros, compensar a Socevora com a actualização da quantia a pagar a titulo de indemnização, considerando a inflação verificada nos anos de 1982 e seguintes ate
1987 inclusive.
Termos em que, concedendo a revista, se revoga o acordão recorrido, ficando os reus A, Prensoland Lusitana-Equipamentos Industriais, Limitada, e Royal Exchange Assurance condenados a pagar, solidariamente, sendo a Royal ate ao limite dos 1000 contos do seu seguro, a Socevora - Sociedade Distribuidora de Cerveja e Refrigerantes,
S.A., a quantia de 1681370 escudos (um milhão seiscentos e oitenta e um mil trezentos e setenta escudos).
Custas neste Supremo Tribunal pela recorrida. As devidas nas instancias serão suportadas na proporção do vencido.
De ter eventualmente em conta o beneficio da assistencia judiciaria concedido ao reu A.
19 de Março de 1992.
Cesar Marques,
Beça Pereira,
Miguel Montenegro,
Rui de Brito,
Fernando Fabião. (vencido conforme declaração de voto que junto).
Votei vencido, pois teria negado a revista e confirmado o acordão recorrido, pelas razões constantes da declaração de voto que junto e ja expendidas no projecto de acordão que cheguei a elaborar.
Eis as razões.
Antes de mais importa precisar: a) a autora, ora recorrida, não pediu se considerasse a correcção monetaria em função da inflação, na petição inicial, nem, depois, ampliou o pedido, nos termos do artigo 273 n. 2 do Codigo de Processo Civil; b) quer a sentença da 1 instancia quer o acordão da
Relação fixaram o valor global da indemnização a autora em montante inferior ao pedido global.
Tem-se entendido que os limites aludidos dos artigos
661 n. 1 e 668 n. 1 alinea e) ambos do Codigo de
Processo Civil, se referisse ao pedido global e não as parcelas em que o lesado desdobrou um pedido global indemnizatorio, pelo que o tribunal pode, em relação a uma ou mais parcelas indicativas de danos diversos, condenar em quantidade superior a indicação, desde que o somatorio das quantias parcelares não interferem o pedido global.
Julgamos que o tribunal pode tomar em conta o fenomeno inflaccionario, ao arbitrar a indemnização, sem ser necessario que o lesado tenha feito o correspondente pedido, pelas razões a seguir alinhadas:
1- o lesado faz um pedido unico, consubstanciado na quantia global pedida com indemnização e que e o somatorio das varias quantias parcelares correspondentes a indemnização por estes e aqueles danos individualizados, não faz pedidos multiplos, cada um para cada especie desses danos, pelo que o que conta, para efeitos do n. 1 do artigo 661 do Codigo de
Processo Civil, e aquele pedido unico, de tal forma que, não sendo este excedido, não ha ofensa de tal texto legal, nem se pode dizer, por outro lado, em boa verdade, que o lesado não haja feito o pedido de correcção monetaria decorrente da inflação, ao menos implicitamente na medida em que este cabe no pedido global unico;
2- O pedido e o montante logico - juridico da causa de pedir, mas se, no caso da desvalorização de moeda, se dispensa a alegação e a prova desta causa de pedir, por ser facto notorio (artigo 514 n. 1 do Codigo de
Processo Civil) parece logico que tambem se dispense a formulação do correspondente pedido, incumbindo ao juiz a condenação nele;
3- Se e certo que aos tribunais de recursos so cabe apreciar as questões decididas pelos tribunais hierarquicamente inferiores e suscitadas pelas partes, certo e tambem que este principio use brecha quanto a materia de conhecimento oficioso (v., por todos, acordãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de
Janeiro de 1988, Boletim do Ministerio da Justiça, 373,
462), como acontece com os factos notorios, nos termos da parte final do artigo 664 do Codigo Civil, havendo, assim, uma excepção ao funcionamento do principio dispositivo (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2 edição, 676); ora isto e sinal evidente de que os tribunais superiores podem, em tal hipotese, socorrer-se dos factos notorios e extrair deles as devidas consequencias, em toda a linha, mesmo em sede de condenação, ainda que as partes não tenham suscitado a questão nos tribunais inferiores;
4- Ha preceitos legais, adjectivos e substantivos, dos quais parece poder extrair-se a ideia de que eles impõe ao julgador, para uma justa e equitativa fixação da indemnização, o dever legal de proceder oficiosamente a correcção monetaria em função da inflação, ou seja, a actualização das verbas indemnizatorias dos danos de acordo com a desvalorização da moeda, pelo que estara o lesado dispensado de formular o correspondente pedido de actualização: e o caso do artigo 663 do Codigo
Civil, que manda tomar em consideração os factos constitutivos modificativos ou extintivos produzidos posteriormente a propositura da acção e que separado o direito substantivo aplicavel, tenham influencia sobre a existencia ou conteudo da relação controvertida, como e o caso do artigo 566 n. 2 do Codigo Civil, segundo o qual a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente atendivel pelo tribunal, e a que teria na mesma data se não tivesse ocorrido o facto ilicito causador pelos danos, e como e ainda o caso dos artigos 494º e 496º nº 3 do mesmo Codigo, na medida em que mantem a todas as "demais circunstancias do caso";
5- a obrigação de indemnização em dinheiro, por equivalente (artigo 566º do Codigo Civil) e uma divida de valor, pois que o seu objecto não consiste directamente nessa prestação monetaria mas numa prestação diversa, em que o dinheiro apenas intervem como meio de determinação do seu quantitativo, pelo que o artigo 551 do Codigo Civil permite a actualização destas dividas de valor, mandando atender aos indices das funções, na falta de outro criterio legal (Almeida
Costa, direito das obrigações, 5 edição, 607 e seguintes; Antunes Varela, das Obrigações em geral, 7 edição, volume I, 256 e seguintes; J. Baptista Machado, obra dispersa, volume I, 433), actualização esta perfeitamente suspensivel, pois que, como acentuou Vaz
Lima, tais dividas, sem actualização não satisfariam o seu objectivo (R.L.J. 112, e segintes); mas, se assim, tambem desta regra da actualização das dividas de valor parece decorrer para o julgado o dever legal de proceder a actualização em causa;
6- finalmente, niguem contestara que, nestes casos, a justiça material postula a correcção monetaria, na medida em que seria injusto, não equitativo, que os efeitos da desvalorização da moeda corressem por conta do credor; ora, ha que estar sempre de pe atras em relação a interpretações dos textos legais que implicam o atropelo da justiça material em nome de normas ou principios processuais, ja que estes mais não são que o caminho para alcançar aquela;
7- a favor desta pressuposta orientação, julgamos estar a maioria dos actos do Supremo Tribunal de
Justiça, muito embora alguns sejam pouco explicitos
(Boletim do Ministerio da Justiça 287, 292, 294, 283,
298, 238, 349, 499, 323, 385); sabe-se de um ou de outro acordão em sentido contem (Boletim do Ministerio da Justiça 358, 470, 331, 504, se bem que, nestes ultimos, se citem, em apoio, mais 2 acordãos, os quais, contudo, parece não seguirem a mesma orientação), mas, salvo o devido respeito, fragilmente fundamentados.
Quanto ao facto de a autora não ter interposto recurso da sentença de 1 instancia que não fez a correcção monetaria, pelo que, na logica do acordão que fez vencimento, houvesse caso julgado sobre a questão, tendo a dizer que, em principio, o caso julgado so cobre a decisão, os seus fundamentos, nomeadamente as qualificações juridicas e as interpretações juridicas aceites nessa fundamentação (Antunes Varela, J. Miguel
Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2 edição, 714 e seguintes, Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, edição de 1963, 302 e seguintes).
Decisões impugnadas:
I - Sentença de 28 de Maio de 1988 do tribunal Judicial de Coimbra;
II - Acordão de 14 de Março da Relação de Coimbra.