Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5326/09.5TVLSB.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL
DECLARAÇÃO TÁCITA
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DE IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDATÁRIO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
RENÚNCIA
COMPRA E VENDA
USUFRUTO
NUA-PROPRIEDADE
DESCENDENTE
DOAÇÃO
Data do Acordão: 05/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÃO JURIDICA - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - Rui Alarcão, in “ A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, vol. I, pág. 190 e ss..
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 217.º, N.º1, 218.º, 236.º, N.º1, 940.º, N.º 2, 1117.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 11/1/2001, ACESSÍVEL IN HTTP://BDJUR.ALMEDINA.NET/JURIS;
-DE 19/11/2002, IN CJ STJ, TOMO III, PÁG. 133;
-DE 5/7 / 2001, REVISTA Nº 1765/01 - 7ª SECÇÃO;
-DE 18/5/2004, REVISTA Nº 1418/04 - 6ª SECÇÃO;
-DE 24/5/2007, ACESSÍVEL IN HTTP://STJ.VLEX.PT .
Sumário :
I - A pessoa a quem caiba o poder de emitir uma declaração negocial e não tendo manifestado a vontade negocial de modo directo ou imediato e tenha adoptado um comportamento donde se infira com toda a probabilidade e segurança a sua vontade negocial (declaração indirecta ou mediata) configura uma declaração tácita nos termos do art. 217.º, n.º 1, do CC.
II - E tratando-se de uma declaração receptícia a mesma há-de valer com o sentido de um declaratário normal, pessoa de razoabilidade, sagacidade, conhecimentos e diligências medianos e considerando o negócio em causa, muito usual na época, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
III - Tendo o senhorio pedido aos arrendatários que declarassem formalmente a renúncia à compra do andar e tendo estes outorgado na escritura de compra e venda adquirindo apenas o usufruto da fracção e a filha adquirido a nua propriedade, traduz um comportamento por parte dos arrendatários, titulares do direito de preferência, que configura com uma grande probabilidade e segurança uma verdadeira declaração tácita de renúncia ao direito de preferência.
IV - Este sentido da declaração não se pode, no entanto, dissociar do negócio imobiliário, aqui em questão, que na época (1981) era muito frequente e usual – os senhorios venderam as respectivas fracções habitacionais aos próprios inquilinos, acontecendo também muitas vezes nesse tipo de negócio, obviamente sem oposição dos senhorios, a posição dos inquilinos ser ocupada pelos respectivos filhos, nomeadamente quando os inquilinos apresentavam idades muito avançadas.
V - É neste contexto negocial que a omissão (falta de declaração
directa) dos arrendatários relativamente ao direito de preferência na aludida escritura de compra e venda, deve ser compreendida, equivalendo, tendo em conta o princípio do citado art. 236, n.º 1, do CC e também o estatuído no art. 218.º do mesmo Código a uma verdadeira declaração negocial de renúncia.
VI - E havendo renúncia de direitos, nos termos supra descritos, não se pode falar à luz do art. 940.º, n.º 2, do CC que, com a aquisição por parte da filha dos arrendatários da nua propriedade, tenha havido uma doação a seu favor por parte dos arrendatários e titulares do direito de preferência.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I-Relatório


AA e BB intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra CC e marido DD, pedindo que o valor actualizado da fracção em causa, sita na Av. .................., ...... em Lisboa, seja levado à colação na herança de EE, mãe dos AA e da Ré, e condenados a tal.

Os AA fundamentam o pedido alegando, em síntese:

A Ré sua irmã, com o argumento de que ao contrário dos seus irmãos não tinha casa em Lisboa e que viria para casa dos seus pais, onde os trataria da velhice, persuadiu os mesmos a conceder-lhe o direito de preferência na aquisição do imóvel sito na Av. ........... nº ...... ...... em Lisboa, tendo adquirido o mesmo em 17/12/81;
Ao agir desta forma, a R induziu os pais em erro quanto aos motivos pelos quais lhe cederam o direito de preferência, conseguindo eximir à colação o prédio referido no âmbito da herança de EE.

Os AA requerem ainda a intervenção principal provocada das suas irmãs; FF, GG e HH.

Os RR contestaram alegando, em síntese:

Em 1979 tomaram a decisão de vir viver para Lisboa, sendo nessa data que o senhorio do imóvel referido propôs aos seus pais, na qualidade de arrendatários, a compra desse imóvel;
Os pais da Ré ao contrário do que alegam os Autores, tinham tomado a decisão de não adquirir a fracção em causa, tendo mediado dois anos entre a proposta do senhorio e a escritura de compra e venda.
Durante tal período a proposta do senhorio foi muitas vezes discutida em família.
Foi o seu pai que sugeriu à Ré a compra da casa, uma vez que era a única dos seus filhos que não possuía casa em Lisboa.
Por sua vez, os RR sabendo que os seus filhos poderiam vir a utilizar a casa e que nenhum dos irmãos se mostrou interessado em comparticipar na aquisição, aceitaram a sugestão.
O senhorio solicitou ao pai da Ré que este renunciasse à preferência, pelo que seu pai fez tal declaração por escrito.
Os AA em 2.04.93 intervieram conjuntamente com a mãe e os restantes irmãos, na partilha hereditária, por óbito do pai, sendo que no documento complementar não consta qualquer referência ao direito que os AA agora reclamam.
Foram os RR que propuseram aos pais da Ré que ficassem com o usufruto da casa, o que estes aceitaram e que pagaram ao proprietário da fracção a totalidade do preço referente á raiz e usufruto.
De todo o modo, os RR adquiriram o imóvel em causa por usucapião, uma vez que há mais de vinte anos vêm exercendo a posse sobre o imóvel á vista de toda a gente.

Os RR não se opuseram ao incidente de intervenção principal provocado das restantes irmãs.

Os AA apresentaram réplica, respondendo às excepções suscitadas apresentadas, articulado a que os RR responderam nos termos constantes de fls. 140 a 141.

A fls. 143 foi admitida a intervenção requerida e citados os chamados alegaram que a proposta de venda da fracção em causa por parte do senhorio foi falada em família, tendo o pai logo referido que não estava interessado na aquisição, transmitindo, no entanto, a ideia de que ficaria contente se algum deles quisesse comprar, prontificando-se a ceder o seu direito de preferência sem qualquer contrapartida.
A verdade é que a Ré, CC, acabou por adquirir a fracção, não tendo nenhum dos irmãos levantado qualquer problema.

A chamada HH que foi incluída no articulado deduzido conjuntamente com as restantes chamadas e pretendendo assumir uma posição equidistante no litígio, veio requerer a sua exclusão de tal articulado.
Na sequência deste articulado os AA vieram deduzir incidente de falsidade do articulado apresentado pelas chamadas a fls. 161 a 168.

Elaborou-se o despacho saneador, no qual se seleccionaram os factos assentes e os controversos, que integraram a base instrutória, selecção que foi objecto de reclamações deduzidas, por Autores, Réus e Chamadas.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR do pedido.

Os AA não se conformaram com esta decisão e apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a sentença recorrida, com expurgação do ponto 42 da sua fundamentação de facto.

Os AA não se conformaram também com o Acórdão da Relação e, daí a presente revista.

Nas suas alegações de recurso os recorrentes concluem:

1- O arrendatário habitacional dispõe, na sua esfera jurídica, do direito de preferência na aquisição da fracção autónoma ou do direito de usufruto.
2- Não se pode considerar como renúncia ao direito de aquisição da nua propriedade se o arrendatário fizer intervir em seu lugar, para o exercer, pessoa pelo mesmo designada e aceite pelo senhorio.
3- Nessa situação, o titular do direito e preferência cede esse seu direito.
4- O arrendatário, ao adquirir o usufruto do imóvel e, no mesmo e único acto notarial, ao dar a adquirir a uma filha a raiz da mesma propriedade transfere para esta esse direito de aquisição.
5- O objectivo dessa intervenção radica no benefício da caducidade do usufruto e subsequente direito à plena propriedade.
6- A oportunidade dada a essa filha que, como foi provado, a aceitou, constitui, não há outro sentido, uma doação indirecta desse direito de preferência pelo arrendatário - Pai.
7- Tratando-se de um imóvel urbano, tal doação representa valiosa repercussão financeira ao caducar o usufruto.
8- Tratando-se de pais de idade muito avançada, na ordem dos oitenta anos, tal benefício, transferido ou cedido, é de efeito e resultado a curta distância temporal.
9- Havendo outra filha, BB, também herdeira legitimaria e não tendo o Pai facultado a esta intervenção na mesma escritura, tem de ser levado à colação, entre as duas irmãs, o valor do bem assim proporcionado apenas a uma delas.
10- A intervenção da filha beneficiada, como outorgante adquirente, é, aparentemente um negócio legítimo mas, na verdade, não o é por constituir um expediente de ilegítima fuga à imperiosa colação.
11- A atribuição patrimonial a CC, por tal doação indirecta, constitui fraude á lei, ofendendo-se o seu espírito pela combinação de negócios legítimos, as referidas aquisições do usufruto e raiz da propriedade pelo pai e apenas uma das filhas.
12- Por sua vez, as contradições do douto acórdão recorrido assentam em não ter dado relevo ao facto de a filha CC ter outorgado com os pais e no mesmo acto notarial.
13- E também por considerar que o facto de ter sido uma filha a adquirir a nua propriedade é o mesmo que isso tivesse acontecido com um terceiro.
14- Reconheceu e concluiu o douto acórdão, ao homologar sentença, que não se pode reputar de renúncia a substituição da pessoa do arrendatário, o pai das irmãs partes.
15- Todavia, depois de se considerar assim expressamente que não houve renúncia do arrendatário - Pai ao exercício do direito de preferência quanto à aquisição da nua propriedade, acabou-se a final, no douto acórdão, por se afirmar contra o que fora antes escrito, que o que aconteceu foi uma renúncia.
16- O douto acórdão ao concluir que houve renúncia parcial tácita do arrendatário, colocou-se de modo a invocar, embora erradamente que “ não há doação na renúncia a direito”( art. 940 do CC)
17- Com fundamento na alínea a) do nº1 do art. 722 do CPC (versão anterior), por violação da lei substantiva por erro de aplicação dos arts. 2.104 nº1, 2105, 2108º nº1 e 2157 e 940 nº1 todos do C. Civil e por erro de interpretação do nº2 do art. 940 do mesmo diploma legal deve ser revogado o douto acórdão e em consequência determinar-se que há lugar à colação e que o valor do bem imóvel em causa deve ser partilhado entre as irmãs – partes após incidente de liquidação.

Os RR apresentaram contra - alegações contrariando as posições defendidas pelos recorrentes nas suas conclusões de recurso, concluindo pela confirmação do Acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II- Fundamentação:


Os factos provados são os seguintes:

1- Os AA são filhos de II e de EE - A);
2- FF, GG, HH, são filhas de II e EE e irmãs dos AA e da R mulher - DD);
3- Os pais dos AA residiam no.......,.....do prédio sito na Avenida ..........., nº ...., em Lisboa, em 1/03/56 , prestando ao senhorio uma contrapartida monetária pela cedência do gozo do imóvel - B);
4- Os AA e a R residiram no imóvel referido no ponto 3. Até casarem - C);
5- Depois de casada a R passou a residir sempre fora de Lisboa, tendo-se efectivado em Vila Viçosa como Professora - D) e E) ( v. correcção ordenada a fls. 1324).
6- O R, geólogo, natural de Vila Viçosa, também aí se empregou em empresas de exploração de mármores – F) e G)
7- Os RR viveram na Rua ........, prestando ao senhorio uma contrapartida monetária pela cedência do gozo do imóvel, até começarem a construir uma vivenda, sita na ............., em 1981 ( H, CC) e MM);
8- Em Novembro de 1980 os RR declararam comprar o lote onde vieram a implantar a vivenda referida no ponto 7-JJ);
9- É em Évora e Vila Viçosa que dois dos três filhos dos RR residem e onde se fixaram no exercício das respectivas profissões – L)
10- Em 1979 Os RR tinham tomado a decisão de virem viver para Lisboa, tendo o R entre outras tentativas, chegado a ser opositor a um concurso documental, para provimento de um lugar de geólogo do quadro permanente da Direcção Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos (D.O.R.A.H) – resposta ao quesito 26º;
11- E chegou a aceitar e ser colocado em Lisboa, em Junho de 1980- resposta ao quesito 27º;
12- Lugar, que por fim, acabou por não ocupar, porque entretanto, decidiu aceitar o cargo de Director Geral da Empresa E.T.MA. SA em Vila Viçosa, onde iniciou funções, em Setembro de 1980- 28º;
13- O R trabalhou na sociedade Solubema SA em Vila Viçosa, desde o início dos anos 80 até á reforma - 30º;
14- Era do conhecimento dos pais da Ré, que os RR tinham a sua vida profissional instalada em Vila Viçosa, a partir de Setembro de 1980- LL);
15- Os cinco irmãos da R sempre residiram em Lisboa, aqui tinham e têm instalada a sua vida profissional e aqui criaram e educaram os respectivos filhos - M);
16- Os cinco filhos, residentes em Lisboa compareciam em casa dos pais pontualmente, quando era necessário acompanhá-los e apoiá-los – 5º;
17- Ainda em vida do pai dos AA, veio residir no andar e cuidar dos pais dos AA uma prima JJ, que, entretanto, faleceu - Q);
18- Depois aí instalou-se KK, que daí casou, que cuidou do casal até á morte do pai da Ré, continuando aí a residir, já com o marido, na companhia da mãe dos AA- R);
19- Quando a KK e marido deixaram a casa e foram residir para o andar dos mesmos, vieram viver, para a casa da mãe dos AA, a D. LL e o marido - S);
20- Por impossibilidade de continuação dos serviços da D. Lucinda, foi a filha HH que passou a tomar conta e o encargo de assistir á mãe - T);
21- Por dificuldades surgidas, voltou KK a residir no andar, com o marido Eduardo e aí cuidou da mãe dos AA e da Ré até aquela falecer - U);
22- A filha HH residia e reside no mesmo prédio em que residiram os pais , no ..........- V);
23- A Ré foi, várias vezes, substituir a prima ...., D, KK, D. LL e, até mais tarde, a irmã da Ré HH - 32º;
24- Os RR apesar de morarem longe vinham a Lisboa, de tempos a tempos, ficando, nesses fins de semana ou feriados, em cada da irmã do RLLLLL, ou na casa dos pais, na Av. ..........., visitando-os – ...e.....;
25- Os RR chegaram a levar os pais da R para sua casa em Vila Viçosa - 34º;
26- Os pais dos AA proporcionaram a cada um dos seis filhos tudo o que precisaram para tirarem os seus cursos e estudarem até quando quiseram ou puderam – N);
27- Primaram os pais dos AA por serem imparciais tratando cada um dos filhos sem desfavor para qualquer outro - O);
28- O pai dos AA era uma pessoa nervosa, preocupada com o futuro, vivendo com a obsessão dele e a mulher virem a ter uma “ velhice” sem problemas – P);
29- Por volta de 1979/80, o proprietário do prédio onde residiam os pais dos AA propôs ao pai destes, tal como a todos os outros arrendatários, a compra da respectiva fracção de habitação pelo preço de 800.000$00- X) e 6º;
30- Entre 1979 e 1981 o facto referido no ponto 29, foi falado entre os membros da família - 36º;
31- A mãe dos AA e da R decidia em conjunto com o pai - 31º;
32- Os pais dos AA e da R fizeram saber aos filhos que não tinham intenção de adquirir a fracção - 37º;
33- Os RR aceitaram comprar a fracção - 39º;
34- Em 20.03.81 MM declarou prometer vender e o R marido declarou prometer comprara o imóvel referido no ponto 3. NN) e 12º;
35- Em 17/12/81 perante o notário do 22º Cartório Notarial de Lisboa, os pais dos ora AA declararam comprar e a MM declarou vender o usufruto simultâneo e sucessivo da fracção autónoma, designada pela letra “ H” correspondente ao imóvel referido no ponto 3- AA);
36- Na data referida no ponto 35, a R declarou comprara e DD declarou vender, a raiz ou nua propriedade da mesma fracção autónoma, inscrita no registo predial cfr. G100000000 Ap. 4 de 0000000000 e o cancelamento do usufruto mostra-se inscrito pelo Averb. - Ap. 7de 2001/11/20- BB) e FF);
37- Antes do facto referido no ponto 36º os RR, já tinham começado a construir a vivenda em Vila Viçosa - II);
38- DD, vendo que uma filha do arrendatário, a aqui Ré, queria ser ela a adquirir a propriedade da fracção autónoma em causa, pediu aos pais dos AA, pelo direito de preferência que lhes assistia , que declarassem formalmente a renúncia á compra do andar - Z);
39- Os AA em 02/04/93 intervieram, conjuntamente com a mãe e os restantes irmãos, na partilha hereditária, por óbito do pai, celebrado no 19º Cartório Notarial de Lisboa na qual não consta qualquer referência ao direito que os AA agora reclamam - EE;
40- Desde a data referida no ponto 35 que os RR têm agido, perante todos os elementos da família e perante os restantes condóminos do prédio referido no ponto 3, como proprietários da fracção “H”- 44º;
41- Todas as questões relacionadas com as partes comuns do prédio relativas à fracção em causa, foram sempre assumidas e tratadas, desde a data da aquisição, pelos RR- 45º;
42- Eliminado.
43- Foram sempre os RR quem respondeu perante o condomínio e a sua administração pelos encargos de manutenção e conservação das partes comuns do prédio - 47º;
44- Fizeram-se representar em reuniões do condomínio e, conjuntamente com os restantes proprietários das outras fracções, discutiram e votam as ordens de trabalhos dessas assembleias de condóminos - 48º;
45- A interveniente HH subscreveu a declaração junta a fls. 173 onde declara que pretende assumir uma posição de equidistância entre todos os irmãos e que por lapso foi incluído o seu nome no articulado referente às suas irmãs HH e GG - GG
46- No requerimento de fls. 173 mostra-se aposta a assinatura da Exma Sra. Dra. NN e o carinho desta - HH);
47- Na data da outorga das procurações pelas intervenientes à Exma Sra. Dra. NN ( 11/11/02) e na data de entrada do articulado apresentado pelas intervenientes ( o5/12/02) , estas nunca tinham estado pessoalmente com aquela Sra. Advogada - 50º e 51º

Apreciando:


Duas questões fundamentalmente a decidir:

Saber se houve renúncia do direito de preferência por parte do arrendatário habitacional e, se estamos perante um caso de doação indirecta, pelo facto de na escritura de compra e venda relativamente à nua propriedade da fracção em causa ter outorgado a filha do titular do direito de preferência (arrendatário), em vez deste.

Renúncia do direito de preferência:


A respeito da renúncia do direito de preferência por parte do arrendatário registe-se o que mais de relevante se provou:

Por volta de 1979/80, o proprietário do prédio onde residiam os pais dos AA propôs ao pai destes, tal como a todos os outros arrendatários, a compra da respectiva fracção de habitação pelo preço de 800.000$00 - X) e resposta ao quesito 6º.
Os pais dos AA e da R fizeram saber aos filhos que não tinham intenção de adquirir a fracção – 39º
MM (o senhorio) vendo que uma filha do arrendatário, a, aqui, Ré, queria ser ela a adquirir a propriedade da fracção autónoma em causa, pediu aos pais dos AA pelo direito de preferência que lhes assistia, que declarasse formalmente a renúncia á compra do andar - Z).
Os pais dos AA e da Ré fizeram saber aos filhos que não tinham intenção de adquirir a fracção – 37º
Os RR aceitaram comprar a fracção - 39º.
Em 20.03.81 MM declarou prometer vender e o R marido declarou prometer comprar o imóvel referido no ponto 3 do elenco dos factos provados - NN e 12º;
Em 17/12/ 1981, perante o notário do 22º Cartório Notarial de Lisboa, os pais dos ora A declararam comprar e MM declarou vender o usufruto simultâneo e sucessivo da fracção autónoma designada pela letra “ H” correspondente ao imóvel referido no ponto 3- AA);
Na mesma data, ou seja em 17/12/81 a Ré declarou comprar e MM declarou vender a raiz ou nua propriedade da mesma fracção autónoma, inscrita no registo predial cfr. G0000000 – Ap.de 000000 e o cancelamento usufruto mostra-se inscrito pelo averb. - Ap. 7de 2001/11/20 –BB) e FF).

Não há dúvida que os pais dos AA, na qualidade arrendatários, assiste-lhes os direito de preferência em conformidade com o art. 1117 do C. Civil ( aplicável à data da escritura de compra e venda, aqui em causa).
E sendo assim, querendo o proprietário vender a fracção arrendada, a um terceiro impõe-se-lhe comunicar ao inquilino “ o projecto de venda e as cláusulas do respectivo do respectivo contrato em conformidade com o art. 416 nº1 do c: Civil”.
A respeito da comunicação para o exercício do direito de preferência veja-se os Acs. do STJ referenciados no Ac. do STJ de 11/1/2001 ( Salazar Casanova)acessível in http://bdjur.almedina.net/juris. e que, aqui, seguimos , como sejam o de 19/11/2002 in CJ STJ Tomo III pag. 133, o Ac. de 5/7 / 2001 ( Neves Ribeiro) ( revista nº 1765/01- 7ª secção em que se refere:

III- A comunicação levada ao conhecimento do titular de preferência deve conter todos os elementos essenciais à venda que possam influir na formação da vontade do preferente.
IV- Assim, essa comunicação deverá mencionar, designadamente, o preço da coisa a alienara, as condições de pagamento, o prazo em que será celebrada a escritura, se haverá contrato-promessa prévio, dentro de que prazo e qual o valor do sinal e quais os possíveis compradores que se apresentam, nomeadamente se gozarem de direito de denunciar o arrendamento (por exemplo, tratando-se de preferência legal decorrente de um arrendamento especialmente, se este for urbano, destinado à habitação.

Também no mesmo sentido o Ac. STJ de 18/5/2004 (Silva Salazar)( revista nº 1418/04- 6ª secção com o seguinte sumário:

I- Para cumprir a obrigação de dar preferência ao arrendatário de prédio urbano na compra e venda ou dação em cumprimento do prédio locado, deve o senhorio comunicar-lhe, previamente as tais vendas ou dação, não uma simples intenção de alienar, mas a existência de um projecto de contrato com terceiro ou terceiros, com determinadas cláusulas.
II- Dessas cláusulas deve o senhorio dar a conhecer ao arrendatário as que incluem os elementos essenciais do contrato, ou seja, aqueles elementos susceptíveis de determinar a formação do titular do direito de preferência no sentido de decidir se irá ou não exercer tal direito.
III- Tais elementos são os que respeitam não só à identificação do prédio e à indicação do preço praticar, mas também à modalidade de pagamento deste e à identificação do interessado na aquisição.
IV- Não sendo feita a comunicação nesses termos, não há caducidade do direito de preferência nem renúncia ao seu exercício, renúncia esta que, se tiver lugar sem eficaz comunicação prévia do projecto de alienação, é também ineficaz.
V- Não há, assim, renúncia ao direito de preferência se no decurso de uma conversa um proprietário manifesta ao titular desse direito a sua intenção de vender de terminado imóvel e o mesmo titular manifesta desinteresse na compra.
VI- Não revela, só por si, abuso de direito, o facto de o titular do direito de preferência o exercer após ter manifestado tal desinteresse.

Mas de harmonia com os factos provados acima referenciados, o senhorio propôs, antes, directamente aos pais dos AA ( arrendatários) a venda da fracção pelo preço de 800.000$00, tendo estes feito saber aos filhos que não estavam interessados na compra, mas este circunstancialismo fáctico, per si, não configura qualquer renúncia ao direito de preferência que lhes assistia, simplesmente também porque não houve sequer da parte do senhorio a comunicação de um verdadeiro projecto de contrato de compra e venda e respectivas cláusulas com um terceiro.
Efectivamente, não se põe, aqui, sequer a hipótese de renúncia ao direito de preferência por parte do arrendatário habitacional, se o senhorio em vez de comunicar um projecto de venda a terceiro, comunica ao arrendatário apenas o seu interesse em vender-lhe directamente a fracção por ele habitada e este comunica apenas aos filhos o seu desinteresse na aquisição.

Mas a questão da renúncia já se pode colocar quando os pais dos AA e da Ré, titulares do direito de preferência, outorgam na escritura pública de compra e venda de 17/12/81 para adquirirem apenas o usufruto, enquanto a nua propriedade da fracção nesse mesmo acto ( escritura) é adquirida pela filha dos AA, a aqui Ré.
Configurará isto uma situação de renúncia à preferência?
O Acórdão recorrido considerou que pelo facto de os pais dos AA (arrendatários) não terem adquirido também através da referida escritura a nua propriedade da fracção, renunciaram tacitamente ao seu direito de preferência, nos termos do art. 217 nº1 do C. Civil.

Será assim?

Segundo o citado normativo” A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem”.
A respeito deste preceito refere o Prof. Rui Alarcão in “ A Confirmação dos Negócios Anuláveis vol. I pag. 190 e segs.” O preceito formula a distinção entre declarações expressas e tácitas conforme o critério do carácter directo ou indirecto da declaração”.
Segundo este critério e citando o Prof. Manuel Andrade escreve «será expressa a declaração que se destina unicamente ou em primeira linha a exteriorizar certa vontade negocial ( declaração directa ou imediata); e tácita a que se destina unicamente ou em via principal a outro fim, mas a latere permite concluir com bastante segurança uma dada vontade negocial (declaração indirecta ou mediata).
Será declarada expressamente a vontade negocial que corresponda ao sentido directo (posto que subjectivo) dos meios declaratórios empregados , e tacitamente aquela que corresponde a um sentido indirecto desse comportamento»

A propósito da declaração tácita, referenciada no citado art. 217 nº1 do C.Civil o Ac. do STJ de 24/5/2007 acessível in http://stj.vlex.pt / tirou as seguintes conclusões:

I- A declaração tácita é constituída por um “ comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou comunicação de algo, embora esse comportamento finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo”- tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.
II- Os comportamentos que podem servir de suporte à declaração negocial tácita integram matéria de facto - se eles integram ou não uma declaração negocial tácita é questão de direito, a resolver em sede de interpretação, segundo os critérios acolhidos pelo art. 236 do C. Civil.
III- Tratando-se de uma declaração receptícia, a declaração há-de valer com o sentido que um declaratário razoável ( normalmente esclarecido e diligente) colocado na concreta posição do real destinatário, lhe atribuiria (impressão do destinatário)
IV- Do mesmo modo, a determinação do comportamento concludente “ que deve ser visto como elemento objectivo da declaração tácita”, faz-se tal como na declaração expressa, por via interpretativa: -Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade , é entendimento geral que a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade, devendo ser aferido por um “ critério prático” baseada numa “conduta suficientemente significativa “ e que não deixe “ nenhum fundamento razoável para dúvidas “ do significado que dos factos se depreende.

Também o Prof. Rui Alarcão in ob. cit. e citando o Prof. Manuel Andrade refere que esta inequivocidade ou univocidade dos factos concludentia é, aferida por um critério prático, que não por um critério lógico. «Existirá sempre que conforme os usos da vida , haja quanto aos factos de que se trata a probabilidade de terem sido praticados com dada significação social ( aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem decisões ) – ainda que porventura não esteja precludida a possibilidade de outra significação. Em tal caso deverá reputar-se tacitamente declarada aquela vontade».

Postas estas considerações importa agora confrontá-las com a realidade dos factos provados:

Estamos perante uma escritura de compra e venda celebrada em 17 de Dezembro de 1981 em que foram outorgantes MM ( (senhorio), II e mulher EE ( arrendatários) e HH ( filha dos arrendatários) em que os arrendatários ( pais dos AA e da Ré ) adquiriram apenas o usufruto da fracção que habitavam e a filha acima identificada adquiriu a raiz e nua propriedade da mesma fracção.

Não há dúvidas que os pais dos AA e Ré, como arrendatários da fracção aqui em causa, tinham o direito de preferência em caso de venda da fracção.

O senhorio vendo que uma filha do arrendatário, a aqui, Ré, queria ser ela a adquirir a propriedade da fracção autónoma em causa pediu aos pais dos AA pelo direito de preferência que lhes assistia que declarassem formalmente a renúncia à compra do andar – alínea Z).
Os arrendatários sabendo da disponibilidade do senhorio em vender á filha, é certo que não declararam formal e expressamente a renúncia, conforme o senhorio lhes tinha pedido, mas o certo é que o seu comportamento na escritura ao adquirir apenas o usufruto da fracção, à luz do citado art. 236 nº1 do C. Civil, configura com uma grande probabilidade e segurança uma verdadeira declaração tácita de renúncia ao direito de preferência (note-se que estamos perante um negócio imobiliário, que à época ( 1981) era muito frequente e usual - os senhorios venderem as fracções habitacionais aos próprios inquilinos, acontecendo também muitas vezes nesse negócio, obviamente sem oposição dos senhorios, a posição dos inquilinos ser ocupada pelos respectivos filhos, nomeadamente quando os inquilinos apresentavam idades avançadas, como era o caso).
Ora, é precisamente neste contexto negocial que se deve compreender o negócio da compra e venda aqui em causa e plasmada na escritura e o facto de os arrendatários nada terem dito ou declarado relativamente ao seu direito de preferência naquele acto de escritura, equivale, à luz do citado art. 236 nº1, conjugado também com o estatuído no art. 218 do mesmo diploma, que atribui ao silêncio como “uma verdadeira declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei , uso ou convenção”.
E neste contexto a omissão dos pais dos AA( mais propriamente,a falta de declaração directa ou imediata) no acto da escritura relativamente ao direito de preferência, para um declaratário normal, pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligências medianas e considerando o tipo de negócio aqui em causa e, como se disse, muito frequente e usual na época, equivale a uma verdadeira declaração tácita de renúncia, outro significado não se pode extrair de tal comportamento.

Conclui-se, assim, por todo este circunstancialismo fáctico-negocial, tal como o Acórdão recorrido, que os arrendatários renunciaram tacitamente ao direito de preferência.

E havendo renúncia ao direito de preferência há que considerar o estatuído no nº2 do art. 940 do CC, segundo o qual “ não há doação na renúncia a direitos e no repúdio de herança ou legado, nem tão-pouco nos donativos conforme aos usos sociais”

Tanto basta para a improcedência da revista.

Em conclusão:

I- A pessoa a quem caiba o poder de emitir uma declaração negocial e não tendo manifestado a vontade negocial de modo directo ou imediato e tenha adoptado um comportamento donde se infira com toda a probabilidade e segurança a sua vontade negocial (declaração indirecta ou mediata) configura uma declaração tácita nos termos do art. 217 nº1 do C. Civil;
II- E tratando-se de uma declaração receptícia a mesma há-de valer com o sentido de um declaratário normal, pessoa de razoabilidade, sagacidade, conhecimentos e diligências medianos e considerando o negócio em causa, muito usual na época, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
III- Tendo o senhorio pedido aos arrendatários que declarassem formalmente a renúncia à compra do andar e tendo estes outorgado na escritura de compra e venda adquirindo apenas o usufruto da fracção e a filha adquirido a nua propriedade, traduz um comportamento por parte dos arrendatários, titulares do direito de preferência, que configura com uma grande probabilidade e segurança uma verdadeira declaração tácita de renúncia ao direito de preferência.
IV- Este sentido da declaração não se pode, no entanto, dissociar do negócio imobiliário, aqui em questão, que na época ( 1981) era muito frequente e usual – os senhorios venderam as respectivas fracções habitacionais aos próprios inquilinos, acontecendo também muitas vezes nesse tipo de negócio, obviamente sem oposição dos senhorios, a posição dos inquilinos ser ocupada pelos respectivos filhos, nomeadamente quando os inquilinos apresentavam idades muito avançadas.
V- É neste contexto negocial que a omissão (falta de declaração directa) dos arrendatários relativamente ao direito de preferência na aludida escritura de compra e venda, deve ser compreendida, equivalendo, tendo em conta o princípio do citado art. 236 nº1 do C. Civil e também o estatuído no art. 218 do mesmo Código a uma verdadeira declaração negocial de renúncia.
VI- E havendo renúncia de direitos, nos termos supra descritos, não se pode falar à luz do art. 940 nº2 do C. Civil que, com a aquisição por parte da filha dos arrendatários da nua propriedade, tenha havido uma doação a seu favor por parte dos arrendatários e titulares do direito de preferência.


III- Decisão:


Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes deste Supremo em negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido.
Custas pelos AA

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 19 de Maio de 2011



Tavares de Paiva (Relator)
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva