Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
24/22.7YFLSB.S1
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 10/10/2022
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :
I – A redação do art. 3.º, n.º 3, do CPC, limitou a imperiosa observância do contraditório aos casos em que a considerou justificada, dispensando-a nos casos de "manifesta desnecessidade".
II - O exercício do contraditório só é justificável se puder gerar o efeito que com ele se pretende - permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal - pois, de outro modo, será inútil, tendo tal juízo de ser aferido em termos objetivos.
III - No caso em decisão, a "manifesta desnecessidade" decorre da própria lei – art. 116.º do CPTA - uma vez que a questão (da legitimidade/ilegitimidade) é matéria que a parte tinha a obrigação de prever que o tribunal podia e devia decidir em determinado sentido, como veio a decidir, não podendo razoavelmente considerar-se que, nesses casos, a decisão proferida pelo tribunal configure uma decisão-surpresa.
IV - Devendo o requerente alegar na sua petição todos os requisitos objetivos e subjetivos para a procedência da pretensão que requer - vd. art. 114.º do CPTA - e estando o processo no momento da apreciação liminar pelo juiz, numa fase em que ainda se encontram fora do processo a parte requerida e os contrainteressados, percebe-se que não tenha sentido algum promover o contraditório daqueles que ainda não foram chamados aos autos e só o serão se o requerimento inicial for admitido e, por outro lado, que o contraditório não deva ser exercido relativamente ao apresentante da pretensão, que tinha a obrigação de alegar todos os elementos de facto e de direito (nomeadamente os referentes à sua legitimidade).
V - Ainda que não possa ser objeto de recurso (por a secção do contencioso do STJ ser a instância jurisdicional única de decisão), a decisão singular tirada sobre a rejeição liminar de um procedimento cautelar é suscetível de reclamação para a conferência.
VI – A reclamação para a conferência não se constitui como um recurso sobre a decisão singular, antes sim uma solicitação para que o coletivo aprecie e se pronuncie sobre a mesma matéria que o relator decidiu e em face dos mesmos elementos, isto é, no caso, do requerimento inicial. Podendo os requerentes apresentar argumentos de interpretação do que antes alegaram, é o que antes se encontra alegado que define o objeto de análise e decisão do coletivo, como antes o foi para o relator.
VII - A exigência do requisito "interesse direto e pessoal”, previsto no art. 55.º do CPTA, evidencia que para ser impugnado um ato administrativo, designadamente do CSM; não será necessário que esteja em causa uma ofensa a um direito juridicamente tutelado, mas antes que aquele ato, no momento em que é impugnado, esteja a gerar determinadas consequências (diretas e pessoais) desfavoráveis na esfera jurídica do autor.
VIII - Para que se conclua pelo preenchimento do pressuposto da legitimidade processual ativa, é necessário, nos termos do art. 55.º, n.º 1, do CPTA que o impugnante alegue ser, ele próprio, o titular do interesse em nome do qual se move o processo e com o qual pode retirar, para si próprio, uma utilidade concreta na anulação do ato impugnado pese embora o mesmo interesse possa ser comum a um conjunto de pessoas ou a pessoas diferenciadas. Daí que se o interesse não revestir aquele carácter “pessoal” na medida em que pertence ou está investido na titularidade da coletividade em geral ou de uma comunidade (interesse difuso) ou pertence a certos grupos ou categorias organizadas de cidadãos (interesse coletivo), estamos fora do âmbito da previsão da al. a) do n.º 1 do art. 55.º do CPTA.
Decisão Texto Integral:


Processo nº 24/22.7YFLSB

Relator – Juiz Conselheiro Manuel Capelo

Adjunta – Senhora Juíza Conselheira Maria João Tomé

Adjunto – Senhor Juiz Conselheiro Rijo Ferreira

Adjunto – Senhor Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da cunha

Adjunto – Senhor Juiz Conselheiro Ramalho Pinto

Adjunto – Senhor Juiz Conselheiro António Gama

Adjunto – Senhor Juiz Conselheiro Barateiro Martins

Presidente da Secção do Contencioso do STJ – Senhora Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam em Conferência no Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça

AA cidadão de nacionalidade ..., residente em ..., ..., ... ..., ..., e BB, cidadão de nacionalidade ..., residente em ..., ..., ..., ..., ..., vêm requerer contra o Conselho Superior da Magistratura e identificando como contrainteressados CC, com domicílio profissional na Av. ..., ... -..., ... ...; DD com domicílio profissional na Rua ... - ... – ... ... – ... ...; e EE, com domicílio profissional na Av. ..., ... -..., ... ...

providência cautelar de suspensão (parcial) de eficácia de atos administrativos nos termos previstos nos artigos 169.º, 170.º, n.º 1, 171.º, n.º 4, 172.º, n.º 2 e 174.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (“EMJ”), e nos artigos 2.º, n.º 1, 10.º, n.º 2, 112.º, n.os 1 e 2, alínea a) e 114.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), com o efeito de proibição de execução dos atos determinado pelos nºs 2 e 3 do 128.º do mesmo diploma, consubstanciados nas decisões do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 5 de julho de 2022 e de 6 de setembro de 2022 na parte em que determinaram:

1) A suspensão do exercício de funções do Dr. CC como titular do lugar de J... , desapossando-o, ilegalmente desse lugar e afetando-o, abstratamente, ao Tribunal Central de Instrução Criminal;

2) O sequente preenchimento do lugar de J... por outro magistrado, em comissão de serviço;

3) A afetação, a um magistrado em substituição, desse mesmo lugar.

… …

Em síntese invocam como fundamento para a pretensão que deduzem:

- serem os requerentes arguidos num processo penal que vem correndo termos sob o número 324/14...., no Departamento Central de Investigação Criminal e no Tribunal Central de Instrução Criminal;

- no dia 14.07.2020 foi deduzida acusação pública, tendo sido imputada aos Requerentes a prática de diversos crimes, previstos e puníveis pelo ordenamento jurídico-penal português;

- os Requerentes foram notificados da acusação em março de 2021 e requereram a abertura da instrução, tendo sido o Dr. CC, que como juiz titular do lugar J... do TCIC, quem, em janeiro de 2022, declarou aberta a instrução e fez uma programação dos atos de instrução a realizar, determinando a respetiva sequência;

- em março de 2022, torna-se pública a existência de um processo disciplinar em que é visado o Dr. CC.

- no Projeto do Movimento Judicial Ordinário de 2022 – Tribunais de Primeira Instância, de 15 de junho de 2022 aparece a indicação do Dr. DD como colocado, definitivamente, no lugar de Juiz ... no TCIC indicando, desde logo, a manutenção da Comissão de Serviço, isto é: o exercício das funções de Juiz Presidente da Comarca ....

- no mesmo projeto de Movimento Judicial Ordinário de 2022 consta, a colocação do Dr. EE no Tribunal Central Instrução Criminal na Vaga de Auxiliar de substituição de titular

- em 22 de junho de 2022, através da Divulgação n.º 123/2022, de 22 de junho de 2022, do CSM, a 2.ª versão do Movimento Judicial Ordinário – 2022 para os Tribunais de Primeira Instância manteve sem modificação, no que respeita ao lugar de Juiz ... do TCIC e às movimentações, as colocações dos contrainteressados Drs. DD e EE;

- na Divulgação n.º 136/2022, de 6 de julho de 2022, o CSM consignou a decisão respeitante ao Movimento Judicial Ordinário – 2022, para os Tribunais da Relação e Tribunais de Primeira Instância, aprovado por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 05 de julho de 2022 e no que respeita ao Dr. CC, a promoção do lugar de Juiz ... no TCIC, para o Tribunal da Relação ... - Secção ... -Lugar de Efetivo - Promoção e Colocação.

- O CSM deliberou por unanimidade “Afetação em virtude da suspensão da promoção ao Tribunal da Relação Em virtude da suspensão da promoção ao Tribunal da Relação do Exmo. Sr. Juiz Dr. CC, foi deliberado por unanimidade afetar este Exmo. Sr. Juiz ao Tribunal Central de Instrução Criminal, a fim de prolatar a decisão instrutória relativa ao processo 5432/15...., uma vez que iniciou o debate instrutório no mesmo processo.

Mais foi deliberado por unanimidade que o Exmo. Senhor Juiz Dr. EE, colocado no Movimento Judicial Ordinário de 2022 como juiz auxiliar de substituição no Tribunal Central de Instrução Criminal, o qual foi posteriormente afeto por decisão de 31 de agosto de 2022 ao lugar de J..., em substituição do titular que se encontra em comissão de serviço, ficará afeto ao processo n.º 324/14...., bem como ao processo n.º 122/13...., mantendo-se a suspensão da distribuição ao lugar de J... de modo a permitir que o Sr. Juiz fique afeto aos referidos processos, em regime de exclusividade.

Mais foi deliberado por unanimidade manter a suspensão da distribuição ao lugar de J... do Tribunal Central de Instrução Criminal até 15 de julho de 2023, por se manterem os pressupostos que fundamentaram a atribuição desta suspensão.”

Os requerentes imputam a estes atos ilegalidade por desrazoabilidade e desnecessidade; resultarem para eles como arguidos no processo os prejuízos irreparáveis resultantes da eficácia desses mesmos atos; ser ilegal a interpretação e aplicação da suspensão da promoção do Dr. CC e ilegal a movimentação para o lugar de Juiz ... consistindo os atos suspendendo numa situação “de “ocupação” do lugar de Juiz ... por um juiz destacado, e, portanto, necessariamente, sem as habilitações para o cargo, pois que estes, evidentemente, não concorrem para ser auxiliares em substituição, poderá manter-se durante vários anos, pelo menos enquanto durar a comissão de serviço daquele que foi nomeado como titular efetivo do lugar de Juiz ....

… …

Na apreciação liminar do requerimento foi o procedimento cautelar rejeitado liminarmente, por decisão do relator, nos termos do art. 116 nº1 al.b) do CPTA com fundamento na ilegitimidade dos requerentes para interpor a providência.

… …

Os requerentes, notificados desta decisão, vieram “reclamar para a conferência” arguindo a nulidade da decisão singular nos termos do art. 615 nº1 al. d) do CPC por ela constituir uma decisão surpresa em virtude de não se ter cumprido o contraditório;

no mais, o requerimento da “reclamação”, pretende que o Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie coletivamente sobre o requerimento inicial da providência requerida (alterando a decisão singular proferida) aduzindo os argumentos que em seu entender concorrem para que se proceda a tal alteração.

… …

Apreciando e decidindo a nulidade arguida, temos presente que o art. 3º nº2 do CPC estabelece que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir de questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

O princípio do contraditório, visto como o direito de influenciar a decisão, é uma garantia de participação e acompanhamento efetivos das partes no desenrolar do litígio possibilitando-lhes a influência quer no âmbito da alegação da matéria de facto, quer no âmbito das provas quer quanto ao direito – vd. Lebre de Freitas in Estudos sobre direito civil e processo civil. Coimbra: Coimbra Editora, pág. 17 a 19 e Introdução ao Processo Civil. Conceitos e princípios gerais, 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, pág. 107.  O princípio do contraditório passou a compreender quer o direito ao conhecimento e pronúncia sobre todos os elementos suscetíveis de influenciar a decisão existentes no processo pela parte contrária (contraditório clássico ou horizontal) quer o direito de ambas as partes intervirem para influenciarem a decisão da causa, assim se evitando decisões surpresa (contraditório vertical). E por esta razão, o nº 3, do citado artigo 3º, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido, como vimos, como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, trazendo para o nosso direito processual uma conceção mais alargada, visando-se prevenir as “decisões surpresa”.

Todavia, a redação desse preceito exceciona do contraditório os casos de “manifesta desnecessidade” e na delimitação deste limite Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto sustentam que o contraditório prévio pode ser dispensado em procedimentos cautelares (…) e que não deve ter lugar o convite dirigido às partes para discutirem uma questão de direito quando as mesmas “embora não tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente o tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente, por ter sido apresentada uma versão fáctica não contrariada que manifestamente não consentia outra qualificação” – in “Código de processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 10.

A referida disposição legal limitou a imperiosa observância do contraditório aos casos em que a considerou justificada, dispensando-a nos casos de “manifesta desnecessidade” isto é “quando - nomeadamente por se tratar de questões simples e incontroversas – tal audição se configure como verdadeiro “ato inútil”(…) só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela” - Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto, “Código de processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 33.

Nesta sequência de entendimento, cremos não se poder, sob pena de se subverter o espírito da norma em causa, generalizar a audição complementar das partes de modo a considerar que toda e qualquer questão que se suscite imponha tal audição. O exercício do contraditório só é justificável se puder gerar o efeito que com ele se pretende - permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal - pois, de outro modo, será inútil, tendo tal juízo de ser aferido em termos objetivos. Ainda, a eventual “negligência da parte interessada que, v.g. omite quaisquer ‘razões de direito’, alega frouxamente, situando de forma truncada e insuficiente o óbvio enquadramento jurídico da sua pretensão ou deixa escapar questões jurídicas clara e inquestionavelmente decorrentes dos autos, não merece naturalmente tutela, em termos de obrigar o tribunal – movendo-se, no momento da decisão, dentro dos próprios institutos jurídicos em que as partes no essencial haviam situado as suas pretensões – a, sob pena de nulidade, realizar uma audição não compreendida no normal fluir da causa” - Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto, “Código de processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 33 e 34.

No caso em decisão a “manifesta desnecessidade” decorre da própria lei uma vez que a questão (da legitimidade/ilegitimidade) é matéria que a parte tinha a obrigação de prever que o tribunal podia e devia decidir em determinado sentido, como veio a decidir, não podendo razoavelmente considerar-se que, nesses casos, a decisão proferida pelo tribunal configure uma decisão-surpresa. É a própria lei, o art. art. 116 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a estabelecer que “1 - Uma vez distribuído, o processo é concluso ao juiz com a maior urgência, para despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, no qual, sendo o requerimento admitido, é ordenada a citação da entidade requerida e dos contrainteressados.

2 - Constituem fundamento de rejeição liminar do requerimento:

a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito;

b) A manifesta ilegitimidade do requerente; (…)”

Resulta desta redação, com meridiana clareza, que uma vez apresentado o requerimento da providência a sua tramitação reveste a natureza de máxima urgência determinando-se um prazo de 48 horas para que o juiz se pronuncie sobre a admissão do requerimento, caso em que determinará a citação dos requeridos e contrainteressados, ou para que se pronuncie sobre a sua não admissão, a sua rejeição liminar.

Devendo o requerente alegar na sua petição  todos os requisitos objetivos e subjetivos para a procedência da pretensão que requer – vd. art. 114 do CPTA – e estando o processo no momento da apreciação liminar pelo juiz numa fase em que ainda se encontram fora do processo a parte requerida e os contrainteressados, percebe-se que não tenha sentido algum promover o contraditório daqueles que ainda não foram chamados aos autos e só o serão se o requerimento inicial for admitido e, por outro lado, que o contraditório não deva ser exercido relativamente ao apresentante da pretensão que tinha a obrigação de alegar todos os elementos de facto e de direito (nomeadamente os referentes à sua legitimidade) não havendo surpresa alguma quanto a saber com toda a previsão (que a própria lei expressamente contempla) que o julgador antes da citação irá apreciar liminarmente a admissibilidade do requerimento designadamente quanto à legitimidade. Que tal é assim, é certificado no próprio art. 116 do CPTA nº1 que impõe ao juiz que em 48 horas, a partir da data em que o requerimento deu entrada em juízo, sem qualquer outra diligência (que inviabilizaria a máxima urgência de 48 horas), se pronuncie sobre a sua admissão liminar em face dos termos desse requerimento conforme foi apresentado.

Pelo exposto se conclui que não foi cometida qualquer nulidade consistente na omissão do cumprimento do princípio do contraditório e, em consequência, é julgada improcedente a sua arguição.

… …

Quanto à solicitação de decisão colegial sobre o requerimento de interposição da providência, temos presente que o art. 169 do EMJ dispõe que “os meios de impugnação jurisdicional de normas ou atos administrativos do Conselho Superior da Magistratura, ou de reação jurisdicional contra a omissão ilegal dos mesmos, seguem a forma da ação administrativa prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativo” acrescentando o art. 170 que “ é competente para o conhecimento das ações referidas no presente capítulo a secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça.”. Isto é, a secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça é a instância jurisdicional única de decisão dos recursos interpostos de atos administrativos, praticados pelo Conselho Superior da Magistratura, o que já foi objeto de apreciação pelo TC no ac. 345/15 que julgou não inconstitucional a existência dessa instância única. Nestes termos, a remissão que o EMJ faz para o CPTA deve contar com esta expressão normativa.

Assim, poder-se-ia questionar se a decisão singular tirada sobre a rejeição liminar de um procedimento cautelar poderia ser objeto ou não de reclamação para a conferência (já que de recurso não poderia ser uma vez que este contencioso é a instância jurisdicional única de decisão). Contudo, cremos que a leitura que deve realizar-se do art. 27 nº 2 do CPTA , embora com previsão nos “Poderes do relator nos processos em primeiro grau de jurisdição em tribunais superiores”, deve aplicar-se aos casos em que não se está em primeiro grau de jurisdição, mas sim no último, e isto para que a decisão possa ter um escrutínio de maior certeza, transparência e segurança.

Admitida nestes termos a reclamação para a conferência, importa esclarecer igualmente que ela não se constitui como um recurso sobre a decisão singular, antes sim uma solicitação para que o coletivo aprecie e se pronuncie sobre a mesma matéria que o relator decidiu e em face dos mesmos elementos, isto é, no caso, do requerimento inicial. Podendo os requerentes apresentar argumentos de interpretação do que antes alegaram, é o que antes se encontra alugado que define o objeto de análise e decisão do coletivo como antes o foi para o relator.

… …

Apreciando e decidindo a questão suscitada pela interposição da presente providência cautelar, o disposto no art. 116 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos estabelece que “1 - Uma vez distribuído, o processo é concluso ao juiz com a maior urgência, para despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, no qual, sendo o requerimento admitido, é ordenada a citação da entidade requerida e dos contrainteressados.

2 - Constituem fundamento de rejeição liminar do requerimento:

a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito;

b) A manifesta ilegitimidade do requerente; (…)”.

E porque se impõe abordar a legitimidade dos requerentes relativamente à providência que pretendem, verificamos que a leitura do art. 55 do CPTA apresenta categorias de pessoas e entidades legitimadas a impugnar atos administrativos pedindo a sua anulação ou declaração de nulidade. Entre essas categorias tem legitimidade para impugnar quem alegue ser titular de um interesse pessoal e direto, designadamente por ter sido lesado pelos atos nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos [art.º 55.º, n.º 1, al. a) CPTA]. A exigência do requisito “interesse direto e pessoal evidencia que, para ser impugnado um ato administrativo, não será necessário que esteja em causa uma ofensa a um direito juridicamente tutelado, mas antes que aquele ato, no momento em que é impugnado, esteja a gerar determinadas consequências (diretas e pessoais) desfavoráveis na esfera jurídica do autor, permitindo-lhe interpor em tribunal uma ação de impugnação de um ato administrativo por, da impugnação daquele ato, retirar uma vantagem jurídica ou económica (desde que seja pessoal e direta). A consequência desfavorável afere-se, assim, pela perda de vantagem gerada pelo ato impugnado.

Neste tipo de ação administrativa especial - para impugnação de atos administrativos - a lei não elege a titularidade da relação material controvertida como critério de aferição da legitimidade limitando-se a exigir que o autor alegue “ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” [art.º 55.º/1/a) CPTA]. Diferentemente do que acontece no critério geral do art. 9 CPTA, nas ações de impugnação de atos administrativos o critério para ajuizar da legitimidade ativa é a utilidade ou vantagem que se pode retirar da impugnação contenciosa do ato lesivo, bastando, mas sendo necessário, a existência de um interesse direto e pessoal na invalidação do ato. Este critério especial alarga a possibilidade da propositura deste tipo de ação a quem, não sendo o titular da relação donde emerge o conflito, pode ser reflexamente prejudicado por ela, tendo assim um traço objetivista na medida em que visa tutelar a legalidade e garantia da prossecução do interesse público, pois todo e qualquer particular que tendo sido atingido por esse ato ilegal poderá recorrer ao sistema judiciário desde que daí lhe advenha uma vantagem pessoal e direta configurável por aquele tipo de interesse.

Esta exigência de qualificação do interesse como “pessoal e direto” decorre da tradição portuguesa do contencioso administrativo que teve consagração jurídico-positiva no art. 821.º Código Administrativo e 46.º do Regulamento do STA – vd. sobre esta matéria Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. III, pp. 46 ss. recebendo de forma direta os ensinamentos de Marcello Caetano e Maurice Harriou, e podendo consultar-se igualmente o estudo de António Rato, Da Legitimidade das Partes no recurso contencioso de anulação, sep. da Revista de Direito Administrativo, pp. 5 e ss. e 61 e ss., com variados exemplos da jurisprudência do STA à época - e manteve-se no atual ordenamento relevando-se que a não indicação hodierna da exigência da “legitimidade” do interesse não significa que ela seja dispensável, sim que a sua observação se contém já na verificação do interesse como pessoal e direto

Segundo Marcello Caetano esse interesse teria que ser: i) “direto” na medida em que o provimento do recurso implicasse a anulação ou declaração de nulidade de ato jurídico que constituísse obstáculo à satisfação de pretensão anteriormente formulada pelo recorrente ou seja causa imediata de prejuízos infligidos pela Administração; ii) “pessoal” no sentido em que o recorrente esperasse do recurso uma utilidade concreta para si próprio, ou seja, cujo efeito se repercutisse na sua esfera jurídica; iii) por fim, “legítimo”, se essa utilidade não fosse reprovada pela ordem jurídica . vd. Estudos de Direito Público, 1974, pp. 219 ss. (originalmente in O Direito, 91.º, pp. 169 ss.); estudo sobre o problema da legitimidade das partes no contencioso administrativo português, publicado n’ O Direito, 65.º, e tb. nos Estudos de Direito Público, pp. 11 e ss e Manual de Direito Administrativo, II, pp. 1356 ss

A evolução normativa manteve os conceitos e o CPTA, abandonando a referência feita ao “interesse legítimo” que era definido como aquele que decorria do facto do seu titular haver sido desfavorecido no processo em que foi praticado, ou, quando tal critério fosse insuficiente, quando o interesse em causa fosse objeto de proteção jurídica, não abandonou a sua inclusão mas considerou-a sem autonomia evitando a exigência de a tutela se repercutir exclusivamente direitos subjetivos/interesses juridicamente tutelados.

Na análise destes critérios importa distinguir que o interesse pessoal reporta à existência de uma utilidade que o interessado poderá obter com a anulação ou declaração de nulidade do ato impugnado enquanto o interesse direto visa o apuramento da existência de um interesse atual e concreto em pedir a anulação ou declaração de nulidade do ato.

Nesta cumulação de critérios para certificação da legitimidade exigida ao requerente sublinhamos o entendimento de Mário Aroso de Almeida que considera que o carácter pessoal do interesse dirá respeito ao pressuposto processual da legitimidade, tendo o carácter direto que ver com a questão de saber se o alegado titular do interesse tem efetiva tutela judiciária - cfr. Manual de direito administrativo, Coimbra.

Em verdade cremos que este apontamento de exegese normativa faculta maior segurança e rigor interpretativo porque o apuramento do interesse direto do interessado, sendo de crucial importância, é por vezes de grande dificuldade - sinalização de dificuldade esta que a jurisprudência denuncia (vd. por todos o ac. do Pleno do STA de 15 de novembro de 2001).

Ainda na procura da definição do que é a exigência do interesse direto e pessoal como pressuposto da legitimidade para impugnar um ato administrativo, na expressão de Freitas do Amaral, o interesse diz-se direto e pessoal, respetivamente, “quando o benefício resultante da anulação do ato recorrido tiver repercussão imediata no interessado” e “quando a repercussão da anulação do ato recorrido se projetar na própria esfera jurídica do interessado” - in Curso de Direito Administrativo - e este enunciado assenta na lógica de a administração emitir atos ao investida de autoridade pública – vd. ac. do TAC no proc. nº 12/141 de 30/03/2006 - “o ato administrativo, enquanto conduta unilateral da Administração do domínio de uma relação concreta em que ela é parte, configura um comando, positivo ou negativo, pelo qual se constituem, se modificam ou extinguem relações jurídicas, se decide um conflito, se fixa juridicamente o sentido duma situação de facto”, importando garantir aos cidadãos lesados pela sua prática o direito de reagir judicialmente contra esses atos unilaterais.

É para balizar este interesse e sua relevância que o art. 55/1 al a) CPTA obriga a retirar como conclusão de que pode recorrer-se a juízo sem se ser titular da relação jurídica de onde emerge a lesão e que não baste a invocação de um qualquer direito ou interesse para, automaticamente, se ter legitimidade, visto ser necessário que esse interesse seja direto e pessoal traduzível num prejuízo relevante que a ordem jurídica faculte ao interessado. O requerente tem de alegar que o ato violador, para além de ilegal, é lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Ainda que, como professa Sérvulo Correia,“impugnar um ato administrativo quem alegue a lesão por este não necessariamente de um direito, mas também de um interesse legalmente protegido(...) O interesse legalmente protegido é também ele um interesse pessoal por via da sua reflexa instrumentalidade para com posições de vantagem do titular - in Direito do contencioso administrativo, Vol I -. Esta reflexa instrumentalidade não é, nem pode admitir-se que seja, porém, um remoto e avulso interesse de defesa abstrata da legalidade, ainda que nobre e atento, mas longínquo por mediato, eventual ou hipotético. Exige-se, em rigor, uma imediata e concreta perda de posição de vantagem legítima e tutelável do titular, isto é, que o requerente retire vantagens imediatas da anulação do ato. A indispensável e efetiva ligação entre o autor e o interesse, cuja proteção reclama, só garante a sua legitimidade quando, por um lado, ocorre uma situação de efetiva de lesão que se repercute na sua esfera jurídica, causando-lhe direta, pessoal e imediatamente prejuízos atuais como, aliás, resulta da 2ª parte do normativo "por ter sido lesado" (e não que venha a ser lesado).

Para que se conclua  pelo preenchimento do pressuposto da legitimidade processual ativa, é necessário, nos termos do artigo 55.º, n.º 1 do CPTA que o impugnante alegue ser, ele próprio, o titular do interesse em nome do qual se move o processo e com o qual pode retirar, para si próprio, uma utilidade concreta na anulação do ato impugnado pese embora o mesmo interesse possa ser comum a um conjunto de pessoas ou a pessoas diferenciadas. Daí que se o interesse não revestir aquele carácter “pessoal” na medida em que pertence ou está investido na titularidade da coletividade em geral ou de uma comunidade (interesse difuso) ou pertence a certos grupos ou categorias organizadas de cidadãos (interesse coletivo), estamos fora do âmbito da previsão da al. a) do n.º 1 do art. 55.º do CPTA”.

Também para que o prejuízo ou o interesse seja tutelável, é necessário que o mesmo seja real e atual, de verosímil concretização no plano dos factos, não bastando, para a sua legitimidade emerja, a simples invocação da violação de um determinado preceito ou princípios jurídicos. Por isso na concretização do conceito o ac. do STA de 29/10/2009, proferido no processo n.º 1054/08, expressa que “a mera invocação da violação de um direito ou interesse legalmente protegido não basta para o autor ver reconhecida a sua legitimidade já que, não sendo a ilegalidade do ato critério para se aferir da legitimidade do autor, este só poderá ser declarado parte legítima quando alegue que o ato violador, para além de ilegal, é lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e que retira vantagens imediatas da sua anulação”.

Por outro lado, em acréscimo ao que deixamos referido, para lá de um ato administrativo poder  lesar um interesse individual concreto que é condição de legitimidade ativa das ações de função subjetiva - que é a problemática que nos ocupa no caso em decisão - não esquecemos que são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos que ofendam apenas a legalidade objetiva, os quais podem ser impugnados no exercício da ação pública, pelo Ministério Público ou pelos presidentes dos órgãos colegiais que os tenham praticado (cf. artigos 55.º n.º 1 al. b) e e) e 68.º nº1 al. b) e e) do CPTA) e no exercício do direito de ação popular, em defesa dos interesses difusos, por qualquer das pessoas ou entidades mencionadas no artigo 9.º nº 2 do CPTA (artigos 55.º n.º1,al. f) e 68.º nº1, al. f) do CPTA). Porém, não é este o âmbito da decisão embora ajude a situá-lo.

Exposto o enunciado das exigências e requisitos para se ser parte legítima na presente providência, uma primeira observação vai para a natureza dos atos suspendendos que reportam à atividade do CSM no âmbito do concurso de movimento e colocação de juízes nas diversas instâncias. Conselho Superior da Magistratura que é o órgão do Estado a quem estão constitucionalmente atribuídas as competências de nomeação, colocação, transferência e promoção dos Juízes dos Tribunais Judiciais e o exercício da ação disciplinar, sendo, simultaneamente, um órgão de salvaguarda institucional dos Juízes e da sua independência - arts. 136 e 149 do EMJ. A composição colegial do Conselho Superior da Magistratura - art. 137 do EMJ - e seu funcionamento, nomeadamente do plenário - art. 156 do EMJ -  enunciam no seu desenho preocupações estatutárias do legislador no sentido da garantia de auto fiscalização e, por conseguinte, de legalidade de funcionamento colegial quanto às deliberações.

Assim, a atividade do CSM e seus resultados, com os diversos movimentos de colocação dos juízes em concreto e deliberação sobre a organização do seu serviço, repercute-se pessoal, direta e imediatamente nos envolvidos nesses concursos, isto é, os próprios juízes (v.g. nos que concorreram), daí que, de acordo com a definição de interesse pessoal e direto antes enunciada como requisito para a impugnação dos atos administrativos do CSM, entendamos que, na aplicação do art. 55 nº1 al.a) do CPTA,  apenas os interessados, pessoal e diretamente visados e atingidos, possam acionar a impugnação. Aliás, não se trata de um afunilamento corporativo do entendimento relativo à impugnação dos atos administrativos, menos ainda de criar uma presunção absoluta ou relativa da legalidade dos atos do CSM, tudo se circunscrevendo à aplicação do mesmo entendimento e exigência de legitimidade para impugnar qualquer ato administrativo de qualquer entidade pública que os pratique, sem desvios ou pragmatismos de conveniência. 

O interesse pessoal e direto exigível e antes definido como prerrogativa da impugnação tem de ser concreto e evidenciar a vantagem acautelada, uma vez que não é qualquer uma desvantagem que pode assistir à legitimidade. Um interesse geral de legalidade, transparência ou outro de igual nobreza cívica não habilita a que, quem seja direta e pessoalmente alheio a esses movimentos de colocação de magistrados e deliberações, possa vir invocar um interesse pessoal e direto para ver alterada por impugnação essas colocações ou gestão e organização do serviço. A tutela de interesses legalmente protegidos e direitos que a Constituição atribui aos cidadãos pode, mas só pode ser exercida individualmente por estes em termos concretos, perante a definição objetiva que aleguem de qual seja o interesse pessoal e direto ofendido e desvantagem e prejuízo provocado. É este postulado normativo - de ser o interesse pessoal do lesado que uma lei lhe confere e não o interesse geral da lei o que importa -  já repetido várias vezes, o que elucida não se estar a afirmar que os atos administrativos do CSM nunca e em caso algum podem tomados em violação das regras. Está a afirmar-se, em exaustão repetitiva, que quem quiser individual e particularmente impugnar um ato administrativo, inclusivamente os dos CSM, tem de demonstrar um interesse pessoal e direto nessa impugnação e que tipo de vantagem/desvantagem ganha ou perde. E é nesta definição do interesse particular e particularizado que se inicia e encerra a discussão sobre a legitimidade.

 É neste quadro de referências e só nele que ilustramos o que dizemos com a alusão a que os cidadãos de uma determinada circunscrição jurisdicional, embora possam ter muitos interesses, não têm qualquer interesse direto e pessoal para impugnar um ato administrativo do CSM que tenha determinado, em razão do concurso, uma colocação de um juiz no tribunal desse território. E não têm interesse direto e pessoal  mesmo com a invocação de ter existido ilegalidade nesse movimento e dever ser outro juiz e não esse o que deveria ser ali colocado; ou que por o juiz colocado se encontrar em comissão de serviço um outro, auxiliar, não poderia ocupar o seu lugar ou, no limite, que esse auxiliar não tem habilitações para o cargo; ou que por o juiz promovido não poder legalmente tomar posse do lugar em que foi provido enquanto decorrer um inquérito ou processo disciplinar, não estando suspenso da atividade se mantenha no lugar em que se encontrava ainda que afeto a um ou vários processos em função da complexidade ou outra ponderada e deliberada razão. E não podem impugnar porque, como o delimitámos, não existe nessa invocação, em nosso modo de ver e ler os normativos aplicáveis a invocação e um direto e pessoal interesse, uma utilidade concreta (e não reflexa, potencial e abstrata) para si próprio, ou seja, cujo efeito relevante e tuteado pelo ato se repercuta na sua esfera jurídica.

 É neste quadro de referências também, e só nele, que cremos poder entender-se que alguém com processos em tribunal, no âmbito dos seus processos e dentro deles possa questionar que o juiz que lhe cabe julgar a sua causa não tem habilitações para o fazer, ou que o pleito foi distribuído a esse juiz em violação das regras do juiz natural ou em violação de outros normativos que, em concreto e de forma pessoal e direta, o afetam naquele processo. Só que isso não o habilita a impugnar os atos administrativos de colocação e movimento praticados pelo CSM porque, quanto a eles e nesse contexto administrativo, como antes explicámos, nenhum interesse direto e pessoal tem.

Esclareça-se, em presença nos autos temos os requerentes que como arguidos se encontram num processo em fase de instrução que corre os seus termos e que teve e tem um juiz que preside aos atos de instrução, independentemente desse concreto juiz, por razões de movimento e concurso - ou afetação a algum processo em razão da sua complexidade e celeridade – ter sido colocado (ou promovido) noutro lugar tendo sido outro magistrado colocado nesse lugar. O interesse pessoal e direto dos arguidos é, como eles próprios professam com critério no seu requerimento, e sê-lo-ia mesmo que não o afirmassem,  que sejam os autos instruídos de acordo com o ordenamento jurídico, de forma célere, no estrito cumprimento da lei aplicável à tramitação dos autos, com segurança normativa e garantias de recurso, e que sejam esses atos, de instrução no caso, presididos por um juiz competente (como o deve ser sempre) em razão da matéria, do território e da hierarquia e sem violação das regras de distribuição dos processos. E como os mesmos requerentes declaram, e mesmo que não o declarassem, “não têm, certamente, o direito a escolher o Juiz de Instrução, nem, em todos os casos, de exigir a manutenção de um concreto magistrado.”

Pugnando objetivamente, através da ação de impugnação de que esta providência é preliminar, pela escolha do juiz que deve presidir (continuar a presidir) à instrução do processo em que são arguidos, a questão que importa afirmar, sempre e mais uma vez, é a de não ser a escolha proibida por ser uma petição de princípio mas sim porque, o serem os requerentes arguidos num processo que está a ser presidido por um determinado juiz não dá aos requerentes, obviamente e em justiça nem eles o afirmam, qualquer direito de ser o mesmo juiz a tramitar o seu processo indefinidamente, apenas o de terem um juiz que cumpra essa atividade jurisdicional por determinação do CSM através de movimento de colocação e deliberação no exercício das suas competências e funcionamento

Como esse juiz chega à titularidade do processo, em razão do movimento de colocação decorrente da atividade do Conselho Superior da Magistratura, é matéria que embora possa não ser excluída às preocupações, apreensões e pretensões dos cidadãos, máxime dos que tenham  processos a correr termos nos tribunais, não se encontra no círculo dos interesses tuteláveis para efeitos de impugnação do ato administrativo de colocação, movimento e gestão dos magistrados, por não ter a dimensão de interesse  pessoal e direto exigidas. A possibilidade de quem seja interveniente em processos, no seu estrito âmbito, poder colocar em causa a competência pessoal e funcional do juiz por protesto de impedimentos e suspeições; por não ser o competente ou por violação das regras do juiz natural (inerentes à distribuição e afetação dos processos) não se confunde nem alarga ao domínio das deliberações do CSM sobre a colocação e movimento e sua possibilidade legal de impugnação, precisamente porque a exigência de um interesse direto pessoal, traduzida numa vantagem/desvantagem concretamente relevante exigida para se ter legitimidade para impugnar os atos suspendendos não se verifica no caso.

Assim é que, objetivamente e de acordo com o deixado exposto, os atos suspendendos e consistentes nas deliberações impugnadas não lesaram os direitos e interesses individual e legalmente protegidos dos requerentes (enquanto arguidos num processo que é a qualidade e interesse que invocam) por não terem eles , nessa qualidade ou na qualidade de cidadãos e no exercício da sua cidadania, qualquer interesse direto e pessoal no movimento de colocação, suspensão e ou substituição dos juízes em razão de se encontrarem estes em comissões de serviço ou por outros motivos. Entendemos que nenhum prejuízo concreto e real, pessoal e direto foi invocado ou resulta para eles do seu requerimento quando a titularidade do processo que identificam não ficou deserta, mas continua a ter um juiz, que, como se disse, e a experiência próxima e remota dos tribunais ilustra, pode ser colocada (a titularidade) em causa no próprio processo em razão do efetivo prejuízo que a presença desse concreto juiz no concreto processo revele. E com isto não se está a deslocalizar a impugnação do ato administrativo para o processo judicial no sentido de afirmar que aquilo que não pode se fazer na ação administrativa poderá realizar-se com a mesma extensão e identidade no processo em que seja interveniente ou seja, que pode impugnar o ato administrativo na ação judicial.

Se o que importa definir nesta providência é a legitimidade dos requerentes para a impugnação dos atos suspendendos e se sustentamos e deliberamos que ela não existe, a possibilidade de se suscitarem questões referentes à titularidade do juiz do processo no próprio processo, cada vez mais comuns e frequentes na prática dos tribunais, apenas se enuncia como evidência estatística, sem que se esteja a afirmar, por absurdo, que os interesses que os requerentes têm no processo penal onde são arguidos os habilite, automaticamente, a impugnar os atos administrativos do CSM (no processo penal) por serem tais interesses decalcáveis e sobreponíveis. Questionar no processo penal o que aí entendam as partes por conveniente terá os contornos que esse processo admite e as garantias de recurso que o ordenamento jurídico aí permita, da mesma forma que a apreciação da impugnação dos atos administrativos está liminarmente balizada pela exigência de um determinado tipo de interesse que entendemos não estar pressente na alegação dos requerentes.

É esta a jurisprudência constante e consultável dos tribunais administrativos e deste contencioso - vd. por todos o ac. STJ de 24-2-2021 no proc. 8/20.0YFLSB e igualmente, em matéria de invocação de obstáculos ao titular do processo por violação do princípio do juiz natural o ac. deste STJ de 21-3-2019 no proc. Processo n.º 54/14.2T8VRS.E.1-A.S1.

Em resumo, entendendo que os requerentes não têm legitimidade para interpor a presente providência por falta de interesse direto e imediato nos termos do art. 55 nº1 al.a) deve ser rejeitada liminarmente o presente procedimento cautelar nos termos do 116 nº1 al. b) do CPTA.

… …

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, em rejeitar liminarmente o requerimento de providência cautelar interposto pelos requerentes AA e BB,

Custas pelos requerentes

Lisboa, 10 de outubro de 2022

Manuel Capelo (Relator)          

Maria João Tomé

Rijo Ferreira

Paulo Ferreira da cunha

Ramalho Pinto

António Gama

Conselheiro Barateiro Martins

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Presidente da secção)

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DECLARAÇÃO DE VOTO

Processo24/24.7YFLSB

Subscrevo o acórdão na parte em que indefere a arguição da nulidade de violação do contraditório.

No mais fiquei vencido porquanto julgaria a reclamação procedente, admitindo liminarmente o procedimento cautelar e ordenando a citação do CSM e dos contra-interessados.

Com efeito:

Entendo que o interesse directo (que diga respeito a acto que seja causa imediata de prejuízo) e pessoal (utilidade concreta imediata) que fundamenta a legitimidade activa (artigo 55º, nº 1, al. a), do CPTA) não se deve cingir, no caso de nomeação, transferência, suspensão ou cessação de funções de magistrados judiciais, unicamente aos “envolvidos nesses concursos, isto é, aos próprios juízes”, antes devendo também abarcar “aquele que, com verosimilhança, aferida pelos termos peticionados, materialmente bem ou mal fundada, invoque a titularidade no seu património jurídico, de um direito subjetivo ou de um interesse legalmente protegido lesado com a prática do ato, retirando da anulação pretendida uma qualquer utilidade ou vantagem, dignas de tutela jurisdicional, no aproveitamento do bem a que aquele direito ou interesse inerem” (acórdão do STJ de 08FEV2021, proc. 8/20.0YFLSB).

De notar, ainda, que a legitimidade decorre, nos termos da al. a) do nº 1, do artigo 55º do CPTA, da mera alegação da titularidade de um interesse directo e pessoal, independentemente do mérito dessa alegação.

No caso concreto os Requerentes, arguidos em processo penal que corre perante o J2 do TCIC, invocam que a deliberação do CSM que ‘suspendeu / retirou’ (por via da suspensão da promoção) o juiz titular daquele lugar (é esta a deliberação impugnada, sendo o demais peticionado meramente consequencial), pôs em causa as suas garantias do juiz natural/legal e da inamovibilidade do juiz, decorrentes da Constituição (artigos 32º, nº 9, 216º e 217º, nº 1) e da lei (artigos 5º, 71º e 107º do EMJ).

Ou seja, alegam a titularidade de um interesse directo, porque referido a um acto que lhe afecta directamente as referidas garantias, e pessoal, porque da revogação (suspensão) de tal situação retiram imediata e concreta utilidade com a reposição do juiz natural/legal.

O que, independentemente do mérito dessa alegação, é desde logo suficiente para assegurar a sua legitimidade activa.

Não há assim fundamento para que se considere ocorrer manifesta (só esta releva na citada al. a), do nº 1 do artigo 55º) ilegitimidade determinante de indeferimento liminar da providência.

A meu modo de ver, têm a mesma natureza, intensidade, função e utilidade:

- o ‘interesse’ (apreciado no acórdão do STJ de 08FEV2021, proc. 8/20.0YFLSB) da Srª Juíza Conselheira em reverter o acto do CSM que determinou o arquivamento da participação disciplinar por ela efectuada, visando a defesa do seu pré-existente direito à honra, bom nome e reputação;

- o ‘interesse’ (em causa nestes autos) do arguido em processo criminal em reverter o acto do CSM que suspendeu/retirou o juiz do tribunal a que o processo estava afecto, visando a defesas das pré-existentes garantias de juiz natural/legal e da sua inamovibilidade;

pelo que não encontro razão para que, disparmente ao que se decidiu no referido acórdão de 08FEV2021, se conclua agora pela falta de legitimidade do Requerente.

Por outro lado, afigura-se-me incongruente, se não mesmo contraditório, que por via da ilegitimidade se inviabilize o controlo da legalidade do acto impugnado pelo órgão judicial a quem está cometida a função de apreciar a legalidade dos actos do CSM, mas se admita que a questão «pode ser colocada (…) em causa no próprio processo em razão do efectivo prejuízo que a presença desse concreto juiz no concreto processo revele». É que tal significa, ao contrário do que logo se afirma, deslocalizar a impugnação do acto administrativo para o processo judicial (desde logo olvidando que não compete ao tribunal de instrução criminal apreciar a legalidade dos actos do CSM).

           

10OUT2022

(Rijo Ferreira)