Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5500/09.4TDLSB-A.L1-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SÃO MARCOS
Descritores: ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
TAXA DE JUSTIÇA
CUSTAS CÍVEIS
Data do Acordão: 02/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 54, 17.03.2016, P. 857-870
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURSIPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SUJEITOS DO PROCESSO / PARTES CIVIS / PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE POR CUSTAS.
CUSTAS PROCESSUAIS - ISENÇÕES DO PAGAMENTO DE CUSTAS - TAXA DE JUSTIÇA / DISPENSA DE PAGAMENTO PRÉVIO - CUSTAS DE PARTE.
Doutrina:
- João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 19.ª Reimpressão, 182.
- Joel Timóteo Ramos Pereira, “Regulamento das Custas Processuais”, 2.ª edição, 33.
- Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais”, Anotado e Comentado, 2012, 4.ª edição, página 274; “Regulamento das Custas Processuais”, 2012, 4.ª edição, 49, 50; “Regulamento das Custas Processuais”, 5.ª edição, 161.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) / 2013: - ARTIGOS 527.º, 529.º, 530.º, 533.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 523.º, 524.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 63.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 214/2007, DE 29.05: - ARTIGO 1.º.
DECRETO-LEI N.º 34/2008, DE 26.02: - ARTIGOS 2.º E 3.º, DO PREÂMBULO.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA LEI N.º 29/XII, QUE ESTEVE NA GÉNESE DA LEI N.º 7/2012, DE 13.02.
LEI DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA N.º 26/2007, DE 23.06, PUBLICADA NO DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 140, II.ª SÉRIE, DE 23.07.2007: - ARTIGO 2.º, NÚMERO 1, ALÍNEA A).
LEI N.º 7/2012, DE 13.02: - ARTIGO 8.º.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP), NA REDACÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N.º 7/2012, DE 13.02: - ARTIGOS 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, N.º1, AL. G), 6.º, N.º1, 13.º, 15.º, 25.º, E 26.º, NÚMEROS 1, E 3, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
JURISPRUDÊNCIA:

-NO SENTIDO DA SOLUÇÃO ACOLHIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO PRONUNCIARAM-SE, ENTRE OUTROS, OS SEGUINTES ARESTOS:

A – DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
− ACÓRDÃOS DE 23.05.2012, PROCESSO N.º 0246/12, 2.ª SECÇÃO; DE 17.10.2012, PROCESSO N.º 0759/12, 2.ª SECÇÃO; DE 07.11.2012, PROCESSO N.º 0982/12, 2.ª SECÇÃO; DE 15.12.2012, PROCESSO N.º 01019/12, 2.ª SECÇÃO; DE 16.10.2013, PROCESSO N.º 01154/13, 2.ª SECÇÃO;
B – DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
− ACÓRDÃO DE 14.05.2013, PROCESSO N.º 10317/05.2TDLSB, PUBLICADO E DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
C − DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
– ACÓRDÃO DE 07.11.2013, PROCESSO Nº 332/04.9, 3.ª SECÇÃO, PUBLICADO E DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;

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-COM INTERESSE PARA A SOLUÇÃO PERFILHADA NO ACÓRDÃO-FUNDAMENTO, PRONUNCIARAM-SE, ENTRE OUTROS, OS ARESTOS QUE SE SEGUEM:

A – DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
− ACÓRDÃO DE 07.05.2013, PROCESSO N.º 1938/11.9TDLSB.L1, 5.ª SECÇÃO;
B – DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
− ACÓRDÃO DE 20.06.2012, PROCESSO N.º 1038/10.5TASTS-B.P1.
Sumário :
«A parte dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização civil que, na vigência do RCP, aprovado pelo DL 34/2008, de 26-02, tenha sido deduzido no processo penal e que se encontrar pendente à data da entrada em vigor da Lei 7/2012, de 13-02, deve, independentemente de condenação em custas, ser notificada, a final, para proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça, nos termos do art. 15.º, n.º 2, do referido Regulamento, na redacção dada pela citada Lei 7/2012, de 13-02, aplicável por força do disposto no art. 8.º, n.º 1, deste diploma».
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO PLENO DAS SECÇÕES CRIMINAIS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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I. Relatório

1.

O demandante Instituto da Segurança Social, I.P. interpôs, em 11.06.2014, ao abrigo do disposto nos artigos 437.º e 438.º do Código de Processo Penal, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, com fundamento em oposição de julgados – o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14.05.2014, proferido no Processo n.º 5.500/09.4tdlsb-A.L1, da 3.ª Secção, e o acórdão do mesmo Tribunal, de 17.12.2013, prolatado no Processo n.º 826/09.0TDLSB.L1, da 5.ª Secção, ambos transitados em julgado.

Em síntese, alegou o recorrente:

- Que o acórdão recorrido, proferido no Processo n.º 5.500/09.4 tdlsb-A.L1, chamado a decidir o recurso que o Instituto da Segurança Social, I.P. interpôs da decisão que indeferiu a reclamação que apresentou contra o despacho que, na sequência da sentença prolatada pelo então 2º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa [que, julgando procedente por provada a acusação formulada e bem assim o pedido cível deduzido, em 08.11.2010, contra a arguida e demandada, condenou-a, pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 7.º, número 3, 107.º, números 1 e 2, e 105.º, número 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), e 30.º, número 2, do Código Penal, e no pedido de indemnização civil, com custas pela mesma arguida e demandada], notificou-o para, nos termos do disposto no artigo 15.º, número 2, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), proceder à autoliquidação da taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização civil, confirmou o decidido, por considerá-lo acertado.

E isto, em suma, na consideração de que, no pedido de indemnização cível enxertado na acção penal, deduzido na vigência do Regulamento das Custas Processuais, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, tendo o demandante ficado previamente dispensado do pagamento da taxa de justiça, deve o mesmo, independentemente de condenação a final, ser notificado para efectuar, no prazo de 10 dias, o seu pagamento, nos termos do artigo 15.º número 2, daquele Regulamento, aplicável por força do seu artigo 8º, número 9, ambos na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02;

 - Que, por seu turno, o acórdão fundamento, prolatado no Processo n.º 826/09.0TDLSB.L1, chamado a resolver idêntica questão, colocada no recurso que o Instituto da Segurança Social, I.P. interpôs da decisão que indeferiu a reclamação que apresentou contra o despacho que, na sequência da sentença proferida, em 28.02.2012 e depositada em 27.03.2012, pelo então 3.º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa [que, julgando procedente por provada a acusação formulada e bem assim o pedido de indemnização civil deduzido, em 10.10.2010, contra os arguidos e demandados, condenou-os pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 7.º, número 3, 107.º, números 1 e 2, e 105.º, número 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), e 30.º, número 2, do Código Penal, e no pedido cível, com custas pelos demandados], notificou o mesmo Instituto para, nos termos do disposto no artigo 15.º, número 2, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), proceder à autoliquidação da taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização civil, revogou o ali resolvido.

E fê-lo por entender que, no pedido de indemnização cível enxertado na acção penal, deduzido na vigência do Regulamento das Custas Processuais, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, tendo o demandante ficado previamente dispensado do pagamento da taxa de justiça, não deve o mesmo, independentemente de condenação a final, ser notificado para proceder, no prazo de 10 dias, ao seu pagamento, sendo inaplicável o disposto no artigo 15.º, número 2 daquele Regulamento, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, por força do que estabelece o artigo 8.º, número 9, desta mesma Lei.

2.

Foram juntas ao processo as certidões do acórdão recorrido e fundamento, com nota do respectivo trânsito (o do recorrido, em 02.06.2014, e o do fundamento em 29.01.2014).

3.

Tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 439.º do Código de Processo Penal, os autos subiram a este Supremo Tribunal, onde o Senhor Procurador-Geral-Adjunto, na vista a que se refere o artigo 440.º, número 1 do mesmo diploma, emitiu parecer no sentido de se verificarem os pressupostos legais para o prosseguimento dos autos como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, tal qual havia considerado a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa.

4.

Proferido despacho liminar e colhidos os respectivos “vistos”, teve lugar a conferência a que se refere o artigo 441.º do Código de Processo Penal, onde se decidiu, por acórdão, que, ocorrendo oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, o recurso é admissível, ordenando-se o prosseguimento dos autos.

5.

Notificados os sujeitos processuais interessados, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 442.º, número 1, do Código de Processo Penal, vieram apresentar as suas alegações, que sintetizaram,

5.1 – O Ministério Público, nas seguintes conclusões:

«1. Uma das prioridades da alteração normativa introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, foi a padronização das custas judiciais, objectivo com o qual visava assumidamente o legislador «a aplicação do mesmo regime de custas a todos os processos judiciais pendentes, independentemente do momento em que os mesmos se iniciassem» [art.º 8.º, n.º 1 da referida Lei].        

2. Essa padronização foi no entanto adoptada com a introdução de uma norma transitória – o sobredito art.º 8.º, n.ºs 2 a 13 – que tinha por único e também assumido objectivo evitar perturbações decorrentes da aplicação da lei nova aos processos pendentes e bem assim agilizar procedimentos, tendo em conta os vários regimes até então aplicáveis, mas sem se afastar nunca daquele desiderato.

3. Assim, e no que especificamente diz respeito à responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça no âmbito dos processos pendentes em que tenha havido lugar à dispensa do seu prévio pagamento, a previsão contida no n.º 9 do citado preceito não pode ser interpretada – desde logo por não colher, de todo, a mínima correspondência nem na letra nem no espírito da norma – no sentido de que a parte dispensada de tal pagamento prévio só será responsável pelo pagamento, a final, daquela taxa se, na respectiva sentença, vier efectivamente a ser condenada no pagamento das custas.

4. No que respeita à letra da lei porque, vista a sua dimensão declarativa, ela comporta e desdobra-se, essencialmente, em dois segmentos, um deles a apontar no sentido de que a dispensa de pagamento prévio de taxa de justiça, prevista na lei anterior, se mantém incólume, e o outro a indicar por seu turno no sentido de que o pagamento do respectivo montante (o montante de que a parte foi dispensada) é devido apenas a final.

5. E convirá aqui evidenciar que a previsão contida naquele primeiro segmento normativo – no sentido da manutenção da dispensa desse pagamento prévio –, é imediatamente seguido pela expressão: “sendo o pagamento dos montantes que a parte teria de ter pago caso não tivesse [sido]dispensada devidos apenas a final”.

6. Ora, uma das circunstâncias em que, linguístico-gramaticalmente, o termo verbal do gerúndio é utilizado destina-se precisamente a “exprimir um processo durativo que se realiza progressivamente em direcção ao tempo-espaço definido pela pessoa que fala”.

7. E é precisamente este, in casu, o sentido da norma, vista esta na dimensão conjunta que lhe é fornecida pelos dois segmentos acima identificados: aquela forma verbal “sendo”, usada naquele contexto, visa expressar precisamente a ideia de que, nos processos que ainda estão pendentes à data da entrada em vigor da nova lei, à medida que forem findando, o pagamento irá sendo feito a final.

8. O que tudo significa portanto que o único sentido possível que pode decorrer da letra da lei é o de que, nos processos pendentes em que houve lugar à dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça, essa dispensa mantém-se, no decurso do processo, e o pagamento dos montantes que a parte teria de ter pago caso não estivesse dispensada vai sendo devido a final, ou seja, à medida que esses processos vão sendo findos.

 9. Tanto mais que, como decorre da “exposição de motivos” da respectiva Proposta de Lei, com o novo regime pretendeu o legislador, afirmando-o expressamente, o objectivo de padronização das custas judiciais, com o que, disse, visava, «a aplicação do mesmo regime de custas a todos os processos judiciais pendentes, independentemente do momento em que os mesmos se iniciassem»,

10. Solução que adoptou com a introdução daquela norma transitória – o sobredito n.º 9 do art.º 8.º –, que tinha por único, e também assumido, objectivo evitar perturbações decorrentes da aplicação da nova lei aos processos já pendentes e agilizar procedimentos, tendo em conta as regras distintas que lhes sejam aplicáveis, mas sem nunca se afastar daquele desiderato. E daí que, anota a mesma exposição de motivos, «para o efeito, foram identificadas as diferenças entre os diversos regimes ainda aplicáveis e o regime previsto neste diploma e definidos os procedimentos necessários à aproximação daqueles com as regras ora definidas, com o objectivo de, com aplicação da norma transitória, se possível aplicar a todos os processos o regime que se consagra no presente diploma». Esta anotação evidencia, sem margem para dúvidas, que, com a norma transitória em causa, o legislador quis tão só evitar que, por força da aplicação imediata da nova lei aos processos pendentes pudesse, por exemplo, vir a ser exigido, independentemente da fase em que o processo se encontrasse, o imediato pagamento da taxa de justiça.

11. Como resulta do disposto no n.º 2 do art.º 9.º do Código Civil, em sede de interpretação normativa não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

12. No caso em apreço, não vislumbramos qualquer elemento literal, mesmo que imperfeitamente expresso, que permita apontar no sentido ou alcance, subjacente à decisão afirmada pelo aresto fundamento, de que o preceito em causa visou resolver a questão da atribuição da responsabilidade pelo pagamento, a final, da taxa de justiça e cuja exigência a parte haja sido previamente dispensado. E muito menos temos por lícita a conclusão de que, segundo a norma, tal pagamento terá de ser suportado por quem foi, a final, efectivamente condenado das custas.

13. Neste quadro, uma vez que o regime definido no referido segmento normativo [n.º 9 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012], não afasta o princípio da aplicação imediata da lei nova, in casu, daquele n.º 2 do art.º 15.º, a solução a adoptar deve ser a de que, no pedido de indemnização cível enxertado na acção penal que tenha sido deduzido na vigência do Regulamento das Custas Processuais, na redacção aprovada pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, tendo o demandante ficado previamente dispensado do pagamento da taxa de justiça, deve o mesmo, independentemente de condenação a final, ser notificado para efectuar, no prazo de 10 dias, o seu pagamento, nos termos do art.º 15º nº 2 daquele Regulamento, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro.

14. A apontada solução, a ser aplicada aos processos pendentes à data da entrada em vigor da nova lei, em nada altera, quanto ao princípio da sucumbência, a solução consagrada na lei anterior. Isto porque, tal como já sucedia na vigência do regime anterior, é a parte vencida que continua a ser, na sentença, condenada em custas, na proporção do decaimento.

15. Com este novo modelo visou o legislador que a parte que deu impulso processual e que utilizou os serviços da justiça, mesmo que tenha obtido ganho na causa, efectue, não obstante, o pagamento do montante da taxa de justiça de que foi previamente dispensada, obstando também, por outro lado, a que o Estado tenha de assumir, em exclusivo, o risco pelo seu eventual não pagamento».

A, final, propôs o Ministério Público que o conflito de Jurisprudência existente entre os acórdãos da Relação de Lisboa, de 14 de Maio de 2014, proferido pela 3.ª Secção no Processo n.º 5500/09.4TDLSB-A.L1, e de 17 de Dezembro de 2013, proferido pela 5.ª Secção da mesma Relação no âmbito do Processo n.º 862/09.0TDLSB.L1, seja resolvido nos seguintes termos:

«Nos processos iniciados na vigência do Regulamento das Custas Processuais, na redacção aprovada pelo DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, pendentes à data em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, em que tenha sido deduzido pedido de indemnização cível enxertado na acção penal, e o demandante dispensado do pagamento prévio da taxa de justiça, deve o mesmo, independentemente de condenação em custas, ser notificado, a final, para efectuar, no prazo de 10 dias, o seu pagamento, nos termos do art.º 15º nº 2, aplicável por força do disposto no n.º 1 do art.º 8.º, ambos daquele Regulamento, na redacção introduzida pela sobredita Lei n.º 7/2012»;

5.2 – O Instituto da Segurança Social, I. P., nas seguintes conclusões:

«1.º O âmbito do presente recurso tem a ver com a mesma questão de direito, sob a mesma legislação e sobre a qual incidiram soluções opostas, nomeadamente:

Nos casos de dedução de pedido de indemnização civil em processo criminal não há lugar à autoliquidação da taxa de justiça, sendo esta fixada pelo juiz e paga a final, pelo que, à luz do regime do Regulamento das Custas Processuais, na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, a parte vencedora, por não ser condenada em custas, não tem de proceder, a final, à liquidação da taxa de justiça, não havendo por isso lugar à notificação a que se reporta o artigo 15.º n.º 2 do RCP.

2.º Mesmo que se entenda, que o recorrente não está isento de custas, pesem embora os propósitos de uniformização do Regulamento das Custas Processuais, o mesmo continuou a distinguir a fixação da taxa de justiça devida em geral (artigo 6.º), relativamente a outros processos ou fases processuais (artigos 7.º e 8.º), bem como, aos actos avulsos (artigo 9.º).

3.º No caso da taxa de justiça devida em processo penal, o legislador enumerou taxativamente os casos de autoliquidação e prévio pagamento, os quais estão expressamente previstos no seu artigo 8.º, reconduzindo os mesmos à constituição de assistente (8.º, n.º 1) à abertura de instrução (8.º, n.º 2).

4.º Por sua vez, estipulou como regra geral que “Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III” (artigo 8.º, n.º 5 do RCP).

5.º Não existe nenhuma contradição entre o artigo 8.º n.º 5 do RCP e o artigo 15.º do mesmo Diploma Legal, contradição que é dissipada pelo facto do legislador neste último preceito, ter definido a dispensa de pagamento prévio para várias categorias de processos (constitucionais, cíveis, administrativos, fiscais e criminais), por razões de subjectividade (Estado, Regiões Autónomas, arguidos em processo criminal) ou por razões objectivas (processo no Tribunal Constitucional).

6.º Efectivamente, o legislador reservou para norma específica – o artigo 8.º – a definição rigorosa dos casos de autoliquidação em processo criminal, que expressamente previu, relegando para final (artigo 8.º, n.º 5) um regime especial geral de não exigência prévia de autoliquidação da taxa de justiça, no qual se inclui o regime do pedido civil deduzido em processo penal.

7.º Por outro lado, o modo de pagamento dessa taxa de justiça encontra-se regulado pelo artigo 13.º do RCP, sendo paga nos termos fixados pelo Código de Processo Civil (447.º, n.º 2 e 447.º-A do C. P. Civil), designadamente em função do respectivo impulso processual, estando a oportunidade desse pagamento, quando seja devida a taxa de justiça prévia, prevista no subsequente artigo 14.º, nºs 1 e 2 do mesmo RCP.

8.º Na verdade, o pedido civil enxertado no processo penal tem especificidades próprias que justificam a opção do legislador em não exigir a autoliquidação da taxa de justiça pela dedução do mesmo ou pela apresentação da contestação a esse pedido civil.

9.º Assim sendo, é compreensível a opção do legislador no sentido de, no processo penal, não exigir a autoliquidação ou o pagamento prévio de taxa de justiça quando é deduzido pedido civil ou quando é apresentada contestação a esse pedido, pois a sua tramitação é muito simplificada.

10.º No quadro deste entendimento, o ato processual que consiste na dedução do pedido cível não é uma acção autónoma, nem pode ser equiparado à petição inicial na acção cível, isto porque, no processo penal o pedido de indemnização civil tem que ser fundado na prática de um crime (artigos 129.º do Código Penal e 71.º do Código de Processo Penal).

11.º Por outro lado, a própria formulação do pedido civil no processo penal não obedece aos requisitos mais exigentes previstos no CPC para a petição inicial (onde, aí sim, se justifica, o prévio pagamento de taxa de justiça, dado o impulso processual das partes e o trabalho que se irá desenvolver).

12.º Da mesma forma, a contestação do pedido civil, enxertado na acção penal, não obedece às exigências previstas no CPC, sendo certo que, em qualquer caso, a sua falta não implica a confissão dos factos (cf. art.º 78.º, n.º 3, do CPP).

13.º Mais se dirá, que em processo penal, o pedido civil nele enxertado independentemente do respectivo valor ser igual ou superior a 20 UC e das excepções previstas no RCP e no artigo 14.º, n.º 3, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, não está sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça.

14.º Neste sentido, o disposto nos artigos 6.º, nº 1 e 14.º, nº 1, do RCP não se aplica ao demandante cível que em processo penal deduz pedido civil, porque por um lado, o processo penal, atentas as suas finalidades, não está dependente de impulso processual do demandante cível e, por outro lado, segundo o princípio da adesão consagrado no artigo 71.º do CPP, “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.”

15.º Mais se dirá que, do Regulamento das Custas Processuais, não consta nenhum normativo a proibir que ao Estado seja imputada a taxa de justiça inicial, aquando da apresentação da conta nos processos em que por Sentença tenha ficado determinado que as custas são da responsabilidade da parte contrária, também não é menos verdade que naquele diploma não existe nenhum normativo que expressamente impute ao Estado a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça inicial nos processos em que saia como parte vencedora.

16.º De todo o modo, no processo penal, o tribunal pode remeter as partes para os tribunais civis, verificando-se as situações previstas no artigo 82.º, n.º 3, do CPP., podendo inclusive, arbitrar oficiosamente indemnização à vítima nos casos especiais previstos no art.º 82.º-A do CPP (portanto, independentemente do impulso do lesado).

17.º Cumpre igualmente realçar, que a legitimidade e poderes processuais das partes civis (que são sujeitos processuais em processo penal) estão limitados de acordo com o disposto no 74.º do CPP (não sendo, portanto, tão amplas como sucede no processo civil).

18.º Na verdade, a própria Lei n.º 26/2007, de 23 de Julho, que autorizou o Governo a aprovar um Regulamento das Custas Processuais, no seu artigo 2.º n.º 1 dispõe que “O sentido e a extensão da autorização legislativa, no que se refere à aprovação de um novo regime jurídico de custas processuais, são os seguintes:

(…)
f)-
Reduzir significativamente o benefício da dispensa de pagamento prévio, mantendo-o apenas no âmbito do processo penal, dos processos que devam decorrer no Tribunal Constitucional, nos caos previstos na lei que aprova o regime de acesso ao direito e aos tribunais e no que respeita ao Estado, em alguns processos que decorram nos tribunais administrativos e fiscais.”

19.º Repare-se que, no domínio do anterior Código das Custas Judiciais – o que não se vê, pelos motivos aqui apontados, que tenha sido alterado pelo actual RCP – a dedução de pedido cível (mesmo a contestação a tal pedido) em processo penal nunca esteve dependente do prévio pagamento de taxa de justiça, sendo que, a autorização legislativa para aprovação de um Regulamento das Custas Judiciais foi dada no sentido de, no processo penal, se manter o âmbito da dispensa do prévio pagamento da taxa de justiça.

20.º De resto, um dos objectivos da reforma que dominou o RCP (como se diz no seu preâmbulo) foi a “repartição mais justa e adequada dos custos da justiça”, razão pela qual, não fazia sentido passar a exigir a prévia autoliquidação de taxa de justiça em relação à dedução de pedido de indemnização civil em processo penal, uma vez que o enxerto cível é tramitado de forma simplificada, não tendo autonomia, por se encontrar dependente do processo penal.

21.º Assim sendo, o pedido de indemnização civil enxertado no processo penal não está sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça, sendo porém, paga a final, a fixar pelo juiz, tendo em vista a complexidade da causa e dentro dos limites fixados pela tabela III, tal como decorre do exposto no artigo 8.º, n.º 5 do RCP.

22.º Face ao exposto, existindo oposição entre o Acórdão prolatado nestes autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado em 26 de Maio de 2014 e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa – 5ª Secção, datado de 17 de Dezembro de 2013, proferido no âmbito do Processo n.º 826/09.0 TDLSB.L1-5 em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, impõe-se a revogação do Acórdão recorrido, propondo a V. Exas., Exmos. Senhores Juízes Conselheiros, que seja fixada jurisprudência nos seguintes termos:

Pelo pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime e deduzido no processo penal respectivo, não há lugar à autoliquidação da taxa de justiça, sendo esta fixada pelo juiz e paga a final, pelo que, à luz do regime do Regulamento das Custas Processuais (RCP), tanto na redacção anterior, como na actual versão que resultou das alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, à parte vencedora, por não ser condenada em custas, não é aplicável a notificação a que se reporta o artigo 15º n.º 2 do RCP, não tendo por isso de proceder, a final, à liquidação da taxa de justiça».

*

II. Fundamentação

II.1. Da oposição de julgados

Considerando que, como tem sido uniformemente entendido neste Supremo Tribunal[1], o acórdão proferido na Secção Criminal sobre a oposição de julgados não vincula o Pleno das Secções Criminais, importa reapreciar tal questão.

E, reapreciando…

1.

Como se considerou no acórdão interlocutório, proferido nos termos do artigo 441.º do Código de Processo Penal, perante situações de facto idênticas e no domínio da mesma legislação – fundamentalmente a norma do artigo 15.º, número 2, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aplicável por força do disposto no artigo 8.º, número 9, ambos na redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, que entrou em vigor em 20.04.2009 (artigo 26.º do mesmo diploma) – os arestos recorrido e fundamento, ambos do Tribunal da Relação de Lisboa, adoptaram, de forma expressa, soluções jurídicas opostas relativamente à mesma questão jurídica que, perante eles, foi suscitada.

Questão jurídica que consiste em saber se, no pedido de indemnização cível enxertado na acção penal, deduzido na vigência do Regulamento das Custas Processuais, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, o demandante, que tenha ficado dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça, deve ou não, independentemente de condenação a final, ser notificado para, no prazo de 10 dias, proceder ao seu pagamento, nos termos do disposto no artigo 15.º, número 2, do referido Regulamento, aplicável aos processos pendentes por força do estatuído no número 1 do artigo 8.º, da citada Lei n.º 7/2012, de 13.02.

2.

Efectivamente, aos acórdãos recorrido e fundamento encontram-se subjacentes idênticas situações de facto.

2.1

Assim, nos processos onde foram proferidos os acórdãos recorrido e fundamento, por sentenças proferidas em 1.ª instância, os pedidos de indemnização cível que, num e noutro, o Instituto da Segurança Social, I.P., deduziu, na vigência do Regulamento das Custas Processuais (RCP) antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13.02, foram julgados totalmente procedentes, por provados, e os demandados condenados a proceder ao seu pagamento e bem assim às respectivas custas.

Por outro lado, quer num quer no outro dos processos, o demandante, o Instituto da Segurança Social, I.P. foi, na sequência das respectivas sentenças (prolatadas, no Processo n.º 5.500/09.4 em 13.12.2013, e no Processo n.º 826/09.0 em 28.02.2012 e depositada em 27.03.2012), notificado, nos termos do disposto no aludido artigo 15.º, número 2, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), na redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, para proceder, no prazo de dez dias, à autoliquidação da taxa devida pelos pedidos de indemnização cível que, naqueles processos, deduzira, respectivamente em 08.11.2010 e em 10.08.2010, contra os demandados.

E, tendo, num e noutro dos processos, o demandante, o Instituto da Segurança Social, I.P., reclamado dos despachos (proferidos, no Processo n.º 5.500/09.4 em data necessariamente posterior a 13.12.2013, e no Processo n.º 826/09.0 em 27.09.2013) que determinaram tais notificações, e que foram mantidos, das correspondentes decisões recorreu, como já referido, o demandante para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando não haver lugar aquelas notificações.

*

2.2

2.2.1

Ora, quanto a esta problemática, considerou-se no acórdão recorrido, proferido em 14.05.2014 e transitado em julgado em 02.06.2014, que no pedido de indemnização cível enxertado na acção penal, deduzido na vigência do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, e antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13.02, tendo o demandante ficado dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de vir ou não a ser condenado, deve o mesmo ser, a final, notificado para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento da mencionada taxa de justiça, nos termos do artigo 15.º, número 2, do RCP, na redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, que se aplica aos processos pendentes, como resulta da norma transitória do artigo 8.º, número 9, deste último diploma.

*

2.2.2

Diversamente, porém, no acórdão-fundamento, proferido em 17.12.2013 e transitado em julgado em 29.01.2014, entendeu-se que, aplicando-se, nos processos pendentes, o Regulamento das Custas Processuais (RCP), na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, o demandante que tiver ficado dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça só deve ser notificado, nos termos e para efeitos do disposto naquele artigo 15.º, número 2, do RCP, se for condenado, a final, no pagamento das custas, já não quando por elas não for responsável, posto que o disposto na norma do número 9 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13.02, vale tão-só para as situações em que, em processos pendentes, o dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça tiver sido condenado a final no pagamento das custas.

*

2.3

Por via do acabado de referir, deve, então, reconhecer-se que, como considerou a conferência que decidiu a questão preliminar, as decisões em causa (o acórdão recorrido e o acórdão-‑fundamento) consagraram, no domínio da mesma legislação, soluções opostas sobre a mesma questão de direito.

Razão por que, concluindo-se no sentido da verificação de oposição entre os julgados, nada obsta ao prosseguimento do recurso com vista à solução do conflito de jurisprudência que se suscita.

*

II.2 − Questão a decidir

  2.1 Objecto

Como decorre do que se acabou de referir, a questão objecto do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência consiste em saber se, tendo o pedido de indemnização cível enxertado no processo penal sido deduzido na vigência do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, e na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, e havendo o demandante ficado dispensado do pagamento prévio da taxa de justiça, deve ou não este, independentemente de condenação a final, ser notificado para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento da mesma taxa de justiça, ao abrigo do estatuído no artigo 15.º, número 2, do RCP, aplicável por força do disposto no artigo 8.º, número 9, daquela Lei n.º 7/2012, de 13.02.

*

2.2 Posições em confronto e argumentação em que se fundam:

2.2.1

Quanto ao acórdão recorrido, apoia-se o entendimento nele sufragado na seguinte ordem de razões:

- A opção legislativa, que subjaz à norma do número 2 do artigo 15.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, teve em vista satisfazer a necessidade de garantir e obter, com maior eficácia, o pagamento da taxa de justiça devida por um serviço judiciário que, efectivamente prestado, acarretou despesas e encargos judiciais;

- As alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2012, de 13.02 ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pela Lei n.º 34/2008, de 26.02, decorrem das obrigações que, relacionadas com o regime de custas judiciais, o Estado Português assumiu, nos termos do Memorando de Entendimento que celebrou com a União Europeia, o Banco Central Europeu, e o Fundo Monetário Internacional, no âmbito do programa de assistência financeira prestada a Portugal;

- Uma dessas obrigações assumidas, no mencionado domínio, prende-se, justamente, com a chamada padronização das custas judiciais que, como bem decorre da Exposição dos Motivos da Proposta de Lei n.º 29/XII (que esteve na origem da citada Lei n.º 7/2012, de 13.02), teve em vista a aplicação de um único regime de custas a todos os processos judiciais pendentes, independentemente da ocasião em que os mesmos se iniciaram;

- Propósito que veio a ser concretizado com a previsão da norma do número 1 do artigo 8.º da citada Lei n.º 7/2012, de 13.02, enquanto estabelece que o Regulamento das Custas Processuais, na redacção por ela dada, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor, e sem prejuízo do disposto nos números anteriores, também aos processos pendentes nessa data;      

- Assim, com respeito à taxa de justiça, prevê-se, na norma transitória do número 9 do citado artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13.02, que, quando tiver havido dispensa de pagamento prévio, ela mantem-se, sendo o pagamento dos montantes que a parte teria de ter pago, caso não houvesse sido dispensada de fazê-lo, devido apenas a final, ainda que a aplicação da redacção dada ao mesmo Regulamento pela Lei n.º 7/2012, de 13.02 determinasse solução diferente;

- Em consequência disso, e independentemente da data de instauração do respectivo processo, a parte dispensada de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça terá de efectuá-lo, ainda que obtenha ganho de causa, como resulta da norma do número 2 do artigo 15.º, número 2, do Regulamento das Custas Processuais, aplicável aos processos pendentes por via da citada norma transitória do artigo 8.º, da Lei n.º 7/2012, de 13.02.

2.2.2

Relativamente ao acórdão-fundamento, estriba-se a posição nele assumida nas razões que se passam a indicar:

- Mercê das alterações introduzidas ao Regulamento das Custas Processuais (RCP) pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, as partes dispensadas do pagamento prévio da taxa de justiça devida pelo impulso processual devem ser notificadas, nos termos do disposto no artigo 15.º, número 2, do mesmo diploma, para proceder ao seu pagamento, independentemente de condenação a final;

- Assim, no âmbito deste regime introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, e tendo em vista a necessidade de assegurar e obter, com maior grau de eficácia, o pagamento da taxa de justiça devida pela utilização da máquina judiciária, a parte, ainda que vencedora, por haver usufruído de prestação desse serviço, deverá pagar, a final, a respectiva taxa de justiça, pese embora lhe assista o direito à sua devolução, a título de custas de parte, dos valores pagos;

- Acontecendo, porém, o contrário no regime jurídico das custas decorrente do Regulamento das Custas Processuais, na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, em que a parte vencedora não era condenada nas custas, que abrangem a taxa de justiça, resultaria então incongruente exigir-se-lhe, agora, o pagamento da taxa de justiça, quando, por ter obtido ganho de causa, as custas ficam a cargo da parte vencida;

- Daí que, tal qual sucedia no domínio do regime anterior ao do Regulamento das Custas Processuais, sempre que haja dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça incumbirá à parte vencida suportar, a final e na medida do seu decaimento, a totalidade da taxa de justiça do processo, o que vale por dizer a sua própria taxa de justiça e a da parte contra quem litigou;

- Destarte, havendo beneficiado da dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça e não tendo a reivindicar em sede de custas de parte quaisquer quantias por ela pagas, não deve a parte vencedora ser notificada para proceder ao pagamento de importâncias que, por decisão judicial transitada em julgado, não tem de suportar;

- E isto porque, se de acordo com o disposto no artigo 523.º do Código de Processo Penal, “À responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização civil são aplicáveis as normas do processo civil”, e se, em consonância com o que estatui o artigo 524.º do mesmo diploma, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 (que entrou em vigor em 20.04.2009), ao processo penal “É subsidiariamente aplicável o Regulamento das Custas Processuais”, conforme decorre do estatuído no artigo 446.º, número 1, do Código de Processo Civil de 1961 (actual artigo 527.º, número 1, do Código de Processo Civil de 2013), a decisão que julgue a acção condenará em custas (que incluem a taxa de justiça, os encargos, e as custas de parte) a parte que a elas tiver dado causa ou, não havendo vencimento, quem do processo tiver retirado proveito;

- Por outro lado, resulta do preceituado nos artigos 477.º - A, número 1, do Código de Processo Civil de 1961 (actual artigo 530.º, número 1, do Código de Processo Civil de 2013) que “A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”, e do artigo 477.º-A, número 1 do Código de Processo Civil de 1961 (actual artigo 530.º, número 1, do Código de Processo Civil de 2013) que “As custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento, e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais”;

- Em consequência disto, o número 9 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13.02, tem de ser interpretado no sentido de que o montante da taxa de justiça de cujo pagamento a parte foi previamente dispensada, será devido a final, caso o fosse efectivamente nessa ocasião;  

- Acresce que se, de harmonia com o que prescreve no artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais na versão anterior à introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, só a parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento, a título de custas de parte, dos valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, não terá esta de proceder, a final, à liquidação da taxa de justiça de cujo pagamento se encontrava dispensada;

- Sendo que uma interpretação normativa diversa sempre atentaria contra o princípio da segurança jurídica, na vertente material da confiança, na medida em que a parte que praticou um determinado acto estaria impossibilitada de prever o custo que lhe adviria em resultado da alteração súbita e imprevisível do modelo jurídico que disciplina as consequências decorrentes, em matéria de tributação, da prática desse mesmo acto.

*

2.3

2.3.1

No sentido da solução acolhida no acórdão recorrido pronunciaram-se, entre outros, os seguintes arestos:

A – Do Supremo Tribunal Administrativo

− Acórdãos de 23.05.2012, Processo n.º 0246/12, 2.ª Secção; de 17.10.2012, Processo n.º 0759/12, 2.ª Secção; de 07.11.2012, Processo n.º 0982/12, 2.ª Secção; de 15.12.2012, Processo n.º 01019/12, 2.ª Secção; de 16.10.2013, Processo n.º 01154/13, 2.ª Secção;

B – Do Tribunal da Relação de Lisboa

− Acórdão de 14.05.2013, Processo n.º 10317/05.2TDLSB, publicado e disponível em www.dgsi.pt;

C − Do Tribunal da Relação do Porto

Acórdão de 07.11.2013, Processo nº 332/04.9, 3.ª Secção, publicado e disponível em www.dgsi.pt;

2.3.2

Com interesse para a solução perfilhada no acórdão-fundamento, pronunciaram-se, entre outros, os arestos que se seguem:

A – Do Tribunal da Relação de Lisboa

− Acórdão de 07.05.2013, Processo n.º 1938/11.9TDLSB.L1, 5.ª Secção;

B – Do Tribunal da Relação do Porto

− Acórdão de 20.06.2012, Processo n.º 1038/10.5TASTS-B.P1.

*

2.4

Ao nível da doutrina, pronunciaram-se no sentido da solução defendida:

2.4.1

No acórdão recorrido

– Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado”, Almedina, 2012, 4.ª edição;

– Joel Timóteo Ramos Pereira, “Regulamento das Custas Processuais e Legislação Complementar”, Quid Juris, 2013, 2.ª edição.

2.4.2

No acórdão-fundamento

José António Coelho Carreira, “Regulamento das Custas Processuais, Anotado”, Almedina, 2013.

*

Posto isto, cumpre então tomar posição sobre o conflito jurisprudencial que se suscita no presente recurso.

Assim…

*

II.3.

3.1 Legislação pertinente
3.1.1 – De acordo com o que estabelece a Lei n.º 7/2012, de 13.02, que, tendo procedido à sexta alteração[2] ao Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, com a declaração de rectificação n.º 22/2008, entrou em vigor em 29.03.2012, no:

Artigo 8.º

Aplicação no tempo

1 - O Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data.

2 - Relativamente aos processos pendentes, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei só se aplica aos actos praticados a partir da sua entrada em vigor, considerando-se válidos e eficazes todos os pagamentos e demais actos regularmente efectuados ao abrigo da legislação aplicável no momento da prática do acto, ainda que a aplicação do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, determine solução diferente.

9 - Nos processos em que, em virtude da legislação aplicável, houve lugar à dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça, essa dispensa mantém-se, sendo o pagamento dos montantes que a parte teria de ter pago caso não estivesse dispensada devidos apenas a final, ainda que a aplicação da redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei determinasse solução diferente.

10 - Nos processos em que a redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei passa a prever a dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça, não há lugar à sua dispensa, excepto se ainda não tiver sido paga a segunda prestação da taxa de justiça, caso em que a dispensa de pagamento prévio se aplica apenas a esta prestação. 

12 - São aplicáveis a todos os processos pendentes as normas do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, respeitantes às custas de parte, incluindo as relativas aos honorários dos mandatários, salvo se a respectiva nota discriminativa e justificativa tiver sido remetida à parte responsável em data anterior à entrada em vigor da presente lei.

…”;

3.1.2 − Por sua vez, o Regulamento das Custas Processuais (RCP), na redacção introduzida pela citada Lei n.º 7/2012, de 13.02, estabelece no:

Artigo 1.º

Regras gerais

1 - Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento.

…”;

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

O presente Regulamento aplica-se aos processos que correm termos nos tribunais judiciais, nos tribunais administrativos e fiscais e no balcão nacional de injunções.”

Artigo 3.º

Conceito de custas

1 - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.

…”

Artigo 13.º

Responsáveis passivos

1 - A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respectivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais e contra-ordenacionais, administrativos e fiscais.

…”

Artigo 15.º

  Dispensa de pagamento prévio

1 - Ficam dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça:

a) O Estado, incluindo os seus serviços e organismos ainda que personalizados, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, quando demandem ou sejam demandados nos tribunais administrativos ou tributários, salvo em matéria administrativa contratual e pré-contratual e relativas às relações laborais com os funcionários, agentes e trabalhadores do Estado;

b) (Revogada.)

c) (Revogada.)

d) O demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respectivo valor seja igual ou superior a 20 UC;

e) As partes nas acções sobre o estado das pessoas;

f) As partes nos processos de jurisdição de menores.

2 - As partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias.

Artigo 26.º

Regime

1 - As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no artigo 536.º e no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil.

2 - As custas de parte são pagas directamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável.

3 - A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:

a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento;

b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;

c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;

d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.

…”.

3.1.3 − Sendo que o Código de Processo Penal, no que concerne à matéria de custas, preceitua no:

 “Artigo 523.º

  Custas no pedido cível

À responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização civil são aplicáveis as normas do processo civil”.

Artigo 524.º

  Disposições subsidiárias

É subsidiariamente aplicável o disposto no Regulamento das Custas Processuais”.

3.1.4 – Por fim, dispõe o Código de Processo Civil de 2013, no:

Artigo 527.º [3]

Regra geral em matéria de custas

1 - A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

3 - No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas.”

Artigo 529.º[4]

 Custas processuais

1 - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.

2 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.

3 - São encargos do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa.

4 - As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”.

“Artigo 530.º[5]

Taxa de justiça

1 - A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.

…”

*

Posto isto, cumpre, então, tomar posição quanto à problemática que, no presente recurso extraordinário, se coloca.

3.2 – Posição que se perfilha

3.2.1

3.2.1.1

Como visto, quer no Processo n.º 5.500/09.4TDLSB.L1, quer no Processo n.º 826/09.0TDLSB.L1, onde foram proferidos o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, o Instituto de Segurança Social, IP (ISS,IP) deduziu, por adesão ao processo penal, pedido de indemnização civil contra os arguidos e demandados, em 08.11.2010 e em 10.08.2010, respectivamente, o que vale por dizer no domínio do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.03, com a declaração de rectificação n.º 22/2008, publicada no D.R. n.º 81/2008, I.ª Série, de 24.04.2008, e que entrou em vigor em 20.04.2009.

E, como também se observou, quer numa situação quer na outra, julgados totalmente procedentes os referido pedidos de indemnização civil e condenados os demandados nas custas cíveis, o Instituto de Segurança Social, IP foi, em momento ulterior, notificado, nos termos do disposto no artigo 15.º, número 2, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, para proceder, no prazo de dez dias, ao pagamento da taxa de justiça devida pelos pedidos cíveis formulados naqueles processos.

3.2.1.2

A.

Por outro lado, e como também já se viu, no acórdão recorrido e no acórdão fundamento não ocorre qualquer divergência relativamente à não isenção (subjectiva e objectiva) de custas do Instituto de Segurança Social, IP, quando, em processo penal e por crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, o mesmo deduza pedido de indemnização civil de valor igual ou superior a 20 UC, em ordem a receber as contribuições devidas à Segurança Social, que, sendo-lhe devidas, não lhe foram entregues.

Como contradição alguma se verifica quanto à sujeição do demandante, no domínio do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, ao pagamento prévio da taxa de justiça atinente ao pedido cível deduzido em processo penal, de valor igual ou superior a 20 UC, e de cujo pagamento ficou, de facto, dispensado.

B.

B.1

Assim, em resumo, no que concerne à primeira das referidas problemáticas (como se disse, reportada à não isenção de custas do Instituto de Segurança Social, IP), na consideração de que, quando intervém a reclamar, em processo penal, o pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, o Instituto de Segurança Social, IP prossegue um interesse próprio e actua no exercício das suas atribuições estatutárias, conferidas pela alínea x) do número 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 214/77, de 29.05, e, já não no âmbito daquelas exclusivas “atribuições especiais para efeitos de defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos …”, de que fala o artigo 4.º, número 1, alínea g), do Regulamento das Custas Processuais, e que fundamentam o regime de isenção de custas nele previsto. 

E isto não obstante a sua condição de entidade pública (decorrente do estatuído no artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 214/2007, de 29.05, que, consagrando a nova orgânica do mesmo ISS, IP, define-o como um instituto público integrado na Administração do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira, e património próprio, com o fim de prosseguir as atribuições do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, sob a superintendência e tutela do respectivo Ministro) e a natureza constitucional do direito à Segurança Social, que a todos os cidadãos é garantido, nos termos do número 1 do artigo 63.º da Lei Fundamental.

Entendimento que [conformando-se com o propósito de reduzir de forma drástica o campo das isenções subjectivas, claramente assumido pelo legislador do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.08, com a aludida declaração de rectificação (confira-se número 1 do artigo 25.º do mesmo diploma), foi mantido nas sucessivas alterações sofridas pelo diploma, e até reforçado com a nova redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.08], quer a letra da citada norma da alínea g) do número 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais quer aquele objectivo visado demonstra, no dizer de Salvador da Costa[6], que “…esta isenção não abrange o Instituto de Segurança Social.

E o mesmo acontece com respeito à isenção objectiva, contanto que o valor do pedido cível seja igual ou superior a 20 UC [artigo 4.º, alínea m), do Regulamento das Custas Processuais, antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13.02, e alínea n) do mesmo normativo no domínio deste diploma].

B.2

E no que tange à segunda das mencionadas problemáticas com respeito à qual também não se verifica qualquer divergência no acórdão recorrido e no acórdão fundamento (reportada, como se anotou, ao prévio pagamento da taxa de justiça pelo pedido de indemnização civil deduzido no processo penal, à luz do Regulamento das Custas Processuais, na redacção anterior à Lei n.º 7/2012, de 13.02), ponderando, em síntese, que, pese embora o pedido de indemnização cível enxertado no processo penal esteja subordinado ao princípio da adesão e possua regras próprias e mais simplificadas do que as inerentes à acção cível, tal não obsta a que o legislador o considere uma verdadeira acção cível, e, como assim, não será pelo facto de o Código de Processo Penal não prever a autoliquidação prévia da taxa de justiça que ela terá de excluir-se. Para mais quando, como sucede, este último diploma (o Código de Processo Penal) remete, em matéria de custas relativas ao pedido de indemnização civil, para o Código de Processo Civil (artigo 523.º) e bem assim para o Regulamento das Custas Processuais (artigo 524.º).

Daí que, decorrendo a autoliquidação prévia da taxa de justiça no pedido cível de valor igual ou superior a 20 UC, deduzido em processo penal, do estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 13.º, número 1, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02 (que dispõe que “A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respectivas normas subsidiariamente aos processos criminais e contra-ordenacionais, administrativos e fiscais”) e do artigo 15.º do mesmo Regulamento (que rege a dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça), e bem assim da tabela própria (a Tabela I-A anexa, conforme prescrito no artigo 6.º, número 1 do aludido diploma), a norma do número 5 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02 (ou número 9, nesta) tem como exclusivo alcance aqueles casos (como sejam os atinentes à constituição de assistente e à abertura de instrução) em que poderiam suscitar-se dúvidas e não se soubesse qual o montante da taxa de justiça a fixar.

Tratar-se-ia, enfim, esta disposição legal do artigo 8.º, número 9, do Regulamento das Custas Processuais em vigor (número 5, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02), no dizer de Salvador da Costa[7], de “um normativo residual susceptível de abranger uma pluralidade de actos processuais, simples, complexos ou de execução emparelhada, não previstos nos números 1 a 8 deste artigo, mas relativos à área do processo penal ou contra-ordenacional. Todavia, não abrange o pedido de indemnização cível deduzido no processo penal, cuja taxa de justiça devida é determinada nos termos da Tabela I-A anexa a este Regulamento”.

Delimitada que fica, pois, nos seus termos a questão de direito [consistente, como visto, em saber se é aplicável o disposto no artigo 15.º, número 2, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, quando em causa se encontra um pedido de indemnização cível de valor superior a 20 UC, deduzido, em processo penal e no domínio do Regulamento das Custas Processuais, mas antes da entrada em vigor daquela Lei n.º 7/2012, de 13.02, pelo Instituto de Segurança Social, IP, que não procedeu à autoliquidação prévia da taxa de justiça, e que foi julgado totalmente procedente, com custas pelo demandado], resolvida de forma contraditória nos arestos recorrido e fundamento, passemos, então, a enfrentá-la.

Assim…

*

3.2.2

3.2.2.1

Retendo, então, tudo quanto mais para trás ficou referido, importa não perder de vista que, estatuindo o Código de Processo Penal que à responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização cível são aplicáveis as normas do processo civil (artigo 523.º), e que é subsidiariamente aplicável o disposto no Regulamento das Custas Processuais (artigo 524.º), estabelece o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06: i) no artigo 529.º[8], que as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (número 1), e que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (número 2); ii) no artigo 530.º[9], que a taxa de justiça é apenas paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais (número 1); e no artigo 533.º[10], que nas custas da parte vencedora, que são suportadas pela parte vencida na proporção do respectivo decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais (número 1), compreendem-se, designadamente, as taxas de justiça pagas [alínea a) do número 2].

De outro passo, cabe ter ainda em conta que, de acordo com o que prescreve o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 [que, como bem flui, primeiro, da Lei de Autorização Legislativa n.º 26/2007, de 23.06[11] − artigo 2.º, número 1, alínea a) – e, depois, do preâmbulo do próprio Decreto-Lei n.º 34/2008, visando com ele instituir “todo um novo sistema de concepção e funcionamento das custas processuais”, procurou o legislador concentrar num só diploma todas as normas procedimentais, relativas à responsabilidade por custas processuais, conquanto mantivesse certas regras fundamentais, de carácter substantivo, nas leis de processo civil e do processo penal, aplicáveis, a título subsidiário, aos processos criminais e contra-ordenacionais, administrativos e fiscais, em que “A taxa de justiça é, agora, com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço”], no artigo 3.º, número 1[12], “As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte”, sendo que, conforme estatui o artigo 6.º, número 1, do mesmo Regulamento[13], “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa, de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se na falta de disposição especial, os valores constantes da Tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”.

Por sua vez, e como já antes se disse, dispõe o artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 23.03, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02 (que persistiu inalterado), que “A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respectivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais e contra-ordenacionais, administrativos e ficais” (número 1), e que “A taxa de justiça é paga integralmente e de uma só vez por cada parte ou sujeito processual” (número 2).

Taxa de justiça, devida pelo impulso processual – consistente, no caso em apreciação, na dedução, em processo penal, do pedido de indemnização civil, de valor superior a 20 UC, com vista à obtenção das contribuições devidas à Segurança Social pelos demandados − e de cujo pagamento prévio, é um facto, o Instituto de Segurança Social, IP ficou dispensado de efectuar, já que naquela ocasião, que era a própria, não procedeu à respectiva autoliquidação.

Porém, como já se reparou, a dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça – que tem como único alcance e efeito o de permitir à parte que dela usufruiu praticar os actos processuais sem necessidade de pagar antecipadamente o montante devido em resultado do impulso processual tido – não equivale, seguramente, à isenção de custas.

Como assim, no domínio do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, e antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13.02, é bem verdade que a parte que, tendo litigado com dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça, ficasse vencida, total ou parcialmente, deveria proceder, no final da acção, ao pagamento da sua própria taxa de justiça que havia de ter liquidado previamente, e bem assim da parte contra quem houvesse litigado, sendo que, a obter ganho de causa, as custas (que, como já se viu, abrangem a taxa de justiça, os encargos, e as custas de parte) eram suportadas pela parte vencida, de sorte que a taxa de justiça que aquela (a parte vencedora) deveria pagar havia de constar da conta de custas, a fim de ser paga pela parte vencida.

3.2.2.2

A.

Porém, em 29.03.2012 entrou em vigor a Lei n.º 7/2012, de 13.02, que introduziu, como já se referiu, a sexta alteração ao Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, com a declaração de rectificação n.º 22/2008, de 24.04.

Diploma que, na sequência do Memorando de Entendimento celebrado com o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia, e o Fundo Monetário Internacional, com vista à implementação do programa de assistência financeira à República Portuguesa, no âmbito do qual o Estado Português assumiu, entre outras obrigações, as relacionadas com o regime de custas judiciais, tais como as atinentes à padronização das custas judiciais especiais para determinadas categorias de processos e procedimentos com o objectivo de aumentar as receitas e de desincentivar a litigação de má-fé.

Padronização das custas judiciais que, como se diz na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 7/2012, de 13.02, ao contrário do que se verificou nas anteriores alterações, sucessivamente introduzidas ao regime de custas processuais, “visa a aplicação do mesmo regime de custas a todos os processos judiciais pendentes, independentemente do momento em que os mesmos se iniciaram”.

Finalidade que, como ainda se preconiza na referida Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 29/XII, seria “…efectuada através de uma norma transitória, que determinasse a aplicação do regime previsto no presente diploma aos processos pendentes, tendo em conta as regras distintas que lhes sejam aplicáveis”, de modo a, “com a aplicação da norma transitória, ser possível aplicar a todos os processos[14] o regime que se consagra no presente diploma”.

Sendo que, como se adverte na mesma Exposição de Motivos, com isso “…aproveita-se ainda a oportunidade para efectuar algumas correcções ao regime de custas processuais vigente, sobretudo tendo em vista a sustentabilidade financeira do sistema, bem como para colmatar algumas lacunas decorrentes das últimas alterações efectivadas”.

Daí que, para concretização desse desiderato, viesse a Lei n.º 7/2012, de 13.02, a prever, no número 1 do seu artigo 8.º, que “O Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data”.

Para além disso, nos números seguintes (números 2 a 13) do citado artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13.02, o legislador estabeleceu regras que, tendo em vista a almejada uniformização de regimes de custas processuais, fornecessem indicações quanto ao modo de compatibilizá-los, por forma a evitar perturbações e dificuldades na aplicação do novo modelo aos processos pendentes aquando da entrada em vigor do mesmo diploma.

E designadamente, com relevância para o caso aqui em apreciação, as normas dos números 9, 10, e 12 do aludido artigo 8.º, enquanto estabelecem:

Nos processos em que, em virtude da legislação aplicável, houver lugar à dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça, essa dispensa mantém-se, sendo o pagamento dos montantes que a parte teria de ter pago caso não estivesse dispensada devidos apenas a final, ainda que a aplicação da redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei determinasse solução diferente” (número 9);

Nos processos em que a redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei passa a prever a dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça, não há lugar à sua dispensa, excepto se ainda não tiver sido paga a segunda prestação da taxa de justiça, caso em que a dispensa de pagamento prévio se aplica apenas a esta prestação” (número 10);

São aplicáveis a todos os processos pendentes as normas do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, respeitantes às custas de parte, incluindo as relativas aos honorários dos mandatários, salvo se a respectiva nota discriminativa e justificativa tiver sido remetida à parte responsável em data anterior à entrada em vigor da presente lei” (número 12).

Como bem se vê, normas de direito transitório material, muito em particular as dos mencionados números 9, e 10 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13.02, que, dotadas de alcance, conteúdo, e efeitos naturalmente distintos, revestem-se de indubitável interesse prático, atendendo, por um lado, à aplicação do novo regime, decorrente das alterações introduzidas ao Regulamento das Custas Processuais por aquele diploma, não tão-só aos processos iniciados após a sua entrada em vigor mas, ainda aos processos pendentes, como se estabelece no número 1 do preceito, e, por outa via, considerando a necessidade de compatibilizar os efeitos advindos de tal aplicação aos ditos processos pendentes, com as especificidades próprias de regime anterior.

Com efeito, no entendimento que se perfilha[15], com a norma do número 9 do referenciado artigo 8.º, da Lei n.º 7/2012, de 13.02, visou o legislador obstar a que aquele que, tendo ficado dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça e na pendência do processo houvesse deixado de usufruir desse benefício, em resultado da entrada em vigor das alterações introduzidas ao Regulamento das Custas Processuais por aquele diploma [as situações que, antes previstas nas alíneas a) e c) do número 1 do artigo 15.º do mesmo RCP, deixaram de sê-lo com a revogação operada pelo artigo 6.º da Lei n.º 7/2012, de 13.02], fosse compelido a proceder, de imediato, ao pagamento da taxa de justiça.

De outro passo, com a norma do número 10 do aludido artigo 8.º, teve o legislador em vista salvaguardar uma outra situação que, nos seus pressupostos, é inversa daqueloutra.

Assim, na linha da posição que se defende[16], considera-se que, com a citada norma do número 10 do artigo 8.º, teve o legislador em vista esclarecer que, nos casos em que a dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça passou a ser prevista no novo regime, ao invés do que sucedia no anterior, ela não produz efeitos, a menos que ainda não tenha sido paga a segunda prestação da taxa de justiça, eventualidade em que tal dispensa produz efeitos apenas no que concerne a esta prestação.

Em suma, com esta norma do número 10 do artigo 8.º visou o legislador as situações previstas nas alíneas d) a f) do número 1 do artigo 15.º do Regulamento das Custas Processuais, salvo se ainda estiver por pagar a segunda prestação da taxa de justiça, hipótese em que, relativamente a esta, opera a dita dispensa, como observam Salvador da Costa e Joel Timóteo Ramos Pereira.

B.

Assente que fica este aspecto, atinente às finalidades visadas com a sexta alteração introduzida ao Regulamento das Custas Processuais, designadamente a reportado à almejada padronização das custas judiciais e forma encontrada para dar-lhe concretização (através de uma norma transitória – a do citado artigo 8.º, da Lei n.º 7/2012, de 13.02, que é a norma habilitante, para efeitos de aplicação do novo regime aos processos pendentes à data da entrada em vigor do mesmo diploma), detenhamo-nos um pouco mais sobre o referido preceito que, por ter sido interpretado em moldes diversos nos acórdãos recorrido e fundamento, constitui o cerne do conflito que urge solucionar.

Na verdade, coincidindo no entendimento de que, por via do prescrito no mencionado número 1 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13.02, o novo regime aplica-se aos processos iniciados após a sua entrada em vigor – 29.03.2012 – e pendentes nessa data, o que opõe os acórdãos recorrido e fundamento prende-se, como visto, com a consideração de que, em face do disposto no número 9 daquele artigo 8.º, o montante da taxa de justiça pelo pedido de indemnização civil, deduzido pela parte que ficou dispensada do seu prévio pagamento, será devido a final apenas se a mesma for de facto condenada em custas (entendimento sufragado no último dos arestos) ou, independentemente disso (posição defendida na primeira das decisões).   

Interpretação sobre a aludida norma do número 9 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13.02 que, recorde-se, no entendimento que se perfilha, e que é também assumido no acórdão recorrido, dispondo do alcance atrás apontado (e que mais não é que, diferindo para final o pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual da parte que, dispensada de proceder ao seu pagamento prévio, deixou de usufruir desse benefício por via da entrada em vigor das alterações introduzidas por aquele diploma ao Regulamento das Custas Processuais, obviar a que a mesma parte seja compelida a efectuar, de imediato, o mencionado pagamento), não se coaduna, logo à partida, com a letra da disposição legal em causa. E isto na medida em que nela não se distinguem – tal como sucede com a norma do número 1 do citado artigo 8.º − as situações em que a parte dispensada obteve ganho de causa das situações em que, por ter ficado total ou parcialmente vencida, a mesma foi condenada em custas.

Elemento gramatical (texto ou “letra da lei”) que, como ensina João Baptista Machado[17], constitui o ponto de partida da interpretação, desde logo cabendo-lhe a «função negativa [a] de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei», e a que, na falta de outros elementos que levem a aceitar um sentido menos directo e imediato do que aquele que decorre do texto legal, o intérprete deve atender, preferindo o sentido que mais e melhor corresponde ao significado normal das expressões verbais nele utilizadas, designadamente sob o ponto de vista técnico-jurídico, partindo do pressuposto que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento.

Efectivamente, como estabelece o número 2 do artigo 9.º do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 

Para além de que uma interpretação daquela natureza também não se afeiçoa ao espirito da lei, bem patenteado, de resto, na Exposição de Motivos da Lei n.º 29/XII, que esteve na génese da Lei n.º 7/2012, de 13.02, e designadamente no afirmado propósito de aplicação do mesmo regime de custas a todos os processos judiciais pendentes, à data da sua entrada em vigor, e independentemente do momento em que os mesmos se iniciaram.

Com efeito, decorrendo do preceituado no número 2 do artigo 15.º do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, que “as partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida da causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias”, mal se compreenderia que o legislador, determinado a uniformizar o regime de custas processuais, por forma a torná-lo «…mais simples e potencialmente mais eficiente e eficaz, contribuindo desta forma para a agilização, celeridade e transparência dos processos judiciais»[18], tivesse tido em vista, com a norma de direito transitório material do número 9 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, apenas as situações em que parte dispensada do pagamento prévio de taxa de justiça fosse, efectivamente, condenada em custas, mas já não quando fosse vencedora.

Para mais quando em causa se encontram situações, como a vertente, em que a parte, dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça na vigência do anterior regime de custas processuais, continua sê-lo no actual regime [confira-se artigo 15.º, número 1, alínea d), do Regulamento das Custas Processuais], onde, como visto, a lei não distingue o tratamento a dispensar, consoante a parte dispensada venha a ser vencedora ou vencida.

E onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo!

Assim, se o elemento racional ou teleológico de interpretação, que tem em conta o fim visado pelo legislador com a criação da norma, e bem assim o elemento sistemático de interpretação, que tem por pressuposto que as normas contidas no texto legal estruturam-se segundo um pensamento unitário que a ele preside, não permitem concluir de todo em todo que aquele entendimento redutor sobre o sentido e alcance da citada norma do número 9 do artigo 8.º é o que resulta mais correcto e adequado, o elemento histórico tão pouco o consente, bastando para demonstrá-lo ainda os Motivos que, expostos na Proposta de Lei n.º 29/XII, elucidam de forma clara e escorreita sobre os fins visados com a alteração de paradigma em matéria de custas processuais, e, mais do que isso, o propósito de uniformização de regimes e, desde logo, de aplicação do novo regime aos processos pendentes. Intenção, aliás, claramente afirmada no número 1 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13.02.

De onde que, recorrendo aos subsídios acabados de referir, a interpretação declarativa que se faça da norma de direito transitório material do número 9 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13.02, em concatenação com a do número 1 do mesmo normativo e com a do número 2 do artigo 15.º do Regulamento das Custas Processuais, aditado por aquele diploma, permitirá tão-só concluir que, nos processos pendentes em que tenha havido dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça, ela mantém-se, devendo a parte dispensada, independentemente de ser ou não condenada a final, proceder então ao pagamento do montante que havia de ter pago caso não tivesse ficado disso dispensada.

Efectivamente, não distinguindo o número 2 do artigo 15.º do Regulamento das Custas Processuais, aditado pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, as situações consoante a parte dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça tenha obtido vencimento ou decaído na acção, a norma em causa dirige-se a ambas as situações, o que tem como consequência que, ainda que a parte dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça não venha a ser condenada em custas, ela sempre terá, a final, de proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual e, depois, pedir à parte que, por haver ficado vencida, foi condenada em custas, o seu reembolso, a título de reembolso de custas de parte, como prescrevem os artigos 25.º, e 26.º, números 1, e 3, alínea a), do mesmo Regulamento das Custas Processuais.

E isto como forma de [em consonância com o objectivo visado com as alterações introduzidas ao Regulamento das Custas Processuais pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, e de que é dada devida conta na Exposição de Motivos da Lei n.º 29/XII, que esteve na sua génese] o Estado, deixando de assumir, em exclusivo, o risco decorrente do não pagamento do montante devido pelo impulso processual (que, correspondendo a um serviço judiciário efectivamente prestado, deu azo a despesas e encargos correlativos) tido pela parte dispensada de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça, garantir que o mesmo serviço judiciário prestado lhe será pago.

O que, antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13.02 e, com ela, do seu artigo 8.º, de facto nada garantia, de facto, que sucedesse, uma vez que, sendo as custas de parte (em que se incluem, nos termos do artigo 3.º, número 1, do Regulamento das Custas Processuais, as taxas de justiça) tratadas extrajudicialmente, mediante a interpelação dirigida pela parte vencedora à parte vencida, e com o envio da sua nota discriminativa e justificativa – artigo 25.º do referido Regulamento[19], sempre podia acontecer que a parte vencida, condenada em custas, não procedesse, voluntariamente, a qualquer pagamento no decurso da acção e não possuísse bens penhoráveis, assim obstando a que o Estado arrecadasse o montante que, sendo-lhe devido a título de taxa de justiça, corresponde a um serviço que foi suportado, não por quem o motivou mas, pela comunidade em geral.

E se é assim, tem-se, então, que, face ao disposto no artigo 15.º, número 2, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, aplicável aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor por via do disposto no artigo 8.º, número 1, da citada lei, no pedido de indemnização cível deduzido, por adesão ao processo penal, na vigência do aludido Regulamento, na redacção da Lei n.º 34/2008, de 26.02, o demandante, que tiver ficado dispensado do pagamento prévio da taxa de justiça, deve, independentemente de condenação a final, ser notificado para, no prazo de 10 dias, proceder ao seu pagamento, nos termos do citado artigo 15.º, número 2.

C.

E contra este entendimento não se argumente que a tanto obsta o disposto no artigo 26.º, número 3, do Regulamento das Custas Processuais, na versão anterior à entrada em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13.02, ou o estatuído nos mencionados artigos 447.º-A, número 1, e 447.º-D, número 1, do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, em vigor à data da dedução do pedido de indemnização civil (e a que correspondem, sem alterações, os anteriores 530.º, número 1, e 533.º, número 1, do Código de Processo Civil de 2013).

E isto porque, tal qual ocorre no regime actualmente em vigor, no anterior regime, vigente à data da dedução, por adesão ao processo penal, dos pedidos de indemnização cível, as custas – que, nos termos do artigo 3.º, número 1, do Regulamento das Custas Processuais, compreendem as taxas de justiça, os encargos, e as custas de parte – eram suportadas pela parte que tivesse ficado vencida, na proporção do respectivo decaimento, e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, como estatui o número 1 daquele artigo 447.º-A.

De que decorre que a parte que, tendo ficado dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça, proceder ao seu pagamento a final (em conformidade com o preceituado no número 2 do artigo 15.º do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, aplicável aos processos pendentes, por força do disposto no artigo 8.º, números 1, e 9, deste diploma), se obtiver vencimento, terá, naturalmente, direito a ser reembolsada pela parte vencida, a título de custas de parte, que devem ser pagas, directamente [artigo 26.º, números 1, e 3, alínea a), do mesmo Regulamento], por esta àquela, que assim sempre disporá de um título executivo que lhe permitirá obter coercivamente o seu pagamento, caso a parte vencida não o satisfaça voluntariamente.

Afinal, como sucederia se, por não ter beneficiado de dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça, a parte vencedora houvesse procedido ao seu pagamento na ocasião em que praticou o acto processual a ela sujeito.

Interpretação que, afeiçoando-se de todo à letra das normas do artigo 15.º, número 2 do Regulamento das Custas Processuais, aditado pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, e do artigo 8.º, números 1, e 9, deste último diploma, serve inteiramente o objectivo visado pelo legislador.

Objectivo que, como visto, mais não era que, procedendo à padronização das custas judiciais, tornar extensível aos processos pendentes à data da entrada em vigor da mencionada Lei n.º 7/2012, de 13.02, e independentemente do momento em que se iniciaram, o novo paradigma em que, ao invés do que até aí se verificara, o Estado, deixando de assumir, em exclusivo, o risco decorrente do eventual não pagamento, pela parte que deu causa às custas (a parte vencida), do montante devido pelo impulso processual tido pela parte dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça, quis garantir que esse específico serviço, que prestou e ocasionou despesas e encargos, ser-lhe-ia pago, a final, pela última, ainda que houvesse obtido ganho de causa.  

Pagamento que, a jeito de adiantamento feito pela parte dispensada do pagamento da taxa de justiça que tenha obtido ganho de causa, não deixará de proporcionar-lhe, como referido, um título executivo que, se necessário, sempre poderá utilizá-lo para, coercivamente, ressarcir-se do montante assim despendido.

*

III. Decisão

Pelo exposto, acorda o pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, na improcedência do presente recurso extraordinário, manter o acórdão recorrido e fixar jurisprudência nos seguintes termos:

«A parte dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização civil que, na vigência do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, tenha sido deduzido no processo penal e que se encontrar pendente à data da entrada em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13.02, deve, independentemente de condenação em custas, ser notificada, a final, para proceder, no prazo de dez dias, ao pagamento da taxa de justiça, nos termos do artigo 15.º, número 2, do referido Regulamento, na redacção dada pela citada Lei n.º 7/2012, de 13.02, aplicável por força do disposto no artigo 8.º, número 1, deste diploma».  

*

Custas pelo recorrente, que se fixam em 4 UC.

Cumpra-se, oportunamente, o disposto no artigo 444.º, número 1, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2016

Os Juízes Conselheiros

– Isabel São Marcos (Relatora) - Helena Moniz - Nuno Gomes da Silva - João Miguel – Francisco Caetano – Manuel Augusto de Matos – Pereira Madeira – Santos Carvalho – Santos Monteiro – Santos Cabral – Oliveira Mendes – Souto de Moura – Pires da Graça – Raul Borges – Isabel Pais Martins  – Manuel Braz – Henriques Gaspar (Presidente)

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[1] Assim, por todos, o acórdão de fixação de jurisprudência, n.º 15/2013, de 13.11.2013, publicado no Diário da República, n.º 243, Iª Série, de 16.12.2013.
[2] As anteriores alterações foram, respectivamente, as aprovadas pela Lei n.º 43/2008, de 27.08, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28.08, pela Lei n.º 64/2008, de 31.12, pela Lei n.º 3-B/2010, de 28.04, e pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13.04.
[3] Que corresponde ao artigo 446.º do Código de Processo Civil de 1961.
[4] Que corresponde ao artigo 447.º do Código de Processo Civil de 1961.
[5] Que corresponde ao artigo 447.º-A do Código de Processo Civil de 1961.

[6] “Regulamento das Custas Processuais”, 5.ª edição, página 161.
[7] “Regulamento das Custas Processuais”, Anotado e Comentado, 2012, 4.ª edição, página 274.
[8] Que corresponde ao artigo 447.º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02.
[9] Que corresponde ao artigo 447.º-A do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02.
[10] Que corresponde ao artigo 447.º-D do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02.
[11] Publicada no Diário da República n.º 140, II.ª Série, de 23.07.2007.
[12] Que se manteve inalterado na nova redacção dada pelo Regulamento das Custas Processuais pela Lei n.º 7/2012, de 13.02.
[13] Que não sofreu qualquer modificação com a entrada em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13.02.
[14] Sublinhado nosso.
[15] Que cobra apoio em significativo sector da jurisprudência, com especial enfoque para a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, atrás referida, e bem assim em alguns autores, já aqui convocados, designadamente Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais”, 2012, 4.ª edição, página 49, e Joel Timóteo Ramos Pereira, “Regulamento das Custas Processuais”, 2.ª edição, página 33.
[16] E que, tal como acontece com o anterior, conta com o assentimento, ao nível da jurisprudência, da que, produzida, a respeito pelo Supremo Tribunal Administrativo, atrás se aludiu, e ao nível da doutrina, com Salvador da Costa e Joel Timóteo Ramos Pereira, obras citadas, páginas 50 e 33.
[17] “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 19.ª Reimpressão, página 182.
[18] De conferir “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 29/XII.
[19] Que, no essencial e afora o aditamento do número 3, relativo à acção executiva, não sofreu alterações no novo regime, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13.02.