Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2434/08.3TBSTS.P1.S1
Nº Convencional: 7 ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CONTRATO PROMESSA
IMÓVEL A CONSTRUIR
SINAL
RESOLUÇÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
PERDA OBJECTIVA DE INTERESSE NA PRESTAÇÃO
Data do Acordão: 10/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 808.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12/1/10, PROCESSO N.º 628/09.3YFLSB
-DE 19/5/10, PROCESSO N.º 850/05.1TBLLE.E1.S1.
Sumário :
1. Só pode ter lugar a resolução de um contrato promessa em que tenha havido entrega de sinal se ocorrer uma situação de incumprimento definitivo ( e não de simples mora) de um dos contraentes.

2. A omissão de estipulação de um termo certo para a celebração do contrato prometido não significa que fique no total arbítrio do promitente vendedor a realização das condições de que depende a celebração de tal negócio - condicionada à obtenção da licença de habitabilidade do edifício que se comprometeu a construir - por decorrer do princípio da boa fé no cumprimento dos contratos que o devedor está obrigado a usar o grau de eficácia e diligência normalmente exigíveis , providenciando para que se não verifiquem dilações ou hiatos temporais no processo de construção que, segundo os padrões ou critérios sociais correntes, se possam configurar como absolutamente excessivos e injustificados.

3. É susceptível de determinar a perda objectiva do interesse na prestação a lesão grave e justificada da confiança do promitente comprador na capacidade e vontade séria da contraparte na realização das prestações a seu cargo, resultante de demora claramente excessiva, segundo os padrões dominantes e as exigências de razoabilidade e da boa fé, - não apenas na conclusão, mas no simples licenciamento e arranque da obra - agravada pela assunção pelo promitente vendedor de comportamentos evasivos, contrários às exigências da boa fé (prometendo momentos sucessivos, primeiro para a conclusão, da obra, sempre incumpridos, e esquivando-se posteriormente a qualquer contacto e prestação dos esclarecimentos devidos), reveladores de uma actuação não colaborante, demonstrativa de manifesta desconsideração pela confiança e pelos interesses legítimos da contraparte.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA e mulher, BB, intentaram contra os RR. CC e mulher, DD, acção de condenação, na forma ordinária, pretendendo obter o pagamento da quantia de €35.414,66, correspondente ao dobro do sinal que haviam entregue aos RR., no âmbito do contrato promessa de compra e venda de imóvel a construir que com eles haviam celebrado e que consideram incumprido por parte dos promitentes vendedores.
Os RR. contestaram e deduziram reconvenção, sustentando que não teriam incumprido definitivamente o dito contrato e que, pelo contrário, teria sido a contraparte a operar unilateral e infundadamente a resolução do contrato promessa através da notificação que lhes endereçou, pelo que, para além de a acção dever improceder, lhes assistiria o direito a fazerem seu o sinal que lhes fora entregue pelos AA./reconvindos.
Seguiram-se réplica e tréplica, em que as partes reiteraram as posições inicialmente assumidas na lide.
Após saneamento e condensação, teve lugar a audiência final, no termo da qual foi proferida sentença a julgar a acção procedente e a reconvenção improcedente, condenando-se, em consequência, os RR. no pagamento da quantia pecuniária peticionada, equivalente ao dobro do sinal prestado, e respectivos juros moratórios.
Considerou, para tanto, a sentença que o comportamento dos RR. – consubstanciado em , até ao momento da entrada em juízo da presente acção, não terem sequer iniciado os trâmites do procedimento administrativo de loteamento que possibilitaria o início da construção do imóvel prometido vender quase três anos antes – traduziria verdadeiro incumprimento definitivo do contrato promessa, plenamente imputável aos construtores/ promitentes vendedores, valendo tal conduta como declaração tácita de não pretenderem vir a cumprir o contrato, legitimadora da sua resolução pela contraparte.

Inconformados com tal sentido decisório apelaram os RR. , tendo a Relação concedido parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e absolvendo os RR. do pedido contra eles formulado .
Após notar que a resolução do contrato promessa pressupõe necessariamente uma situação configurável como de incumprimento definitivo, questiona-se a Relação sobre se o comportamento assumido pelos RR. se poderia configurar como recusa definitiva, inequívoca e peremptória de realização da prestação a que se haviam vinculado, que dispensasse a «conversão» da mora em incumprimento definitivo, através da notificação admonitória prevista no art. 808º do CC : ora, perante a resposta negativa àquela primeira questão, não considerando o comportamento dos RR. como integrando uma recusa peremptória de realização da prestação a que estavam vinculados, entendeu o acórdão recorrido que o incumprimento definitivo da obrigação que impendia sobre os promitentes vendedores /construtores, sem expressa estipulação de um prazo no próprio contrato, só se verificaria após a dita interpelação admonitória, cuja eficácia dependia da fixação de um prazo razoável para o cumprimento; e, no caso dos autos, ao terem admoestado os RR para realizarem em 60 dias a escritura de venda de um imóvel cuja construção se não havia sequer iniciado, não teriam os AA concedido aos RR o referido prazo razoável, o que retiraria eficácia à dita interpelação admonitória, subsistindo, consequentemente, uma situação de simples mora no cumprimento, insusceptível de legitimar a resolução contratual por qualquer das partes.

Inconformados com tal acórdão, ambos os litigantes recorreram para o STJ, questionando o acerto da decisão a Relação na parte que lhes era desfavorável, ao ter por improcedentes, quer a acção , quer a reconvenção deduzida – sendo de salientar que os RR. configuraram o respectivo recurso como sendo «revista excepcional», sujeita consequentemente ao regime particular do art. 721º-A do CPC – impugnando a contraparte que se verificassem os pressupostos invocados pelos recorrentes como condição de admissibilidade desse peculiar tipo recursório.
Esta estratégia processual dos RR. determinou que este segundo recurso fosse apresentado à formação prevista no nº3 do art. 721º-A do CPC, que, pelo acórdão de fls. 520 e segs., considerou que – inexistindo «dupla conforme» quanto ás decisões proferidas em 1ª instância e na Relação – a revista nunca poderia ser configurada como revista excepcional, mas apenas e tão somente como um normal recurso de revista da parcialmente inovatória decisão proferida pela Relação, sujeito à normal distribuição e tramitação neste Supremo. E, nada obstando à admissibilidade desse recurso, face ao valor da causa e da sucumbência, nomeadamente, será o mesmo processado e admitido como recurso de revista, tal como o irá ser a impugnação deduzida pela contraparte – os AA que logo interpuseram a pertinente e normal revista do acórdão da Relação.

2. As partes encerram as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe definem o objecto:

I-
1. O presente recurso entende-se como admissível à luz do disposto na alínea a), do n.° 1, do artigo 721.°-A, do CPC porque a questão sub judice assume relevância jurídica cujo esclarecimento interessa e é claramente necessário a uma melhor aplicação do direito;
2. Isto porque, o douto acórdão recorrido considerou que os RR. não incumpriram com o contrato e por isso absolveu-os do pedido, mas simultaneamente absolve os AA. do pedido reconvencional, sem qualificar juridicamente o comportamento destes;
3.No entendimento dos recorrentes é de extrema importância e absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito qualificar juridicamente o comportamento dos AA., pois só assim se poderá concluir se o contrato foi resolvido definitivamente pelos mesmos e de forma ilícita;
4.Os AA. ao utilizarem do mecanismo da notificação judicial avulsa estipulando um prazo irrazoáveis que tinha ínsita uma declaração de natureza receptícia que enferma um direito extintivo potestativo que pôs fim imediato e unilateral ao contrato e isto de forma ilícita num prazo que os RR. jamais poderiam cumprir;
5.No entender dos recorrentes foram os AA., quem unilateralmente e injustificadamente
resolveram o contrato, uma vez que exigiram o cumprimento da outorga da escritura
pública em 60 dias, contrariando o acordado no contrato promessa nos termos do qual .
era ao promitente vendedor que incumbia a marcação da escritura; .
6.A notificação judicial avulsa não admite resposta e que a declaração receptícia de resolução é unilateral e definitiva (a menos que venha a ser revogada e nunca o foi até à presente data);
7.Isto é, como já decidiu unânime e pacifica jurisprudência, uma vez resolvido um contrato, a declaração de resolução opera mediante simples comunicação à contraparte e independentemente da vontade desta;
8.No entendimento dos recorrentes a resolução do contrato, mediante o prazo estipulado na notificação judicial avulsa, perpetrada pelos AA. é ilícita;
9.Ora, não sendo lícita a resolução levada a cabo pelos AA., estando perante uma manifestação inequívoca de que não pretende cumprir verifica-se uma situação de -incumprimento definitivo imputável aos AA. e que confere aos RR; o direito de fazer sua toda a quantia recebida a título de sinal.
10.O douta acórdão violou o disposto no artigo 442.°, n.° 2, do Código Civil, na medida em que assiste aos RR. o direito de fazer seu o sinal prestado depois de ter ocorrido uma resolução ilícita do contrato o disposto;
Por tudo o que ficou exposto impõe-se a revogação parcial do douto acórdão ora recorrido e a sua substituição por outro que condene os AA. no pedido reconvencional, tudo com as legais consequências,
Decidindo nesta conformidade será feita:
JUSTIÇA!
II-
I. È objecto do presente recurso de revista, o acórdão proferido no processo supra referenciado, pelo Tribunal da Relação do Porto, datado de 29.09.2010, nos termos do qual foi julgada "procedência parcial das alegações de recurso", tendo revogado parcialmente a sentença recorrida e absolvido os Réus do pedido.
II. Salvo devido respeito, entendem os Recorrentes que o acórdão recorrido viola a lei substantiva, designadamente os artigos 217°, 236°, 405°, 406°, 410°, 432°, 442°, 762°, 798°, 799°, 801°, todos do Código Civil (doravante CC), ,aò ter procedido a uma errada interpretação e aplicação dos mesmos ao caso sub Júdice.
III. Porquanto, em face dos princípios da autonomia privada, do cumprimento pontual dos contratos, do princípio da boa-fé, e das regras da resolução do contrato, devia ter sido mantida a decisão proferida pelo Tribunal de Ia Instância, "Concluindo-se assim pelo incumprimento definitivo e culposo - art. 799°, n.° 1 do Código Civil - por parte do Io Réu, enquanto promitente vendedor, casado com a segunda ré, do contrato, do contrato promessa celebrado com os autores enquanto promitentes compradores, e tendo-lhes estes prestado a título de sinal a quantia de €17.707,33, procederá, por força do disposto pelo artigo 442°, n.° 2 do Código Civil, o pedido de condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 35.414,66, acrescida de juros de mora desde a .citação, correspondentes ao dobro do valor do sinal (...)".
IV. Paralelamente, entendem os Recorrentes que há uma violação da lei do processo nos termos definidos na alínea b) do n.° 1 e n.° 3 do artigo 722° do CPC.
V. No caso sub judice, o Tribunal "a quo" não se serviu correctamente dos factos alegados pelas partes, provados por documentos e demais factos dados por provados em juízo, assim como não procedeu ao enquadramento jurídico adequado da questão apreciada -■ que se prende com o direito de resolução do contrato promessa pelos Autores e consequente aplicação das sanções previstas no artigo 442.°, n.° 2 do CPC, na conformidade do disposto no artigo 264.°, 664.° e nos n°s 2 e 3 do artigo 659.° do CPC.
VI. Pelo que entendem os Recorrentes que o acórdão em apreço violou o preceituado nos artigos 264.°, 659.°, n°s 2 e 3, 713.°, n.° 2 do CPC.
VIL Da matéria de facto dada como provada nos autos resulta que Recorrentes e Recorridos celebraram, por escrito, em 26 de Março de 2005, um contrato promessa de compra e venda de um imóvel a edificar no concelho da Trofa.
VIII. Pelo referido contrato, obrigaram-se os Recorridos a levar a cabo um projecto de loteamento para construção, em 10 lotes, todos destinados à construção urbana e, posteriormente, a edificar em cada lote uma moradia familiar.
IX. Nesta conformidade, os Recorridos prometeram vender e os Recorrentes prometeram comprar, livre de quais quer ónus ou encargos, o lote n.° 10, incluindo a moradia familiar nele a implantar.
X. Os Recorrentes entregaram, a título de sinal, no acto da assinatura do contrato promessa, a quantia de € 17.707,33 (dezassete mil, setecentos e sete euros e trinta e três cêntimos).
XI. A realização da escritura pública da compra e venda, com vista à concretização do negócio prometido, realizar-se-ia logo que os Autores obtivessem da Câmara Municipal
da Trofa a licença de habitabilidade da moradia unifamiliar a construir referido lote n.° 10.
XII. Tendo os Recorrentes outorgado o aludido acordo na expectativa de fazer do prédio a residência do casal, logo após o casamento, inicialmente marcado para finais de 2007.
XIII. Dada a total ausência de informações pelos Recorridos sobre o andamento do processo e respectiva edificação urbana, e tendo tomado conhecimento de que o processo de licenciamento da operação de loteamento do terreno em causa se encontrava parado desde Julho de 2007, porquanto os Recorridos não satisfizeram o pedido de caução solicitado pela Câmara,
XIV.Os Recorrentes requereram, a 24 de Outubro de 2007, a notificação judicial avulsa dos Recorridos para que estes, em prazo razoável, não superior a 60 dias, marcassem a outorga da escritura pública definitiva, sob pena de se verificar incumprimento definitivo e consequente resolução do contrato promessa com as inerentes consequências legais.
XV. À notificação judicial avulsa responderam os Réus dizendo que as obras de edificação iriam. arrancar impreterivelmente no primeiro semestre de 2008.
XVI. Sucede que, volvidos mais de três anos sobre a data da assinatura do contrato promessa em causa, (com referência à data de instauração da acção), os Recorrentes não só não tinham sido informados pelos Recorridos da data prevista para a realização da competente escritura pública, como nem sequer as obras de construção das moradias haviam arrancado.
XVII. Em face da factualidade vertida nos autos, a questão de fundo a decidir prende-se com a responsabilidade pelo incumprimento do contrato promessa em causa, ou seja, aferir se os Réus, aqui Recorridos, incumpriram em termos definitivos o contrato promessa e, consequentemente, se os Autores, ora Recorrentes, têm direito à restituição do sinal em dobro, à luz do disposto no art. 442.°, n.° 2 do CC.
XVIII. Os Recorridos bem sabiam que estavam a celebrar um contrato em que se impunha primeiro a construção de um loteamento e só ulteriormente as referidas moradias,
XIX. Tendo-se comprometido, com a concordância dos Recorrentes com diferentes prazos de entrega: i) entrega da moradia em finais de 2006; ii) entrega da moradia em finais de 2007 e iii) início das obras no primeiro semestre de 2008. - ,
XX. No entanto, a construção das moradias projectadas nunca chegou a concretizar-se ou a sofrer qualquer impulso até à presente data. -
XXI. Pretendendo os Recorrentes fazer da moradia prometida a s\ia casa de morada de família, não lhes é exigível que permanecessem ad eternum na incerteza da, concretização do contrato prometido.
XXII. Em face dos factos os Recorridos não adoptaram um comportamento firmado no princípio da boa fé, que deverá pautar a relação estabelecida entre os contraentes no domínio da autonomia privada que cabe às partes (art. 405.° do CC), por força do disposto no artigo 762.°, n.° 2 do CC no que respeita ao comportamento exigível às partes perante o cumprimento das obrigações contratualmente assumidas.
XXIII. Verificando-se, deste modo, um incumprimento definitivo do contrato promessa por essa via, de forma autónoma e precedente a qualquer interpelação admonitória levada a cabo pelos Recorrentes.
XXIV. Analisada a conduta dos Réus (Recorridos) no sentido de poder ou não configurar qualquer uma das situações que dá lugar ao incumprimento definitivo do contrato promessa, cumpre referir - com o devido respeito por opinião divergente - que muito bem andou o Mmo. Juiz de Direito do 4.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso quando julgou que da factualidade vertida nos autos resulta um comportamento omisso dos Réus, consideradas as circunstâncias do quadro negocial em causa, concludente no sentido de não querer cumprir definitivamente o contrato promessa celebrado com os Autores,
XXV. porquanto um declaratário normal, colocado na posição dos Autores, depreenderia que os Réus não mais cumpririam o contratado (à luz do disposto no art 217.° do CC).
XXVI. Nestes termos, evidenciando a atitude dos Recorridos inequivocamente uma intenção de não cumprir, o contrato promessa considera-se definitivamente como não cumprido por causa imputável àqueles (art. 801.°, a.° 1 do CC), o que tem como consequência a resolução do contrato, nos termos gerais, (art. 801.°, n.° 2 e 432.°, n.° 1, ambos do CC) e a restituição do sinal em dobro (art. 442.°, n.° 2 do CC).
XXVII Esta clara vontade de não cumprir pode não ser expressa, admite-se que possa resultar de uma declaração negocial tácita, de comportamentos concludentes apreensíveis pela actuação da parte inadimplente. em função dos deveres coenvolvidos na sua prestação sendo de atender ao grau e intensidade dos actos por si perpetrados na inexecução do contrato, desde que objectivamente revelem inquestionável censura, não sendo justo que o credor - por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento - esteja atido à vontade lassa do devedor." - Cfr. Acórdão do STJ, de 22.06.2010, proferido no âmbito do processo n.° 6134/05.8TBSTS.P1.S1.
XXVIII Veja-se ainda o entendimento plasmado no Acórdão do STJ de 191/5/2010, proferido no âmbito do processo 850/05.1TBLLE.E1.SI onde se defende que "reveste uma natureza não colaborante, demonstrativa de uma absoluta desconsideração pelos interesses dos promitentes-compradores autores, a atitude da promitente-vendedora ré que se eximiu, sistematicamente, a realizar as diligências que sobre si impendiam, no sentido de proceder à celebração do contrato prometido, colocando-se, inclusive, numa posição de inviabilidade absoluta relativamente a quaisquer contactos que os autores com ela pretendessem efectuar, coarctando, assim, àqueles, toda e qualquer possibilidade da obtenção de uma solução amigável relativamente ao contrato-promessa celebrado. "
XXIX. Equivalendo tal atitude equivale à recusa da cooperação devida, já que, de acordo com as , regras da boa fé, seria expectável para os Autores .uma atitude de leal colaboração por parte dos Réus, pelo que, perante a violação de tal princípio, com a consequente existência de uma justa, causa de resolução do negócio jurídico celebrado, estão os Autores (Recorrentes) dispensados do cumprimento do art. 808.° do CC
XXX. No caso concreto, existe um nexo de instrumentalidade entre as obrigações de natureza secundária ou acessória, que se consubstanciam nos deveres acessórios de conduta, aliados ao princípio da boa fé, exigíveis aos Recorridos no sentido de providenciarem pelo bom andamento do processo de licenciamento do loteamento, e a obrigação principal correspondente à construção da moradia unifamiliar prometida,
XXXI. O incumprimento da obrigação acessória à realização da obrigação principal decorrente do contrato promessa, no caso sub Júdice, assente na violação patente e culposa do apontado dever de leal cooperação/colaboração, intrínseco ao princípio da boa fé, esteve na base da decisão proferida pelo Juiz de Direito do 4.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso, quanto à condenação dos Réus, ora Recorridos.
XXXII. Ainda que assim não se entenda - o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concede -poder-se-á enquadrar o direito de resolução dos Recorrentes pela via da impossibilidade fáctica da prestação por facto imputável aos Recorridos.
XXXIII.O incumprimento definitivo pelos Recorridos apurado nos termos sobreditos, deverá dar lugar à repristinação do decidido na sentença proferida pelo Juiz de Direito do 4.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso.
XXXIV.Salvo o devido respeito por entendimento diverso - o enquadramento jurídico sabiamente defendido na douta sentença proferida pelo Mmo. Juiz de Direito do 4.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso, é aquele que se mostra juridicamente adequado à realidade fáctica constante dos autos, nomeadamente no que respeita ao direito dos Autores (Recorrentes) em serem ressarcidos de tudo aquilo que prestaram na expectativa de determinado comportamento por parte dos Réus, o qual nunca se veio a verificar e que, se assim não se entendesse, continuariam à espera até hoje.
XXXV. Ainda que assim não se entenda - o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concede -poder-se-á enquadrar o direito de resolução dos Recorrentes pela via da impossibilidade fáctica da prestação por facto imputável aos Recorridos.
XXXVI. O direito de resolução de um contrato, regulado no art. 406.° do CC, é um direito potestativo extintivo, dependente da verificação de um fundamento, previsto na lei ou em convenção -um facto ou uma situação a que a lei ou a convenção das partes faz corresponder o surgimento desse direito potestativo.
XXXVII. A lei considera definitivamente não cumprida a obrigação com as respectivas consequências nos casos de impossibilidade culposa da prestação por parte do devedor, à luz do disposto no art. 801.° do CC.
XXXVIII. Em termos de culpa, importa ter em consideração a presunção prevista no artigo 799.° do CC, incumbindo ao devedor provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua, em conjugação com o art. 487.°, n.° 2 do CC e essa presunção também se aplica à culpa na impossibilidade do cumprimento (Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.a ed. Coimbra Editora, 1997, pág. 362-363 e A. Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 2.a ed., Almedina, BCoimbra, 1978, pág. 78).
XXXIX.As regras de direito acima referenciadas gozam de aplicação plena no caso sub Júdice, dado que o comportamento (leviano) dos Recorridos se revelou apto a produzir como resultado a impossibilidade da obrigação/prestação assumida.
XL. É de realçar que o comportamento dos Recorridos conducente ao incumprimento da prestação com que se obrigaram não se esgota na ausência de prestação de caução, no ano de 2007, solicitada pela Câmara Municipal da Trofa, dado que a falta de diligência e zelo pór parte dos Recorridos se verificou praticamente desde o início] dos procedimentos que deveriam ter adoptado com vista à concretização da edificação prometida. -
XLI.Tanto que, o processo camarário, principalmente, pela falta de prestação da caução solicitada sido, pouco tempo depois, declarado extinto.
XLII.Nesta medida, o cumprimento da prestação/obrigação revelou-se impossível em consequência da conduta dos Recorridos, dado a essencialidade do licenciam no âmbito da construção projectada.
XLIII. No acórdão recorrido sustenta-se que não se pode extrair dos autos o comportamento dos Réus em termos de recusa peremptória de realização da prestação, pois que, pelo contrário, se dispuseram aqueles a edificar, logo que desbloqueassem a burocracia de licenciamento, a moradia que prometeram vender aos autores.
XLIV. Acontece que "quem se assume como promitente-vendedor de fracção a construir, recebendo do promitente-comprador um sinal; terá de prever toda uma série de diligências de natureza burocrática e eventuais administrativos e, em relação a eles, precaver-se atempadamente. " - Cfr. Acórdão do STJ de 12.01.2010, processo n.° 628/09.3YFLSB.
XLV. E, no caso concreto, ainda que ponderadas algumas dificuldades financeiras com que os Recorridos se podem ter deparado, tal circunstância não justifica, de per si, tamanho atraso no início das obras de construção, nomeadamente porque não lograram provar (bem pelo contrário) qualquer luta adequada pelo bom andamento do processo camarário no sentido da aprovação do projecto de loteamento visado.
XLVI. Assim como não se coaduna com o facto de se terem furtado a prestar as informações e esclarecimentos solicitados pelos Recorrentes sobre o ponto de situação real do projecto de licenciamento e as razões subjacentes ao atraso da obra.
XLVII.-Não se compreende a razão de ser do juízo formado no acórdão recorrido nos termos sobreditos, porquanto, tal como se depreende da matéria de facto provada, os Réus adoptaram uma atitude apática ao longo de todo.»o processo, com implicações inequivocamente directas no (in)cumprimento da obrigação.
XLVIII. A partir de determinada altura, o cumprimento (mesmo que tardiamente em relação às expectativas criadas pelos Recorridos nos Recorrentes) deixou de ser, sequer, expectável, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica do homem médio.
XLIX. Pelo exposto, é clarividente que a conduta dos Recorridos foi adequada e inequívoca em termos definitivos e peremptórios no sentido do incumprimento da obrigação com a qual se comprometeram no contrato promessa.
L. Em termos de culpa, estamos perante uma falta culposa do cumprimento por parte dos Recorridos, porquanto: i) a impossibilidade da prestação' decorre, de forma implícita, da inércia (omissão) dos Recorridos; ii) os Recorridos não lograram provar nos autos que o incumprimento da obrigação que assumiram não procede de culpa sua (de acordo com a presunção consagrada no n.° 1 do art. 799.° do CC); iii) a culpa dos Recorridos, apreciada pela diligência de um bom pai de família, (conjugação do art. 799.°, n.° 2 e art. 487.°, n.° 2, ambos do CC), em face das circunstância negociais em apreço, é notória.
LI. Deste modo, muito bem andou a sentença proferida em sede de 1 .a instância ao pugnar pelo incumprimento definitivo e culposo dos Recorridos, no seguimento dos termos sobreditos (com base no artigo 799.° do CC), o qual poderá ser apurado tanto em consequência de um comportamento concludente no sentido da intenção de não mais cumprir o contratado, como da adopção de um comportamento que conduziu à impossibilidade fáctica da obrigação.
LII. Sem prescindir, «o erro da Relação na apreciação das provas e na fixação dos factos provados materiais só é sindicável com a ofensa expressa de lei probatória (art°722º, n° 2 do CPC)», entendimento este plenamente em vigor.
LIII No caso concreto, o acórdão proferido pelo Tribunal "a quo" enferma de erro de apreciação da prova, manifesto pela distorção da realidade factual, nomeadamente, pelo facto de a imputação da obrigação de outorga da escritura pública definitiva no âmbito do contrato promessa de compra ter sido tomada em consideração em sentido diverso àquele que se deu como provado.
LIV. De tal modo que o raciocínio subjacente ao sentido da decisão proferida pelo Tribunal "a quo", alicerçado em pressupostos errados, se encontra inquinado, não correspondendo o decidido à realidade ontológica.
LV. Apesar de a situação se inscrever em matéria de erro na fixação dos factos materiais da causa, pode e deve, nos termos do n.° 2 do art. 722.° do CPC, ser conhecida no âmbito do presente recurso de revista, pois envolve violação expressa de norma ~ a do n.° 1 do art. 376.° do CC - que fixa a força de determinado meio de prova.
LVI. A força probatória plena do documento particular assinado pelas partes - contrato promessa de compra e venda - resulta do disposto nos artigos 373.° a 376.° do CC, porquanto as declarações nele constantes não foram impugnadas nos autos.
LVII. As partes acordaram, à luz do princípio da autonomia privada, consagrado no art. 405.° do CC, no ponto único da cláusula 4.a do contrato promessa de compra e venda outorgado, que a referida escritura seria marcada pelo Primeiro Contraente, ou seja, pelo promitente-vendedor, com 15 dias de antecedência, obrigando-se aquele a comunicar aos Segundos, promitentes-compradores, dia, hora e local da realização da escritura.
LVIIL Em sentido contrário àquele que resulta expressamente do documento particular outorgado, o Tribunal "a quo" partiu do pressuposto de que não ficou clausulada a. obrigação .sobre qualquer das partes de marcação da escritura subjacente à celebração contrato definitivo de compra e venda.
LIX. Nestes termos, a aludida força probatória plena do contrato promessa assinado pelas partes, conferida à luz do disposto no artigo 376.° CC, foi manifestamente violada no acórdão ora recorrido.
LX. Sendo certo que a apreciação assente em factos contrários àqueles que resultam provados nos autos encerrou em erro no raciocínio e fundamentação do acórdão e, consequentemente, na própria decisão sobre o mérito da causa.
LXI. Existe ainda uma outra valoração errada da prova aliada à interpelação levada a cabo pelos Autores, quando se refere na parte decisória da apelação que "os autores interpelaram os réus para no prazo de 60 dias outorgar escritura pública,' sem, todavia designar o cartório notarial, o dia e a hora para a sua realização".
LXII. Porém, da redacção da notificação judicial avulsa requerida pelos Autores, cujo teor se deu como reproduzido para todos os efeitos legais devidos, bem como da matéria dada como provada neste domínio, resulta uma realidade diversa, ou seja, os Autores interpelaram os Réus para que procedessem à marcação da escritura e não que a outorga da escritura tivesse de ocorrer até ao termo do prazo dos 60 dias (nem que fosse proposto o agendamento para daí a um ano).
LXIII. Além disso, não cabia aos Autores a marcação de dia, hora e local para a celebração da escritura pública, de acordo com a vontade das partes expressa no contrato promessa, e os promitentes-vendedores eram aqueles que tinham condições para, com um maior grau de certeza, estabelecer uma data para o efeito.
LXIV. Nestes termos, caberá ao STJ corrigir a errada apreciação da prova e fixação dos factos materiais da causa levada a cabo no acórdão recorrido, porquanto versou sobre factos de grande relevância no que respeita à consideração da real posição das partes na relação controvertida, respectivas obrigações e comportamentos exigíveis, assim como no âmbito da correcta aferição do incumprimento contratual.
LXV. Por tudo o exposto supra, é convicção dos Recorrentes que o sábio enquadramento jurídico pugnado pelo Mmo. Juiz de Direito em sede de l.a instância é aquele que se mostra juridicamente adequado à realidade fáctica constante dos autos.
LXVI. De resto, foi este o entendimento preconizado pelo Tribunal da Relação do Porto, no acórdão proferido no âmbito do processo n.° 2435/08.1TBSTS.P1; que analisou a mesma situação aqui em apreço e que manteve a decisão proferida em Ia instância, e que se junta por facilidade de consulta.
LXVII. Pelo exposto, deverá a presente revista ser considerada procedente, revogando-se o acórdão ora recorrido em detrimento da manutenção do sentido decisório sustentado na sentença proferida pela 1.ª instância.
Nestes termos, e nos melhores de direito, se requer V. Exas. se dignem conceder provimento ao presente recuso, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e, consequente, repristinação da decisão proferida em sede de l.a instância nos termos expostos, assim se fazendo acostumada JUSTIÇA!

3. As instâncias fizeram assentar a solução normativa do litígio na seguinte matéria de facto:

1.Os Réus dedicam-se à actividade de construção e comercialização de imóveis.
2.No âmbito da sua actividade os Réus celebraram, por escrito, em 26 de Março de 2005 um acordo ao qual denominaram "contrato promessa de compra e venda" que assinaram (cfr. documento de fís. 21- 23 que se considera inteiramente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos).
3.E no qual os Réus se declararam donos e legítimos possuidores de um prédio rústico, sito no Lugar ......., da freguesia do Muro, do concelho da Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 00000, e inscrito na matriz rústica sob o artigo 753.
4.Pelo referido documento, os Réus obrigaram-se levar a cabo um projecto de loteamento para construção, com 10 lotes, todos destinados à construção urbana e, posteriormente, a edificar em cada lote, uma moradia unifamiliar.
5.Nesta conformidade, pelo referido acordo, os Réus prometeram vender e os Autores prometeram comprar, livre de ónus ou encargos ou de outras responsabilidades de natureza aludial, o lote n.° 10 do referido loteamento, incluindo a moradia unifamiliar a implantar nele.
6. O preço da referida compra e venda seria de €. 177.073,25 (cento e setenta e sete mil e setenta e três euros, e vinte e cinco cêntimos).
7. No acto da assinatura, a título de sinal, os Autores entregaram aos Réus a quantia de € 17.707,33 (dezassete mil, setecentos e sete euros, e trinta e três cêntimos).
8. A realização da escritura pública realizar-se-ia logo que os Réus obtivessem da Câmara Municipal da Trofa licença de habitabilidade da moradia unifamiliar a construir no referido lote n.° 10.
9. A 24 de Outubro de 2007, os Autores requereram a notificação judicial avulsa dos Réus para que estes, em prazo razoável, não superior a 60 dias, marcassem a outorga da escritura pública definitiva, sob pena de se verificar incumprimento definitivo e consequente resolução do contrato promessa com as inerentes consequências legais (cfr. notificação judicial avulsa constante de fls. 28-32 que se considera inteiramente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos).
10.A notificação judicial avulsa responderam os Réus dizendo que as obras de edificação iriam arrancar impreterivelmente no primeiro semestre de 2008.
11.0 processo de loteamento não se encontra concluído porque os R.não satisfizeram o pedido de caução solicitado pela Câmara. . :
12.0s Autores contraíram casamento no dia 31 de Maio de 2008.
13 .A partir de Maio de 2007 os Autores solicitaram aos RR. informações sobre o andamento do projecto de loteamento e respectiva edificação urbana.
14-.Inicialmente o Réu marido ia respondendo aos autores que era a Câmara Municipal da Trofa que estava a atrasar o processo de licenciamento, tendo deixado, a partir de determinado momento do final desse ano, de lhes dar qualquer esclarecimento e furtando-se ás tentativas de contacto por parte destes.
15.Os Autores careciam da moradia objecto do supra acordo, em virtude de estar marcado o seu casamento para Maio do ano de,2008.
16.Tendo os Autores outorgado o aludido acordo na expectativa de fazer do prédio a residência do casal, logo após o casamento.
17.0 processo de licenciamento da operação de loteamento do terreno em causa encontra-se parado desde Julho de 2007 porquanto que não foi prestada pelo requerente do licenciamento a caução exigida pela Câmara Municipal destinada a garantir a boa e regular execução das obras de urbanização e pagas as respectivas taxas.
18.0 réu marido disse aos autores que a moradia lhes seria entregue no final de 2006, com o que estes concordaram.
19.Mais tarde o réu marido disse aos autores que á moradia lhes seria entregue nos finais de 2007, com o que estes concordaram.
20.O casamento dos A. estava marcado para finais de 2007.
21.Os autores adiaram o casamento devido ao facto de a moradia objecto do contrato não lhes ter sido entregue.
. 4. As questões jurídicas controvertidas nos presentes recursos têm como núcleo essencial a exacta delimitação das figuras da mora e do incumprimento definitivo - numa situação contratual caracterizada pela celebração de promessa de venda de imóvel a edificar pelo promitente vendedor, o qual assumiu a obrigação acessória de providenciar, também e previamente, pelo respectivo loteamento administrativo – e pela definição dos efeitos jurídicos que correspondem a cada uma dessas figuras fundamentais.

Quanto a este ponto, cumpre realçar liminarmente que sempre entendemos que o regime geral delineado no art.808º do CC é plenamente aplicável em sede de contrato promessa, tendo-se por seguro – de acordo, aliás, com a mais recente e estabilizada jurisprudência ( veja-se, a título de exemplo, o recente Ac. de 12/1/10, proferido pelo STJ no p. 628/09.3YFLSB) - que só pode ter lugar a resolução de um contrato promessa em que tenha havido entrega de sinal se ocorrer uma situação de incumprimento definitivo ( e não de simples mora).
Este regime – que, em última análise, constitui emanação dos princípios básicos da boa fé e da proporcionalidade – visa evitar que qualquer incumprimento contratual, independentemente da sua relevância e grau mais ou menos acentuado de censurabilidade, possa ditar, de forma imediata, potestativa e insuprível, o termo da relação contratual, sem que à parte incumpridora seja facultada qualquer possibilidade de cumprir ainda, dentro dos condicionalismos temporais legitimamente impostos pelo credor, a prestação a que se encontrava vinculada.

Por outro lado, na avaliação dos interesses contrapostos das partes, visando definir , desde logo, a figura a perda do interesse do credor na prestação, terá naturalmente de partir-se de uma interpretação funcionalmente adequada das normas e respectivos conceitos normativos, realizada à luz das regras fundamentais da boa fé e da confiança no cumprimento dos contratos , implicando a adopção de critérios de razoabilidade e justiça material que permitam alcançar uma composição materialmente adequada dos interesses em litígio –envolvendo ponderação cuidada e exaustiva das circunstâncias concretas que rodearam o incumprimento contratual em causa.

E, nesta perspectiva, cumpre começar por realçar os traços fundamentais da situação de incumprimento contratual subjacente à presente acção.

Assim, as partes não estipularam no contrato promessa celebrado prazo certo e determinado para a realização do contrato prometido, limitando-se a prever que a escritura de compra se realizaria logo que o promitente vendedor obtivesse da autarquia licença de habitabilidade da moradia unifamiliar que se comprometeu a construir no lote a que se referia a promessa : tal circunstância afasta, como é óbvio, a habitual discussão acerca da natureza «absoluta» ou «relativa» do prazo estipulado para a celebração do contrato prometido e constitui diferenciação relevante relativamente a outros litígios em que expressamente se estipulou o dito prazo máximo para ser celebrada a escritura, por iniciativa do promitente vendedor.
Tal omissão de estipulação de um termo certo para a celebração do contrato prometido não pode, porém, significar que fique no total arbítrio do promitente vendedor a realização das condições de que depende a obtenção da licença de habitabilidade do edifício que se comprometeu a construir – restando inelutavelmente à contraparte aguardar passivamente – por anos ou décadas – o impulso (ou falta dele) que o construtor entendesse conferir, primeiro às formalidades atinentes ao procedimento de licenciamento, e depois à fase material e técnica da edificação do imóvel que prometeu vender: na verdade, e como decorre do princípio básico da boa fé no cumprimento dos contratos, o devedor está naturalmente obrigado a usar o grau de eficácia e diligência normalmente exigíveis por quem se compromete a construir um prédio para residência da contraparte, embolsando imediatamente o valor pecuniário do sinal, bem sabendo que àquela não é indiferente a data em que a obra se mostre concluída.
Cabe-lhe, pois, em suma, usar do grau adequado de diligência na remoção dos previsíveis obstáculos de natureza administrativa ou burocrática que possam surgir, desde logo, na fase do licenciamento da obra, providenciando, apesar da não expressa estipulação de um prazo máximo para a respectiva conclusão, para que se não verifiquem dilações ou hiatos temporais no processo de construção que, segundo os padrões ou critérios sociais correntes, se possam configurar como absolutamente excessivos e injustificados.

Ora, no caso dos autos, estamos precisamente confrontados com uma demora claramente excessiva, segundo os padrões e critérios de normalidade social, emergentes do princípio da boa fé, na realização das prestações a cargo do promitente vendedor, que não pode obviamente deixar de ser valorada substancialmente : na verdade, não estamos perante um mero atraso na conclusão das obras de edificação do imóvel, mas perante a omissão prolongada no início destas, já que – celebrado o contrato promessa em Março de 2005 - em Outubro de 2007 ( data em que ocorreu a notificação judicial avulsa impulsionada pelos AA ) não só as obras se não tinham sequer iniciado, como nem sequer estava concluído o procedimento de licenciamento administrativo, por os RR não terem satisfeito o pedido de caução solicitado pela autarquia.

Perante tal quadro factual, devidamente valorado, é manifestamente desprovida de sentido a argumentação dos RR/recorrentes, quando sustentam que ocorreria um «ligeiro atraso» no curso da construção, por o projecto estar atrasado «menos de 3 meses na prestação da caução» : bem pelo contrário, é evidente e incontroverso que a medida do atraso do construtor/promitente vendedor tem de abranger toda a vida da relação contratual, e não apenas uma sua vicissitude final, expressa em mais um atraso na realização de uma das várias condições essenciais ao arranque da obra : a obtenção do licenciamento a que o R. se havia comprometido.
Considera-se, deste modo, evidente que o construtor está em falta quanto ao cumprimento das obrigações que o vinculam, a qual naturalmente lhe é plenamente imputável, por, nomeadamente e desde logo, a paralisação do procedimento de licenciamento ter como causa uma omissão por ele cometida.

Perante esta demora claramente excessiva, segundo os padrões dominantes e as exigências de razoabilidade e da boa fé, - não na conclusão, mas no simples arranque da obra - agravada pela conduta do R. - que passou a assumir os comportamentos evasivos claramente descritos na matéria de facto apurada ( prometendo momentos sucessivos, primeiro para a conclusão, depois para o início da obra, sempre incumpridos, e esquivando-se posteriormente a qualquer contacto e prestação dos esclarecimentos devidos à contraparte), reveladores de uma actuação não colaborante, demonstrativa de manifesta desconsideração pela confiança e pelos interesses legítimos da contraparte - cfr. o recente Ac. de 19/5/10, proferido pelo STJ no P. 850/05.1TBLLE.E1.S1)- os AA. optaram pela efectivação – cerca de 2 anos e meio após a celebração da promessa – de notificação judicial avulsa, contendo a admonição para a marcação da escritura de compra e venda, fixando ao devedor um prazo de 60 dias para «marcar a outorga da escritura pública definitiva, sob pena de se verificar incumprimento definitivo»;

Ora, confrontados com tal pretensão, limitaram-se os AA. a responder que as obras de edificação «iriam arrancar impreterivelmente no primeiro semestre de 2008», continuando, deste modo, a omitir indicação clara e categórica sobre o momento exacto em que se comprometiam impreterivelmente a conclui-las, de modo a poder ser finalmente celebrado o contrato há muito prometido: ou seja: como , aliás, sustentam os AA/recorrentes, a sua interpelação admonitória não tinha de ser interpretada como implicando a - obviamente impossível - realização da escritura de venda do imóvel cuja construção nem sequer estava licenciada e iniciada no prazo de 60 dias, mas antes como – confrontando o devedor com a sua inércia reiterada - criar para os RR o especial dever de, nesse prazo, se vincularem categoricamente - e sem novas manobras evasivas - a uma data precisa para a celebração do contrato prometido – o que efectivamente não fizeram, apesar de tal exigência estar em plena consonância com o princípio da boa fé e da confiança contratual.

Na realidade, perante a excepcional morosidade, face aos padrões de normalidade social, decorrentes do princípio da boa fé, no início do efectivo cumprimento das obrigações -. principal e acessória - assumidas pelo construtor/promitente vendedor, associada aos comportamentos evasivos já verificados, estava natural e justificadamente abalada a confiança mínima dos promitentes compradores na capacidade e vontade do promitente vendedor na conclusão do negócio prometido: a subsistência desse grau mínimo de confiança pressupunha necessariamente, pelo menos, uma vinculação do promitente vendedor a datas perfeitamente determinadas e uma garantia objectivada de que as condições essenciais ao arranque da obra iriam finalmente consumar-se ( o que implicava, no mínimo, que, dentro dos 60 dias concedidos, os RR viessem demonstrar a conclusão do procedimento de licenciamento camarário, o que, mais uma vez, não fizeram): ora, em vez de prestarem tais garantias mínimas, permitindo uma subsistência mínima da confiança e expectativas da contraparte, os promitentes vendedores limitaram-se a escudar-se na natureza exígua do prazo de 60 dias para concluir a edificação , obter a respectiva licença de habitabilidade e realizar a escritura, olvidando que os AA. os não tinham notificado para verem realizada a escritura notarial em 60 dias, mas antes para, em tal prazo, obterem indicação cabal e inultrapassável da data em que impreterivelmente teria lugar a realização do contrato prometido.

Note-se que, num caso com a configuração do dos presentes autos, seria extremamente difícil ao promitente comprador – a quem foi sonegada informação sobre os precisos obstáculos que impediriam o início da obra – fixar, ele próprio, um prazo máximo razoável e plenamente realista para a respectiva conclusão, cabendo naturalmente à contraparte, com efectivo domínio e conhecimento dos procedimentos em curso, explicitar claramente quando estaria em condições de remover definitivamente todos obstáculos existentes e concluir o edifício que – quase 3 anos antes - se tinha vinculado a edificar e vender.

E tal quebra justificada da confiança da contraparte na capacidade e vontade do promitente vendedor para concluir a obra a seu cargo não pode deixar de tornar legítimo o acto de resolução do contrato promessa, operado através da presente acção como consequência da substancial e reiterada inércia do promitente vendedor, mantida mesmo após a notificação admonitória que lhe foi feita. Ou seja: mesmo que se considere que a conduta reiteradamente omissiva e evasiva do promitente vendedor, mantida ao longo dos vários anos que já durava a relação contratual, não traduz uma recusa absoluta, inequívoca e clara de cumprimento, a violação dos deveres de diligência e boa fé que impendiam sobre o construtor e a lesão irremediável da confiança contratual da contraparte que despoletaram permitem que se considere definitivamente incumprido o contrato promessa , por perda objectiva do interesse dos promitentes compradores na prestação – radicando, deste modo, na violação grave e culposa dos princípios da boa fé e da confiança a consequente existência de justa causa para a resolução do negócio por parte dos promitentes compradores.

Terá, pois, pelos fundamentos apontados, de proceder a acção.

5. O entendimento subjacente à procedência da revista interposta pelos AA. determina, como é óbvio, que deva improceder inteiramente o recurso dos RR., enquanto reportado à impugnação do decidido pelas instâncias quanto à improcedência da reconvenção deduzida : assente, na verdade, que foi o comportamento culposo omissivo e evasivo dos RR, reiteradamente mantido contra o que decorria das exigências da boa fé no cumprimento dos contratos, que gerou uma justificada lesão da confiança dos promitentes compradores na capacidade e vontade séria do promitente vendedor na edificação do imóvel a que se havia vinculado, legitimadora da perda objectiva do interesse daqueles na prestação, está obviamente excluído que lhes possa ser imputado o incumprimento culposo e definitivo do contrato, por ser lícita a resolução operada.

6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados:
- concede-se provimento à revista dos AA. e, em consequência, revoga-se, nessa medida, a decisão recorrida, julgando a acção procedente e condenando-se os RR CC e mulher, DD, a pagarem aos AA. AA e mulher, BB, a quantia peticionada de €35.414,66, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento;
- nega-se provimento à revista dos RR, confirmando a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido reconvencional por eles deduzido.
Custas pelos RR.

Lisboa, 06 de Outubro de 2011

Lopes do Rego (Relator)
Orlando Afonso
Távora Victor