Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | VASQUES DINIS | ||
| Descritores: | NULIDADE DE ACÓRDÃO ERRO DE JULGAMENTO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ200612140016234 | ||
| Data do Acordão: | 12/14/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA | ||
| Sumário : | I - É de qualificar como erro de julgamento - e não nulidade de acórdão -, a recusa do Tribunal da Relação a reapreciar as provas e, consequentemente, a emitir juízo sobre a bondade do julgamento da matéria de facto efectuada em primeira instância, com fundamento em argumentos de natureza jurídico-processual (não poder proceder à alteração da matéria de facto por lhe estar vedado, com base nas gravações dos depoimentos, intrometer-se no poder de livre apreciação do julgador da 1.ª instância). II - Por isso, sobre tal decisão da Relação não opera, quanto à admissibilidade de recurso, nem a proibição de recurso estatuída no n.º 6 do art. 712.º, do CPC, nem a exigência contida no art. 77.º, n.º 1, do CPT/99, quanto à arguição de nulidades. III - A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto, que as disposições combinadas dos art.os 690.º-A, n.º 5 e 712.º, n.º 1, alínea b), in fine, e n.º 2, do CPC, consagram, assume a amplitude de novo julgamento em matéria de facto, no sentido de que a Relação, na reapreciação das provas gravadas, dispõe dos mesmos poderes do tribunal de primeira instância, incluindo a faculdade de livre apreciação dos elementos de prova disponíveis. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA demandou, no Tribunal do Trabalho de Leiria, “CTT – Correios de Portugal, S.A.”, acção pedindo a condenação desta a: – Reconhecer que entre as partes existia um contrato sem termo, com efeitos reportados a 12 de Junho de 2000; – Reconhecer que a comunicação datada de 22 de Outubro de 2002 consubstancia um despedimento ilícito da autora com efeitos a partir de 17 de Dezembro de 2002, inclusive. – Reintegrar a autora no seu posto de trabalho com a categoria de CRT e a antiguidade reportada a 12 de Junho de 2000; e a – Pagar-lhe as retribuições que se vierem a vencer desde a data do despedimento até à sentença, computando-se as vencidas, à data da propositura da acção, em € 547,75. Para tanto alegou que: – Foi admitida ao serviço da Ré para trabalhar sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, mediante contrato de trabalho a termo certo de 6 meses, celebrado em 12 de Junho 2000, com início na mesma data, com o horário de 5 horas diárias e 25 semanais, com a categoria profissional de Carteira (CRT) desempenhando as funções correspondentes no Centro de Distribuição Postal (CDP) de Alcobaça; Inconformada, a Autora apelou para o Tribunal da Relação do Coimbra, que, negando provimento ao recurso, confirmou a sentença impugnada Desta decisão vem interposto, o presente recurso de revista, cuja alegação termina com as conclusões assim redigidas: 1 - Tendo havido gravação da matéria de facto, a A pediu a sua reapreciação pelo Tribunal da Relação. 2 - Acontece que, em nossa opinião e salvo o devido respeito, resulta do Acórdão recorrido que nenhuma reapreciação foi efectuada da matéria recorrida, por ali se entender que o Tribunal da Relação, no caso concreto, não tinha a possibilidade de sindicar a matéria de facto. 3 - Ora, tal decisão, em nossa modesta opinião viola, de forma flagrante, a lei e, em especial, o que se dispõe na 2.ª parte da al. a) do n.º 1 do art. 712.º do C.P.C.; 4 - Assim pondo em causa, de forma irremediável, o direito a impugnar a matéria de facto estabelecido no art. 690.°-A do C.P.C. e tornando absolutamente inútil a gravação dos depoimentos em julgamento. Acresce que, 5 - Com tal entendimento viola-se, sem margem para dúvidas, para além disso, os princípios constitucionais do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, ínsitos no art. 20.º da CRP. O que aqui, expressamente, se invoca. 6 - Sendo certo que, salvo o devido respeito, este segmento do Acórdão recorrido é recorrível, pese embora o que se estabelece no n.º 6 do art. 712.º do C.P.C, uma vez que o que aí se proíbe é que se impugne a decisão tomada pela Relação sobre a matéria de facto. 7- E já não a decisão da Relação que entende não poder/dever ela sindicar a matéria de facto fixada na 1.ª instância, quando os depoimentos tiverem sido gravados. Pelo que, 8 - deve o Acórdão recorrido ser revogado, de modo a que seja substituído por outro em que se tome efectivo conhecimento da impugnação da matéria de facto. Sem prescindir: 9 - mas mesmo que assim se não entenda e só se considere assente a matéria de facto fixada na sentença e mantida no Acórdão recorrido, torna-se manifesto que os motivos apostos nos contratos são falsos. Falsidade essa exclusivamente imputável à Ré. 10 - Não tendo, por isso, razão o Acórdão recorrido que sufragou o entendimento da sentença de 1ª instância, quando sustenta que a falsidade é imputável à A. e daí parte para a conclusão que esta terá agido com abuso de direito. 11 - Ora, sendo o chefe do CDP o superior hierárquico da A e o responsável da ré naquele local de trabalho, o seu conhecimento da situação (Cf. pontos 12 e 13 da matéria de facto) não poderia deixar de vincular e responsabilizar a ré. 12 - Assim, sendo falsos os motivos invocados para a contratação a termo, falsidade essa imputável à ré, deve entender-se que a estipulação do termo em tais contratos é nula por força do disposto no n.º 3 do art. 41.º do DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. 13 - O que se requer seja declarado por este Venerando Tribunal, revogando-se o Acórdão recorrido, com as legais consequências. Por outro lado e sem prescindir: 14 - Mas mesmo que assim se não entenda – o que se não aceita e só por necessidade de raciocínio se refere – a circunstância de constar dos contratos a declaração de que a trabalhadora nunca foi contratada por tempo indeterminado, não significa que a autora possa ser considerada como sendo "jovem à procura de 1º emprego". 15 - E salvo o devido respeito por entendimento contrário, que tem vindo a ser perfilhado em muitas decisões judiciais, o certo é que, em nosso entender, só pode ser qualificado como trabalhador à procura de 1 ° emprego aquele que antes nunca prestou trabalho subordinado. 16 - O que, manifestamente, não acontece no caso em apreço, quer se tenha em consideração o trabalho prestado por conta da Martan/Safaril, quer o trabalho prestado na própria Ré. 17 - De facto, nesta última situação, aquando da celebração do 2.º contrato, já a autora havia prestado trabalho subordinado para a ré através da celebração do 1.º contrato. 18 - O entendimento perfilhado na sentença citada no art. 39.º da petição inicial e ali junta por fotocópia simples como documento n.º 7 parece-nos indiscutivelmente o mais consentâneo com a letra e o espírito da lei. Para além, de se mostrar estribada na melhor Doutrina. 19 - E, concluindo-se, deste modo, como entendemos dever concluir-se, sempre o termo aposto, pelo menos a partir do 2.º contrato, seria nulo, por força do disposto no n.º 2 do art. 41.º do DL n.º 64-A/ 89, de 27 de Fevereiro. 20 - O que também se requer seja declarado, revogando-se o Acórdão recorrido, com as legais consequências. Finalmente e também sem prescindir: 21 - De acordo com a matéria fáctica, mesmo considerando só a que foi consignada na sentença de 1ª instância e mantida pelo Acórdão recorrido, nenhuma dúvida pode restar que, no caso em apreço, com a contratação a termo, a ré não visou satisfazer necessidades transitórias, ou ocasionais, mas antes necessidades normais, permanentes e duradouras. 22 - Ora, como é sabido, o princípio geral a observar na celebração do contrato de trabalho é de que este é por tempo indeterminado, ou seja, sem termo. A contratação a termo é, pela sua natureza, excepcional, até por estar em causa o comando constitucional do art. 53.° relativo à segurança no emprego. 23 - No caso em apreço está assente – mesmo sem a alteração da matéria de facto – que: - "A ré recorre à contratação a termo para suprir as suas necessidades com pessoal" (ponto 16 da sentença); - "Para um total de giros entre 28/30 a ré tinha 25/26 carteiros no quadro permanente" (ponto 17 da sentença); - "E existiam entre 4/5 assalariados no CDP de Alcobaça" (ponto 19 da sentença); 24 - assim sendo, por si só, esta matéria é suficiente para poder concluir-se que a contratação da A. não visava satisfazer necessidades transitórias ou ocasionais, mas antes necessidades permanentes. 25 - Daí que, não possa este Venerando Tribunal deixar de concluir que a estipulação do termo nos contratos ajuizados é nula, por força do disposto nos n.os 2 e 3 do art. 41.º do D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. 26- E, em consequência, não pode deixar de revogar o Acórdão recorrido. A Ré contra-alegou para sustentar a manutenção do julgado. Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em douto parecer – que não obteve resposta de qualquer das partes – em que, em síntese, defende, por um lado, não poder este Supremo, em face do disposto no n.º 6 do artigo 712.º do Código de Processo Civil (CPC), controlar o não uso pela Relação do poder de alterar a decisão da matéria de facto, conferido pela alínea a) do n.º 1 daquele artigo, e, por outro lado, não se verificar, perante a factualidade fixada pelas instâncias, a nulidade do termo aposto nos contratos de trabalho em causa. Nas conclusões da alegação, que delimitam o objecto do recurso, suscita a Autora as seguintes questões: 1.ª - Omissão de reapreciação, pelo Tribunal da Relação, das provas gravadas; 2.ª - Nulidade da estipulação do termo aposto nos contratos e consequente sujeição da relação laboral ao regime do contrato de trabalho de duração indeterminada. Corridos os vistos, cumpre decidir. II Relativamente à primeira das enunciadas questões, alega a Autora que, tendo pedido a reapreciação da matéria de facto, com base nas provas gravadas, e resultando do acórdão recorrido que nenhuma reapreciação foi feita, por se entender que o Tribunal da Relação, no caso concreto, não tinha a possibilidade de sindicar a matéria de facto, foi violado o disposto no artigo 712.º, n.º 1, alínea a), 2.ª parte, do CPC, assim pondo em causa, de forma irremediável, o direito a impugnar a matéria de facto estabelecido no art. 690.°-A do mesmo Código, tornando absolutamente inútil a gravação dos depoimentos em julgamento, em ofensa dos princípios constitucionais do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, ínsitos no art. 20.º da Constituição da República. Alega, outrossim, que o respectivo segmento do acórdão recorrido é recorrível, pese embora o que se estabelece no n.º 6 do citado artigo 712.º, uma vez que o que aí se proíbe é que se impugne a decisão tomada pela Relação sobre a matéria de facto e já não a decisão da Relação que entende não poder/dever ela sindicar a matéria de facto fixada na 1.ª instância, quando os depoimentos tiverem sido gravados Tudo para concluir que deve o Acórdão recorrido “ser revogado, de modo a que seja substituído por outro em que se tome efectivo conhecimento da impugnação da matéria de facto”. Debruçando-se sobre a pretensão da Autora de ver reapreciadas as provas gravadas, o Tribunal da Relação concluiu não haver possibilidade de proceder à alteração da decisão da matéria de facto, nos pontos impugnados, fundamentalmente, por entender que lhe está vedado, com base nas gravações, intrometer-se no poder de livre apreciação do julgador da 1.ª instância – ou seja, na valoração dos depoimentos prestados –, que beneficia da imediação da prova, tanto mais que, no caso, ao fundamentar a sua decisão sobre a factualidade controvertida, a Exma. Juíza do tribunal recorrido explicitou os motivos por que considerou determinada matéria de facto e não outra, sendo que a credibilidade que entendeu dar às testemunhas é pela própria natureza das coisas praticamente insindicável pelo tribunal de recurso, que não dispõe da imediação na percepção das provas, factor decisivo para a formação da convicção em que assenta a decisão sobre a matéria de facto. É contra este entendimento que a Autora se insurge, na alegação do recurso, afirmando a recorribilidade desse “segmento decisório” e pedindo, como já se referiu, que o acórdão seja “revogado, de modo a que seja substituído por outro em que se tome efectivo conhecimento da impugnação da matéria de facto”. É sabido que o Supremo, funcionando, estruturalmente, como um tribunal de revista, e não como uma 3.ª instância, conhece, em princípio, unicamente de matéria de direito nos termos dos artigos 26.º Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), 87.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, 721.º e 722.º do Código de Processo Civil (CPC), cabendo-lhe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido e não podendo, em regra, alterá-los. Nos termos do artigo 722.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do n.º 2 do art. 729.º do mesmo diploma, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, nem o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa pode ser objecto da revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, ou seja, salvo havendo erros sobre regras de direito probatório material que ocorram no Acórdão da Relação, na sentença ou, até, nas respostas à base instrutória. Não está em causa nenhuma das situações previstas na 2.ª parte do n.º 2 do citado artigo 722.º, por isso que não pode este Supremo substituir-se ao tribunal recorrido na reapreciação das provas gravadas e conhecer da impugnação da matéria de facto. Daí que só possa entender-se a pretensão da Autora com o sentido de, na censura da alegada omissão de conhecimento da impugnação da matéria de facto, ver substituído o acórdão recorrido por outro, do mesmo tribunal, que não enferme daquela omissão. Nos termos do artigo 712.º, n.º 1, alínea a), parte final, do CPC, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida. Reza o n.º 5 deste último artigo que, em tal caso, o tribunal de recurso procederá à audição ou visualização dos depoimentos indicados pelas partes, e o n.º 2 do citado artigo 712.º que a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido. O n.º 6 do mesmo artigo proíbe o recurso para o Supremo das decisões da Relação previstas nos seus números anteriores. Porém, salvo o devido respeito por diferente opinião, tal proibição contempla os casos em que a Relação, cumprindo aquele poder-dever de ouvir os depoimentos, decide, após a reapreciação das provas, alterar ou confirmar a decisão da matéria de facto (ou determinar a renovação dos meios de prova), e não aqueles casos em que se abstém de ouvir os depoimentos gravados e, assim, de valorar as provas oralmente produzidas em audiência, em ordem a apreciar da correcção da decisão impugnada. De outro modo, seria frustrada a garantia de um verdadeiro e efectivo segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto. No Acórdão deste Supremo de 8 de Julho de 2003(1) , considerou-se que “se não obstante a gravação da prova, a Relação não cumpre o poder-dever de a reapreciar, para o que necessita, sem dúvida, de ouvir os depoimentos gravados, tal omissão importa nulidade, porque manifestamente influi na decisão do recurso, devendo STJ mandar repetir o julgamento da Relação para que, efectuada tal reapreciação, seja fixada definitivamente a matéria de facto”. E, no Acórdão de 19 de Outubro de 2004, apreciando um caso em que a Relação omitira a reapreciação das provas gravadas – por ter considerado que a decisão do julgador da 1.ª instância é inatacável em matéria de facto, quando, devidamente fundamentada, se apresentar como uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção – concluiu-se pela anulação do acórdão da Relação, por falta de reapreciação da prova, em violação dos artigos 690.º-A, n.º 5, com referência ao artigo 712.º, n.º 1, alínea a), 2.ª parte, e n.º 2, do CPC (2) Tratando-se de nulidade do acórdão da Relação, ela teria, segundo a jurisprudência constante desta Secção Social, de ser arguida, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, sem o que dela não poderia tomar-se conhecimento (3). Todavia, o caso apresenta-se, não como nulidade do acórdão, mas como erro de interpretação e aplicação de normas processuais, uma vez que a Relação para se recusar a reapreciar as provas e, consequentemente, a emitir juízo sobre a bondade do julgamento da matéria de facto efectuado na primeira instância, fundou-se em argumentos de natureza jurídico-processual, não se tratando, pois, de pura omissão de pronúncia. É que a Relação não deixou de se pronunciar sobre o pedido de reapreciação das provas, antes o encarou como inviável, fundamentando a sua atitude e, assim, a questão posta na revista reconduz-se a eventual erro de julgamento em matéria processual, estando, por conseguinte, em causa apreciar da procedência ou improcedência dos fundamentos invocados para a recusa de reapreciação. Nesta perspectiva, não opera, nem a proibição de recurso estatuída no n.º 6 do artigo 712.º do CPC, nem a exigência contida no artigo 77.º, n.º 1, do CPT, pelo que nada obsta a que a questão seja apreciada em sede de recurso de revista. A garantia de dupla jurisdição em matéria de facto, que as disposições combinadas dos artigos 690.º-A, n.º 5 e 712.º, n.os 1, alínea b), in fine, e n.º 2, do CPC, consagram, assume a amplitude de novo julgamento em matéria de facto, no sentido de que a Relação, na reapreciação das provas gravadas, dispõe dos mesmos poderes do tribunal de primeira instância, incluindo a faculdade de livre apreciação dos elementos probatórios disponíveis. Mas para usar dessa faculdade tem de, obrigatoriamente, ouvir as provas gravadas. É, portanto, incorrecto afirmar-se, como se fez no acórdão recorrido, não haver possibilidade de proceder à alteração da decisão da matéria de facto, nos pontos impugnados, por lhe estar vedado, com base nas gravações, intrometer-se no poder de livre apreciação do julgador da 1.ª instância – ou seja, na valoração dos depoimentos prestados –, porque a Relação não beneficia da imediação da prova. Se assim fosse, não teria qualquer efeito útil o recurso em matéria de facto, baseado no registo dos depoimentos, desde que a decisão recorrida se apresentasse minimamente fundamentada, relativamente à convicção do julgador A interpretação adoptada pela Relação não é, pois, consentida pelas referidas normas. Não procedendo os motivos em que assentou a recusa de reapreciação das provas gravadas, tal decisão não pode, em princípio, subsistir. Importa, no entanto, averiguar se os pontos de facto impugnados assumem relevância para a solução do recurso de apelação, pois que, se tal não suceder, será possível conhecer com base na materialidade de facto provada, sendo desprovido de efeito útil, revogar, nessa parte, a decisão. Pretendia a Autora que, no reexame da prova testemunhal gravada, que especificou, fossem declarados provados os seguintes factos alegados nos artigos da petição inicial que indica, e que na primeira instância foram considerados não provados: a) Dos artigos 18.º e 19.º “não tendo esta [a Autora] tomado conhecimento de alguns aspectos do seu [dos contratos] conteúdo”, “nomeadamente da declaração que deles consta de nunca ter sido contratada por tempo indeterminado”; b) Do artigo 20.º “se tivesse tomado consciência desse facto, não os teria assinado”; c) Do artigo 21.º “tal facto [ter anteriormente trabalhado mediante contrato sem termo] era do domínio público”; d) Do artigo 26.º A ré fez a autora subscrever tais contratos com o único propósito de violar a lei e iludir as disposições que regulam o contrato sem termo; aproveitando-se da admissibilidade da contratação a termo de trabalhadores que procuram o primeiro emprego”; e) Do artigo 27.º “Circunstância que bem sabia não se aplicar à A já que... tinha conhecimento que esta havia trabalhado como efectiva para a empresa “ BB SA”; f) Do artigo 29.º, “tendo nele [segundo contrato] sido aposta nas mesmas condições que se vieram a referir no artº 18º desta p. i.” g) Do artigo 31.º “sendo falsos os motivos invocados, falsidade essa imputável à Ré” h) Do artigo 42.º “a autora foi contratada, desde o primeiro contrato celebrado com a ré e nos que lhe seguiram para suprir necessidades normais e permanentes do serviço de distribuição de correspondência, motivadas pelo facto de os trabalhadores efectivos da Ré, do CPD de Alcobaça, na altura em que a A. lá trabalhou, serem em número muito inferior ao que o volume normal de serviço exigiria” i) Do artigo 43.º “dado que desde há muitos anos, a ré vem recorrendo por sistema à contratação a termo para suprir as suas necessidades com pessoal” j) Do artigo 44.º, “dispõe apenas” [de 25 carteiros do quadro permanente, para um total de 30 giros]; k) Do artigo 47.º, embora em termos restritivos, ou seja “por ocasião da cessação das relações de trabalho entre autora e Ré esta contratou outro trabalhador” O veredicto sobre estes factos, no contexto em que integraram a causa de pedir, mostra-se relevante para, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito, decidir o litígio, face à sua conexão com o pedido formulado pela Autora e ao teor da defesa apresentada pela Ré. Com efeito, não é indiferente, para a decisão da causa, que a matéria de facto neles contida – embora, eventualmente, tenha de ser limitada a formulações não conclusivas – seja declarada, total ou parcialmente, provada, em função da requerida reapreciação das provas. Recorde-se que a Autora fundou a sua pretensão, não apenas no desconhecimento do exacto e integral teor dos escritos, prontos a assinar, elaborados pela Ré, que assinou, mas também, por um lado, no conhecimento que a Ré tinha do seu anterior passado laboral, e, por outro lado, na imputação à Ré de, intencionalmente, ter celebrado os contratos a termo para a satisfação de necessidades permanentes, e, desse modo, iludir as disposições legais reguladoras do contrato sem termo. Decorre do exposto que a decisão de não reapreciar as provas não pode subsistir, uma vez que, como se viu, os fundamentos que a ela conduziram não são de aceitar. E porque os factos em causa interessam à resolução do litígio tem a referida decisão que ser revogada. Como se deixou dito, está vedado a este Supremo apreciar as provas, fora dos condicionalismos previstos no artigo 722.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, que aqui não se verificam. Assim, a consequência da revogação a que se aludiu é a de ordenar a remessa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de proceder à reapreciação das provas gravadas e proferir, em conformidade, decisão sobre os factos impugnados no recurso de apelação. Visto que sem a fixação definitiva da matéria de facto, nos termos referidos, não é possível apreciar do mérito da causa, não se conhece da segunda questão suscitada pela Autora. III Em face do exposto, decide-se: – Conhecendo da parte em que decidiu não reapreciar as provas gravadas revogar o acórdão recorrido, concedendo-se a revista; – Ordenar a remessa dos autos ao tribunal recorrido a fim de proceder à reapreciação das provas gravadas e, em função do seu exame, proferir decisão sobre os pontos de facto impugnados, julgando, depois, a causa conforme o direito.
Custas a cargo da Ré. Lisboa, 14 de Dezembro de 2006
Vasques Dinis (Relator) (1) Subscrito pelos Exmos. Conselheiros Fernando Araújo de Barros (Relator), Boavida Oliveira Barros e Salvador da Costa, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XI, Tomo II, 151. (2) Subscrito pelos Exmos. Conselheiros Reis Figueira, (Relator), Barros Caldeira e Faria Antunes, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XII, Tomo III, 72. |