Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
685/15.3T8CBR-L.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃOJSTJ000
Relator: LEONOR FURTADO
Descritores: HABEAS CORPUS
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
ACOLHIMENTO RESIDENCIAL
REVISÃO
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
TERMO
DIREITO DE AUDIÇÃO
ILEGALIDADE
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: PROCEDÊNCIA / DECRETAMENTO TOTAL.
Sumário :
I - Tratando-se de medida de promoção e proteção prevista no art. 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP, que visa o afastamento do perigo em que a criança se encontra e proporcionar-lhe as condições favoráveis ao seu bem-estar e desenvolvimento integral, esta não deixa de se traduzir numa restrição de liberdade e, nessa medida, mesmo que não caiba nos conceitos de “detenção” e de “prisão” a que aludem os arts. 220.º e 222.º do CPP, configura uma privação da liberdade merecedora da proteção legal concedida pela providência extraordinária de “habeas corpus”.
II - Efectivamente, tal pode ocorrer, no caso das medidas cautelares – art. 37.º, n.º 3, da LPCJP – por decurso do seu prazo máximo de duração (6 meses) ou por omissão de revisão (findos os 3 meses), ou no caso das medidas aplicadas por acordo ou por decisão judicial – arts. 61.º e 62.º da LPCJP – por decurso do prazo fixado, pois, são obrigatoriamente revistas findo esse prazo, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses, inclusive as medidas de acolhimento residencial e enquanto a criança aí permaneça – conforme o n.º 1 do art. 62.º da LPCJP.
III - A medida de acolhimento residencial que foi aplicada à criança encontra-se legalmente prevista – arts. 35.º, n.º 1, al. f) e 49.º da LPCJP – e foi aplicada por decisão judicial e pelo tribunal competente, tendo sido fixado o prazo de duração da medida em um ano, pelo que, o decurso do prazo de um ano da execução da medida aplicada à criança terminou, conforme o disposto no n.º 1, al. a), do art. 63.º da LPCJP.
IV - Verificando-se que, quando foi requerida a providência de habeas corpus, estava decorrido o prazo de um ano de duração da medida fixado em sentença judicial, a medida de acolhimento residencial é, agora, ilegal.
V - A tendência jurisprudencial do STJ tem se vindo a fixar no sentido em que o habeas corpus também se aplica às medidas de promoção e protecção de acolhimento residencial. A opção jurisprudencial não é isenta de dúvidas, porém, a verdade é que, as crianças ficam mais desprotegidas que os adultos, quando se verifica uma situação de decurso do prazo da duração das medidas de acolhimento residencial, sem que tivessem sido acautelados os aspectos processuais relacionados com a sua cessação, manutenção ou prorrogação.
VI - Todavia há necessidade de atender à especificidade deste processo de habeas corpus no âmbito de medidas decretadas num processo de Promoção e Protecção pois, não se trata, apenas, da apreciação da ilegalidade da privação da liberdade, mas, primacialmente está em causa o dever de protecção exercido pelo Estado, em face do interesse superior da criança em ser protegida, havendo necessidade de se conciliar a tutela da liberdade com a necessidade de protecção da criança.
VII - Tendo decorrido o prazo de duração da medida, implicando a sua cessação, há razão para que se considere que, no momento do pedido da providência de habeas corpus, a mesma se mantém para além dos prazos fixados na lei – decurso do prazo de duração da medida –, pelo que se verificam os pressupostos para deferir o habeas corpus conforme arts. 31.º da CRP e 222.º do CPP.
VIII - O tribunal de 1.ª instância não procedeu às diligências de apuramento das circunstâncias que poderiam determinar a revisão da medida, antes da data do seu termo, tal como impunha o art. 62.º, n.º 3, da LPCJP, podendo assim determinar a cessação da medida ou a sua substituição por outra mais adequada ou a continuação ou a prorrogação da execução da medida.
IX - Com efeito, impunha-se que o tribunal de 1.ª instância tivesse procedido às diligências necessárias para verificar se restava algum perigo para a integridade psíquica ou física da criança, designadamente ouvindo-a, bem como aos demais intervenientes no processo (progenitores, técnicos e MP) a fim de, atendendo aos princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e da adequação, da responsabilidade parental e da prevalência da família, melhor aquilatar da necessidade de manter, alterar, prorrogar ou substituir a medida aplicada à criança por força da sentença homologatória.
X - Extrai -se da interpretação conjugada do disposto no art. 223.º, n.º 4, al. d), do CPP, com o disposto nos arts. 61.º e 62.º, n.º 1, da Lei n.º 147/99, que há que declarar ilegal a situação de execução da medida de acolhimento residencial em que se encontra a criança.
Decisão Texto Integral:

Providência de Habeas Corpus


Processo: 685/15.3T8CBR-L.S1


5ª Secção Criminal





I - RELATÓRIO

1. AA, (AA), ao abrigo do disposto no art.º 222.º, n.º 2, als. b) e c) do Código de Processo Penal (CPP), efectuou pedido de providência de Habeas Corpus, alegando em síntese, os seguintes factos:


i) que é mãe de uma criança, actualmente com 9 anos, que está acolhida em centro de acolhimento, por lhe ter sido aplicada a medida de acolhimento residencial fixada judicialmente por acordo de promoção e proteção e por um ano, conforme sentença de homologação do acordo, proferida em 07.02.2023;


ii) que(…) a medida foi aplicada para afastar a situação de perigo em que a criança se encontrava, “atenta a sobreposição do conflito dos pais ao bem-estar da BB e à falta de adesão da mãe à intervenção proposta”, tendo sido a criança conduzida ao Centro de Acolhimento;


iii) que em 8/8/23 foi proferido despacho judicial de revisão da medida de acolhimento residencial, que decidiu “prorrogar” aquela medida pelo período de 6 (seis) meses, sujeita a nova revisão no final desse prazo;


iv) a progenitora apresentou recurso desta decisão perante o Tribunal da Relação do Porto (TRP) que, por decisão sumária proferida em 9.10.2023 revogou aquela decisão, determinando a audição da criança e a sua sujeição a exame pericial e exame pericial às condições dos pais, visando essencialmente a competência dos mesmos para exercerem as responsabilidades parentais salvaguardando a filha das suas desavenças/conflitos, exames esses a realizar em prazo não superior a 20 dias;


v) em cumprimento da decisão da Relação, o tribunal recorrido solicitou os exames ao IML e não ouviu a criança;


vi) a criança encontra-se institucionalizada, a título cautelar, desde 12.07.2022, e decorrido mais de um ano após o dia 7/2/2023 (data em que foi homologado por sentença o acordo dos progenitores na aplicação à filha de medida de acolhimento residencial pelo prazo de um ano), sem revisão periódica de seis meses, nem no final do prazo fixado para a medida de acolhimento;


vii) que o IML só irá realizar os exames em Março de 2024;


viii) que, não obstante a natureza dos autos e o caráter “URGENTÍSSIMO” dos mesmos, assim superiormente caracterizado pelo TRP, a medida de acolhimento continua por rever periodicamente, nos termos do artigo 62º, nº1, da LPCJP, a pretexto de se aguardar a audição da menor e o urgentíssimo exame pericial à criança e aos progenitores, não obstante o prazo não superior a 20 dias superiormente fixado para o efeito;


ix) que, “(…) por despacho de 2.11.2023 (Referência: .......40), conforme documento junto que aqui se dá por inteiramente reproduzido, que se solicitasse à Sra. Técnica da Segurança Social, gestora do processo, que informe se existe outra entidade mais habilitada para intervir junto dos pais com vista à capacitação parental e restabelecimento de uma comunicação minimamente funcional entre ambos;”, solicitando


x) a “(…)imediata cessação da medida ilegal de acolhimento …”; pois que,


xi)Não é razoável manter institucionalizada uma criança por causa do conflito parental, privando-a brutalmente dos seus laços afetivos estruturantes, sendo que o acolhimento residencial, como referido pelo CAFAP, tem sido infrutífero para salvaguardar o que se diz ser o interesse da BB, mas que na verdade mais não serve do que castigo para a progenitora, mas sobretudo de tremendo sofrimento – isso sim - para a filha, a qual há muito se vê privada da vida familiar.”;


xii)A medida de acolhimento residencial aplicada à BB, que a priva do contacto com a vida familiar, provocando a rutura de laços afetivos estruturantes, não foi aplicada num quadro de ausência de cuidados parentais por parte dos progenitores, nem de violência ou abuso sobre a criança”; sendo certo que,


xiii)(…)o tribunal vai mantendo ilegalmente, sem revisão e além do prazo máximo de duração, o acolhimento institucional,…”, concluindo que,


xiv)A medida aplicada é completamente desproporcional e, por isso, manifestamente ilegal”;


Em consequência termina pedindo que deve “(…) declarar-se ilegal a atual manutenção do acolhimento residencial da criança; determinar-se a imediata cessação da medida de acolhimento residencial e libertação da criança (art.223º, nº4, d), do Código Processo Penal)” e subsidiariamente que “(…) se mande colocar a criança… à ordem deste Supremo Tribunal de Justiça, em local a indicar pelo mesmo, nomeando um juiz para proceder a averiguações, incluída a audição da criança, no prazo que lhe for fixado, sobre as condições de legalidade da medida de acolhimento residencial e decidir em conformidade (art.223º, nº4, b), do Código Processo Penal); e, ainda subsidiariamente “(…) determinar-se que a Mm.ª Juíza titular do processo no Juízo de Família e Menores de … no mais curto prazo possível, sem exceder 48 horas, ouvida imediatamente a criança …, proceda à revisão da medida de acolhimento residencial que lhe foi aplicada (art.223º, nº4, c), do Código Processo Penal).”.

2. Nos termos do art.º 223.º, do CPP, foi prestada pelo Tribunal de 1ª instância, a seguinte informação:


1. A medida de acolhimento residencial foi aplicada à criança (…) por acordo homologado por sentença em 07.02.2023, pelo período de um ano, com revisão semestral.


2. A medida de acolhimento residencial foi prorrogada por seis meses, com revisão no seu término, por despacho de 08.08.2023.


3. Tal despacho foi objeto de recurso, autuado como apenso K, tendo o Tribunal da Relação do Porto aí proferida decisão singular em 09.10.2023, declarando “provido o recurso”, “revogado o despacho recorrido” e determinando “que em substituição do mesmo e sem prejuízo da manutenção (por ora) da medida de acolhimento residencial, se determine: a) audição da criança; b exames periciais como elencado em iii; e c) concluídas tais diligências, após contraditório, seja proferido despacho quanto à revisão da medida pelo artigo 62.º da LPCJP”.


4. Esse apenso foi remetido pelo Tribunal da Relação do Porto a este Juízo em 03.11.2023.


5. Em 07.11.2023 foi aberta conclusão e proferido despacho nesse apenso, determinando “arquive este apenso e conclua de imediato o apenso F”.


6. Em 10.11.2023 foi aberta conclusão e proferido despacho neste apenso (F), determinando, em cumprimento do acórdão do TRP: a) a realização pelo INMLCF de exame pericial à criança (…), em prazo não superior a 20 dias; b) a realização pelo INMLCF de exame pericial aos progenitores da criança, em prazo não superior a 20 dias; c) a oportuna audição da criança, após o recebimento dos relatórios periciais.


7. Em 06.12.2023, o INMLCF comunicou aos autos que o exame pericial à progenitora foi agendado para 05.03.2024, que o exame pericial ao progenitor foi agendado para 08.03.2024 e que o exame pericial à criança foi agendado para 12.03.2024.


8. Em 15.12.2023 foi aberta conclusão e proferido despacho tomando conhecimento do agendamento dos exames periciais e determinando o seguinte: “considerando a dilação do agendamento e a urgência da realização das perícias, oficie ao INMLCF, solicitando que informe, no prazo de 10 dias, se não é possível realizar os exames inerentes às perícias em datas mais próximas que as indicadas”.


9. Em 19.12.2023, o INMCF informou que “atendendo ao elevado número de solicitações de perícias a estes serviços, bem como a diminuta disponibilidade de recursos humanos, não nos é possível antecipar os agendamentos já efetuados”.


10. Em 21.12.2023 foi aberta conclusão e proferido despacho tomando conhecimento da informação do INMCF e determinando o seguinte:


“dê conhecimento ao Ministério Público e aos progenitores que o INMLCF não tem disponibilidade para antecipar as datas da realização das perícias, apesar de tal lhe ter sido solicitado pelo Tribunal”;


11. Em face do exposto, a criança (…) mantém-se em acolhimento residencial, estando os autos a aguardar a realização dos exames periciais, sendo que após o recebimento dos respetivos relatórios será proporcionado o contraditório aos progenitores, será designada data para audição da criança e será revista a medida, tudo como determinado na decisão do Tribunal da Relação do Porto de 09.10.2023 proferida no apenso K.”.

3. Procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como se segue – art.º 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP.


II - FUNDAMENTO


Importa, pois, decidir se a criança nascida a .../.../2014, filha da requerente AA, se encontra ilegalmente sujeita à medida cautelar de acolhimento residencial, ao abrigo do disposto nos art.ºs 35.º, n.º 1, al. f) e 37.º, n.º 1, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), devendo, em consequência, ser imediatamente restituída à liberdade e entregue à requerente.

1. Antes de mais há que esclarecer que a providência de Habeas Corpus não é um recurso de uma decisão que determina a privação da liberdade de alguém, seja a prisão preventiva ou para cumprimento de pena ou de medida, aplicadas ao sujeito peticionante ou, como no caso, ao seu representado, não se destinando a apreciar erros de direito nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade e, por outro, que a procedência do pedido pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão reportada ao momento em que o mesmo é apreciado – vd., entre outros, os Acs. do STJ de 04/01/2017, Proc. n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada, e de 01/09/2022, Proc. n.º 14079/21.8T8SNT-D.S1, ambos em www.dgsi.pt.


A providência de Habeas Corpus constitui uma garantia fundamental do direito à liberdade, inscrita no art.º 31.º, da Constituição da República (CRP) como meio “(…) contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal…”, sendo um procedimento expedito e excepcional, a decidir no prazo de oito dias em audiência contraditória, conforme o art.º 31.º, n.º 3, CRP. Nas palavras de Eduardo Maia Costa, em anotação ao art.º 222.º do CPP, in Código Processo Penal Comentado, 3.ª Edição Revista, pág. 852, trata-se de uma “(…) providência extraordinária e expedita que se destina exclusivamente a salvaguardar o direito à liberdade, não visando, pois, a reapreciação da decisão que decretou a prisão. É um mecanismo situado à margem das garantias do processo penal, tendo por fim único a proteção dos cidadãos contra a prisão ilegal.”.

2. A ilegalidade da prisão (no caso, da privação da liberdade da criança filha da requerente, por via da aplicação de medida cautelar de acolhimento residencial) afere-se a partir dos factos documentados no processo, tendo por pressuposto legal o disposto no art.º 222.º, do CPP, cujo n.º 2 dispõe o seguinte:


Artigo 222.º


Habeas corpus em virtude de prisão ilegal


(…)


2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:


a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;


b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou


c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.


Deste preceito se extrai a noção de ilegalidade da prisão (com as necessárias adaptações ao caso) que se atém às situações taxativamente definidas nas als. a) a c), do citado preceito legal, sendo que se exige a verificação cumulativa dos pressupostos de abuso de poder e de prisão ou detenção ilegal, ou seja, da privação da liberdade.


E, mesmo tratando-se de medida de promoção e proteção prevista no art.º 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP, que visa o afastamento do perigo em que a criança se encontra e proporcionar-lhe as condições favoráveis ao seu bem estar e desenvolvimento integral, esta não deixa de se traduzir numa restrição de liberdade e, nessa medida, mesmo que não caiba nos conceitos de “detenção” e de “prisão” a que aludem os art.ºs. 220.º e 222.º, do CPP, configura uma privação da liberdade merecedora da proteção legal concedida pela providência extraordinária de “habeas corpus”, sob pena das ilegais situações de excesso da sua duração e de ficarem desigualmente protegidas em relação aos casos de detenção ou prisão ilegais – Ac. do STJ de 18/01/2017, Proc. n.º 3/17.6YFLSB, em www.dgsi.pt.


Efectivamente, tal pode ocorrer, no caso das medidas cautelares – art.º 37.º, n.º 3, da LPCJP – por decurso do seu prazo máximo de duração (6 meses) ou por omissão de revisão (findos os 3 meses), ou no caso das medidas aplicadas por acordo ou por decisão judicial – art.ºs 61.º e 62.º, da LPCJP – por decurso do prazo fixado, pois, são obrigatoriamente revistas findo esse prazo, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses, inclusive as medidas de acolhimento residencial e enquanto a criança aí permaneça – conforme o n.º 1, do art.º 62.º, da LPCJP.


Nestes termos, como se disse no já indicado Ac. do STJ, de 01/09/2022, Proc. n.º 14079/21.8T8SNT-D.S1, acompanha-se “(…) a maior parte da jurisprudência do STJ que considera ser admissível alargar a providência do habeas corpus quando estão em causa medidas de promoção e proteção de crianças e jovens como a de “acolhimento residencial”, atenta a sua natureza e finalidade, uma vez que não deixa de ser uma medida limitativa da liberdade e de direitos fundamentais (ainda que não tenha uma finalidade punitiva, como a medida tutelar educativa), tanto mais que (como se esclarece no ac. do STJ de 2.06.2021) constitui também uma medida que origina uma “compressão do direito à unidade familiar”.

3. No caso dos autos, a requerente AA, como progenitora e representante legal da criança sua filha, essencialmente invoca que esta sua filha se encontra ilegalmente privada de liberdade, por se encontrar sujeita a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, medida essa que, lhe foi aplicada pelo prazo de um ano, e por acordo homologado judicialmente em 07/02/2023, mas que não reflectiu a sua vontade, considerando que apenas aceitou o acordo “(…) por lhe ter sido dito no próprio ato, pela Mmª Juiz, e só por isso, que a sua filha, caso ela não concordasse com aquela medida, seria encaminhada para adoção, conforme consta da consulta do relatório do CAFAP de 22.09.2023 junto aos autos (apenso F), o que a progenitora jamais consentirá, conforme ata de 7/2/2023 junta que aqui se dá por inteiramente reproduzida”.


Mais alega que, em virtude de o tribunal de 1ª instância por despacho de 08/08/2023 ter prorrogado o prazo fixado de duração da medida para mais seis meses, apelou para o TRP, que por decisão singular proferida em 09/10/2023, revogou aquela decisão e determinou a audição da criança sua filha bem como a realização de exames periciais à criança e aos seus progenitores. Porém, o tribunal de 1ª instância não procedeu à audição da criança e, apenas determinou a realização dos exames periciais, que se encontram marcados para o mês de Março de 2024, pelo que, a criança sua filha “(…) que foi institucionalizada a título cautelar em 12.07.2022, encontra-se neste momento, decorrido mais de um ano após o dia 7/2/2023 (data em que foi homologado por sentença o acordo dos progenitores na aplicação à filha de medida de acolhimento residencial pelo prazo de um ano), sem revisão periódica de seis meses, nem no final do prazo fixado para a medida de acolhimento, o que é manifestamente ilegal, atenta a sua obrigatoriedade, nos termos do artigo 62º, nº1, da LPCJP e art. 25º da Convenção sobre os Direitos da Criança.”.


Da informação junta e dos elementos constantes da certidão do processo – Ref.ª Cítius n.º .......06 –, resulta demonstrado que:

a. Por sentença de 07/02/2023, proferida no Processo de Promoção e Proteção, n.º 685/15.3T8CBR-F, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro, “(…) e por se afigurar que a medida de promoção e proteção de "Acolhimento Residencial" aplicada à criança (…), se mostra adequada à defesa do superior interesse da mesma, homologo por sentença o acordo ora firmado, vinculando os intervenientes a cumpri-lo, atentos os pressupostos ora fixados e as finalidades pretendidas, nos termos do disposto nos artigos 35.º, n.º 1, al. f) e n.º 3, 36.º, 49.º, 55.º, 57.º e 112.º da LPCJP aprovada pela Lei n.º 147/99 de 1/09, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2003 de 22 de Agosto, pela Lei n.º 142/2015 de 8/09, pela Lei n.º 23/2017 de 23/05 e pela Lei n.º 26/2018 de 05/07”;

b. Nos termos do referido acordo de promoção e protecção, homologado por sentença, a duração da medida de acolhimento residencial foi fixada em um ano, devendo ser “revista semestralmente”;

c. Por despacho judicial proferido nos autos, em 08/08/2023, foi decidido que “(…) considerando que se extrai do relatório social junto que se mantêm os pressupostos de facto e de direito que presidiram à aplicação da referida medida, entende-se que inexiste motivo para a sua alteração.


Resulta do relatório ora remetido que a BB tem tido uma adaptação positiva, aceita as regras e limites. O acolhimento permitiu uma reaproximação ao progenitor, promovendo o afastamento conflituoso da relação dos pais.


Pelo que, a medida tem de ser prorrogada, para permitir que a criança continue a evoluir positivamente e que lhe sejam prestados os cuidados que esta necessita.(…) decide-se prorrogar a medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição, pelo período de 6 (seis) meses.


A medida será revista, no prazo de 6 (seis) meses.” – sublinhado nosso;

d. A requerente recorreu desta decisão para o TRP que, por decisão singular proferida em 09/10/2023, decidiu revogar “(…) O DESPACHO RECORRIDO DETERMINANDO-SE QUE EM SUBSTITUIÇÃO DO MESMO E SEM PREJUÍZO DA MANUTENÇÃO (POR ORA) DA MEDIDA DE ACOLHIMENTO RESIDENCIAL, SE DETERMINE:


A- 1- AUDIÇÃO DA CRIANÇA


B- EXAMES PERICIAIS COMO ELENCADO EM III.4


CONCLUIDAS TAIS DILIGÊNCIAS, APÓS CONTRADITÓRIO, SEJA PROFERIDO DESPACHO QUANTO À REVISÃO DA MEDIDA PELO ARTIGO 62º DA LCPCJ”;

e. Por despacho judicial proferido em 10/11/2023, o tribunal de 1.ª instância decidiu que se mantinha a medida de acolhimento residencial, determinou a realização dos exames periciais ordenados pelo TRP e decidiu que “oportunamente, recebidos os relatórios periciais, será designada data para a audição da criança.”;

f. Em 06/12/2023, o Instituto Nacional de Medicina Legal e de Ciências Forenses comunicou ao tribunal de 1ª Instância a marcação dos exames periciais à criança e aos seus progenitores, respectivamente para as datas de 12/03/2024, 05/03/2024 e 08/03/2024;

g. A requerente apresentou o presente pedido de habeas corpus a favor da criança sua filha em 24/02/2024;

4. Da análise do caso resulta que por acordo de promoção e protecção homologado por sentença proferida em 07/02/2023, à criança filha da peticionante foi aplicada uma medida de acolhimento residencial, pelo prazo de um ano, impondo-se que a medida deva ser “revista semestralmente”.


Efectivamente, a medida de acolhimento residencial que foi aplicada à criança encontra-se legalmente prevista – art.ºs 35.º, n.º 1, al. f) e 49.º da LPCJP – e foi aplicada por decisão judicial e pelo tribunal competente, tendo sido fixado o prazo de duração da medida em um ano, tendo o início do respectivo prazo de duração ocorrido em 07/02/2023 e verificando-se o seu termo em 07/02/2024. Em consequência, decorrido o prazo de seis meses e nos termos do disposto no art.º 62.º, da LPCJP, por despacho judicial proferido em 08/08/2024, efectuou-se a revisão da medida, tendo sido decidido prorrogá-la pelo tempo de, mais, seis meses.


Desse despacho apelou a ora requerente para o TRP que, por decisão sumária proferida em 09/10/2024, revogou aquela decisão de revisão da medida, mas manteve a aplicada medida de acolhimento residencial, “por ora, pois, como bem lembra na sua decisão “(…) a questão aqui não é da “prorrogação da medida”, mas a da manutenção da medida que foi acordada pelo prazo de um ano ou seja com termo em 7/2/2023”, (existindo manifesto lapso na indicação do termo da medida, pois, iniciando-se a mesma, em 07/02/2023 e tendo a duração de um ano, o seu termo verificar-se-ia em 07/02/2024.


Considerando que “Sendo a natureza deste processo de jurisdição voluntária compete ao juiz mesmo oficiosamente proceder às diligências necessárias e indispensáveis à formação de um juízo decisório atualizado (artigo 986º/2 do Código de Processo Civil) como o que se lhe impõe ainda para mais tendo em conta as finalidades da revisão da medida que constam do artigo 62º, nº 3, da LCPCJP.”, mais se determinou na referida decisão singular do TRP, que se realizassem diligências complementares visando o apuramento das circunstâncias actuais sobre a eventual manutenção ou prorrogação da medida de acolhimento residencial que fora aplicada pelo prazo de um ano, designadamente, a audiência da criança e a realização de exames periciais, a realizar em prazo não superior a 20 dias, quer à criança, quer “(…) às condições psicológicas dos progenitores visando essencialmente a competência dos mesmos para exercerem as responsabilidades parentais salvaguardando a filha das suas desavenças/conflitos”, que “(…) deverão servir para permitir ao juiz verificar ambos estes dois segmentos da decisão de revisão e assegurar a participação da criança no processo decisório.”.


Em suma, o TRP manteve a medida de acolhimento residencial aplicada à criança, no âmbito dos autos de promoção e protecção, com a duração fixada de um ano e que teve início em 07/02/2023, pelo que o seu termo verificar-se-ia em 07/02/2024. E, não procedeu à revisão da medida aplicada e ordenou que tribunal da 1ª instância realizasse as diligências complementares por si indicadas, sendo que impôs que os exames periciais deviam ser realizados no prazo de 20 dias, determinando que, uma vez “(…) concluídas tais diligências, após contraditório, seja proferido despacho quanto à revisão da medida pelo artigo 62º da LCPCJ” – sublinhado nosso.


Como referido no ponto e) supra sobre os elementos de factos resultantes da certidão constante destes autos, por despacho judicial proferido em 10/11/2023, o tribunal de 1.ª instância decidiu que se mantinha a medida de acolhimento residencial, determinou a realização dos exames periciais ordenados pelo TRP e não procedeu à audiência da criança que relegou para momento oportuno após o resultado dos exames.


Os exames solicitados ao INMLCF foram marcados para Março de 2024, conforme comunicação por correio electrónico de 06/12/2023, daquele serviço de Medicina Legal – vd. Certidão Ref.ª ....93 –, sendo certo que, “Considerando a dilação do agendamento e a urgência da realização das perícias…”, por ofício de 15/12/2023, o tribunal de 1.ª instância solicitou que os mesmos fossem realizados “(…) em datas mais próximas que as indicadas.”. Todavia, por razões de falta de meios técnicos e humanos, por correio electrónico de 19/12/2023, o INMLCF informou não poder satisfazer tal pedido.


Ora, após esta informação o tribunal de 1.ª instância limitou-se a dar conhecimento da mesma ao MP e aos diversos intervenientes nos autos de promoção e protecção, nada mais determinando.


Assim, o decurso do prazo de um ano da execução da medida aplicada à criança continuou a correr e, em 07/02/2024, terminou pelo que, conforme o disposto no n.º 1, al. a), do art.º 63.º, da LPCJP, sob a epígrafe “Cessação das medidas”, as medidas cessam quando decorra o respectivo prazo de duração ou eventual prorrogação. Consequentemente, no caso, a medida de acolhimento aplicada à criança, no domínio do processo de promoção e protecção aqui em causa, cessou em 07/02/2024, pelo decurso do prazo de um ano sobre a data em que a mesma fora fixada, ou seja, em 07/02/2023.


Efectivamente, a decisão da Relação foi a de "manter" a medida aplicada em 07/02/2023 e não efectuar a sua revisão, antes ordenando a realização de diligências complementares que, uma vez concluídas, permitiriam a tomada de decisão quanto à revisão. Ou seja, o prazo de execução da medida, continuou a correr.


Nestes termos, verificando-se que quando foi requerido o presente habeas corpus, estava decorrido o prazo de um ano de duração da medida fixado em sentença judicial, a medida de acolhimento residencial é, agora, ilegal.

5. Como já afirmado, a tendência jurisprudencial do STJ tem se vindo a fixar no sentido em que o habeas corpus também se aplica às medidas de promoção e protecção de acolhimento residencial, considerando alguma jurisprudência do TEDH – vd. Ac.do STJ de 24/02/2024, Proc. n.º 348/23.6T8OHP-B.S1, em www.dgsi.pt, em cujo sumário se diz “O habeas corpus constitui um meio de tutela que abrange qualquer forma de privação da liberdade não admitida pelo artigo 27.º da Constituição e pelo artigo 5.º da CEDH, aqui se incluindo a privação da liberdade de uma criança, fora das condições legais, por sujeição a medida de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado [artigo 27.º, n.º 3, al. e), da Constituição] ou a detenção de um menor feita com o propósito de o educar sob vigilância [na formulação do artigo 5.º, n.º 1, al. d), da CEDH], no seu interesse, compreendendo muitos aspetos dos direitos e responsabilidades parentais para benefício e proteção da criança, independentemente de esta ser suspeita da prática de facto qualificado como crime ou de ser uma criança em risco”. A opção jurisprudencial não é isenta de dúvidas, porém, a verdade é que, como no caso presente, as crianças ficam mais desprotegidas que os adultos, quando se verifica uma situação de decurso do prazo da duração das medidas de acolhimento residencial, sem que tivessem sido acautelados os aspectos processuais relacionados com a sua cessação, manutenção ou prorrogação. De salientar que no caso, na decisão judicial que homologou o acolhimento residencial ou na decisão de revisão ou da Relação ou mesmo na promoção do MP sobre o pedido desta providência, não se narram situações de perigo para a vida ou de perigo actual ou iminente para a integridade física da criança, apenas se relatando circunstâncias de tensão entre progenitores.


Todavia há necessidade de atender à especificidade deste processo de habeas corpus no âmbito de medidas decretadas num processo de Promoção e Protecção pois, não se trata, apenas, da apreciação da ilegalidade da privação da liberdade, mas, primacialmente está em causa o dever de protecção exercido pelo Estado, em face do interesse superior da criança em ser protegida, havendo necessidade de se conciliar a tutela da liberdade com a necessidade de protecção da criança.


Com efeito, como se disse no Ac. do STJ de 16/11/2022, Proc. n.º 2638/22.6T8LRA-A.S1, em www.dgsi.pt, “O art.36.º da Constituição da República Portuguesa, ao tutelar a família, o casamento e a filiação, no capítulo dos «Direitos, liberdades e garantias», impõe ao legislador um específico dever de proteger a família e as crianças, garantindo a estas o direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao desenvolvimento da sua personalidade integral.


Neste âmbito, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, que tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, estabelece sobre a legitimidade daquela intervenção, no seu art.3.º (…)


Os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo são, nos termos do seu art.4.º: o interesse superior da criança; o da intervenção mínima; o das responsabilidades parentais; do primado da continuidade das relações psicológicas profundas; e da prevalência da família.


De acordo com o disposto no art.34.º, da LPCJP, «As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo visam:


a) Afastar o perigo em que estes se encontram;


b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;


c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.».


Estas medidas de promoção e proteção encontram-se elencadas nas alíneas a) a g) do n.º 1 do art.35.º da LPCJP, constando a medida de «acolhimento residencial» da alínea f).


A medida de «acolhimento residencial» consiste, nos termos do art.49.º da LPCJP, «..na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos permanentes, devidamente dimensionados e habilitados, que lhes garantam os cuidados adequados (n.º1), e tem como finalidade «…contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efetivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral» (n.º2).


O «acolhimento residencial» tem lugar em casa de acolhimento e obedece a modelos de intervenção socioeducativos adequados às crianças e jovens nela acolhidos (art.50.º, n.º1), ou seja, esta medida retira o exercício das responsabilidades (e guarda da criança) a quem não se encontra em condições de as exercer, entregando-as a uma instituição terceira.


À exceção da medida de «confiança a pessoa selecionada para a adoção a família de acolhimento ou a instituição com vista a adoção», a que alude a g) do n.º 1 do art.35.º da LPCJP, todas as medidas de promoção e proteção podem ser decididas a título cautelar.


É o que resulta do art.35.º, n.º 2 da LPCJP, ao dispor que «As medidas de promoção e de proteção são executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, consoante a sua natureza, e podem ser decididas a título cautelar, com exceção da medida prevista na alínea g) do número anterior.».”.

6. No caso, não está em causa o acerto da aplicação da medida de acolhimento residencial, pois a mesma foi determinada por factos que a lei prevê e aplicada por tribunal competente, não cabendo apreciar na providência de habeas corpus, nem erros de direito, nem formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade, que vão além de ilegalidade evidente ou de erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência e confrontados com a lei.


Porém, no caso, decorreu o prazo de duração da medida, implicando a sua cessação razão para que se considere que, no momento do pedido desta providência de habeas corpus, a mesma se mantém para além dos prazos fixados na lei – decurso do prazo de duração da medida –, pelo que se verificam os pressupostos para deferir o habeas corpus conforme art.ºs 31.º, da Constituição da República Portuguesa e 222.º do CPP.


Com efeito, verifica-se que apesar de conhecer o facto de os exames periciais solicitados ao INMLCF, só iriam ser realizados cerca de um mês após o termo da medida (Março de 2024), o tribunal de 1ª Instância não procedeu às diligências de apuramento das circunstâncias que poderiam determinar a revisão da medida, antes do dia 07/02/2024, tal como impunha o art.º 62.º, n.º 3, da LPCJP, podendo determinar a cessação da medida ou a sua substituição por outra mais adequada ou a continuação ou a prorrogação da execução da medida.


Isso mesmo considerou o TRP ao referir no ponto III, que “(…) considerando em síntese, que “O acolhimento residencial como todos sabemos não é um fim,( vde o artigo 9º da DUC) (…) a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada e ( nº 2) as partes interessadas devem ter a possibilidade de participar nas deliberações e de dar a conhecer os seus pontos de vista. O conteúdo desta norma está acolhido no direito interno (artigos 4º , 84º, 62, 85º, 107, 112º, 114º entre outros da LPCJP).


III.2


Neste segmento, ponderando nomeadamente o principio da prevalência da família (artº 4º e) da LPCJP) temos para nós como relevante aditar às conclusões dos relatórios sociais, outras informações técnicas sobre o estado psicológico quer dos progenitores quer da filha; dos primeiros em ordem a reapreciar o seu evidenciado empenhamento sério na mudança de atitude em benefício da criança e da BB em ordem a perceber se realmente é indispensável a manutenção da medida até ao final do prazo acordado ou se já estão criadas condições para o seu regresso a casa, ainda que eventualmente com outras medidas de promoção e de proteção à decisão a tomar sobre a manutenção/alteração/decisão da medida aplicada nos autos a realização de exame pericial à criança e aos progenitores enquanto meio técnico especializado que permitirá substanciar um melhor conhecimento sobre a evolução dos pais e as necessidades efetivas da criança. Sendo a natureza deste processo de jurisdição voluntária compete ao juiz mesmo oficiosamente proceder às diligências necessárias e indispensáveis à formação de um juízo decisório atualizado (artigo 986º/2 do Código de Processo Civil) como o que se lhe impõe ainda para mais tendo em conta as finalidades da revisão da medida que constam do artigo 62º, nº 3, da LCPCJP.


III.3


Nenhuma destas diligências como se vê dos autos foi realizada.”.


Nesta medida impunha-se que o tribunal de 1ª Instância tivesse procedido às diligências necessárias para verificar se restava algum perigo para a integridade psíquica ou física da criança, designadamente ouvindo-a, bem como aos demais intervenientes no processo (progenitores, técnicos e MP) a fim de, atendendo aos princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e da adequação, da responsabilidade parental e da prevalência da família, melhor aquilatar da necessidade de manter, alterar, prorrogar ou substituir a medida aplicada à criança por força da sentença homologatória de 07/02/2023 – neste sentido vd. Ac. do STJ de 02/11/2022, Proc. n.º 17412/22.1T8SNT-A.S1, em www.dgsi.pt.


Termos em que, se entende aplicar a norma que se extrai da interpretação conjugada do disposto no art.º 223.º, n.º 4, al. d), do CPP, com o disposto nos art.ºs 61.º e 62.º, n.º 1, da Lei n.º 147/99, e, em consequência, declarar ilegal a situação de execução da medida de acolhimento residencial em que se encontra a criança. E, ordenar que o tribunal de 1ª instância, pondere de imediato a eventual emergência que justifique a aplicação de medida cautelar e que, em prazo que não exceda as 48h (quarenta e oito horas), proceda às diligências de audiência de criança, pais e técnicos e decida se mantem a medida cautelar ou se determina a aplicação de outra medida, conforme os art.ºs 35.º, 37.º, 61.º, 62.º, 63.º e 84.º, da LPCJP


III - DECISÃO


Termos em que, acordando, se decide:

a. Deferir a providência de HABEAS CORPUS apresentada pela requerente AA, conforme art.º 223.º, n.º 4, al. a), do CPP, 61.º e 62.º, da LPCJP;

b. Determinar que o tribunal de 1ª instância, ponderando a eventual emergência em que se encontra a criança, aplique ou não medida cautelar que salvaguarde a imediata proteção da criança, em face da cessação da medida que lhe fora aplicada;

c. Determinar que o tribunal de 1ª instância, no prazo de 48 horas, ouça a criança, seus progenitores (e, demais técnicos que intervêm no processo de promoção e protecção e que considere aportarem informação relevante para a tomada de decisão) e adopte as medidas de promoção e proteção adequadas e proporcionais, que sejam necessárias à protecção da mesma.

d. Sem custas.

e. Comunique de imediato ao Tribunal de 1ª Instância.


Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024 (processado e revisto pelo relator)


Leonor Furtado (Relator)


João Rato (Adjunto)


Celso Manata (Adjunto)


Helena Moniz (Presidente)