Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A493
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: ALIMENTOS
FILHO MAIOR
EMBARGOS DE EXECUTADO
PRESCRIÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: SJ20080408004936
Data do Acordão: 04/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :

I) - O que está na base do normativo do art. 1880º do Código Civil é a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação, quando as circunstâncias impõem aos pais, não obstante a maioridade do filho, a obrigação de, em nome do bem-estar e do futuro deste, continuar a suportar tais despesas.

II) - A obrigação excepcional prevista neste normativo tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” ao completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade.

III) - Daí que, para aferir dessa razoabilidade, importa saber se o filho carece, com justificação séria, do auxílio paternal, em função do seu comportamento, “in casu”, como estudante; não seria razoável exigir dos pais o contributo para completar a formação profissional se, por exemplo, num curso que durasse cinco anos, o filho cursasse há oito, sem qualquer êxito, por circunstâncias só a si imputáveis

IV) - Compete ao embargante, devedor de alimentos, fazer a prova de que a falta de aproveitamento escolar da filha se deveu a seu comportamento censurável, em termos de cumprimento das obrigações escolares universitárias; porque, a entender-se a sentença como estabelecendo, peremptoriamente, que a perda de aproveitamento implicaria a cessação da prestação de alimentos, isso seria um facto extintivo da obrigação do devedor e, por tal, do seu ónus de prova – art. 342º, nº2, do Código Civil.

V) - Aplicando-se a o regime legal da prescrição de curto prazo à dívida de alimentos em causa, existindo sentença transitada em julgado que reconhece o direito em relação ao qual foi invocada a prescrição, passa a aplicar-se o prazo ordinário de prescrição e não o prazo curto, porquanto o título executivo é agora a decisão judicial.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Na acção de alimentos devidos a filhos maiores, instaurada, em 13.1.95, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, por AA contra seu pai BB foi, em 26.1.1996, proferida sentença que, além do mais, condenou o Requerido a pagar à Requerente, até esta completar o curso superior de Economia e enquanto tiver aproveitamento escolar, a título de alimentos:

– a quantia de 50.000$00 por mês, a enviar, por meio de transferência bancária ou vale postal, até ao 10º dia do mês a que respeitar.

Este montante é devido desde a propositura da acção, isto é, desde Dezembro de 1994, inclusive.

Em 25.7.2002 a Requerente deu à execução esta sentença, exigindo o pagamento das prestações vencidas à data da propositura da acção – 700.000$00, ou € 3.491,59 – as prestações vencidas desde a propositura da acção até à data em que a Exequente completou 26 anos de idade (18.6.01), no valor de 3.250.000$00, ou € 16.210,93, tudo com juros vencidos, às taxas legais sucessivamente em vigor, no total de € 11.417,75 e vincendos até efectivo pagamento.

Deduziu o executado Embargos, em 14.2.2003, com vista à extinção da instância executiva – art. 813º,e) Código de Processo Civil – alegando:

- a obrigação exequenda era incerta, inexigível e ilíquida, uma vez que a Exequente não alegara ter tido sempre aproveitamento escolar, nem o ano em que concluiu o Curso;

- estavam prescritas as pensões alimentícias vencidas até Outubro de 1997, cinco anos antes da instauração da execução – art. 310º, f) do Código Civil e 813º, g) do Código de Processo Civil;

- a sentença exequenda não continha qualquer condenação em juros, pelo que, nessa parte, não dispunha a Exequente de título executivo – art. 45º,1 e 813º,a) e e) do Código de Processo Civil;

- devendo a Exequente concluir o curso de Economia até, o mais tardar, Setembro de 1999, não pode ela reclamar qualquer prestação ulterior a tal data – arts. 270º do Código Civil e 45º,1 Código de Processo Civil;

- a Exequente reprovou no terceiro ano do Curso, em 1996/1997, pelo que deixou de ter direito a qualquer prestação ulterior a Junho de 1997, já que a sentença fazia depender o pagamento pelo Embargante, de aproveitamento escolar da Exequente – art. 813º, g) do Código de Processo Civil;

- foram pagas, pelo Embargante ou pelas Instituições para quem trabalhava mas à custa do Embargante, todas as prestações devidas e até mais que o devido – art. 813, g) do Código de Processo Civil.

Contestou a Exequente/Embargada todas e cada uma das excepções alegando:

- foi exigido ao Embargante o pagamento das prestações devidas, através da Direcção Geral dos Serviços Judiciários, tanto pelas autoridades do Luxemburgo como da Irlanda;

- o Embargante sempre teve conhecimento do percurso escolar e das dificuldades dos filhos, designadamente da Embargada;

- os pagamentos feitos pelas Instituições europeias referem-se a subsídios e não à prestação alimentar devida à Exequente;

- a conclusão do curso – verificada em 11 de Dezembro de 2000 – não é condição do pagamento de alimentos;

- obrigação que se mantém apesar de a Exequente ter reprovado num ano do curso;

- os juros são devidos em consequência da mora.

***

Saneado o processo e colhidas informações várias, procedeu-se por fim a julgamento com decisão da matéria de facto controvertida, sem reclamações.

***

A final foi proferida sentença do seguinte teor:

“Termos em que, na parcial procedência dos embargos:

a) - fixo a quantia exequenda em cinquenta mil escudos (€ 249,69) por mês, desde Dezembro de 1994 a Dezembro de 2000, ambos inclusive, com juros de mora à taxa legal em cada momento vigorante, de 10% desde o trânsito da sentença até 16.4.99, de 7% desde 17.4.99 a 30.403 e de 4 % desde 1.5.03;
b) – julgo extinta a execução no mais requerido;
c) – Como litigante de má fé condeno o Embargante na multa de 6 Uc e a indemnizar a parte contrária nos termos da al. b) do nº 1 do art. 457º Código de Processo Civil.
d) – Porque os autos não fornecem os elementos necessários para fixar esta indemnização, dirá a Embargada o que se lhe oferecer, em cinco dias; nos cinco dias seguintes dirá o Embargante o que entender sobre o pedido, voltando-me depois os autos para fixar a indemnização, tudo nos termos do n.º 3 do art. 457º Código de Processo Civil.
[…]”.

***

Inconformado, o embargante recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 17.9.2007 – fls. 620 a 634 verso – negou provimento ao recurso, confirmando a sentença apelada.


***

De novo inconformado, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1- Na Sentença dada à execução ficou determinado que a Exequente/Recorrida somente poderia reclamar do Senhor seu Pai, aqui recorrente, o pagamento mensal da respectiva prestação de alimentos até ao momento em que completasse o Curso Superior de Economia e, enquanto tivesse aproveitamento escolar.

2- Em face destas duas condições, salvo o devido respeito, incumbiria à exequente/recorrida – ónus da prova – aquando da instauração do seu requerimento executivo em Agosto de 2002, invocar factualidade bastante que lhe permitisse demonstrar que, sempre havia tido aproveitamento escolar – já que quando deixasse de ter aproveitamento escolar ou reprovasse perderia o direito à prestação –; tal como demonstrar a data em que havia completado o Curso Superior de Economia – para o efeito, e dado o teor da supra citada Sentença dada à execução, nenhuma relevância tinha, ou tem, saber a data em que a exequente completou 26 anos de idade.

3- Por isso, o requerimento executivo, tal como estava articulado, não demonstrava: a) a exigibilidade das prestações que reclamava; b) como não demonstrava qual o valor certo das prestações vencidas entre a data da Sentença e a data em que havia sido concluído o respectivo Curso Superior de Economia.

4- O tribunal de 1ª instância não podia, sem que a exequente/recorrida tal lhe tivesse expressamente pedido, tomar a iniciativa de ser ele a “fixar” e determinar que a quantia exequenda ficava fixada “em Cinquenta Mil Escudos (€ 249,69) por mês desde Dezembro de 1994 a Dezembro de 2000, ambos inclusive.”

5- Pois, a Sentença não pode condenar em quantidade superior, nem em objecto diverso do pedido, não podendo o Juiz ultrapassar a quantidade, nem modificar a qualidade do pedido.

6- Aquele princípio consagrado no art. 661°, n°1, do Código de Processo Civil, entronca no princípio da estabilidade da instância, previsto no art. 268º do Código de Processo Civil, e ambos estando consagrados no princípio constitucional da “Proibição da Indefesa”, previsto e regulado no art. 20° da Constituição da República.

7- Nessa medida padecendo o douto Acórdão recorrido, o qual sufragou a decisão proferida na Sentença da 1ª Instância, do vício de nulidade a qual é de conhecimento oficioso do tribunal, e que aqui também se invoca para todos os devidos e legais efeitos, nos termos da aplicação conjugada do disposto nos arts. 661º, n°1, 668°, n°1, al. e), 716°, n°1, e 726° do Código de Processo Civil.

Sem prescindir,

8 - Está amplamente demonstrado nos autos que a Embargada/recorrida não teve aproveitamento escolar no ano lectivo de 96/97 — na justa medida em que reprovou, e por isso teve de repetir o mesmo terceiro ano desse Curso Superior no ano lectivo de 97/98 — e, por isso, deixou de ter direito a receber do Senhor seu Pai, aqui Embargante/recorrente, a respectiva prestação pecuniária de 50.000$00.

9- Aquela condição consta expressamente do respectivo título executivo como bem se alcança do mesmo.

10- É manifestamente uma condição que faz extinguir quer o direito da Embargada/Recorrida à cobrança das respectivas prestações pecuniárias posteriores a Outubro de 1997, tal como faz extinguir a correspectiva obrigação do Embargante/recorrente pagar qualquer prestação pecuniária de alimentos, a esse título, a partir de Outubro de 1997.

11- Ao Embargante/recorrente basta invocar a verificação de tal condição — o não aproveitamento escolar que expressamente consta do titulo executivo, sem necessidade de invocar factos que demonstrem a razoabilidade ou a irrazoabilidade de tal condição.

12- A Embargada/recorrida, se entendia que existiram fundamentos ou motivos para justificar o seu não aproveitamento escolar, é que tinha de, em seu devido tempo, opor à invocação daquele facto extintivo/impeditivo da cobrança das prestações pecuniárias a partir de Outubro de 1997, a respectiva factualidade.

13- Por tudo isso e atento quer o disposto no art. 660º, nº2, do Código de Processo Civil, quer o princípio do dispositivo que ainda subjaz à nossa lei adjectiva, particularmente no procedimento executivo, com a redacção ao tempo em vigor, quer até os próprios princípios da estabilidade da instância e o princípio da imparcialidade que se impõe ao julgador, não é admissível que na Sentença, aqui recorrida, tal como no Acórdão que lhe seguiu os passos, se venha invocar e esgrimir argumentos ou pretensa factualidade que nenhuma das partes invocou nos autos.

14- Tal circunstância significa a violação clara e inadmissível do princípio da proibição da indefesa já supra invocado.

15- A execução é moldada e tem como seus limites quer quantitativos quer qualitativos, o respectivo e competente título executivo, conforme o disposto nos arts. 45º e 46º do Código de Processo Civil – sendo certo que é da competência deste Supremo Tribunal a interpretação da respectiva Sentença Judicial dada à execução.

Isto posto e ainda por mera cautela de patrocínio,

16- Deve, porque tal rectificação assume particular importância na decisão das subsequentes questões de direito que à mesma se podem subsumir, ser efectuada a rectificação de tal mero lapso de escrita, que se evidencia nos termos assinalados e que se manifesta no respectivo texto daquela decisão respeitante à matéria de facto, por forma a que, onde se faz referência a fls.11 a 24 se passe a ler fls. 11 a 34 – art. 667º e art. 669º, nº2, al. b) e nº3 do Código de Processo Civil.

Ou:

17- Se for entendido que não se trata de um mero lapso de escrita, então tendo em vista estes citados documentos, bem como os documentos que se encontram a fls. 234, fls. 288, 289, 290, 291, 292, 293, 294, 295, 296, 297, o significado de interromper o prazo de prescrição que, no tocante às mesmas, havia sido muito oportunamente invocado.

18- O que, tudo, significa dever este Tribunal “ad quem” levar em conta na decisão que vai proferir o facto de terem sido depositadas na dita conta bancária da Embargada/Recorrida as quantias mencionadas em nº34 da P.I de Embargos, referentes aos anos de 1998 e 1999.

19- Devendo ainda ser efectuada a pertinente rectificação do lapso de escrita ocorrido na transcrição da matéria de facto provada realizado pelo tribunal “a quo”, que se evidencia nos termos assinalados nestas alegações e que se manifesta no respectivo texto daquela transcrição respeitante à matéria de facto dada por provada sob o nº19 por referência ao articulado na Contestação – art. 667º e art. 669º, nº2, al. b) e nº3 do Código de Processo Civil.

20- Deve ainda ser determinado a rectificação/correcção dos demais lapsos Acórdão recorrido e, designadamente, a afirmação feita no Acórdão recorrido consistente em, alegadamente, a decisão sobre a matéria de facto, constante de fls. 436, 437 e 438 dos autos, permitir dizer que todas as quantias depositadas nas contas bancárias da Mãe e da própria Recorrida dizerem respeito apenas aos valores de subsídio que o Pai, aqui recorrente, tinha direito como funcionário da Comissão Europeia…”.

21- Tal como deve ser rectificado/corrigido a afirmação que a alegação do pagamento das prestações pecuniárias vencidas até Outubro de 1997, tem o significado de interromper o prazo de prescrição que, no tocante às mesmas, havia sido muito oportunamente invocado.

22 - E ainda deverá ser determinado ao Tribunal “a quo” a realização de uma verdadeira e pormenorizada análise crítica da prova documental junta aos autos, em ordem a cimentar, exteriorizar e assumir uma convicção própria, coincidente, ou não, com a convicção que havia sido assumida pela M.mª Juíza que havia proferido a decisão na 1ª Instância.

Aliás,

23- Os próprios documentos juntos aos autos pela Embargada/Recorrida demonstram — o que é reafirmado pelos extractos bancários que se encontram a fls. 280 a 286 inclusive — que esta no ano de 1997 recebeu a soma mínima de 1.849.954$00.

24- No ano de 1998 recebeu quantias cuja soma total ascendeu a 2.488.409$0O.

25- No ano de 1999 recebeu quantias cuja soma total ascendeu a 2.034.157$00.

26- No ano de 2000 recebeu quantias cuja soma total ascendeu a 3.494.250$00!!!

27- Devendo, nessa medida, ser integralmente atendido aos pagamentos evidenciados e que constam dos documentos juntos aos autos supra de Alimentos a que Recorrida, então já de maior idade, tinha direito — e o mês de Outubro de 1997.

Ainda sem prescindir,

32- A Embargada/Recorrida não tinha, tal como não tem, título executivo para reclamar do Embargante/Recorrente qualquer quantia a título de juros.

33- Pois, na Sentença Judicial, devidamente transitada em julgado, não se mostra “clausulado” nem determinado o pagamento de qualquer espécie de juros, seja remuneratórios, seja de mora.

34- “O objecto da execução tem de corresponder ao objecto da situação jurídica acertada no título. O título executivo é o documento “do qual consta a exequibilidade de uma pretensão” e, consequentemente, a possibilidade de realização coactiva da correspondente prestação através de uma acção executiva. E, por isso, ele cumpre uma função constitutiva, atribuindo a exequibilidade a uma pretensão e “possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal”.

Pelo que,

35. “Não havendo condenação em juros, ainda que o exequente possa face à Lei substantiva ter direito a eles, não pode exigi-los na acção executiva porque nesta o âmbito do pedido está limitado pelo título executivo”.

Finalmente,

36. O Embargante/Recorrente tinha todo o direito e até o dever de deduzir Embargos à estranha execução que a Senhora sua filha instaurou, passados sete anos e meio da respectiva Sentença que veio dar à execução (...!!!), em nenhum ponto da sua actuação processual litigou com má-fé ou até, meramente, por forma temerária.

37. O que também significa que, seja de um ou de outro modo, não pode ser mantida a condenação do mesmo como litigante de má-fé.

38. Tudo visto, salvo o devido respeito e mais douta opinião, o douto Acórdão recorrido, violou e ou interpretou erradamente, o conjugadamente disposto, por um lado e entre outras, nas normas consagradas nos arts. 268º, 660º, 661º, nº1, 668º, nº1, al. e), 813º al. g), todas” ex-vi” do disposto nos artes 716º, nº1 do Código de Processo Civil e art. 20º da Constituição, e por outro lado, e também entre outras o conjugadamente disposto nos arts. 45º, 46º, 813º al. e) do Código de Processo Civil e nos arts. 224º, 236º,238º, 310º, al. f), 342º e 362º e segs. do Código Civil.

Nestes termos, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso e revogado o Acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que julgue integralmente ou, ao menos parcialmente, procedentes, por provados os embargos deduzidos à execução, com todas as devidas e legais consequências.
Mais requer, caso se antolhe a possibilidade de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com a jurisprudência supra referenciada no que directamente diz respeito, quer à questão do âmbito e amplitude do título executivo, quer no que diz respeito à questão de reclamação de juros quando os mesmos não sejam pedidos no respectivo título executivo, desde já se requer o julgamento ampliado da revista nos termos e para os efeitos do disposto no art. 732º-A, nº2 do Código de Processo Civil, também com as devidas e legais consequências.

Não houve contra-alegações.

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que as Instâncias consideraram provados os seguintes factos:

Da petição de embargos:

1) - A Sentença que a exequente deu à execução foi proferida aos 26.01.96.

2) - Nessa Sentença foi decretado que o executado deveria pagar à sua filha, já então de maior idade, aqui embargada/exequente, uma prestação de alimentos mensal, “até esta completar o curso superior de economia e enquanto tiver aproveitamento escolar...”.

12) - A presente acção executiva foi instaurada em juízo aos 25.07.2002 – quando já decorriam as respectivas férias judiciais.

21) – A embargada/exequente frequentava em Dezembro de 1994 o primeiro ano do Curso Superior de Economia da Universidade Portucalense.

22) - O Curso Superior de Economia tinha então, e tem ainda hoje, a duração normal de cinco anos.

23) – O curso de economia frequentado pela embargada tinha a duração normal de 5 anos (lectivos).
A embargada frequentou, no ano lectivo de 95/96, o 2° ano; no ano lectivo de 96/97, o 3° ano; no ano lectivo de 97/98, o 3° ano, no ano lectivo de 98/99, o 4° ano e no ano lectivo de 99/2000, o 5° ano.

29) - A embargada, nos anos lectivos de 96/97 e 97/98 frequentou o mesmo ano, o terceiro.

32), 33) e 34) – Por ordem do embargante, foram depositadas na conta bancária da mãe da embargada, também em benefício da embargada, com o seu conhecimento e consentimento, as quantias mencionadas no artigo 34º da petição, referentes aos anos de 1998 e 1999 e constantes dos docs. a fls. 11 a 24.
Na mesma conta foram depositadas outras quantias, constantes dos extractos bancários a fls. 279 a 319, nas datas deles constantes (montantes e datas assinalados a cor amarela), por transferência do estrangeiro efectuada por ordem do embargante e a partir de Setembro de 1999 até Junho de 2001, directamente pela entidade que processava o seu vencimento, em benefício da embargada, os subsídios a que o embargante, como funcionário da comissão europeia tem direito, para despesas com o sustento e educação daquela filha, nos valores indicados no documento a fls. 234 – € 463,88/mês, de Setembro de 1999 a Junho de 2000 e € 484,56/mês, de Julho de 2000 a Junho de 2001.

Da contestação:

16) - Provado apenas o que consta do documento a fls. 425 e 426, cujo teor aqui dou por reproduzido (teor da carta enviada pelo Ministério Público do Grã Ducado do Luxemburgo à Direcção Geral dos Serviços Judiciários em que refere: “no assunto de cobrança de pensão de alimentos recebi em 23.8.2001 a visita do Sr. BB” (...) parece-me que caso seja necessária uma cobrança judicial é de qualquer forma necessária a discriminação detalhada (...)”.

19) - Os montantes depositados no ano de 1999 e seguintes, referidos no atestado da comissão a fls. 234, respeitam às “allocations” (subsídios) a que o embargante tem direito, por ter filhos dependentes, nos termos do respectivo estatuto de funcionário da comissão europeia.

24) – A Embargante concluiu o curso superior de Economia em 11 de Dezembro de 2000.

Mostra-se, ainda, assente o seguinte, atendível por força do disposto no nº3 do art. 659º Código de Processo Civil:

- Em 15.12.98 a Embargada, por intermédio de Advogado, requereu à Direcção-Geral dos Serviços Judiciários a cobrança de alimentos – como os seus irmãos – nos termos da Convenção de Nova Iorque (fls. 193).
- Requerimento recebido pela Direcção-Geral da Administração da Justiça em 5.1.99 e remetido às Autoridades da Irlanda que o remeteram às Autoridades do Luxemburgo, país para onde o Requerido se mudara (fls. 192).
- O Ministério Público do Luxemburgo remeteu à Direcção-Geral o ofício de fls. 53/54 em que, além do mais, diz:
- ter recebido a visita do Requerido em 23.8.01;
- que o Requerido não contesta, por princípio, as suas obrigações relativas à pensão alimentar,
-mas contesta a fixação judiciária da pensão de alimentos, sem que ele tivesse tido a possibilidade de fazer valer o seu ponto de vista.
Ele não terá sido nem presente nem representado perante o tribunal. Em consequência ele não terá encontrado nenhum advogado em Portugal para querelar os montantes fixados judicialmente.
Esta impossibilidade de encontrar um advogado explicar-se-ia pelo facto de ele já não habitar em Portugal …

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recuso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se a prestação de alimentos a cargo do embargante em favor da sua filha maior cessou em Outubro de 1997 pelo facto desta, nesse ano lectivo, não ter tido aproveitamento escolar;
- se ocorreu prescrição presuntiva das prestações vencidas após Janeiro de 1996 e Outubro de 1997;
- se a decisão condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido;
- se deve ser rectificada a alusão aos documentos no contexto da matéria de facto provada, por mero lapso de escrita – conclusões 16ª e 17ª;
- se existe lapso no Acórdão recorrido – conclusões – 18ª a 21ª;
- se o Tribunal recorrido deve proceder a apreciação fundamentada da prova documental;
- se são devidos juros de mora;
- se o recorrente litigou de má-fé.

Vejamos:

O Embargante foi condenado a pagar à sua filha ora exequente/embargada, por sentença de 20.1.1996, uma prestação de alimentos mensal de 50.000$00, “até esta completar o curso superior de economia e enquanto tiver aproveitamento escolar…”, montante que, na sentença certificada a fls. 368 a 372, se considerou devido desde Dezembro de 1994 inclusive.

Aí se diz que os alimentos vencidos desde Dezembro de 1994 ate à data da sentença totalizam 700.000$00.

A obrigação alimentícia, pese a maioridade da embargada, foi fixada ao abrigo do art. 1880º do Código Civil até que completasse o curso superior de economia.

Em Dezembro de 1994 a exequente frequentava o 1º ano do Curso Superior de Economia da Universidade Portucalense, que tinha ao tempo a duração normal de cinco anos.

Concluiu o curso no ano lectivo de 1999/2000 mas, nos anos lectivos de 1996/97 e 1997/98, frequentou o 3º ano, ou seja, perdeu (reprovou) um ano lectivo o – 3º ano do Curso.

Ora, a partir deste facto, sustenta o recorrente que cessou a sua obrigação alimentícia, porquanto, alega que a condição do pagamento da pensão era a embargada manter bom aproveitamento escolar.

É certo que não consta que, nem embargante nem embargada, tivessem alegado o que quer que fosse, sobre o motivo da perda do ano escolar, pelo que se coloca a questão de saber se o facto da “reprovação” implica que, a partir de Outubro de 1997, tenha cessado o dever de prestar alimentos à filha.

As instâncias responderam negativamente, ou seja que tal facto não determina a extinção da obrigação de prestação de alimentos em função do que foi sentenciado.

Estabelece o art. 1880º do citado Código:

“Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.

O que está na base do normativo do art. 1880º do Código Civil é a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação, quando as circunstâncias impõem aos os pais, não obstante a maioridade do filho, a obrigação de, em nome do bem-estar e do futuro deste, continuar a suportar tais despesas.

Foi neste normativo que a embargada, filha maior do recorrente, ancorou a sua pretensão de alimentos educacionais(1), alegando que carecia do auxílio económico do pai, com vista a completar o curso que se propôs conseguir.

O que está na base do normativo do art. 1880º do Código Civil é a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação (2).

A obrigação excepcional prevista neste normativo tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” ao completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade.

Daí que, para aferir dessa razoabilidade, importa saber se o filho carece, com justificação séria, do auxílio paternal, em função do seu comportamento, “in casu”, como estudante; não seria razoável exigir dos pais o contributo para completar a formação profissional se, por exemplo, num curso que durasse cinco anos, o filho cursasse há oito, sem qualquer êxito, por circunstâncias só a si imputáveis.

Por isso, a lei impõe o dever de contribuição “pelo tempo normalmente requerido para que a formação se complete”.

“O poder paternal traduz-se num poder-dever em relação à educação e manutenção dos filhos.
No caso de os filhos terem atingido a maioridade e de continuarem a sua formação técnico-profissional, não estando em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos, recairá sobre os pais a obrigação de alimentos (...)” – Ac. deste STJ, de 23.9.97, in BMJ 469-563.

No mesmo sentido Ac. desta Relação do Porto, de 19.12.1996, in CJ, Tomo V, 220.

O Ac. deste Supremo Tribunal, de 23.9.1997, in BMJ 469-563, sentenciou:

“…Os pais não são obrigados à prestação alimentar se, por culpa grave dos filhos, eles não terminarem a sua formação técnico-profissional no tempo de duração normal; por outro lado, a prestação alimentar tem de ser razoavelmente proporcionada aos meios económicos do prestador e criteriosamente proporcional às necessidades do alimentado, de modo a obter-se uma justa composição entre as possibilidades de quem presta e as necessidades de quem recebe…”.

O Conselheiro Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código Civil” – edição de 2002 – em comentário ao referido art. 1880º do Código Civil, observa;

“…Não se trata de um caso de direito a alimentos, mas de uma extensão da obrigação dos pais para além da menoridade dos filhos, de modo a que a estes seja, na prática, possível alcançar o termo da sua formação profissional.
O auxílio assumirá a forma que melhor permita alcançar esse desígnio”.

O recorrente põe a tónica do “desacerto” da decisão, no facto desta não ter considerado que não foi por culpa grave da sua filha, que ela tardou em completar a sua formação profissional.

Não é esse, a nosso ver, o critério legal.

A lei estabelece como requisitos a necessidade do filho maior, por não ter meios económicos para sustentar as despesas com o custeio da sua formação profissional após a maioridade, e a razoabilidade de exigir aos pais esse dever de contribuição.

Neste requisito da razoabilidade, obviamente, que deve entrar como factor de apreciação a conduta do filho e a consideração da sua peculiar situação, sob pena de podermos até transigir com situações de abuso do direito.

A eventual culpa grave do filho deve ser apreciada dentro duma perspectiva de razoabilidade da exigência de alimentos (3) , atendendo à sua situação e à dos pais.

Apesar da opinião de Remédio Marques, entendemos que cabia ao embargante, devedor de alimentos, fazer a prova de que a falta de aproveitamento escolar da sua filha se tinha devido a seu comportamento censurável em termos de cumprimento das obrigações escolares universitárias; porque, a entender-se a sentença como estabelecendo peremptoriamente que a perda de aproveitamento implicaria a cessação da prestação de alimentos, isso seria um facto extintivo da obrigação do devedor e, por tal, do seu ónus de prova – art. 342º, nº2, do Código Civil.

Não se sabendo o que esteve na base da perda de um ano escolar, não se pode considerar que houve culpa grave e, como tal, não deve ser com base nesse facto – não de todo inusual na carreira académica – que se deva considerar cessada a obrigação imposta ao embargante.

O facto de a embargante ter demorado seis anos, em vez de cinco, a concluir o seu curso, ante a total ausência de provas sobre o que determinou essa perda escolar, não exprime culpa grave, censurabilidade, que está ínsita na exigência de “razoabilidade” como critério base, relacionado com a actuação o filho, para impor aos pais e manter a obrigação de educação do filho maior – art. 1880º, nº1, do Código Civil.

Haveria culpa grave se se provasse, por exemplo, que a embargante sem qualquer causa justificativa tivesse perdido aquele ano escolar. Mas, repetimos, competiria ao recorrente fazer a prova de tal facto.

Temos, assim, que não obstante a perda do ano escolar em 1997, a obrigação do embargante se manteve até à data da conclusão do curso no ano de 2000.

Daí que, quer a decisão de 1ª Instância, quer a da Relação, ao considerarem que se manteve durante o tempo que a embargante demorou a concluir o curso a obrigação do pagamento da prestação mensal de 50.000$00, fixada na sentença exequenda, não condenaram, nem além do pedido, nem em objecto diverso do peticionado – art. 661º, nº2, do Código de Processo Civil – pelo que inexiste nulidade do Acórdão – art. 668º, nº1, e) do citado diploma.

Assiste razão ao recorrente quando pretende que nos itens 32), 33) e 34) da matéria de facto há um lapso de escrita, ao aludir-se aos documentos constantes de fls. 11 a 24.

Com efeito, resulta do contexto do aí inserto, que se pretendia escrever “11 a 34” já que se dá como provado o alegado no art. 34º da petição de embargos e aí se alude aos documentos nºs 2 a 25. Ora esses documentos estão numerados de fls.11 a 34.

No que concerne à pretensão do recorrente de alterar a matéria de facto, questão que relaciona com a falta de fundamentação da decisão da Relação na apreciação dessa matéria no recurso de apelação, importa afirmar que o Supremo Tribunal como tribunal de revista só excepcionalmente pode conhecer da matéria de facto e isso no apertado condicionalismo dos arts. 722º, e 729º, nº2, do Código de Processo Civil.

Como ensina Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil” – pág. 217:
“Tanto na apreciação do recurso de revista como no de agravo, o STJ só conhece de questões de direito (art. 26° da LOFTJ).
Não controla a matéria de facto nem revoga por erro no seu apuramento; compete-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de primeira e segunda instâncias (arts. 722°, nº2, 729°, nºs l e 2 e 755°, nº2).
Daí dizer-se que o STJ é um tribunal de revista e não um tribunal de 3ª instância (art. 210°, nº5 da C.R.P.)”.

Assim, é manifesto que, quanto ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, não pode este Supremo Tribunal – que só decide, em regra, questões de direito – apreciar tal matéria, por não poder ser objecto do recurso de revista.

Não é, também, caso de aplicação do regime excepcional previsto no art. 722º, nº2, do Código de Processo Civil – que legitima a alteração da matéria de facto no contexto do recurso de revista, apenas quando exista ofensa duma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto e ofensa de preceito expresso de lei que fixe a força de determinado meio de prova.

Por outro lado não é correcto afirmar-se que o Acórdão sob censura não apreciou a questão. Com efeito, analisando-o, verifica-se que as questões suscitadas foram abordadas, mormente, a que se relaciona com a factualidade constante dos itens 32) a 34) dos factos provados, que se entendeu não alterar.

Sempre diremos da grande dificuldade em destrinçar as quantias depositadas na conta da mãe da embargada, das que se referiam aos subsídios devidos à filha maior, daqueloutros que se destinavam ou à mãe da embargante ou aos outros filhos, em relação aos quais o recorrente também devia pagar pensões alimentícias. Competeria ao embargante fazer essa prova inequívoca. Manifestamente não o fez.

Mas, seja como for, não cabe na competência deste Tribunal alterar a matéria de facto, sobretudo, se na interpretação e atribuição da força probatória desses documentos não se antolha ofensa “duma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto e ofensa de preceito expresso de lei que fixe a força de determinado meio de prova”.

Também a pretexto da correcção de alegados lapsos do Acórdão – conclusões 18ª a 21ª – o recorrente pretende que se considerem provados factos que as instâncias não consideraram, pelo que tal pretensão não pode ser acolhida apelas razões anteriormente expressas.

Quanto à prescrição.

Está em causa dívida de alimentos.

Nos termos do art. 310º f) do Código Civil prescrevem no prazo de cinco anos as pensões alimentícias vencidas.

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in, “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 280:

Não se trata, nestes casos, de prescrições presuntivas, sujeitas ao regime especial estabelecido nos artigos 312° e seguintes, mas de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor (M. de Andrade, Teoria geral, 1966, pág. 452)”.

O prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306.°, a partir da exigibilidade da obrigação.

Nos termos do art. 311º do Código Civil – Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo.

“1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
2. Quando, porém, a sentença ou outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo”.

Tratando-se de prescrição de curto prazo, existindo sentença transitada em julgado que reconheça o direito em relação ao qual foi invocada a prescrição, passa a aplicar-se o prazo ordinário de prescrição e não o prazo curto, porquanto o título executivo é agora a decisão judicial.

Anselmo de Castro, “Acção Executiva”, 1970, págs. 278-279 ensina:

“A prescrição a considerar é para as execuções fundadas em sentença, a que se inicia após o trânsito em julgado da sentença. Há que atender, porém, para o efeito, ao disposto no art. 311° que, para as prescrições de curto prazo, sujeita ao prazo ordinário de prescrição os direitos reconhecidos por sentença passada em julgado ou por outro título executivo, salva a excepção do nº2, quanto às prestações ainda não devidas à data da sentença ou do título.
Atente-se que, quando se trata de “outro título executivo” a substituição pelo prazo ordinário só opera sendo o título posterior à dívida e não já quando contemporâneo”.

No caso em apreço, o recorrente foi condenado, por sentença de 26.1.1996, transitada em julgado, a pagar à recorrida a prestação mensal de 50.000$00 desde Dezembro de 1994, data da propositura da acção (inclusive).

Na decisão decretou-se que “os alimentos vencidos” desde Dezembro de 1994 até á data da sentença – 700.000$00 – seriam pagos em prestações.

A execução foi instaurada em 25.7.2002 no decurso das férias judicias. (o recorrente afirma ter sido citado em Janeiro de 2003).

Entre a data da decisão e a execução [e inerente citação do executado] mediaram mais de cinco anos.

O recorrente sustenta que as prestações pecuniárias vencidas após Janeiro de 1996 – data da sentença – e até Outubro de 1997 já estavam prescritas (prescrição presuntiva).

Estabelece o art. 323º, nº1, do Código Civil – Interrupção promovida pelo titular.

“A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

Quanto àquelas prestações não ocorreu a prescrição, porquanto a embargada, como se considerou provado, exigiu o seu pagamento:

Foram exigidas em Janeiro de 1999 por intermédio da Direcção Geral dos Serviços Judiciários, Autoridade competente para fazer accionar a Convenção sobre Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, concluída em Nova Iorque em 20 de Junho de 1956.
No âmbito de tal cobrança foi o Executado ouvido no Luxemburgo e aí afirmou não ter estado presente nem representado no julgamento, que não pôde arranjar advogado que o representasse, quando é certo que da acção se vê que o aí Réu foi citado, constituiu advogado e contestou; e se o seu advogado não esteve presente em julgamento foi porque, pela segunda vez, faltou, apesar de devidamente notificado”. (sublinhámos).

Assim, nos termos do normativo citado, o acto promovido pela embargada foi idóneo para interromper a prescrição.

São aplicáveis à prescrição presuntiva, como decorre do artigo 315º do Código Civil, as regras sobre a suspensão e interrupção da prescrição ordinária.

Constitui um “acto que exprime a intenção de exercer o direito” (artigo 323º, nº 1, do Código Civil), isto é, interrompe a prescrição presuntiva, o facto de através dos mecanismos previstos em convenções internacionais, o titular do direito ter manifestado intenção de o exercer, e na sequência dessa intimação pelos órgãos competentes, o devedor ter pago.

Pese embora a discordância do recorrente, o facto de ter afirmado no art. 32º da petição de embargos que – “O embargante /executado ao longo dos anos sempre cumpriu, quer por si, quer através das instituições para quem trabalhava, com a obrigação de pagar os alimentos aos seus três filhos, nos quais se incluía a embargada/ exequente”, implica que reconheceu a existência da dívida, pelo que a prescrição foi interrompida.

Quanto aos juros de mora.

As instâncias consideraram que eram devidos juros de mora sobre as quantias objecto da condenação.

Ora, importa reter que a execução foi instaurada antes da Reforma introduzida pelo DL. 8/2003, de 8.3, a data da entrada em juízo da petição de fls. 2 foi 14.2.2003.

Nos termos do art. 21º, nº1, do citado diploma o seu regime legal só se aplica aos processos insaturados a partir do de 15.9.2003.

Nos termos do nº2 do art. 46º do Código de Processo Civil – “ Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante”, na redacção do art. 1° do DL n. ° 38/2003, de 8.3.

Temos, assim, que, literalmente, o preceito com a redacção transcrita não é aplicável ao caso dos autos.

Mas sê-lo-á pelo facto da dívida ter natureza pecuniária e existir mora do devedor – arts. 805º, nº1, 806, nºs 1 e 3, e 559º do Código Civil?

Assim entenderam as instâncias, ancorando tal entendimento em posição doutrinal.

Como antes dissemos o título executivo é a sentença exequenda que não condenou o ora executado embargante em juros de mora.

Dispõe o art. 45º do Código de Processo Civil:

“1 – Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
2 (…)”.

Por sua vez o art. 46º do citado diploma, após a Reforma de 1995/96, define como título executivo (entre outros) “As sentenças condenatórias”

Título executivo – é a peça que pela sua força probatória abre directamente as portas da acção executiva. É no plano probatório, o salvo-conduto indispensá­vel para ingressar na área do processo executivo. Em síntese é um instrumento probatório especial da obrigação exe­quente e, consequentemente, distingue­-se da causa de pedir já que esta é, em resumo, um elemento essencial da identificação da pretensão processual” – A. Varela, RLJ, 121-148.

Não perfilhou a posição das instâncias, quanto à aplicação da nova redacção do art. 46º, nº2, do Código de Processo Civil, o Acórdão da Relação do Porto de 6.12.2004 JTRP00037461, in www.dgsi.pt.

Também este Supremo, em tempo mais recuado, Acórdão de 9.11.1995 (4) e mais recentemente – Acórdãos de 20.2.2001 – in CJSTJ 2001-I-131 – e de 29.3.2007, in www.dgsi.pt – Proc. 07B313 – consideraram não serem devidos juros de mora se não constar a condenação do título executivo (5)
Neste entendimento e sem desconsideração por opinião contrária, entendemos que no caso “sub judice” não são devidos juros de mora, pelo que, nessa parte, o Acórdão não pode manter-se.

Pretende o recorrente que não litigou de má-fé.

A condenação foi proferida na 1ª Instância e dela não recorreu o embargante, no recurso de apelação.
Assim sendo transitou em julgado tal condenação, pelo que não pode este Tribunal apreciar a pretensão revogatória.

Ademais, apenas é possível recurso, em um grau, da decisão que condene a parte como litigante de má-fé – art. 456º, nº3, do Código de Processo Civil – pelo que este Tribunal não teria que apreciar tal pretensão já objecto de decisão, em sede de recurso, pela Relação.

Decisão:

Nestes termos, concede-se parcialmente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, apenas no concernente à condenação do embargante em juros de mora.

Custas pelo recorrente e recorrida na proporção do decaimento.


Supremo Tribunal de Justiça, 8 de Abril de 2008


Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso de Albuquerque
Azevedo Ramos.


_____________________________

(1) Expressão usada por Remédio Marques, in “Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) “Versus” o Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos (em Especial Filhos Menores)” – pág.131.

(2) O jurista brasileiro Lourenço Prunes, citado por Yussef Said Cahali, ensina que "a instrução e educação não são privilégios dos menores, como pretendem alguns autores; isso seria uma espécie de regressão às Ordenações, que mandavam ensinar a ler até a idade dos doze anos (Liv. I, Tít. 88, § 5°), a despeito do facto de que, em direito romano, a instrução e educação já se incluíam, genericamente, entre os alimentos (...); assim, mesmo maiores podem e devem, em certas circunstâncias, ser instruídos e educados à custa dos pais”.

(3) “O critério está, segundo alguma doutrina, na imputação da não ultimação da formação profissional à culpa grave do filho. Creio, no entanto, que, pelo alto, o critério passará pela cláusula geral do abuso de direito e não tanto — ou não só — pela alegação e prova de um comportamento gravemente censurável ao credor de alimentos, seja a título de dolo, seja a título de mera culpa. Cláusula geral, esta, que se traduz no abuso do direito de peticionar alimentos (se, por exemplo, atendendo à natureza e ao padrão de dificuldade da formação escolar universitária ou politécnica, o filho demora três anos para obter aprovação em apenas duas ou três disciplinas, não sendo um trabalhador-estudante). Mas com o limite deste último grau do contra legem, o critério do art. 1880° do Código Civil não está tanto na in(existência) de culpa grave do filho, quanto, outrossim, na verificação de determinados elementos objectivos e subjectivos que densificam o conceitos de razoabilidade e (in)exigibilidade nele presentes” – Remédio Marques, obra citada, págs.261/262.

(4) I – O título executivo é o documento (título «hoc sensu») donde consta (não donde nasce) a obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva (por intermédio do Tribunal), pelo que deverá haver harmonia ou conformidade entre o pedido e o direito do credor constante do título. II – Desde que a execução não é conforme com o título, na parte em que existe divergência tudo se passa como se não houvesse título: nessa parte a execução não encontra apoio no título. III – Não constando do acórdão, que serve de base à execução para o pagamento de quantia certa, a condenação da executada no pagamento de juros moratórios existe, quanto a esse pedido, falta de título, pelo que não é admissível a execução por tal prestação. IV – A autonomia do crédito de juros relativamente ao crédito principal está, de resto, afirmada no artigo 561º do Código Civil. - BMJ, 451, 333.

(5) Não havendo condenação em juros no título executivo, ainda que o exequente possa, face à lei substantiva, ter direito a eles, não pode exigi-los na acção executiva, porque nesta o âmbito do pedido está limitado pelo título..