Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6/15.5T8VFR.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: DANO MORTE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS REFLEXOS
CULPA DO LESADO
REDUÇÃO
INTERNAMENTO HOSPITALAR
ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA DOS AUTORES. NEGADA A REVISTA DA RÉ
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ) / MODALIDADES DS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Diogo Leite de Campos, NÓS, Estudos Sobre o Direito das Pessoas, Almedina, 314/315.
- Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, 609.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 495.º, N.º3, 496.º, N.ºS 2 E 3, 562.º, 563.º, 570.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º4, 639.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 17 DE FEVEREIRO DE 2002, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT (E NESSA LINHA DE ORIENTAÇÃO SE INSEREM, AINDA, OS ACÓRDÃOS DE 25/1/2002, IN C.J. ANO X, TOMO I, 62, DE 29/5/2002 E DE 27/2/2003, ESTES ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT ).
-DE 31 DE JANEIRO DE 2012, DE 10 DE MAIO DE 2012 (PROCESSO N.º 451/06.7GTBRG.G1.S2), DE 12 DE SETEMBRO DE 2013 (PROCESSO N.º 1/12.6TBTMR.C1.S1), DE 24 DE SETEMBRO DE 2013 (PROCESSO N.º 294/07.0TBETZ.E2.S1), DE 19 DE FEVEREIRO DE 2014 (PROCESSO N.º 1229/10.9TAPDL.L1.S1), DE 09 DE SETEMBRO DE 2014 (PROCESSO N.º 121/10.1TBPTL.G1.S1), DE 11 DE FEVEREIRO DE 2015 (PROCESSO N.º 6301/13.0TBMTS.S1), DE 12 DE MARÇO DE 2015 (PROCESSO N.º 185/13.6GCALQ.L1.S1), DE 12 DE MARÇO DE 2015 (PROCESSO N.º 1369/13.2JAPRT.P1S1), DE 30 DE ABRIL DE 2015 (PROCESSO N.º 1380/13.3T2AVR.C1.S1), DE 18 DE JUNHO DE 2015 (PROCESSO N.º 2567/09.9TBABF.E1.S1) E DE 16 DE SETEMBRO DE 2016 (PROCESSO N.º 492/10.OTBB.P1.S1), TODOS ACESSÍVEIS ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT .
-DE 09 DE SETEMBRO DE 2014, PROCESSO N.º 121/10.1TBPTL.G1.S1, ACESSÍVEL ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O art.º 495º, n.º 3, do Cód. Civil, consagra uma excepção ao princípio geral de que só ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado assiste direito a indemnização, aí se abrangendo terceiros só reflexamente prejudicados com o evento danoso.

II - Contudo, esse direito não é de atribuição directa e automática às pessoas indicadas nesse normativo. Só existirá se (e na medida em que) for demonstrada a facticidade em que necessariamente terá que assentar.

III - A conversão económica da dor e angústia sofridas pela vítima durante o período que mediou entre o acidente e a morte constitui o chamado dano intercalar (art.º 496º, n.º 3 do Cód. Civil).

IV - A quantia de €20 000,00, fixada para esse tipo de dano, mostra-se consentânea com os factos apurados, dos quais ressalta que a vítima sofreu dores intensas em consequência do acidente e das graves lesões que o atingiram, suportou cerca de 23 dias de clausura hospitalar e dolorosos tratamentos e perspectivou a sua morte, o que lhe causou angústia e medo.

V - A reparação do dano morte é hoje inquestionável na jurisprudência, situando-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50 000,00 e € 80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100 000,00.

VI - Ponderadas a idade da vítima (52 anos) e as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa sua), considera-se ajustada, equilibrada e adequada a indemnização de €60 000,00, a título de dano morte.

VII - Essa indemnização é atribuída, em bloco, às pessoas a quem cabe, nos termos do art.º 496º, n.º 2, do Cód. Civil, e repartida entre elas, mesmo que relativamente a alguma destas haja que operar redução, nos termos do art.º 570º, n.º 1, do Cód. Civil.

VIII - A redução daí resultante deve repercutir-se na quota ou quinhão dos restantes titulares da indemnização.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório

I AA, viúva, e seus filhos BB, CC e DD, por si e na qualidade de únicos e universais herdeiros de EE, instauraram acção declarativa destinada à efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, sob a forma de processo comum, contra “Seguros FF, S.A.” e “GG Seguros, S.A., alegando, em síntese, que:

No dia 07 de janeiro de 2012, cerca das 19 h e 10 m, na Rua …, …, Vila da Feira, ocorreu um acidente de viação em que intervieram o veículo automóvel de matrícula ...-... BE, conduzido por HH, e o veículo automóvel de matrícula ...-...- SN, conduzido pelo autor DD, no qual viajavam também EE e o autor BB.

O acidente ocorreu devido à conduta culposa do condutor do veículo automóvel de matrícula ...-... BE, por não se ter assegurado, com a devida antecedência, de que poderia efectuar a manobra de mudança de direcção para a sua esquerda, e eventualmente também por culpa do autor DD que, nesse momento, realizava a ultrapassagem daquele veículo.

Como consequência direta e necessária do embate sofreram os danos patrimoniais e não patrimoniais que descreveram (graves lesões físicas e sequelas para os autores DD e BB e ainda a morte do EE), por cujo ressarcimento são as rés responsáveis, por terem assumido tal responsabilidade, através de contratos de seguro celebrados com os proprietários dos veículos automóveis causadores do acidente.

Com tais fundamentos concluíram por pedir o seguinte:

a) a condenação da ré Seguros FF a pagar-lhes a quantia global de 199.872,76 € assim repartidos:

1) 6.400 € à A. AA pelos danos provocados no automóvel SN;

2) 1.600 € pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo A. DD;

3) 3.572,76 € pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo A. BB;

4) e 188.300 € aos quatro AA.  na qualidade de herdeiros de EE.

  b) No caso de improcedência do pedido referido na alínea a), sejam as rés condenadas a pagar-lhes a quantia global de 199.872,76 €, subdividida em função da responsabilidade de cada uma delas e repartidos pela forma antes indicada em 1) a 4) da alínea a);

c) No caso de improcedência dos pedidos referidos nas alíneas a) e b), ser a ré “GG” condenada a pagar-lhes a quantia global de 191.872,76 €, assim repartidos:

1) 3.572,76 € pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo A. BB;

2) 188.300 € aos quatro AA. na qualidade de herdeiros de EE;

d) ser a ré ou rés condenadas a pagar-lhes, além das quantias indicadas, os respectivos juros, à taxa legal, desde a data do acidente (7.01.2012) até integral pagamento;

e) ser a ré ou rés condenadas a pagar todas as quantias que vierem a ser devidas a qualquer entidade por virtude deste acidente, mormente as hospitalares, as médicas e a bombeiros.


O Instituto da Segurança Social, IP - Centro Nacional de Pensões deduziu contra as rés pedido de reembolso das quantias que teve que suportar em consequência do acidente, sendo 858,60 €, pagos ao autor DD, a título de subsídio de doença, e 9.989,98 €, pagos à autora AA, a título de subsídio por morte do marido e pensões de sobrevivência, a cujos montantes acrescem as pensões de sobrevivência que entretanto vierem a ser pagas e os respectivos juros moratórios legais, desde a citação até integral pagamento.

As rés contestaram autonomamente: a Seguros FF, alegou factos nos quais suporta uma diferente versão do acidente, sustentando que este ocorreu devido a culpa exclusiva do autor DD, por efectuar uma ultrapassagem irregular, não lhe cabendo, por isso, qualquer responsabilidade pelos danos sofridos pelos autores, desse modo, pugnando pela sua absolvição dos pedidos, enquanto a seguradora GG, além de impugnar alguns dos factos alegados pelos autores, sustentou que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel de matrícula ...-... BE e que parte dos danos peticionados, incluindo alguns dos inseridos no pedido de reembolso, se encontram excluídos do seguro contratado com a autora AA, desse modo concluindo pela sua absolvição dos pedidos.

Os autores responderam mantendo a sua posição inicial.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, em 21.12.2015, que, na procedência parcial da acção e do pedido de reembolso, decidiu o seguinte:

a) «condenar as rés a pagarem solidariamente à autora AA a quantia global de 30.000 € (trinta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da sentença até integral pagamento, à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento;

b) condenar as rés a pagarem solidariamente ao autor BB a quantia global de 31.000 € (trinta e um mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da sentença até integral pagamento, à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento;

c) condenar as rés a pagarem solidariamente à autora CC a quantia global de 30.000 € (trinta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da sentença até integral pagamento, à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento;

d) condenar a ré Seguros FF, S.A.. a pagar à autora AA a quantia global de 1.600 € (mil e seiscentos euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da citação até integral pagamento, à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento;

e) condenar a ré Seguros FF, S.A.. a pagar ao autor BB a quantia global de 321,32 € (trezentos e vinte e um euros e trinta e dois cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da citação até integral pagamento, à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento;

f) condenar a ré Seguros FF, S.A.. a pagar ao autor DD a quantia global de 7.750 € (sete mil setecentos e cinquenta euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da sentença até integral pagamento, à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento;

g) condenar a ré Seguros FF, S.A.. a pagar ao Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Nacional de Pensões a quantia global de 3.102,55 € (três mil cento e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida das prestações vincendas que vierem a ser pagas, a título de pensão de sobrevivência, à autora AA, e dos juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, calculados à taxa legal em vigor em cada momento; e

h) absolver as rés do demais peticionado».


Inconformados, interpuseram os autores recurso de revista per saltum, finalizando a sua alegação, com a seguinte síntese conclusiva (que se transcreve):

1 – Deve ser atribuída indemnização por perda de ganho futuro do falecido EE, pelo menos durante cerca de 13 anos (até aos seus 65 anos, idade da reforma), à autora esposa e concomitantemente aos filhos que deixaram de auferir a titulo de lucro cessante a quantia de 250x12 (meses) = 3.000€ x 13 (anos) = 39.000,00€;

2 - Na fixação do quantum indemnizatório correspondente aos danos causados aos autores a título de dano sofrido pela vítima antes de morrer, o qual deveria ter sido fixado em 40.000,00€;

3 - Na fixação do quantum indemnizatório por danos não patrimoniais a ressarcir ao recorrente DD, pela perda do direito à vida, a título de dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte e a título de dano sofrido pela vítima antes de morrer, de igual modo com os demais herdeiros, já que tais direitos radicam-se na esfera jurídica do falecido, são transmissíveis, por via sucessória, de acordo com as regras respetivas - artigo 496.º, nº2, segunda parte, do Código Civil, aos aqui Autores, sem exclusão de parte do recorrente DD, que pese embora a sua contribuição culposa para o acidente, conforme provado na douta sentença, sempre o seu direito é transmissível por via sucessória e por isso não encurtado ou  limitado por fatores externos que possam contrariar as disposições sucessórias necessárias e não legalmente limitadas.

4 - Objetivamente: - Face aos factos dados como provados -mormente o rendimento que o falecido auferia e disponibilizava à família, os aqui demandantes, esposa e filhos, gozam do direito de indemnização por perda de rendimentos futuros derivados da morte do EE, decorrentes da privação de alimentos que este, não fora a ocorrência do evento, por certo iria continuar a prestar (os seus reduzidos 250 €, mas efetivamente 250 €). O direito à indemnização encontra-se preceituada e justamente contemplado nos termos do artº 495º, nº 3 do CC, conjugado com o art.º 2009º, nº 1, als. a) e c) do mesmo Código, a calcular segundo critérios de equidade, nos termos do nº 3 do artº 566º, o que foi violado pelo tribunal a quo. Os recorrentes tiveram uma perda efetiva de rendimento para a família de 250€x 12 mesesx13 anos, isto é, 3.000,00 €x13, correspondente a 39.000,00 euros, os quais são devidos no encalço do petitório formulado e não aceite em 1ª instância. Quantia essa a distribuir pelos herdeiros, ou, pelo menos, pela esposa como elemento constitutivo do agregado familiar e com o falecido convivente.

4ª - O tribunal a quo fixou o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte e o dano sofrido pela vítima antes de morrer, por defeito. A morte de EE foi trágica e violenta. A vítima percecionou o seu estado e a proximidade da morte. Os danos não patrimoniais do falecido EE, em resultado do seu sofrimento até à morte, deverão ser fixados para efeitos indemnizatórios em não menos de 40.000,00€, em que os Autores têm direito em partes iguais, ou seja, de 10.000,00€ para cada um, e não apenas a quantia de 20.000,00 € fixada na douta sentença. Ao não contemplar o ressarcimento peticionado na PI, a Mer. Juiza violou o direito e as normas do artº 483º, 562, 563º, 564º, 566º do CC.

5ª - Com todo o respeito que é devido, os recorrentes discordam da tese defendida na douta sentença a quo quando refere que o recorrente DD deve apenas ser compensado em 25 % do valor a si devido a título de danos não patrimoniais. Porque se radicaram na esfera jurídica do falecido, são transmissíveis, por via sucessória, de acordo com as regras respetivas - artigo 496.º, nº2, segunda parte, do Código Civil, aos aqui Autores, sem exclusão de parte do recorrente DD, que pese embora a sua contribuição parcialmente culposa para o acidente, conforme provado na douta sentença, sempre o seu direito é transmissível por via sucessória e por isso não encurtado ou limitado por fatores externos que possam contrariar as disposições sucessórias necessárias e não legalmente limitadas..

6ª - A douta sentença proferida na 1ª instância ao fixar o montante de apenas € 98.500,00 euros a título de indemnização única pelos danos não patrimoniais devidos à morte de EE, não fez uma correta interpretação da lei, nomeadamente do disposto nos artigos 483º, 562, 563, 564 e 566 todos do Código Civil.

7ª - Pelo que deve corrigir tais montantes a atribuir aos recorrentes, por igual, AA, BB, CC e DD, nos seguintes termos e valores: - Direito à Vida - 15.000,00 € para cada um (total 60.000,00 €); Dano sofrido pelos recorrentes com a morte da vítima - 10.000,00 € a cada um (total 40.000,00 €); - Dano sofrido pela vítima antes de morrer - 10.000,00 € a cada um (40.000,00 €). Indemnização global de 140.000,00 €.

8ª - Total da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais: 179.000,00 €.

         A ré GG, além de contra-alegar a pugnar pelo insucesso da revista dos autores, interpôs recurso subordinado, concluindo, assim, a sua alegação:

1. A indemnização fixada a título de dano não patrimonial pela perda do direito à vida do infeliz EE deve ser alterada, face ao seu exagero, atendendo ao estado de saúde do falecido que padecia de doenças e lesões de extrema gravidade das quais resultaria uma esperança de vida muito inferior à média.

2. A indemnização a título desse dano não patrimonial não deve exceder o valor de € 30.000,00, já que esta quantia é a mais adequada a indemnizar os recorridos.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir do mérito das duas revistas e que se resume a determinar se os autores têm direito a serem ressarcidos pela perda do ganho futuro do falecido EE e aferir da justeza dos montantes indemnizatórios atribuídos aos autores, a título de dano intercalar e morte.


II - Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1. No dia 7 de Janeiro de 2012, pelas 19 horas e 10 minutos, na Rua ...e, na estrada que liga Escapães a Arrifana, em ..., concelho de Santa Maria da Feira, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo automóvel matrícula ...-... BE, marca Renault, modelo Clio, pertencente a II e conduzido por HH, e o veículo automóvel matrícula ...-...- SN, marca VW, modelo Golf, conduzido por DD.

2. O condutor do veículo automóvel matrícula ...-...- SN era acompanhado por EE e BB, seguindo este à frente, no “lugar do pendura.

3. A estrada, no local do embate, tem duas faixas de rodagem, uma no sentido Escapães/Arrifana e outra no sentido inverso, separadas por uma linha longitudinal descontínua.

4. O veículo automóvel matrícula ...-...- SN seguia pela metade direita da estrada, atento o sentido Escapães/Arrifana.

5. O veículo automóvel matrícula ...-... BE circulava no mesmo sentido, à frente do veículo automóvel matrícula ...-...- SN.

6. Na altura, não circulavam no local outros veículos automóveis.

7. O local configura uma subida, com visibilidade superior a 100 metros.

8. O tempo estava seco e o piso estava seco, liso e sem buracos.

9. Em virtude do embate, os autores BB e DD, bem como EE sofreram lesões no seu corpo.

10. Os autores DD e BB foram assistidos no dia do embate, no Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, E.P.E., em Santa Maria da Feira, onde receberam tratamentos e lhes foram ministrados os primeiros socorros.

11. EE, nascido em 29 de Novembro de 1959, faleceu em 27 de Fevereiro de 2012, no estado de casado com a autora AA, nascida em 23 de Janeiro de 1960, no regime da comunhão de adquiridos.

12. Os autores BB, nascido em 22 de Junho de 1979, CC, nascida em 25 de Março de 1981, e DD, nascido em 11 de Outubro de 1990, são filhos de EE e AA.

13. Através de Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Registos, outorgado a 26 de Março de 2012, AA declarou que EE faleceu sem testamento ou qualquer disposição de última vontade, deixando como herdeiros o cônjuge AA e os filhos BB, CC e DD, não havendo quem lhes prefira ou com eles possa concorrer na sucessão.

14. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros da marca Volkswagen, modelo Golf, matrícula ...-...- SN, por danos causados a terceiros, encontrava-se, à data do embate, transferida para a ré “GG Seguros, S.A..”, mediante acordo de seguro titulado pela apólice nº0…/01521…/000, o qual se rege pelas condições constantes de fls. 103 e 104, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

15. No acordo de seguro referido em 14), figura como tomadora do seguro a autora AA.

16. O Instituto da Segurança Social, I.P. pagou ao autor DD, a título de subsídio de doença (concessão provisória), referente ao período de 9 de Janeiro a 16 de Abril de 2012, a quantia de 858,60 €.

17. O Instituto da Segurança Social, I.P., na sequência do falecimento de EE, pagou à autora AA, a título de subsídio por morte, o montante de 2.515,32 €.

18. O Instituto da Segurança Social, I.P. pagou à autora AA pensões de sobrevivência, relativas ao período de Março de 2012 a Janeiro de 2015, no total de 7.474,66 €, sendo o valor mensal actual de 181,94 €.

19. Na data indicada em 1), o veículo SN era pertença da A. AA.

20. O veículo BE circulava a velocidade não superior a 30 Km/hora.

21. O condutor do veículo BE pretendia efectuar manobra de mudança de direcção para a esquerda, atento o sentido de marcha indicado em 4), no entroncamento da rua identificada em 1) com a Rua da Aldeia de Cima.

22. Pretendendo ultrapassar o veículo BE, o condutor do veículo SN passou a circular na metade esquerda da rua identificada em 1), atento o sentido de marcha indicado em 4).

23. Na sequência do descrito em 22), o embate referido em 1) ocorreu na metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha indicado em 4), quando o veículo BE se encontrava a efectuar a manobra indicada em 21).

24. Antes de passar a circular na metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha indicado em 4), o condutor do veículo BE não verificou se na sua retaguarda seguia qualquer veículo com a intenção de o ultrapassar.

25. O veículo BE foi embatido no seu lado esquerdo, sobre a porta do condutor, pela parte direita da frente do veículo SN.

26. Na sequência do embate descrito em 25), o veículo SN foi embater com a sua parte frontal num muro de um imóvel existente no lado esquerdo da rua identificada em 1), atento o sentido de marcha indicado em 4).

27. Após o embate referido em 1), o veículo BE imobilizou-se no lado direito da rua identificada em 1), atento o sentido de marcha indicado em 4), a uma distância de mais de 35 metros do entroncamento referido em 21) e a cerca de 1 metro da respectiva berma direita.

28. Em consequência do embate referido em 1), o veículo SN sofreu estragos na parte frontal e nas partes laterais, cuja reparação ascende ao valor de cerca de 10.000 € e não permite a sua circulação em segurança.

29. Na data indicada em 1), o valor comercial do veículo SN era de 6.500 €.

30. Na data indicada em 1), o salvado do veículo SN tinha o valor de 100 €.

31. Em consequência do embate referido em 1), o A. DD sofreu traumatismo do 2º e 3º dedos da mão esquerda, do ombro direito e da região ilíaca direita, hematomas e luxações.

32. Em consequência do embate referido em 1), o A. DD recebeu tratamento radiológico e cirúrgico e foram-lhe ministrados cuidados pós-operatórios.

33. Em consequência do embate referido em 1), o A. DD continuou tratamento na consulta externa do hospital.

34. Durante e depois dos tratamentos, o A. DD sentiu dores.

35. Em consequência do embate referido em 1), o A. DD esteve totalmente incapacitado para o trabalho desde 9.01.2012 até 5.02.2012.

36. Na data indicada em 1), o A. DD desempenhava funções de electricista na “JJ, Lda.”, onde auferia o vencimento mensal global de cerca de 610,16 €.

37. Antes do embate referido em 1), o A. DD não sofria de qualquer doença.

38. Em consequência do embate referido em 1), o A. BB sofreu fractura discal do rádio do braço esquerdo, com imobilização do mesmo durante 4 semanas.

39. Em consequência do descrito em 38), o A. BB recebeu tratamento radiológico e de imobilização com gesso.

40. Em consequência do descrito em 38), o A. BB continuou tratamento na consulta externa do Hospital Universitário ..., em Bruxelas, na ....

41. Em consequência do descrito em 38) e após realizar tratamentos de recuperação e com a fractura, o A. BB teve de receber curativo e esteve totalmente incapacitado para o trabalho desde 8.01.2012 até 25.03.2012.

42. Durante e depois dos tratamentos, o A. BB sentiu dores.

43. Em consequência do embate referido em 1), o A. BB despendeu em consultas e despesas médicas a quantia de 72,76 €.

44. Na data indicada em 1), o A. BB desempenhava as funções de pintor e aplicador de pladur na ….

45. Antes do embate referido em 1), o A. BB não sofria de qualquer doença.

46. Aquando do embate referido em 1), EE seguia no banco traseiro do veículo SE.

47. Aquando do embate referido em 1), EE sofreu dores.

48. Em consequência do embate referido em 1), EE sofreu lesões crânio-meníngeo-encefálicas e torácicas, as quais determinaram a sua morte.

49. Em consequência do embate referido em 1), EE foi assistido no Hospital Geral de Santo António, no Porto, para onde foi conduzido de urgência, tendo aí sido admitido em 7.01.2012 como politraumatizado, com fracturas do 2º e 5º arcos costais, e fez aí pneumotórax.

50. Em consequência do embate referido em 1), EE esteve inconsciente, sem capacidade de comunicação e em sofrimento, ligado às máquinas que lhe garantiram a vida durante dias, e com registo de lágrimas nos olhos quando os familiares o visitavam.

51. EE teve paragem cardio-respiratória em 20.01.2012 e pneumotórax iatragénico, colocando-se dreno.

52. EE sofreu infecções respiratórias nosocomiais.

53. Em 1.02.2012, EE foi transferido para o Hospital de S. Sebastião, em Santa Maria da Feira, onde faleceu.

54. EE apercebeu-se da possibilidade da sua morte, o que lhe causou angústia e medo.

55. EE tinha vontade e alegria de viver.

56. Os AA. sentiram tristeza, angústia e desgosto em consequência da morte de EE, que os vai acompanhar durante o resto das suas vidas.

57. Na data indicada em 1), EE estava desempregado e executava biscates de construção civil, auferindo uma remuneração mensal de cerca de 250 €, a que acrescia a quantia diária de 5 € para o almoço quando executava esses biscates.

58. EE contribuía com as quantias indicadas em 57) para as despesas domésticas.

59. A A. AA pagou as despesas do funeral de EE, das quais foi reembolsada pelo ISS, IP.

60. Na data indicada em 1), EE padecia de esquizofrenia, cirrose hepática, hepatite alcoólica, cardiomiopatia, polineuropatia alcoólica e nódulo pulmonar.

61. Na data indicada em 1), EE estava medicado com medicação para depressão.

62. Na data indicada em 1), EE fumava entre meio a um maço de tabaco por dia.

63. EE apresentava aterosclerose severa nas artérias coronárias, com siansid e calcificação, com 95% das artérias coronárias esquerda descendente anterior e da artéria coronária circunflexa e da artéria coronária direita.

64. EE apresentava aterosclerose acentuada na artéria aorta, com estrias e placas ulceradas, calcificadas e com tromboses superficiais focais.

65. EE apresentava lesões de broncopneumonia, com isquemia crónica do miocárdio a que se associavam lesões graves da aterosclerose coronária complicada com obstrução de alto grau do lumen do órgão.

66. Na data indicada em 1), a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação do veículo BE encontrava-se transferida, por II, para a ré Seguros FF, S.A.., através do acordo de seguro titulado pela apólice nº70….

67. O Instituto da Segurança Social, I.P. pagou à A. AA pensões de sobrevivência, relativas ao período de Fevereiro a Agosto de 2015, no montante total de 1.561,64 €, sendo o valor mensal actual de 181,94€.


III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão dos dois recursos de revista, delimitados pelas conclusões das alegações dos recorrentes (art.ºs 635º, n.º 4 , e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil[1]), passam, em primeiro lugar, por determinar se aos autores é devida indemnização pela perda do ganho futuro do falecido EE, e, em segundo, por aferir da justeza dos montantes indemnizatórios que lhes foram atribuídos, a título de danos não patrimoniais (dano intercalar e morte).

Fora da nossa análise ficam, assim, a génese e dinâmica causais do acidente que a sentença recorrida imputou a ambos os condutores dos veículos intervenientes, na proporção de 75% para o condutor do veículo de matrícula ...-...- SN e 25% para o condutor do veículo de matrícula ...-... BE, relativamente aos quais as rés GG e FF assumiram a respectiva responsabilidade civil pelos danos emergentes da sua circulação, veredicto que as partes não questionam, no âmbito dos recursos, e do qual resulta a clara definição de que a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos originados pelo ajuizado acidente cabe a ambas as rés, na proporção de 75% para a GG e 25% para a FF (art.º 570º, n.º 1, do Código Civil).

1 - Esclarecida a definição de responsabilidades entre as rés, há que dilucidar, agora, se aos autores é devida indemnização pela perda do ganho futuro do falecido EE, pai dos autores DD, BB e CC, e ex-cônjuge da autora AA.

Estes entendem que têm direito a essa indemnização, pugnando pela sua fixação em €39 000,00, montante correspondente ao que o falecido EE auferiria durante os expectáveis subsequentes 13 anos de vida activa (até aos 65 anos). A sentença recorrida negou-lhes, porém, esse direito, no que é apoiada pela recorrente subordinada, a ré GG, que naturalmente se quer eximir da correlativa responsabilidade.

O direito de que os autores se arrogam radica no art.º 495º, n.º 3, do Cód. Civil, que consagra, como se sabe, uma excepção ao princípio geral de que só ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado assiste direito a indemnização, aí se abrangendo terceiros só reflexamente prejudicados com o evento danoso. Contudo, esse direito não é de atribuição directa e automática às pessoas indicadas nesse normativo. Só existirá se (e na medida em que) for demonstrada a facticidade em que necessariamente terá que assentar.

E, a esse propósito, como bem salienta a sentença recorrida, nada se demonstrou sobre a eventual dependência dos filhos do falecido EE (os autores DD, BB e CC) dos parcos rendimentos o pai. Pelo contrário, comprovou-se que o DD e o BB viviam dos rendimentos do respectivo trabalho (cfr. pontos 36. e 44. do elenco factual provado), tendo já vivências patrimoniais autónomas relativamente ao pai, o mesmo sucedendo naturalmente com a filha CC, nascida em 1981 e já casada. Logo, nenhum dano sofreram, a esse título, ou pelo menos não o comprovaram, o que afasta a possibilidade de serem indemnizados pela perda do rendimento futuro do pai (art.ºs 562ºe 563º do Cód. Civil).

No tocante à autora AA, a viúva do falecido EE, cabe sublinhar que este encontrava-se desempregado, à data do acidente, executando biscates na construção civil, de que retirava o rendimento mensal de €250,00, acrescido do subsidio de almoço de €5,00, quando trabalhava, contribuindo com tais montantes para as despesas domésticas (cfr. pontos 56. e 57. do elenco factual provado). Nesse contributo seria de abater o que gastava no seu sustento, na medicação a que infelizmente estava sujeito e pelo menos no consumo de tabaco (cfr. pontos 60. a 65. do elenco factual provado), pelo que tal contributo assumiria sempre muito reduzida dimensão e, por certo, não seria superior ao que a autora AA ficou a receber da Segurança Social, a título de pensão de sobrevivência (cfr. ponto 67. do elenco factual provado).

Deste modo, também quanto a esta autora, inexistem factos demonstrativos de que estivesse em condições de exigir alimentos do seu ex-cônjuge e consequentemente, como bem frisa a sentença recorrida, não tem direito à indemnização pela perda do rendimento futuro pelo qual se bate (€39 000,00), improcedendo, neste ponto, tudo o que ex adversu se argumentou e concluiu na revista principal, a tal propósito.

2 – Foquemo-nos, de seguida, por anteceder cronologicamente o dano pela morte, na justeza do montante indemnizatório pelo chamado dano intercalar (art.º 496º, n.º 3 do Cód. Civil), que constitui a conversão económica da dor e angústia sofridas pela vítima (o falecido EE), durante o período que mediou entre o acidente e a morte. A sentença recorrida fixou tal dano em €20 000,00, mas os autores pretendem a sua elevação para €40 000,00.

A primeira nota a acentuar, a respeito deste dano, é que o valor da indemnização arbitrado na sentença sob censura, a este título, mostra-se consentâneo com os factos apurados (cfr. pontos 47. a 54. do elenco factual provado), dos quais ressalta que o EE sofreu dores intensas em consequência do acidente e das graves lesões que o atingiram, suportou cerca de 23 dias de clausura hospitalar e dolorosos tratamentos e perspectivou a sua morte, o que lhe causou angústia e medo.

Não descortinamos quaisquer razões para, neste ponto concreto, fixar valor diferente do arbitrado na sentença recorrida, que não difere do estabelecido para outros casos similares e teve em conta ainda que, durante parte substancial do período em causa, o falecido EE esteve em estado comatoso e já sem plena consciência da sua frágil saúde, o que nos leva a não acolher, a este propósito, a curta argumentação arquitectada pelos autores e as atinentes conclusões.

3 – Resta, por fim, aferir da justeza do montante indemnizatório fixado na sentença, a título de dano morte, ou melhor a indemnização pela perda do bem supremo, a vida, o dano não patrimonial por excelência[2] e cuja reparação é inquestionável.

A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente a este tipo de dano, mas verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida. Isso mesmo se constata através do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2002, acessível em wwwdgsi.pt., onde se mencionam vários outros arestos do mais Alto Tribunal, fixando a indemnização pelo dano morte entre €40 000,00/8.000.000$00 e €50 000,00/10.000.000$00[3].

Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50 000,00 e €80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1),  de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.OTBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.). 

No caso vertente, o dano morte do falecido EE foi fixado em €60.000,00 €uros, valor esse situado claramente dentro das margens definidas em tais arestos e respeita o padrão referencial que vem sendo seguido pela jurisprudência deste Tribunal. Mais, em face dos 52 anos de idade do EE, esse valor é inteiramente razoável, adequado e plenamente justificado[4], não merecendo acolhimento as objecções, a tal respeito, apresentadas pela recorrente GG.

Ainda que doente, o EE tinha vontade e alegria de viver, como se alcança do ponto 55. do elenco factual provado, não devendo a sua vida ser valorada apenas em €30 000,00, valor esse deveras insignificante e, como antes se referenciou, há muito abandonado pela jurisprudência.  Não se vê motivo algum para reduzir o valor fixado na sentença recorrida, a esse título, para o montante de €30.000,00, pelo qual a recorrente GG ingloriamente se bate, na revista subordinada que interpôs, o que implica o total naufrágio deste recurso.

Ainda relativamente a este dano, os autores questionam a redução de que foi alvo a quota parte dessa indemnização atribuída ao autor DD. Sem razão, porém, na medida em que tendo este contribuído, como se viu antes, em 75% para o evento letal em que se funda essa indemnização é mais que razoável e justo que, nos termos do art.º 570º, n.º 1, do Cód. Civil, a redução se opere para o montante de €3 750,00.

Todavia, dessa redução não deverão beneficiar as seguradoras, mas sim os restantes titulares dessa indemnização, os autores BB, CC e AA, em cujas quotas ou quinhões se repercutirá por acréscimo essa redução ou compressão da componente indemnizatória que deveria caber ao autor DD. A indemnização é atribuída, em conjunto, à viúva e aos filhos, devendo o respectivo quantitativo ser «determinado em globo e depois repartido pelas pessoas a quem cabe, nos termos do n.º 2 do art.º 496º[5]» do Cód. Civil.

Pode, assim, concluir-se, em síntese, que:

1 - O art.º 495º, n.º 3, do Cód. Civil, consagra uma excepção ao princípio geral de que só ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado assiste direito a indemnização, aí se abrangendo terceiros só reflexamente prejudicados com o evento danoso.

2 - Contudo, esse direito não é de atribuição directa e automática às pessoas indicadas nesse normativo. Só existirá se (e na medida em que) for demonstrada a facticidade em que necessariamente terá que assentar.

3 - A conversão económica da dor e angústia sofridas pela vítima durante o período que mediou entre o acidente e a morte constitui o chamado dano intercalar (art.º 496º, n.º 3 do Cód. Civil).

4 - A quantia de €20 000,00, fixada para esse tipo de dano, mostra-se consentânea com os factos apurados, dos quais ressalta que a vítima sofreu dores intensas em consequência do acidente e das graves lesões que o atingiram, suportou cerca de 23 dias de clausura hospitalar e dolorosos tratamentos e perspectivou a sua morte, o que lhe causou angústia e medo.

5 - A reparação do dano morte é hoje inquestionável na jurisprudência, situando-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50 000,00 e € 80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100 000,00.

6 - Ponderadas a idade da vítima (52 anos) e as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa sua), considera-se ajustada, equilibrada e adequada a indemnização de €60 000,00, a título de dano morte.

7 - Essa indemnização é atribuída, em bloco, às pessoas a quem cabe, nos termos do art.º 496º, n.º 2, do Cód. Civil, e repartida entre elas, mesmo que relativamente a alguma destas haja que operar redução, nos termos do art.º 570º, n.º 1, do Cód. Civil.

8 - A redução daí resultante deve repercutir-se na quota ou quinhão dos restantes titulares da indemnização.

IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar a revista subordinada e, na parcial revista dos autores, altera-se a sentença recorrida, na parte referente à distribuição feita do montante de €60 000,00 fixado, a título de dano morte, que será repartido do seguinte modo: €18 750,00 (dezoito mil setecentos e cinquenta euros) para cada um dos autores BB, CC e AA e €3 750 (três mil setecentos e cinquenta euros) para o autor DD, mantendo-se, no mais, o decidido na sentença recorrida.

Custas do recurso subordinado pela recorrente GG e do recurso principal por ambas as partes, na proporção do vencido.


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Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

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Lisboa, 03 de Novembro de 2016


António Piçarra (relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

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[1] Na versão aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, uma vez que os recursos têm por objecto decisão proferida já depois de 01 de Setembro de 2013 e o processo é posterior a 01 de Janeiro de 2008 (cfr. os seus art.ºs 5º, n.º 1, 7º, n.º 1, e 8º).
[2] Cfr., neste sentido, Diogo Leite de Campos, NÓS, Estudos Sobre o Direito das Pessoas, Almedina, págs. 314/315.
[3] E nessa linha de orientação se inserem ainda os acórdãos do STJ de 25/1/2002, in C.J. ano X, tomo I, pág. 62, de 29/5/2002 e de 27/2/2003, estes acessíveis em www.dgsi.pt.
[4] No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1, acessível através de www.dgsi.pt), o dano morte de uma pessoa com 86 anos de idade foi fixado em €50 000,00.
[5] Cfr, neste sentido, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12º edição, Almedina, pág. 609.