Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A3991
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
PROVA PERICIAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: SJ200611210039911
Data do Acordão: 11/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Sumário : Tem do sido posta em crise no recurso interposto para o Tribunal da Relação o julgamento da matéria de facto, não é lícito que este Tribunal julgue improcedente o recurso sem previamente se pronunciar sobre a validada da argumentação aduzida sobre aquela concreta questão.
Ao proceder desta forma, a Relação cometeu nulidade por omissão de pronúncia que obriga a anulação de tal decisão, com baixa do processo com vista ao seu suprimento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I -
"AA" intentou, no Tribunal Cível da comarca do Porto, acção ordinária contra Empresa-A, pedindo que fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 20.985,96 € e juros até integral pagamento.
Em suma, alegou que emprestou à R., por diversas vezes, várias importâncias em dinheiro, as quais totalizam 20.015 € e que ela se recusa ao seu pagamento.

A R. contestou, impugnado a factualidade vertida na petição e pedindo a condenação do A. como litigante de má fé.

"A A". replicou.

Após saneamento de selecção dos factos, assentes e controvertidos, a acção seguiu para julgamento, tendo, na sequência do mesmo, sido julgada improcedente e a R. absolvida do pedido.

Não conformada com tal decisão, o A. apelou para o Tribunal da Relação do Porto, mas sem êxito.

Foi, então, que recorreu de agravo para este Supremo Tribunal.

A recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção do acórdão.
II -
Nas suas conclusões, o recorrente insurge-se, por um lado, contra o facto de o Tribunal da Relação do Porto ter cometido nulidade por omissão de pronúncia e, por outro lado, indo ao mérito da acção, defende a condenação da R. na restituição das importâncias descriminadas na conclusão 13ª

Ora bem.

O recorrente fez notar, perante o Tribunal da Relação do Porto, no requerimento de interposição dirigido ao Exº Relator, que o recurso que pretendia interpor era de agravo e, tanto assim, que, disse-o de forma bem clara, no início da sua alegação, "apenas quer impugnar o acórdão com fundamento na nulidade assinalada" e isto "para mais tarde poder discutir o direito".
Salta à vista que, na economia do recurso de agravo apenas cabe a apreciação da arguida nulidade, com base nos arts. 722º, nº 3 e 755º, nº 1, al. a) do CPC.
Ou seja, fica automaticamente de fora da nossa apreciação tudo o que o recorrente disse na sua alegação relativamente ao mérito da acção.

Centremos, pois, a nossa atenção na apreciação da questão processual, a qual se resume a saber se o acórdão impugnado omitiu pronúncia sobre a impugnação da matéria de facto.

Com vista a dar solução ao problema que nos é colocado, necessário se torna recuarmos na tramitação processual e analisar o que foi posto à consideração do Tribunal da Relação do Porto pelo recorrente para, só depois, podermos dizer se houve ou não a pretendida omissão de pronúncia.
No recurso de apelação defendeu o recorrente, na parte que ora nos interessa, que as respostas dadas aos quesitos 2º 7º, 8º, 10º e 11º deveriam ter sido outras atento o teor dos documentos juntos a fls. 149 (extracto de conta) e 110 (cheques).
Ora, é um facto que a Relação passou ao lado da apreciação do mérito da crítica que o recorrente dirigiu à sentença da 1ª instância no que aos ditos documentos diz respeito.
Com efeito, limitou-se a dizer que "mesmo que o A. tivesse razão, e talvez a tenha, quanto a deverem ser alteradas as respostas aos quesitos, no sentido de ficar consignado na matéria assente o trânsito financeiro da conta bancária dele para a conta bancária da R., nem assim obteria vencimento de causa".
Quer dizer, a Relação deu a solução à questão de direito sem saber se a matéria de facto deveria ser alterada, sendo certo que esta questão lhe foi concretamente colocada. Competia-lhe, pois, tomar posição sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do nº 1 e 2 do art. 712º do CPC.
Não o tendo feito, como não o fez, omitiu pronúncia sobre a questão concreta que lhe foi colocada.
O que a Relação poderia ter feito era outra coisa: dizer pura e simplesmente que a documentação aludida pelo recorrente em nada alterava as respostas aos quesitos referidos, atenta a regra da livre apreciação das provas consagrada no art. 655º do CPC.
Se assim tivesse procedido, teria feito a apreciação aos documentos aludidos, retirando daí todas as consequências.
Mas não.
A Relação disse que, independentemente da eventual alteração das respostas, a solução de direito era outra.
Os quesitos, todos eles, foram formulados a partir da alegação das partes e tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito (cfr. art. 511º do CPC).
Não foi posta em crise a elaboração da base instrutória (e podia tê-lo sido), de forma que ao Tribunal da Relação incumbia a obrigação de emitir pronúncia em relação à questão concreta que lhe foi colocada, por força do disposto no art. 660º, nº 2 ex vi art. 716º, ambos do CPC.
Transgredindo estas normas, a Relação cometeu, sem dúvida alguma, nulidade por omissão de pronúncia, tal como está prevista na 1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º do Código Adjectivo.
Impõe-se, pois, que a Relação supra tal nulidade conhecendo da questão concreta referida e, só depois, estará em condições de, definitivamente, decidir do mérito.
Estando, em princípio, a apreciação da matéria de facto, fora do âmbito do STJ, importa que a Relação, nos limites da sua competência específica, fixe definitivamente os factos, sendo que a questão de direito pode ser sempre apreciada em recurso de revista.
III -
Em conformidade, dando provimento ao agravo do A., ordena-se que a Relação, pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, se pronuncie sobre os supra referidos pontos que foram colocados à sua consideração pelo recorrente,
Custas pela agravada.

Lisboa, 21 de Novembro de 2006
Urbano Dias
Paulo Sá
Borges Soeiro