Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A1864
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: EXECUÇÃO POR ALIMENTOS
Nº do Documento: SJ20070605018641
Data do Acordão: 06/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1º - Uma vez paga a quantia exequenda na execução de alimentos não há razão alguma para os embargos prosseguirem: a causa extintiva da razão de ser da execução arrasta consigo a própria oposição deduzida.
2º - O actual regime consagrado no nº 5 do art. 1118º do CPC não determina qualquer diminuição de garantias para o oponente, quer das previstas no art. 20º, da CRP quer do direito à defesa consagrado no art. 3º, do CPC ou do princípio da igualdade das partes consagrado no art. 3º-A deste último diploma legal.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 – AA e BB deduziram, no Tribunal de Família e Menores do Porto, execução especial por alimentos contra CC.
Este deduziu oposição à penhora e embargou, alegando, inter alia, o pagamento das quantias exequendas.
Os embargos foram contestados pelas exequentes.
Entretanto, o executado fez juntar à execução uma declaração na qual dizia ter subrogado as suas obrigações e direitos sobre as exequentes em DD.
A junção deste documento determinou a suspensão dos embargos até ao momento da prolação de despacho sobre o destino da execução. Mais tarde, após se ter constatado que o montante depositado era suficiente para pagamento da quantia exequenda e custas, foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

2 – Não se conformou com tal decisão o embargante pois pretendia que os embargos prosseguissem, não obstante a extinção da execução, para efeitos de obter a declaração do pagamento às exequentes das importâncias por estas reclamadas.
Mas não obteve êxito, já que a Relação do Porto confirmou in totum o julgado da 1ª instância.

3 – Continuou irresignado o executado e eis que agrava de novo, ora para este Supremo Tribunal, colocando à nossa consideração, através das conclusões com que fechou a sua minuta, as seguintes questões:
1ª – Saber se, tendo sido paga a quantia exequenda em sede de execução especial para alimentos, poderão prosseguir os embargos nos quais é invocada a excepção (peremptória) do pagamento.
2ª – Se o regime consagrado no nº 5 do art. 1118º, do CPC (distinto do previsto no art. 818º, do mesmo diploma legal) determina ou não uma diminuição de garantias para o oponente, quer as previstas no art. 20º, da CRP quer o direito à defesa consagrado no art. 3º, do CPC ou o princípio da igualdade das partes consagrado no art. 3º-A deste último diploma legal.
3ª – O art. 1118º, nº 5, do CPC, ao mandar citar o executado após a penhora e ordenando o prosseguimento da penhora perante a oposição que lhe é deduzida, impõe a interpretação de que tal oposição terá de ser apreciada independentemente de se mostrar ou não paga a quantia exequenda.

As agravadas não responderam.

4 – Cumpre, pois, decidir.
Antes de nos debruçarmos sobre as questões concretas colocadas pelo agravante interessa trazer à colação breves ideias sobre a finalidade da acção executiva e também sobre a função dos embargos de executado.
Elas ajudar-nos-ão certamente a encontrar as respostas apropriadas às mesmas.

Segundo o nº 3 do art. 4º do CPC “dizem-se acções executivas aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado”.
“A acção executiva tem por finalidade a reparação efectiva dum direito violado. Não se trata já de declarar direitos, pré-existentes ou a constituir. Trata-se, sim, de providenciar pela reparação material coactiva do direito do exequente” – é a lição que se colhe de Lebre de Freitas, in A Acção Executiva à Luz do Código Revisto – 2ª edição –, pág. 9.
Visando a acção executiva a satisfação da prestação não cumprida, “o objecto da acção executiva é, por isso, sempre (e apenas) um direito a uma prestação, isto é, uma pretensão, porque só este direito impõe um dever de prestar e só este dever pode ser realizado coactivamente” (apud Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pág. 12).

Não obstante a natureza e o objecto da acção executiva, tal como ficaram sumariamente assinalados, o certo é que o executado tem o direito de se opor à execução, assumindo esta oposição a natureza de “uma contra-acção à acção executiva do devedor” que contempera os dois interesses em antagonismo “ – o interesse do credor à pronta realização do seu direito, a finalidade da acção executiva; o interesse do devedor, de evitar o prosseguimento duma execução irregular ou injusta ou assegurar a restauração dos seus direitos” (vide Anselmo de Castro, in A Acção Executiva Singular, Comum e Especial – 2ª edição -, pág. 276).
Esta mesma ideia é-nos também transmitida por Lebre de Freitas: “…a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia” (in obra citada, pág. 156 e 157).
E também por Lopes Cardoso: “Pelos embargos, o executado assume a autoria dum processo declarativo, destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção” (in Manual da acção executiva, pág. 279).

Aqui chegados, estamos já em condições de responder às questões que nos foram colocadas.
E de o fazer, dizendo que não assiste a mínima razão ao agravante.

Vejamos.
Extinta a execução pelo pagamento de terceiro, automaticamente fica extinta a instância executiva, como resulta claramente do nº 1 do art. 919º do CPC (“ a execução extingue-se logo que se efectue o depósito da quantia liquidada, …, ou depois de pagas as custas, … ou ainda quando ocorra outra causa de extinção da instância executiva”).
A instância executiva extinguiu-se aqui por força do pagamento de terceiro.
Por via da invocada sub-rogação o terceiro adquire o direito invocado pelo executado e que serviu de base à oposição. Mas não só o direito visto pela parte substantiva: ele alcança a posição de parte no processo: passa a ter direito a figurar como verdadeiro executado-embargante desde que tivesse feito valer o mesmo até à sentença de extinção (assim: Lopes Cardoso, obra citada, págs. 681 e 682).
Mas, como facilmente se compreende, este terceiro só pode intervir no processo através do incidente de habilitação. Uma vez, habilitado, “a execução não se pode extinguir-se antes da satisfação do crédito do novo credor” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, pág. 406).

Estamos em condições de dizer que o “tal terceiro” não se mostra habilitado nos autos de molde a poder fazer valer os seus direito, como novo credor e até à sentença de extinção. Descabida, portanto, qualquer referência ao preceituado no nº 5 do art. 917º do CPC por parte do agravante para poder obter os efeitos pretendidos.

Este “terceiro” pagou a dívida. E podia fazê-lo: qualquer pessoa pode fazer cessar a execução – cfr. nº 1 do art. 916º do CPC.
Feito o pagamento, extinguiu-se a dívida e, consequentemente, a execução.
Nenhum sentido faria, pois, a prosseguimento da lide: a oposição, a partir do momento da cessação da causa da execução – satisfação dos créditos exequendos – perdeu todo o sentido.

Estamos, agora, em condições de reforçar a ideia inicialmente avançada.

Em 1º lugar, dizendo que o agravado não viu diminuídas as suas garantias de defesa. Antes, pelo contrário, ficou por demais garantido com o pagamento por terceiro de dívidas cujo pagamento era reclamado pelas exequentes.
Com todo o devido respeito, entendemos que estão deslocadas as alegadas violações aos preceitos legais referidos nas conclusões por parte do agravante, incluindo as relativas a normas constitucionais.
O direito de acção e o direito de defesa surgem na acção executiva nas vestes de direito à execução e de garantia perante execução injusta: o ponto de equilíbrio entre os dois valores imanentes a tais direitos é tarefa difícil e que, obviamente, cabe ao legislador.
Ao permitir (obrigar, melhor dizendo) agora, na execução por alimentos, que primeiro se penhore e depois se averigúe das razões do oponente, o legislador não coarctou a este qualquer direito de defesa, ao contrário do que parece defender o agravante. Ele continuou a poder “destruir”a força do título dado à execução quer com a invocação de razões meramente processuais quer por razões substanciais, o que permite dizer que o direito à defesa continuou a estar garantido.
Saber se os interesses daquele terceiro que se aprestou a pagar a quantia exequenda ficaram devidamente acautelados é problema que irreleva de todo neste processo.

Em 2º lugar, teremos de dizer que, na verdade, o legislador de 2003 veio impor que nas execuções especiais para alimentos o executado fosse citado depois de efectuada a penhora e, ainda, que a oposição não suspendia a execução (cfr. D.-L. nº 38/2003, de 08 de Março).
Não sabemos as razões pelas quais o legislador tomou esta opção em relação a este tipo de execuções já que o preâmbulo do diploma é totalmente omisso a este respeito.
Mas isso não nos impede de dizer que o legislador acabou por consagrar em relação a este tipo de execução o que antes tinha obtido plena aceitação em relação a todo o género de execuções sumárias (cfr. arts. 924º e 926º revogados precisamente por aquele citado D.-L. 38/2003), e que o regime de penhora antes da citação ainda hoje é admitido (cfr. art. 812º-B do CPC na sua redacção actual).
Mas este regime de “penhora antes da citação” em nada briga com os direito de defesa do executado, antes tem a ver com uma ideia de melhor acautelar (preventivamente) os interesses dos exequentes: como já foi salientado, tratou-se de uma opção legislativa, pura e simplesmente.

De qualquer modo, a invocação do tal nº 5 do art. 1118º do CPC é aqui descabida pela singular razão de não ter sido aplicado e isto porque o processo é… de 1988 e a oposição à execução (e também à penhora) deu entrada em juízo em 21 de Julho de 2002, tendo o ora agravante pedido, então, que os embargos fossem recebidos “seguindo-se os demais termos do nº 2 do art. 817º e dos artigos seguintes do C.P. Civil, em coordenação com o art. 926º”.

As posições espelhadas pelo agravante no presente recurso não têm, pois, qualquer suporte legal.
Está certo o juízo firmado pela Relação ao concluir que “o executado quis evitar a venda executiva pagando, mas como a lei não prevê a existência de pagamento condicional na acção executiva, se o pagamento da quantia exequenda for acompanhado do pagamento das custas, a extinção é inexorável.
Cessando a execução a oposição fica carecida de objecto, porque a sua razão de ser desapareceu”.

Respondendo directamente às questões enunciadas, diremos que:
1º - Uma vez paga a quantia exequenda na execução de alimentos não há razão alguma para os embargos prosseguirem: a causa extintiva da razão de ser da execução arrasta consigo a própria oposição deduzida.
2º - O actual regime consagrado no nº 5 do art. 1118º do CPC não determina qualquer diminuição de garantias para o oponente, quer das previstas no art. 20º, da CRP quer do direito à defesa consagrado no art. 3º, do CPC ou do princípio da igualdade das partes consagrado no art. 3º-A deste último diploma legal.

Com tudo isto, fica demonstrado que não merece censura, antes confirmação, o aresto impugnado.

5 – Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e condena-se o recorrente no pagamento das respectivas custas.


Lisboa, aos 05 de Junho de 2007
Urbano Dias (relator)
Paulo Sá
Faria Antunes