Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
95500/21.7YIPRT.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DA RELAÇÃO
FACTOS CONCLUSIVOS
CONTRATO DE EMPREITADA
SUBEMPREITADA
DIREITOS DO DONO DA OBRA
ABANDONO DA OBRA
DEFEITO DA OBRA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
RECONVENÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 04/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVIATA
Sumário :
I. O empreiteiro tem o dever acessório de colocar a obra à disposição do seu dono, para que a examine; efetuada a verificação, o dono da obra deve comunicar o respetivo resultado ao empreiteiro.

II. A comunicação em que o dono da obra transmite ao empreiteiro os resultados da sua verificação, consiste numa declaração que, quando nela se indicam os defeitos concretos da obra, equivale a uma denúncia, caso em que se deve considerar a obra como não aceite, salvo indicação em contrário.

III. A comunicação dos defeitos efetuada no ato de recusa ou de aceitação da obra com reservas conduz a uma situação de cumprimento defeituoso da obrigação.

IV. A exceptio non adimpleti contractus é uma causa justificativa de incumprimento das obrigações, que se traduz numa simples recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem a alega.

V. No âmbito da empreitada, a fixação do preço pode ser feita através de várias modalidades, entre elas, por preço global, a corpo, a forfait ou per aversionem, em que o preço é fixado no momento da celebração do contrato.

VI. O direito à eliminação dos defeitos é um direito à reparação do dano, inerente ao cumprimento defeituoso, a que se recorre para compensar o dono da obra do dano sofrido com a sua realização defeituosa.

VII. O cumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos está sujeito às regras gerais das obrigações, designadamente quanto ao lugar e tempo de cumprimento, podendo o dono da obra fixar um prazo para a reparação e conferir-lhe carácter admonitório, que, se ultrapassado, determina o incumprimento definitivo da prestação (de eliminação dos defeitos).

VIII. Não cumprida a obrigação de eliminação dos defeitos e verificada a impossibilidade de a ré a ela proceder e fazer recair sobre a autora os respetivos custos, justifica-se adotar o regime da impossibilidade parcial de cumprimento de uma obrigação previsto no artigo 793º do Código Civil, de modo a que o preço da empreitada seja reduzido à parte executada e aprovada pela ré.

IX. Não estando estabelecido o nexo causal entre a não eliminação dos defeitos pela autora/subempreiteira e a resolução do contrato de empreitada pela dona da obra, não há lugar à responsabilidade daquela pelos prejuízos suportados pela ré/empreiteira.

Decisão Texto Integral:

Acórdão


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. GOTFLOW, LDA. apresentou, em 8 de outubro de 2021, requerimento de injunção contra INOVBUILD, CONSTRUÇÃO, LDA. pedindo a notificação da Requerida para proceder ao pagamento da quantia de €51 950,99, acrescida de juros de mora vencidos no valor de €923,11, por referência ao contrato de empreitada de 9 de março de 2021 (cf. Ref. Elet. 19877843).

Alegou para tanto, muito em síntese, o seguinte:

- A Requerente é uma empresa industrial que se dedica ao desenho, fabrico e montagem de móveis, revestimentos e outros produtos com madeira e derivados de madeira, tendo, a pedido da Requerida, apresentado, com data de 8 de março de 2021, o orçamento GF_2116I relativo ao fornecimento e montagem de carpintarias destinadas à obra dos escritórios Grupo M..., sita no edifício ..., em ..., a cuja remodelação aquela procedia, no valor de €123 102,79 , orçamento que a Requerida aceitou;

- O preço seria pago 30% na data da adjudicação dos trabalhos e os restantes pagamentos por auto de medição mensais, a liquidar na data da emissão da fatura;

- A obra iniciou-se a 27 de abril de 2021, quando pôde entrar na obra e os trabalhos foram concluídos a 10 de julho de 2021;

- A Requerente emitiu as faturas 2021/200 e 2021/204, com data de 30 de junho de 2021 e de 15 de julho de 2021 e vencimento nas mesmas datas, referentes ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de junho e aos trabalhos de julho, aquando da sua conclusão, que a requerida não pagou.

No seu requerimento, a Requerente indicou estar em causa obrigação emergente de transação comercial.

2. A Requerida deduziu oposição alegando, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. ...97):

- O contrato foi celebrado para execução de trabalhos de carpintaria na obra referida, de que a Requerida era empreiteira, e que deveriam estar concluídos até o dia 21 de maio de 2021, condição essencial para a adjudicação à Requerente;

- Os pagamentos seriam efetuados no prazo de 30 dias após a aprovação do respetivo auto de medição;

- As faturas não são devidas porque a Requerente incumpriu o contrato e logo em 19 de março de 2021 disse não estar em condições de cumprir o prazo, solicitando a alteração do planeamento dos trabalhos, além do que nunca concluiu a obra, que abandonou em 17 de julho de 2021;

- O atraso da Requerente conduziu ao incumprimento contratual por parte da Requerida quanto à conclusão atempada da obra;

- Os trabalhos executados foram-no com diversas anomalias, comunicadas à Requerente por diversas vezes, em julho de 2021, que esta não corrigiu, fazendo depender essa correção do pagamento das faturas que, naquela data, ainda não se encontravam vencidas;

- Além disso, destruiu alguns dos trabalhos executados e furtou vários materiais que estavam em obra;

- Ao não corrigir os defeitos, que conhecia, a Requerente não cumpriu a prestação contratualmente assumida, tendo a Requerida, ao abrigo da exceção de não cumprimento do contrato, a faculdade de se eximir da respetiva contraprestação referente ao pagamento da fatura n.º 2021/...00, sendo que quanto à fatura n.º 2021/...04, os trabalhos não foram aprovados, por não terem sido executados, tendo sido devolvida.

A Requerida deduziu reconvenção pedindo a condenação da Requerente/Reconvinda no pagamento àquela da quantia de €70 035,70, a título de indemnização pelos prejuízos diretos e de €5 000,00, a título de indemnização pelo dano na imagem e uma indemnização pelos danos futuros, ainda não quantificados, correspondentes às eventuais indemnizações em que a Requerida seja condenada a pagar à empresa M..., SA.. devido ao incumprimento do contrato de empreitada da obra sub judice, a liquidar em articulado superveniente ou em execução de sentença, alegando que o incumprimento da Requerente fê-la incumprir, por sua vez, o prazo de execução do contrato de empreitada celebrado com a empresa M..., SA., levando a que esta resolvesse este contrato, conforme carta de 29 de julho de 2021, com a exigência do pagamento de uma penalização de €190 496,25 (154.875,00€ + IVA) à Requerida, sem prejuízo da possibilidade de ainda vir a exigir o ressarcimento de eventuais danos, tendo em conta a recusa da M... em pagar à Requerida as últimas faturas dessa obra, com os n.ºs 1/...80, 1/...79 e 1/...78, no valor de €70 035,70; refere ainda que tinha a expetativa de voltar a executar outros trabalhos para aquela, o que se gorou.

Pediu, para o caso de se entender que a Requerida é responsável pelo pagamento de algum valor à Requerente, que se proceda à compensação com o montante que por esta lhe é devido.

3. Remetidos os autos à distribuição, a Requerente apresentou réplica referindo que não se verificam os pressupostos da exceção de não cumprimento do contrato, posto que desde o dia 2 de agosto de 2021, em que o contrato de empreitada foi resolvido, passou a ser-lhe impossível proceder à eliminação dos defeitos, para além de ocorrer desproporção entre a alegada infração contratual da Autora e a recusa da Ré em proceder ao pagamento; as partes acordaram que o pagamento ocorreria de imediato contra a emissão da fatura e não no prazo de 30 dias após a aprovação do auto; apesar disso, procedeu às retificações solicitadas; mais sustentou que a única responsável pela resolução do contrato de empreitada pela dona da obra foi a própria Ré, que violou os deveres de coordenação, supervisão, controlo e direção da obra; quanto ao prazo de execução da subempreitada, referiu que se obrigou a concluir os trabalhos até o dia 21 de maio de 2021, no pressuposto de a obra ser adjudicada até ao dia 8 de março de 2021, prazo que a Ré não respeitou; no final de abril de 2021 a Autora iniciou a instalação de ripado na zona da cafetaria, devendo iniciar a montagem das carpintarias nos gabinetes no dia 04/05/2021, o que não sucedeu por não estarem concluídos as paredes e tetos, retomando o trabalho apenas a 10 de maio de 2021, com os trabalhos de construção civil ainda a decorrer; a Autora reconheceu alguns dos defeitos indicados pela Ré e rejeitou os demais, tendo procedido à reparação dos primeiros e apresentando orçamento para os segundos e concluiu os trabalhos em 15 de julho de 2021, pelo que não existiu abandono da obra.

Pugnou pela improcedência da exceção e da reconvenção deduzidas (cf. Ref. Elet. ...01).

4. Em 13 de maio de 2022 teve lugar a audiência prévia tendo sido efetuado o saneamento dos autos, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova e ainda admitidos os requerimentos de prova (cf. Ref. Elet. ...15).

5. Realizada a audiência de julgamento, em 9 de dezembro de 2022 foi proferida sentença que julgou a ação improcedente por não provada e parcialmente procedente o pedido reconvencional, com o seguinte dispositivo (cf Ref. Elet. ...07):

“a) Absolvo a R. Inovbuild - Construção, Lda. do pedido contra ela deduzido.

b) Condeno a Gotflow, Lda. a pagar à R. Inovbuild - Construção, Lda. a título indemnização as quantias correspondentes às indemnizações que a R. seja condenada a pagar à empresa M..., SA., bem como as quantias que deixe de receber desta, decorrentes do incumprimento do contrato de subempreitada celebrado entre A. e R. sub Júdice. Custas pela A.”

6. Inconformada com esta decisão, veio a Autora interpor recurso de apelação.

7. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão, sendo o dispositivo do seguinte teor:

“Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência:

a. Revogar a decisão recorrida no que diz respeito ao segmento da alínea a) do dispositivo e condenar a ré Inovbuild - Construção, Lda. no pagamento à autora Gotflow, Lda. da factura n.° 2021/200, no valor de 23 037,06 € (vinte e três mil e trinta e sete euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados desde a data do seu vencimento, com base na taxa supletiva dos juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, mensalmente fixada por Aviso da Direcção Geral do Tesouro, conforme Portaria n.º 597/2005, de 19 de Julho, absolvendo-a do demais peticionado;

b. Revogar a decisão recorrida no que diz respeito ao segmento da alínea b) do dispositivo e absolver a autora/reconvinda do pedido reconvencional.

Custas a cargo de apelante e apelada, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.”

8. Inconformada, a R. veio interpor recurso de revista, no qual formula as seguintes (transcritas) conclusões:

“A. Errou o Tribunal da Relação de Lisboa ao ter alterado a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, a qual não merecia qualquer reparo, fazendo jus à prova produzida em audiência de julgamento e à correta aplicação das normas jurídicas.

B. Ao decidir nos termos em que o fez, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa violou diversas disposições legais, designadamente, os artigos 662º, n.º 1, 607º, n.º 5, e 609º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, bem como os artigos 793º, 795º, 428º, 798º, 562º e 564º, n.º 2, do Código Civil.

C. O Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto no artigo 662º, n.º 1, do CPC porque alterou a matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1ª instância sem que a prova produzida o impusesse, o que justifica que este Egrégio Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a questão atinente à matéria de facto, de acordo com o disposto no artigo 674º, n.º 1, al. b), do CPC.

D. A Relação não podia ter alterado os factos provados g) e r), nem considerar como não provado o facto z) da sentença de 1ª instância, porquanto a prova documental junta, designadamente os documentos n.ºs 5 e 8 a 10 da oposição à injunção, atentas as suas datas, demonstra que foram enunciados vários defeitos pela Recorrente, respeitantes ao auto de medição de Junho de 2021.

E. A Relação errou ao ter alterado o facto provado o) da douta sentença de 1ª instância, visto que os documentos n.ºs 12, 13, 14 e 16 da oposição à injunção demonstram que foram retiradas peças da obra no fim de semana de 17 e 18 de Julho, o que não se compadece com a conclusão vertida no facto provado s), o qual, é igualmente contraditório comos factos provados bb), cc), dd), ee), mm) e nn).

F. Errou também a Relação ao considerar como não provado o facto p) da sentença de 1ª instância, por não ter em conta o documento n.º 16 junto na oposição à injunção e os depoimentos das testemunhas AA, BB e CC, que demonstram expressamente que a dona de obra resolveu o contrato de empreitada com a Recorrente devido à atuação da Recorrida, repercutindo-se, assim, a atuação da Recorrida na relação contratual entre a dona de obra e a Recorrente.

G. A Relação não podia ter alterado o facto v) da sentença de 1ª instância para não provado, visto que o mesmo se baseou no depoimento das testemunhas AA, BB e CC que o Tribunal de Sintra considerou credíveis, sendo certo que o controlo feito pelo Tribunal da Relação não pode subverter o princípio da livre apreciação da prova, baseado no princípio da imediação e oralidade, previsto no artigo 607º, n.º 5, do CPC.

H. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não podia ter alterado a matéria de facto nos termos em que o fez, violando, assim, o disposto no artigo 662º, n.º 1, e 607º, n.º 5, ambos do CPC, já que a prova produzida não impunha decisão distinta, devendo manter-se os factos g), o), p), r), v) e z) como provados.

I. No douto Acórdão recorrido houve um erro na determinação da norma aplicável, dado que no âmbito do contrato de subempreitada aqui em causa ocorreu uma impossibilidade total da prestação, prevista no artigo 795º do CC e não uma impossibilidade parcial, prevista no artigo 793º do mesmo Código.

J. Isto porque o incumprimento contratual da Recorrida não respeitou só aos defeitos nas peças, mas também aos atrasos e ao facto de não ter concluído a obra, o que ficou plasmado nos factos provados d), h), j), r), s), ii) e ll), incumprindo, assim, a sua prestação de entregar a obra para cuja execução foi contratada em condições que permitissem cumprir o fim a que se destinava, designadamente a aceitação da obra pelo dono de obra e o pagamento por este do valor devido à Recorrente.

K. Os trabalhos adjudicados pela Recorrente à Recorrida não tinham uma função própria e individualizada, fazendo parte de um quadro complexo que integrava a totalidade da execução da obra, razão pela qual toda a prestação se tornou impossível e não só uma parte, como impõe o artigo 793º do CC.

L. A resolução do contrato pela dona de obra fez com que a prestação da Recorrida, que não é fracionada, se tornasse impossível, dado que, não obstante tivesse sido acordado um pagamento do preço escalonado, o contrato era uno e indivisível no que respeita às tarefas a executar pela ora Recorrida e ao preço a pagar, que era também um preço global, pelo que, sendo incumprida uma parte da empreitada, há incumprimento global e não parcial, aplicando-se, assim, o disposto no artigo 795º do CC em detrimento do disposto no artigo 793º do CC.

M. Embora seja usual no contrato de empreitada que o preço pago seja fracionado, a verdade é que a obrigação de execução cabal dos trabalhos pela Recorrida corresponde à sua prestação, não sendo suficiente executar parte dos trabalhos para que se considere que cumpriu, ainda que parcialmente.

N. E é por esse motivo que a situação sub judice se enquadra no disposto no artigo 795º do CC, visto que a Recorrida ao ter retirado as peças executadas da obra fez com que a mesma não ficasse apta para o fim a que se destinava, constituindo uma não execução dos trabalhos, dado que a prestação a que a Recorrida estava adstrita não se pode considerar cumprida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 762º, n.º 1, do CC.

O. Errou, pois, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ao aplicar o disposto no artigo 793º do CC em detrimento do artigo 795ºdoCC, pois a prestação da Recorrida, patente nos trabalhos constantes do Auto de medição respeitante a Junho de 2021, não é independente, atendendo a que a Recorrida tinha a obrigação de entregar a obra cabalmente, o que não fez.

P. Como devido a esta atuação da Recorrida, a obra ficou inutilizada e a M... resolveu o contrato com justa causa, a reparação dos defeitos tornou-se impossível, pelo que ficou a Recorrente desobrigada do pagamento à Recorrida da fatura nº 2021/...00.

Q. O Tribunal da Relação violou o disposto no artigo 428º do CC, uma vez que é de aplicar este regime porque, por um lado, os defeitos denunciados pela Recorrente diziam respeito ao auto de Junho de 2021 e, por outro lado, ainda que se considerasse que parte da obra estava apta para o fim a que se destinava, o comportamento da Recorrida no fim de semana de 17 e 18 de Julho de 2021, pela sua relevância, inutilizou todo o efeito dos trabalhos executados anteriormente, atenta a resolução do contrato de empreitada pela dona de obra, devendo, por isso, aplicar-se tal regime.

R. Errou o Tribunal da Relação ao julgar improcedente o pedido reconvencional, violando, assim, o disposto nos artigos 798º e 564º, n.º 2, do CC, visto que se verificaram danos à Recorrente, consubstanciados na resolução do contrato de empreitada pela dona de obra, o que constitui um prejuízo nos termos do disposto no artigo 798º do CC e impõe a obrigação de indemnizar, por força do disposto no artigo 562º do CC.

S. O Tribunal da Relação fez uma errada aplicação do disposto nos artigos 798º, 564º, n.º 2, ambos do CC, e 609º, n.º 2, do CPC porque estão reunidos os pressupostos de responsabilidade civil, existindo um dano futuro e previsível da Recorrente, consubstanciado no facto de, pelas regras de experiência comum, tendo a dona de obra resolvido o contrato, manifestando nessa carta de resolução a sua intenção inequívoca de exigir a penalidade pelo incumprimento contratual, tendo, posteriormente, enviado a fatura relativa a essa penalidade à Recorrente e liquidado o respetivo IVA, tal significa, sem margem para dúvidas, que existe uma séria previsibilidade de vir a exigir judicialmente o respetivo montante.

T. Acresce que a carta de resolução contratual e a fatura que se lhe seguiu, juntas como docs. n.ºs 16 e 17 da oposição à injunção, claramente demonstram que a exigência do pagamento da indemnização pelo incumprimento contratual já se verificou, embora ainda só extra judicialmente, e não é, por isso, um dano incerto, ao contrário do que entendeu o Venerando Tribunal da Relação.

U. Devendo ter-se também em consideração que, tratando-se de uma condenação condicional, a mesma fica dependente da consumação de um evento futuro, pelo que, não se verificando tal evento, nada poderá ser exigido à Recorrida.

V. Sendo certo que, por outro lado, facilmente se depreende que o não pagamento das faturas à Recorrente pela dona de obra constitui igualmente um dano, conforme facto provado oo) do douto Acórdão sub judice (pág. 75), o qual exige ressarcimento nos termos do disposto no artigo 798º do CC.”

9. A Requerente apresentou contra-alegações, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

“I. Nos termos do art. 674.º/3 do CPC, a sindicância do julgamento da matéria de facto em sede de recurso de revista está reservada às situações em que o Tribunal recorrido tenha violado as disposições normativas que exigem determinada espécie de prova para que o facto se tenha por provado ou que impõem a força probatória de determinado meio de prova.

II. Tal não é o caso das alterações de facto pretendidas pela Recorrente. Porquanto os pontos suscitados pela Recorrente foram julgados pelo Tribunal a quo mediante a livre apreciação da prova produzida - testemunhal e documental (documentos particulares) - sem que isso tenha feito incorrer o Tribunal em qualquer violação da lei substantiva ou adjetiva; assim, as alterações introduzidas à resposta à matéria de facto foram extensissimamente justificadas e fundamentadas no Acórdão recorrido, pelo que não se vislumbra qualquer discricionariedade no julgamento efetuado.

III.Não obstante se entender que o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo é adequado, crítico, correto e visivelmente sustentado na prova produzida, ao abrigo dos poderes de cognição do Tribunal a quo, o presente Recurso não pode apreciar e julgar de facto, posto que não se encontram verificadas as condições previstas no art. 674.º/3 do CPC.

IV. Nestes termos, e quanto à pretendida alteração da resposta à matéria de facto identificada pela Recorrente com as alíneas g), r), z), o), p) e v), não pode ser dado provimento por este d. Tribunal.

V. A ora Recorrida havia alegado, em sede de Recurso de Apelação, que o d. Tribunal de 1.ª instância havia violado a lei substantiva ao aplicar erradamente nos autos o disposto no art. 795.º do CC quando, na realidade, os factos demonstrados adequavam-se, sim, à materialidade do disposto no art. 793.º do CC; consequentemente, sempre deveria a Recorrida ser remunerada pelos trabalhos executados e entregues ao abrigo da subempreitada, porquanto os mesmos foram recebidos e aceites pela Recorrente (vide als. t), u), v) e jj) da matéria de facto provada e al. 17) dos factos não provados).

VI. O art. 795.º do CC é aplicável à circunstância da impossibilidade de realização da prestação, ou seja, é necessário que a prestação que se torna impossível ainda não tenha sido realizada; porém, como bem ficou explícito nos autos, a prestação foi executada - ainda que se entenda que tenha sido parcialmente - pela Recorrida, pelo que, logicamente, nunca se poderá considerar impossível uma prestação que já foi realizada.

VII. Mesmo que se considere que a prestação contida na fatura 2021/...04 não foi realizada, de todo, e que não se cumpriu, não podemos esquecer que o auto de medição dos trabalhos de junho de 2021 foi aceite pela Recorrente, pelo que se tais trabalhos foram entregues e aceites, nunca poderiam ser impossíveis.

VIII. A prestação da Recorrida não era una e indivisível porquanto era composta de várias tarefas que foram sendo sucessivamente executadas, entregues, recebidas e aceites e que, por sinal, foram parceladamente medidas, faturadas e pagas.

IX. As vicissitudes contratuais decorrentes dos factos ocorridos não impediram a Dona da Obra de receber a maior parte dos trabalhos previstos, já que os mesmos foram efetivamente recebidos e aceites, depois de entregues pela Recorrida, considerando-se por isso aptos aos respetivos fins, não tendo a obra ficado inutilizada.

X. Nos termos do disposto no art. 1222.º do CC poderia também haver lugar à redução do preço, sob pena de se decretar judicialmente uma total desproporção entre prestações, excessivamente onerosa para a Recorrida que executou a subempreitada na sua quase totalidade e apenas recebe metade do seu valor.

XI. Assim, e tal com o entendeu o Tribunal a quo, a norma aplicável aos factos sub judice deverá ser o art. 793.º/1 do CC, uma vez que ao aplicar-se o art. 795.º do CC, tal como pretendido pela Recorrente, o tribunal a quo violaria a lei substantiva, dado que as prestações da Recorrida, ao terem sido prestadas (e ainda que parcialmente), nunca poderiam ser impossíveis aos olhos da lei.

XII. Não podia a Recorrente invocar a exceção de não cumprimento, argumentando a falta de cumprimento da prestação da Recorrida para se escusar a pagar a fatura 2021/...00, uma vez que, conforme resulta do julgamento da matéria de facto, os trabalhos em causa na referida fatura haviam sido recebidos e aceites pela Recorrente: se tudo está cumprido, conforme se provou, nada há a recusar cumprir por parte da Recorrente.

XIII. O Tribunal a quo decidiu bem ao afastar a aplicabilidade do art. 428.º do CC e a exceção de não cumprimento, em face daquela que foi a matéria de facto provada, devendo manter-se a decisão a quo e negando provimento a esta parte do presente Recurso.

XIV. De acordo com a resposta à matéria de facto, conforme julgada pela 1.ª e 2.ª instâncias, a Recorrente não logrou demonstrar quais os concretos motivos para a recusa do pagamento das faturas pelo dono da obra ou para a aplicação de penalidade contratual por parte da M...: nesse sentido, inexiste qualquer nexo causal entre a atuação contratual da Recorrida e os alegados danos sofridos pela Recorrente.

XV. Andou bem o Tribunal a quo ao determinar que não podia haver lugar a qualquer condenação da Recorrida no pedido reconvencional, posto que "Não foram concretamente apuradas as razões que determinaram a M..., SA. a comunicar a resolução do contrato de empreitada" (cfr. Acórdão recorrido), pois se não se existe um dos pressupostos da responsabilidade civil, não pode haver lugar a qualquer ressarcimento nos termos do disposto no art. 798.º do CC.

XVI. Ao absolver a Recorrida do pedido reconvencional, o Tribunal a quo assegurou corretamente o cumprimento do disposto no art. 798.º do CC, reconhecendo a inexistência de nexo causal entre a suposta atuação da Recorrida e os supostos prejuízos da Recorrente.

XVII. O art. 564.º/2 do CC determina que apenas os danos futuros previsíveis são indemnizáveis, não sendo possível relegar a demonstração do dano futuro meramente hipotético para liquidação em execução de sentença, nos termos do disposto no art. 609.º do CPC, pois apenas os danos previsíveis, ainda que não determináveis, podem ser observados para quantificação da indemnização.

XVIII. In casu, os alegados danos patrimoniais peticionados pela Recorrente não são sequer previsíveis, dado que não há sequer tentativa judicial de cobrança de parte a parte, a correr entre a Recorrente e a M... e, tanto quanto se sabe, ambas as partes podem ter resolvido extrajudicialmente o tema, não tendo como intenção obter pagamento das referidas quantias, nada havendo, por isso, a pagar pela Recorrida à Recorrente.

XIX. Em boa-fé e razoabilidade, não há como sustentar uma suposta condenação da Autora no pagamento destes montantes peticionados pela Ré, sob pena de se permitir o enriquecimento da Recorrente às custas da Recorrida, sem causa efetiva.

XX. A Recorrente não fez prova nos autos dessa suposta medida, posto que não se demonstrou ter sofrido qualquer dano, uma vez que o dano só se concretizará quando for claro e inequívoco que a Recorrente não receberá, definitivamente, o pagamento das faturas emitidas à Dona da Obra e que a Recorrente será obrigada a liquidar determinada quantia à M... a título de incumprimento contratual.

XXI. Os danos invocados pela Recorrente, por ora, são futuros e incertos. E a condenação da Recorrida no seu pagamento só promoverá uma eventual fraude à lei civil e à lei de processo, pelo que falham também aqui os pressupostos em que assenta o pedido de indeminização formulado a título reconvencional: inexistem quaisquer danos ou prejuízos sofridos pela Recorrente, suscetíveis de serem indemnizados pela Recorrida.”

10. Cumpre analisar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo R. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso é o seguinte:

- a alteração da matéria de facto provada e não provada – conclusões a) a h) – tendo sido violado o disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil;

- erro na determinação da norma aplicável: artigo 793.º/795.º, do Código de Processo Civil;

- aplicabilidade do artigo 428.º do Código Civil;

- a reconvenção.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa):

1.a. A autora é uma empresa industrial que se dedica ao desenho, fabrico e montagem de móveis, revestimentos e outros produtos com madeira e derivados de madeira, na qual centra a sua actividade principal.

1.b. A R. dedica-se à consultoria, gestão e manutenção de edifícios públicos e particulares, construção civil e obras públicas, remodelações, consultoria, comércio de materiais de construção, arquitectura, gestão e exploração de empreendimentos turísticos e hoteleiros, também como actividade lucrativa.

1.c. No âmbito das respectivas actividades, em 8 de Março de 2021, a A. apresentou à R. o orçamento GF_2116I relativo ao fornecimento e montagem de carpintarias destinadas à obra dos escritórios Grupo M..., sita no edifício ..., em ..., de cuja remodelação a R. estava incumbida pelo proprietário no âmbito da sua actividade profissional.

1.d. O orçamento apresentado referido em c) tinha como observações “Com Adjudicação até 8/3 conclusão até 21/5”.

1.e. A R. aceitou o orçamento a 9 de Março de 2021, no valor total de 123.102,79 €.

1.f. O preço deveria ser pago pela ré: 30% na data da adjudicação dos trabalhos e os restantes pagamentos por auto de medição mensais.

1.g. Os trabalhos a realizar pela A. incluíam mão-de-obra e materiais.

1.h. Nos termos do contrato celebrado entre as partes, a A. obrigou-se a executar os trabalhos que lhe tinham sido adjudicados pela R. até ao dia 21 de Maio de 2021.

1.i. Nos termos do referido contrato a R. obrigou-se a liquidar 30% do valor do orçamento na adjudicação dos trabalhos à A, o que fez, sendo os pagamentos subsequentes feitos no prazo de 30 dias após a aprovação do respectivo auto de medição.

1.j. O prazo de conclusão da subempreitada indicado em h) foi condição essencial para a adjudicação dos trabalhos pela R. à A., dado que, enquanto empreiteira desta obra, a R. assumiu igualmente obrigações, entre as quais o prazo de execução da empreitada até esse dia 21 de Maio 2021.

1.k. Nos termos impostos pela R, “antes da execução dos trabalhos, o adjudicatário obrigar-se-á a apresentar à consideração da direção de obra amostras/documentação técnica de todos os materiais e acessórios a instalar, tudo sujeito a aprovação para início dos trabalhos”.

1.l. Os trabalhos subcontratados à A. deveriam seriam efectuados de acordo com o planeamento inicial elaborado pela R, nos termos constantes do documento junto a fls. 83 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

1.m. A 16 de Março de 2021, a R. enviou à A. o planeamento com entrada da A. em obra a 12 de Abril, ao qual a A. respondeu, por mensagem de correio electrónico de 19 de Março de 2021, com o seguinte teor:

“Após analisarmos o planeamento partilhado e contemplando a nossa entrada a 12 abril e saída a 21 de maio, atendendo à ordem de trabalhos somos forçados a informar que não iremos conseguir entrar na data por vós prevista. Estamos já partilhar com a BB esta informação pois, acima de tudo, queremos manter a transparência e, ao mesmo tempo, pedir a vossa colaboração neste tema, para em que conjunto, possamos encontrar uma solução ou comprar mais tempo ao vosso cliente.

Este arrastar de datas pesa sobretudo, como vimos na visita à obra, os acesso irão condicionar o transporte de material, o que por uma lado leva a um repensar da modulação dos itens orçamentados e, por outro, torna todo o processo de montagem mais moroso. A acrescentar ainda existem alguns pontos que ainda estão a ser fechados o que não nos permite fechar os desenhos de preparação. Neste momento e com a informação que temos estamos a considerar entrar em obra dia a 3 de maio e sair a 5 junho.

Aguardamos o vosso feedback,”

1.n. Em 19 de Março de 2021, a autora, através da mensagem de correio electrónico referida em m) informou não conseguir entrar na obra na data prevista e propôs outras datas para o efeito.

1.o. Durante os meses de Março e Abril de 2021 a ré introduziu alterações nas peças desenhadas e escritas no projecto, obrigando a autora a proceder a alterações aos desenhos técnicos necessários à produção das carpintarias.

1.p. Em 31 de Março de 2021, 2 de Abril de 2021, 7 de Abril de 2021 e 22 de Abril a A. remeteu à Directora de Produção da R, os emails com o conteúdo dos documentos juntos a fls. 78 verso a 79 verso, 80 verso, 81 e 82 verso cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

1.q. Em 7 de Maio de 2021 a A. remeteu à Directora de Produção da R, a mensagem de correio electrónico com o conteúdo do documento junto a fls. 84 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde refere que de acordo com o cronograma estava prevista a sua entrada no dia 4/5, mas devido à falta de condições em obra, entraram com o mobiliário apenas no dia 5/5, não estando os gabinetes por onde deveriam iniciar em condições, pelo que houve que reprogramar os trabalhos, a iniciar apenas a 10 de Maio.

1.r. A ré alertou a autora, por diversas vezes, para a necessidade de terminar os trabalhos de carpintaria em função dos prazos previstos para o término da obra, dando conta de possíveis prejuízos para si caso tal não sucedesse.

1.s. A autora executou a globalidade das peças de carpintaria contratadas, que colocou na obra, mas não cumpriu o prazo referido em j).

1.t. No final de Junho de 2021, a A. elaborou o respectivo auto com os trabalhos realizados, aprovado pela R, e emitiu a factura nº 200.

1.u. O auto de medição de Junho de 2021 foi aprovado por A. e R..

1.v. A 30 de Junho de 2021, indicando como data de vencimento a mesma data, a autora emitiu a factura 2021/200, no valor de 23 037,06 €, referente ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de Junho, que remeteu à ré, que não a devolveu.

1.w. Em 7 de Julho de 2021, a R. informou a A. de que era necessário proceder a várias rectificações nos mais variados locais da obra.

1.x. Posteriormente, mantendo-se defeitos, a ré, através de mensagens de correio electrónico dirigidas à autora, com datas de 8 de Julho de 2021, 10 de Julho de 2021, 11 de Julho de 2021 e 14 de Julho de 2021, voltou a pressioná-la para que aqueles fossem corrigidos, tendo a autora procedido apenas a algumas reparações exequíveis no local.

1.y. Várias peças fabricadas pela A. e colocadas na obra foram reclamadas pela R. por apresentarem defeitos.

1.z. Após a analisar as reclamações, a A. concluiu que das peças reclamadas, apenas 18 peças tinham defeito, tendo procedido à sua imediata substituição, rejeitando qualquer responsabilidade na reparação das demais situações, por entender que foram danificadas por responsabilidade da R..

1.aa. Relativamente às peças danificadas cuja responsabilidade rejeitou a A. propôs-se a realizar esse trabalho extraordinário, reparando as peças desde que a R. assumisse o pagamento do custo dessa reparação.

1.bb. A A, no fim-de-semana anterior à mudança dos serviços da M... para as novas instalações, solicitou autorização para ir à obra desmontar algumas peças que tinham sido mal executadas para as levar para reparação.

1.cc. Sendo que, depois de ter as peças em seu poder, exigiu o pagamento imediato do valor de todos os trabalhos, e, ainda, uma quantia pela reparação dessas peças.

1.dd. Tais peças já tinham sido colocadas e entregues ao dono da obra e este autorizou que fossem retiradas apenas por lhe ter sido garantido pela Arquitecta DD, legal representante da A, que eram levadas com o único intuito de serem reparadas e recolocadas em 48 horas, de forma a ficar tudo pronto para que a M... pudesse ocupar as instalações a partir da segunda-feira seguinte, para o que já tinha feito a mudança nesse fim de semana.

1.ee. Em 13 de Julho de 2021 a A. remeteu à R, uma mensagem de correio electrónico com o seguinte conteúdo:

“Boa Tarde AA,

No seguimento da reunião de ontem propomos a execução dos trabalhos em anexo nos próximos dias 15,16 e 17 a partir das 8:30H com duração até ás 20h.

Na sequencia das diversas tentativas de contacto telefónico e por email aguardamos o pagamento das 3 facturas vencidas :


Perante a ausência do pagamento das mesmas até a data somos obrigados a condicionar os trabalhos acima propostos, até ao pagamento das mesmas.

Caso o pagamento seja realizado até amanha ás 15h, estaremos na Obra da M... no dia 15,16,17, caso contrário não teremos condições para realizar os mesmos.

Relembro que a Gotflow já forneceu 100% dos artigos contratados e estamos apenas a preparar afinações e retificações, como tal é nos devido o pagamento da Fact 200 assim como das outras facturas referentes a outra obra também já concluída.

Agradeço assim a sua compreensão e celeridade no pagamento.”

1.ff. Em 15 de Julho de 2021, a A. elaborou um auto referente aos trabalhos realizados no mês de Julho e emitiu a factura 204, que enviou à R..

1.gg. A R. não aprovou o auto de medição referente à factura n.º ...04/2021 emitida pela A..

1.hh. A 15 de Julho de 2021, indicando como vencimento a mesma data, a A. emitiu a factura 2021/...04, no valor de € 28.913,93, e por referência o auto de obra referente à produção e montagem de carpintaria dos escritórios M... no ... em ..., que remeteu à R..

1.ii. A A. fez depender a correcção dos defeitos enunciados do pagamento das facturas referidas em v) e hh).

1.jj. A R. não pagou à A. os valores titulados nas facturas supra, pese embora a insistência da A..

1.kk. Após os factos referidos em bb), a A. remeteu à ré, em 17 de Julho de 2021, às 17h38, uma mensagem de correio electrónico com o seguinte conteúdo:

“Concluímos agora a primeira fase das reparações da obra do escritório do grupo M..., que consistiu na recolha das peças a reparar.

Tendo já o número correto final das peças a reparar, concluímos que o valor desta reparação, a suportar pela Inovbuild, será de 12.720€.

De modo a avançarmos de imediato para a correção das peças e montagem das mesmas em obra, agradecemos que seja transferido o valor global em falta, devido pelo nosso trabalho, num total de 72.110,26 €, já incluindo estes 12.720€.

Assim que confirmemos a receção do valor em conta, avançaremos com a reparação e instalação das peças recolhidas, assim como às afinações finais referidas anteriormente.

Atentamente,”

1.ll. A autora corrigiu alguns dos defeitos reclamados pela ré consistentes em afinações e rectificações no local da obra, mas os demais, designadamente as peças retiradas do local, mantiveram-se sem reparação.

1.mm. A retirada das peças pela autora e a sua não recolocação referidas nas alíneas bb), cc) e ll) impediu que a ré entregasse a obra à dona de obra na data prevista para a inauguração (19 de Julho de 2021).

1.nn. A M..., SA. A. dirigiu à ré uma carta, entregue em 10 de Agosto de 2021, com o seguinte teor:

“Pela nossa carta (adjudicação n° 1/2021), datada de 15 de Fevereiro de 2021, foi-vos adjudicada a obra de remodelação interior de escritórios do 11° piso do edifício ..., no ....

Por declaração da mesma data, V. Exas. aceitaram a referida adjudicação com todas as suas condições gerais e especiais.

Das vossas obrigações contratualmente assumidas relevam na presente situação:

a) A obrigação de iniciarem os trabalhos em 20 de Fevereiro de 2021;

b) A obrigação de terminarem os trabalhos em 21 de Maio de 2021;

c) Não subempreitar total ou parcialmente os trabalhos adjudicados sem nossa autorização escrita. Acrescenta o contrato que, sendo dada tal autorização, V. Exas. como Empreiteiro continuam a ser a única entidade responsável, quer perante a Dona da Obra, quer perante as entidades públicas.

Por outro lado, é essencial num contrato a execução e entrega da obra conforme contratualizado. No plano factual, verificaram-se os seguintes factos:

a) A obra em 21 de Maio de 2021 não estava concluída;

b) V. Exas estavam avisados e conhecedores de que a nossa Empresa tudo planificou no sentido de, o mais tardar até 19 de Julho de 2021, ter todos os seus serviços instalados no ... e aí exercer todas as actividades sem qualquer limitação ou restrição;

c) Essa empresa jamais pediu suspensão de contagem do prazo contratualizado, nem por motivos de força maior, nem por qualquer outro motivo;

d) Subcontrataram parte da empreitada numa outra Empresa a GOTFLOW, LDA, sem qualquer autorização escrita da nossa parte;

e) No fim de semana de 17 e 18 de Julho, a pretexto da necessidade de reparação de algumas peças em oficina alguns trabalhadores afectos à obra removeram e levaram portas, tampas e forras, que até hoje não foram restituídas. Nem reparadas, nem por reparar.

f) Removeram peças que nem necessitavam de ser reparadas, tendo a remoção sido feita de forma selectiva, já que foram retiradas uma ou duas peças de cada gabinete, o que o impede a utilização desses gabinetes desde Segunda-Feira, dia 19/07/2021.

g) Os trabalhadores que removeram os bens do local, afirmaram à Dona da Obra que iriam levar apenas as peças danificadas e que, após isso, recolocariam tudo antes da Segunda Feira, 19/07/2021, para garantir a inauguração e o início da utilização do espaço.

h) Apesar disso, tais trabalhadores, aparentemente pertencentes ao V/ subempreiteiro Gotflow, Lda., nada repararam e nada recolocaram até hoje, e além disso destruíram parte do trabalho já executado e deixaram um rasto de vandalismo propositado.

i) A obra foi abandonada em estado de inacabada e

j) Vandalizada com indícios de vandalização dolosa.

k) Tanto mais que o V/ subempreiteiro, invocou para o efeito (não sabemos se bem ou mal) dividas vossas relativas a esta obra e a outras (também nada sabemos da eventual veracidade disto).

l) O que sabemos é que, em consequência disto, estamos obrigados a trabalhar parcialmente no local e com muitas limitações e dificuldades.

m) E que fomos forçados a contratar nova entidade para reparar os danos e completar o que falta fazer e que é da V/ responsabilidade.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no ponto 16 das Condições Gerais da Empreitada, dos artigos 432', n° 1 e 436° n° 1, ambos do Código Civil, procedemos por esta via à resolução com justa causa do contrato de empreitada em referência, entre nós celebrado em 15 de Fevereiro de 2021.

A presente resolução contratual é feita sem prejuízo do nosso direito à indemnização pelos danos causados com o vosso incumprimento e abandono da obra, e pelo pagamento das penalidades previstas no n° 11, alínea e) das CGE, no valor de 154.875,00 (= 525.00011000x5x59 dias).”

1.oo. A M... não efectuou o pagamento à R. das últimas facturas desta obra n.ºs 1/...80, 1/...79e 1/...78, as quais perfazem o valor de 70035,70 €.

1.pp. A obra da M... constituía uma obra de referência para a R, dada a sua localização no centro de ... e a importância da cliente M... para o futuro da R, que tinha a expectativa de voltar a executar outros trabalhos para aquela.

2. E foram julgados como não provados os seguintes factos:

2.1. Não se provou que o orçamento referido c) tivesse sido apresentado a pedido da R..

2.2. Não se provou que os trabalhos deveriam ser liquidados na data da emissão da factura.

2.3. Não se provou que a obra da A. teve início a 27 de Abril de 2021, nem que só nessa data a R. possibilitou à A. que entrasse na obra.

2.4. Não se provou que os trabalhos foram concluídos pela A. a 10 de Julho de 2021.

2.5. Não se provou que à data da emissão da factura referida em v) a obra estivesse concluída.

2.6. Não se provou que a M... recusou o pagamento das facturas referidas em oo).

2.7. Não se provou que apenas a 23 de Março de 2021 a R. liquidou os 30% do valor da adjudicação, nem que em 17 de Junho de 2021 tivesse liquidado os trabalhos realizados no mês de Maio.

2.8. Não se provou que a autora realizou as correcções/substituições reclamadas pela ré aos trabalhos executados.

2.9. Não se provou que imediatamente após a adjudicação a R. procedeu a sucessivas alterações ao projecto, obrigando a A. a redesenhar várias vezes as peças e não aprovando as preparações da A, designadamente ao nível dos desenhos técnicos e materiais, atrasando constantemente a actividade de produção das carpintarias.

2.10. Não se provou que durante o mês de Março a R. realizou alterações ao cronograma geral da obra, nem que em função dessas alterações obrigou a A. a alterar sucessivamente o planeamento e o cronograma dos seus trabalhos.

2.11. Não se provou que por acordo entre A. e R. o prazo de conclusão dos trabalhos foi adiado para 28 de Maio de 2021.

2.12. Não se provou que a R. não concluiu as paredes, tectos e pavimentos de acordo com o cronograma por si estabelecido, impedindo a A. de confirmar e rectificar as medidas dos móveis em obra na data prevista.

2.13. Não se provou que a R. se obrigou a concluir todos os trabalhos referentes aos tectos falsos, revestimento de paredes e pavimentos e pinturas, antes da entrada da A. na obra, disponibilizando-lhe os locais limpos e prontos a receberem as carpintarias.

2.14. Não se provou que na data referida em ff) a obra da A. estava concluída, nem que o auto de medição tivesse sido aprovado pela R..

2.15. Não se provou que na data referida em ff) faltava apenas realizar afinações e rectificações finais nas carpintarias.

2.16. Não se provou que a R. seja conhecida no mercado por não pagar aos fornecedores.

2.17. Os trabalhos a que se refere o auto de medição de Junho de 2021 apresentaram vários defeitos, cuja correcção foi solicitada pela R. à A. e que esta recusou fazer.

2.18. A A., a par da desmontagem das peças que necessitavam de reparação, desmontou outras que não necessitava de correcção de defeitos e destruiu alguns dos trabalhos executados.

2.19. Os factos descritos em nn) fizeram com que esta expectativa se frustrasse, dada a quebra de confiança da cliente M... na R..

2.20. A imagem da R. perante a M... ficou denegrida pela actuação da A..

3. A Reapreciação da matéria de facto

No Acórdão sob recurso, no que concerne à reapreciação da matéria de facto, decidiu-se alterar a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1ª instância.

A Ré/Recorrente insurge-se contra a posição assumida pelo Tribunal da Relação, por, no seu entendimento, o Tribunal da Relação não podia ter feito uma reapreciação da prova, alterando a matéria de facto.

Entende a Recorrente que o Tribunal da Relação incorreu em violação da lei adjetiva – concretamente do artigo 662.º, n.º1, do Código de Processo Civil – ao determinar a alteração da matéria de facto assente sem que a prova produzida o permitisse, pelo que conclui pedindo a alteração da decisão do Tribunal da Relação que alterou a decisão do Tribunal de 1.ª instância quanto aos factos descritos na sentença de 1.ª instância sob as alíneas g), r), z), o), p) e v).

A Recorrida, nas suas alegações, refere que a decisão do Tribunal da Relação deve ser mantida.

Consabido é que o Supremo Tribunal de Justiça, não "julga de facto" mas tão-só "de direito". Ou seja: por regra, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (cf. artigo 46º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, LOSJ, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 24 de outubro).

Nessa conformidade:

- Em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, compete somente a aplicação, em definitivo, do regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (cf. n.º 1 do artigo 682.º do Código de Processo Civil)

- À Relação comete-se o dever de modificar a decisão sobre a matéria de facto, sempre que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.

- Assim, em caso de recurso com impugnação da decisão relativa à matéria de facto (nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil), em decorrência do que dispõe este n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, a Relação pode e deve formar e formular a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.

Ou seja, face a esta autonomia decisória, a Relação há-de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação de provas, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida.

Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo 662.º do Código de Processo Civil impõe o dever à Relação de, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

Todavia, excecionalmente, no recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça:

i) Pode corrigir qualquer "erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa" se houver ofensa pelo tribunal recorrido de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova (prova tarifada ou legal), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 682.º, n.º 2, e 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil;

ii) Intervém na decisão sobre a matéria de facto, quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil;

iii) Tem intervenção na decisão sobre a matéria de facto se considerar que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos termos do referido n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil.

Em síntese:

- Às instâncias compete apurar a factualidade relevante;

- Com carácter residual, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça destina-se a averiguar da observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes.

Contudo, o STJ pode censurar o mau uso que o tribunal da Relação tenha eventualmente feito dos seus poderes sobre a modificação da matéria de facto, bem como pode verificar se foi violada ou feita aplicação errada da lei de processo (alínea b) do n.º1 do artigo 674.º do Código de Processo Civil.

Ora,

Como refere a Recorrida, a questão aqui suscitada pela Recorrente não comporta recurso de revista para o STJ, por força das disposições conjugadas do artigos 674.º, n.º3, e 682.º, n.º2, do Código de Processo Civil, quando estão em causa meios de prova sem força probatória tabelada, como os invocados – depoimento testemunhal e documento particular.

Quer isto dizer que fora dessas situações o legislador entende que os meios de prova não têm força probatória fixada, situando-se o julgador no âmbito da livre apreciação da prova, conforme a sua convicção, perante os diversos meios de prova que lhe são apresentados.

Na tarefa de conhecer da impugnação da matéria de facto que seja suscitada no recurso de apelação, estando o tribunal a julgar no âmbito dessa livre apreciação da prova, não estamos perante uma situação em que o tribunal viole o artigo 662.º do Código de Processo Civil, pelo facto de dar mais relevo a uma versão ou outra dos factos, consoante a mesma lhe seja mais plausível, não bastando ao recorrente invocar a violação do regime do artigo 662.º do Código de Processo Civil para que o seu recurso de revista possa compreender a referida matéria.

No presente recurso, a alegação da Recorrente é no sentido de o tribunal não ter atendido à versão dos factos que a Recorrente entende ser a devida, mas sempre por referência a meios de prova sujeitos a livre apreciação e sem que essa livre apreciação seja sindicável só porque o Recorrente discorda do resultado.

Ou seja, a sindicância do julgamento da matéria de facto em sede de recurso de revista está reservada às situações em que o Tribunal recorrido tenha violado as disposições normativas que exigem determinada espécie de prova para que o facto se tenha por provado ou que impõem a força probatória de determinado meio de prova.

In casu, vejamos os factos a Recorrente, tomando por referência a sequência da própria Recorrente:

a) Factos dados como provados pela instância g), r) e z) – a Recorrente invoca a desconsideração dos seguintes meios de prova: documento n.º 5 da oposição à injunção, datado de 7/06/2021, documento junto em audiência, datado de 6/06/2021, documentos n.ºs 8 a 10 da oposição à injunção. Em momento algum a Recorrente indica que tais documentos tenham força probatória tabelada, que houvesse sido desrespeitada;

b) Facto provado o) da sentença de instância - a Recorrente invoca a desconsideração dos seguintes meios de prova: documentos n.ºs. 12, 13, 14 e 16 da oposição à injunção. Também, neste caso, a Recorrente indica que tais documentos tenham força probatória tabelada, que houvesse sido desrespeitada;

c) Facto provado p) da sentença de instância - a Recorrente invoca a desconsideração dos seguintes meios de prova: documento n.º 16 da oposição à injunção e os depoimentos das testemunhas AA, BB e CC (indicando que sobre eles o Tribunal da Relação não se pronunciou), bem como desconsiderou o mesmo por ser um juízo valorativo.

No recurso de apelação, a Autora impugnou o ponto p) dos factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª instância, na sentença que proferiu.

E esse ponto p) tinha a seguinte redação: “O comportamento contratual da A. repercutiu-se no contrato de empreitada celebrado entre a R. e a M...”.

Apreciando, o Acórdão recorrido decidiu eliminar do elenco factual o que consta no ponto p) citado, afirmando: “Por outro lado, o vertido na alínea p) dos factos assentes constitui uma conclusão que deverá ser retirada a partir de factos concretos objecto de alegação e prova que se integrem no thema decidendum, ou seja, trata-se de um juízo de valor que não deve figurar no elenco factual da decisão.”

Ora, o artigo 607.º, n.º4, do Código de Processo Civil prescreve que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

- Quanto aos factos conclusivos cumpre observar na elaboração do acórdão, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 663.º,n.º2, do Código de Processo Civil –

No âmbito do VCódigo de Processo Civil, o n.º4 do artigo 646.º prescrevia que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes.”

Como se sabe, esta norma não transitou para o NCódigo de Processo Civil, o que não significa que na elaboração da sentença o juiz deva atender às conclusões ou meras afirmações de direito.

Ao juiz apenas é atribuída competência para a livre apreciação da prova de facto da causa e para se pronunciar sobre factos que só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados por documento, admissão ou confissão.

Ao juiz compete determinar, interpretar e aplicar a norma jurídica (n.º3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil) e pronunciar-se sobre a prova dos factos admitidos, confessados ou documentalmente provados (artigo 607.º, n.º4).

Às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência”

(Lebre de Freitas e Montalvão Machado, Código de Processo Civil, Anotado, vol. II, p.606).

“Às respostas do colectivo, que incidindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito”

(Antunes Varela, J. M. Bezerra, Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, p.648)

Em qualquer das circunstâncias referidas, confirmando-se, em concreto, que determinada expressão tem natureza conclusiva ou é de qualificar como pura matéria de direito, deve continuar a considerar-se não escrita porque o julgamento incide sobre factos concretos.

Nestes autos, a Ré invoca que celebrou com a Autora um contrato de subempreitada e que, por incumprimento do contrato de subempreitada por parte da Autora, o dono da obra veio resolver o contrato de empreitada que havia celebrado com a Ré, reclamando o pagamento de uma indemnização.

Assim, importaria saber se foi em consequência do não cumprimento das obrigações da Autora, como subempreiteira, incumprimento que veio a manifestar-se no incumprimento do contrato de empreitada que a Ré havia celebrado com a dona de obra, o que conduziu à resolução do contrato de empreitada por parte da dona da obra e à reclamação de uma indemnização.

Como afirma o Tribunal da Relação estamos em presença de um facto conclusivo, porquanto a conclusão deveria ser retirada de factos concretos.

Deste modo, não se trata de matéria de facto, mas de matéria conclusiva, pelo que o ponto deve ser considerado como não escrito, isto é, trata-se de mera conclusão que não pode ser considerada.

Ou, como se afirma no Acórdão recorrido, “trata-se de um juízo de valor que não deve figurar no elenco factual da decisão”.

O Tribunal da Relação agiu no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, podendo e devendo decidir se no elenco dos factos foram colocadas indevidamente conclusões jurídicas ou meras conclusões, eliminando-as, sendo caso disso.

d) Facto provado v) – a Recorrente invoca a desconsideração do poder de livre apreciação de depoimentos testemunhais, questionando o juízo que sobre eles fez a 1ª instância e pretendendo que sobre isso o tribunal superior não se possa imiscuir. Mas não tem razão, pois contrariamente ao referido pela Recorrente, e como já atrás afirmado, a Relação há-de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação de provas, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida.

Não havendo indicação de outro tipo que possa ser considerada à luz do artigo 662.º do Código de Processo Civil como relativa ao modo como o tribunal recorrido exerceu a sua função de fixação da matéria de facto, não pode este STJ conhecer das questões supra elencadas.

Deste modo, nesta questão, a Ré/Recorrente não tem razão.

4. Erro na determinação da norma aplicável

A Recorrente veio insurgir-se contra a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa por este Tribunal ter assentado a sua decisão no facto de entender que, ao contrário do que considerou o Tribunal de 1.ª instância, não se verificar uma situação enquadrável no artigo 795.º do Código Civil, mas antes no artigo 793.º do mesmo diploma legal, dado que que considerou que ocorreu uma impossibilidade parcial de cumprimento da obrigação por causa não imputável ao devedor, subsumível ao estatuído no artigo 793.º do Código Civil.

Por sua vez, a Recorrida entende que os factos demonstrados adequavam-se à materialidade do disposto no artigo 793.º do Código Civil, pelo que sempre a Recorrida deveria ser remunerada pelos trabalhos executados e entregues ao abrigo da subempreitada, porquanto os mesmos foram recebidos e aceites pela Recorrente. Conclui pelo bem fundado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Prescreve o artigo 1207.º do Código Civil que empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.

Por sua vez, o n.º1 do artigo 1213.º do Código Civil preceitua que subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela.

E no seu n.º2 que é aplicável à subempreitada, assim como ao concurso de auxiliares na execução da empreitada, o disposto no artigo 264.º, com as necessárias adaptações.

Assim, no contrato de empreitada, uma pessoa obriga-se perante a outra a realizar certa obra mediante um preço; no contrato de subempreitada, a que é aplicável o regime legal da empreitada, uma terceira pessoa obriga-se no confronto da primeira, o empreiteiro, a realizar toda ou parte da mencionada obra mediante um preço.

No caso presente, encontra-se demonstrada a existência de um contrato de subempreitada celebrado entre a Ré (empreiteira) e a Autora (subempreiteira), porquanto, como se afirma no Acórdão recorrido, resulta dos factos provados que a Ré se obrigou a executar a obra de remodelação dos escritórios do Grupo M..., em ..., para o que celebrou com a Autora o contrato para a execução dos trabalhos de carpintaria, pelo que se está perante uma subempreitada.

Aliás, a qualificação do contrato celebrado entre as partes não é questionado nos presentes autos.

A Autora veio reclamar o pagamento das faturas n.ºs2021/...00 e 2021/...04, referindo que executou integralmente a obra, corrigiu os defeitos, pelo que reclama o pagamento do preço convencionado.

Por sua vez, a Ré sustentou que a Autora não executou os trabalhos contratados, não concluiu a obra e os trabalhos realizados apresentavam defeitos, de que reclamou e que a Autora não corrigiu, tendo a Autora feito depender a correção das anomalias do pagamento da fatura n.º...00 quando esta ainda não era devida e que não tinha de pagar enquanto a Autora não corrigisse os defeitos; quanto à fatura n.º...04 não foi aprovada, pois os trabalhos a que se reporta não foram executados.

Como atrás se referiu, a questão agora suscitada pela Recorrente está em saber se era aplicável o disposto no artigo 793.º do Código Civil ou o disposto no artigo 795.º do mesmo diploma.

O Tribunal de 1.ª instância entendeu que não seria devida a fatura por a prestação da Autora se ter tornada impossível, perante a resolução do contrato de empreitada celebrado entre o dono da obra e a Ré, por factos imputáveis à Autora, considerando-se a Ré desobrigada do seu pagamento com base no artigo 795.º do Código Civil (norma atinente ao regime da impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor).

O Tribunal da Relação, no Acórdão sob recurso, veio a concluir de forma diferente, entendendo que, no caso presente, seria aplicável o disposto no artigo 793.º do Código Civil, referindo que perante os factos provados, não cumprida a obrigação de eliminação dos defeitos e verificada a impossibilidade de a Ré a ela proceder e fazer recair sobre a Autora os respetivos custos, pela similitude da situação, deve adotar-se a solução que está prevista para as situações de impossibilidade parcial de cumprimento de uma obrigação por causa não imputável ao devedor e que não tendo resultado provado que a cessação do contrato de empreitada ocorreu por força do comportamento da Autora, designadamente, por via do incumprimento da obrigação de eliminar os defeitos, não é possível assacar-lhe a responsabilidade pela impossibilidade dessa eliminação.

Vejamos.

Prescreve o n.º2 do artigo 1211.º do Código Civil que, nas empreitadas, o preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no ato de aceitação da obra.

No caso presente, encontra-se provado que as partes fixaram um preço total, pela execução da obra, em €123 102,79, tendo, ainda, acordado que a Ré liquidava 30% do valor do orçamento na adjudicação dos trabalhos à Autora, o que fez, sendo os pagamentos subsequentes feitos no prazo de 30 dias após a aprovação do respetivo auto de medição.

No final de junho de 2021, a Autora elaborou o respetivo auto com os trabalhos realizados, aprovados pela Ré, e emitiu a fatura n.º...00; o auto de medição de junho de 2021 foi aprovado pela Autora e pela Ré.

A 30 de junho de 2021, indicando como data de vencimento a mesma data, a Autora emitiu a fatura 2021/...00, no valor de €23 037,06, referente ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de junho, que remeteu à Ré, que não a devolveu.

Como se refere no Acórdão recorrido, o dono da obra pode recusar pagar a prestação devida (parte ou até a totalidade do preço ainda não satisfeito), se o empreiteiro interromper a execução da obra sem causa justificativa, ou se ela se não processar, segundo o ritmo estipulado, assim como, não se mostrando a obra executada em conformidade com o devido, enquanto os respectivos vícios não forem eliminados, e que o empreiteiro pode suspender a empreitada na falta de pagamento de uma das prestações devidas no decurso da obra - cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-09-2015, processo n.º 477/07.3TCGMR.G1S1; Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição Revista e Actualizada, pág. 800.

Nestes autos provou-se que:

Em 7 de julho de 2021, a Ré informou a Autora de que era necessário proceder a várias retificações nos mais variados locais da obra.

Posteriormente, mantendo-se defeitos, a Ré, através de mensagens de correio eletrónico dirigidas à Autora, com datas de 8 de julho de 2021, 10 de julho de 2021, 11 de julho de 2021 e 14 de julho de 2021, voltou a pressioná-la para que aqueles fossem corrigidos, tendo a Autora procedido apenas a algumas reparações exequíveis no local.

Várias peças fabricadas pela Autora e colocadas na obra foram reclamadas pela Ré por apresentarem defeitos.

Após a analisar as reclamações, a Autora concluiu que das peças reclamadas, apenas 18 peças tinham defeito, tendo procedido à sua imediata substituição, rejeitando qualquer responsabilidade na reparação das demais situações, por entender que foram danificadas por responsabilidade da Ré.

Relativamente às peças danificadas cuja responsabilidade rejeitou, a Autora propôs-se a realizar esse trabalho extraordinário, reparando as peças desde que a Ré assumisse o pagamento do custo dessa reparação.

A Autora, no fim-de-semana anterior à mudança dos serviços da M... para as novas instalações, solicitou autorização para ir à obra desmontar algumas peças que tinham sido mal executadas para as levar para reparação.

Sendo que, depois de ter as peças em seu poder, exigiu o pagamento imediato do valor de todos os trabalhos, e, ainda, uma quantia pela reparação dessas peças.

Tais peças já tinham sido colocadas e entregues ao dono da obra e este autorizou que fossem retiradas apenas por lhe ter sido garantido pela Arquiteta DD, legal representante da Autora, que eram levadas com o único intuito de serem reparadas e recolocadas em 48 horas, de forma a ficar tudo pronto para que a M... pudesse ocupar as instalações a partir da segunda-feira seguinte, para o que já tinha feito a mudança nesse fim de semana.

Em 13 de julho de 2021 a Autora remeteu à Ré, uma mensagem de correio eletrónico com o seguinte conteúdo:

“Boa Tarde AA,

No seguimento da reunião de ontem propomos a execução dos trabalhos em anexo nos próximos dias 15,16 e 17 a partir das 8:30H com duração até ás 20h.

Na sequência das diversas tentativas de contacto telefónico e por email aguardamos o pagamento das 3 facturas vencidas :


Perante a ausência do pagamento das mesmas até a data somos obrigados a condicionar os trabalhos acima propostos, até ao pagamento das mesmas.

Caso o pagamento seja realizado até amanhã ás 15h, estaremos na Obra da M... no dia 15,16,17, caso contrário não teremos condições para realizar os mesmos.

Relembro que a Gotflow já forneceu 100% dos artigos contratados e estamos apenas a preparar afinações e retificações, como tal é nos devido o pagamento da Fact ...00assim como das outras facturas referentes a outra obra também já concluída.

Agradeço assim a sua compreensão e celeridade no pagamento.”

Em 15 de julho de 2021, a Autora elaborou um auto referente aos trabalhos realizados no mês de julho e emitiu a fatura ...04, que enviou à Ré.

A Ré não aprovou o auto de medição referente à fatura n.º ...04/2021 emitida pela Autora.

A 15 de julho de 2021, indicando como vencimento a mesma data, a Autora emitiu a fatura 2021/...04, no valor de €28.913,93, e por referência o auto de obra referente à produção e montagem de carpintaria dos escritórios M... no ... em ..., que remeteu à Ré.

A Autora fez depender a correção dos defeitos enunciados do pagamento das faturas referidas em v) e hh).

A Ré não pagou à Autora os valores titulados nas faturas supra, pese embora a insistência da Autora.

Após os factos referidos em bb), a Autora remeteu à Ré, em 17 de julho de 2021, às 17h38, uma mensagem de correio eletrónico com o seguinte conteúdo:

“Concluímos agora a primeira fase das reparações da obra do escritório do grupo M..., que consistiu na recolha das peças a reparar.

Tendo já o número correto final das peças a reparar, concluímos que o valor desta reparação, a suportar pela Inovbuild, será de 12.720€.

De modo a avançarmos de imediato para a correção das peças e montagem das mesmas em obra, agradecemos que seja transferido o valor global em falta, devido pelo nosso trabalho, num total de 72.110,26 €, já incluindo estes 12.720€.

Assim que confirmemos a receção do valor em conta, avançaremos com a reparação e instalação das peças recolhidas, assim como às afinações finais referidas anteriormente.

Atentamente,”

A Autora corrigiu alguns dos defeitos reclamados pela Ré consistentes em afinações e retificações no local da obra, mas os demais, designadamente as peças retiradas do local, mantiveram-se sem reparação.

A retirada das peças pela Autora e a sua não recolocação referidas nas alíneas bb), cc) e ll) impediu que a Ré entregasse a obra à dona de obra na data prevista para a inauguração (19 de julho de 2021).

A M..., SA. A. dirigiu à ré uma carta, entregue em 10 de agosto de 2021, com o seguinte teor:

“Pela nossa carta (adjudicação n° 1/2021), datada de 15 de Fevereiro de 2021, foi-vos adjudicada a obra de remodelação interior de escritórios do 11° piso do edifício ..., no ....

Por declaração da mesma data, V. Exas. aceitaram a referida adjudicação com todas as suas condições gerais e especiais.

Das vossas obrigações contratualmente assumidas relevam na presente situação:

d) A obrigação de iniciarem os trabalhos em 20 de Fevereiro de 2021;

e) A obrigação de terminarem os trabalhos em 21 de Maio de 2021;

f) Não subempreitar total ou parcialmente os trabalhos adjudicados sem nossa autorização escrita. Acrescenta o contrato que, sendo dada tal autorização, V. Exas. como Empreiteiro continuam a ser a única entidade responsável, quer perante a Dona da Obra, quer perante as entidades públicas.

Por outro lado, é essencial num contrato a execução e entrega da obra conforme contratualizado. No plano factual, verificaram-se os seguintes factos:

d) A obra em 21 de Maio de 2021 não estava concluída;

e) V. Exas estavam avisados e conhecedores de que a nossa Empresa tudo planificou no sentido de, o mais tardar até 19 de Julho de 2021, ter todos os seus serviços instalados no ... e aí exercer todas as actividades sem qualquer limitação ou restrição;

f) Essa empresa jamais pediu suspensão de contagem do prazo contratualizado, nem por motivos de força maior, nem por qualquer outro motivo;

d) Subcontrataram parte da empreitada numa outra Empresa a GOTFLOW, LDA, sem qualquer autorização escrita da nossa parte;

g) No fim de semana de 17 e 18 de Julho, a pretexto da necessidade de reparação de algumas peças em oficina alguns trabalhadores afectos à obra removeram e levaram portas, tampas e forras, que até hoje não foram restituídas. Nem reparadas, nem por reparar.

h) Removeram peças que nem necessitavam de ser reparadas, tendo a remoção sido feita de forma selectiva, já que foram retiradas uma ou duas peças de cada gabinete, o que o impede a utilização desses gabinetes desde Segunda-Feira, dia 19/07/2021.

g) Os trabalhadores que removeram os bens do local, afirmaram à Dona da Obra que iriam levar apenas as peças danificadas e que, após isso, recolocariam tudo antes da Segunda Feira, 19/07/2021, para garantir a inauguração e o início da utilização do espaço.

h) Apesar disso, tais trabalhadores, aparentemente pertencentes ao V/ subempreiteiro Gotflow, Lda., nada repararam e nada recolocaram até hoje, e além disso destruíram parte do trabalho já executado e deixaram um rasto de vandalismo propositado.

i) A obra foi abandonada em estado de inacabada e

j) Vandalizada com indícios de vandalização dolosa.

k) Tanto mais que o V/ subempreiteiro, invocou para o efeito (não sabemos se bem ou mal) dividas vossas relativas a esta obra e a outras (também nada sabemos da eventual veracidade disto).

l) O que sabemos é que, em consequência disto, estamos obrigados a trabalhar parcialmente no local e com muitas limitações e dificuldades.

m) E que fomos forçados a contratar nova entidade para reparar os danos e completar o que falta fazer e que é da V/ responsabilidade.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no ponto 16 das Condições Gerais da Empreitada, dos artigos 432º, n° 1 e 436° n° 1, ambos do Código Civil, procedemos por esta via à resolução com justa causa do contrato de empreitada em referência, entre nós celebrado em 15 de Fevereiro de 2021.

A presente resolução contratual é feita sem prejuízo do nosso direito à indemnização pelos danos causados com o vosso incumprimento e abandono da obra, e pelo pagamento das penalidades previstas no n° 11, alínea e) das CGE, no valor de 154.875,00 (= 525.00011000x5x59 dias).”

Daqui resulta que a Ré autorizou o levantamento das peças que tinham sido executadas e colocadas no local para que fossem reparadas no fim-de-semana de 17 e 18 de julho de 2021, sendo que a Autora deveria voltar a colocar as peças, depois de reparadas, nesse mesmo fim-de-semana, dado que a inauguração seria efetuada no dia 19 de julho de 2021.

A Autora não cumpriu no prazo concedido, prazo impreterível dado a data designada para a inauguração, pelo que ocorreu por parte da Autora o incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos (cf. artigo 808.º, n.º1, do Código Civil), não tendo a Ré formulado uma pretensão de redução do preço, nem alegou que a obra se tornou inadequada ao fim a que se destina, procedendo à declaração de resolução do contrato.

- Como se sabe, perante o incumprimento do contrato, onde se inclui o cumprimento defeituoso, o dono da obra terá de seguir a ordem estabelecida nos artigos 1221.º, 1222.º e 1223.º do Código Civil, isto é, exercer o direito de exigir a eliminação dos defeitos, exigir o direito a uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados, exercer o direito à redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato, ou o direito à indemnização, nos termos gerais -

Assim, como se afirma no Acórdão recorrido, contudo, o art.º 1222º, n.º 1 do Código Civil confere apenas ao dono da obra direitos subsidiários para a hipótese do direito de eliminação dos defeitos ou de construção de nova obra não terem sido satisfeitos, por qualquer motivo, ou seja, dele não decorrem consequências específicas para o não cumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos. Significa isto que o accionamento do mecanismo previsto para o incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos, imputável ao empreiteiro, é alternativo, relativamente à utilização dos direitos de redução do preço ou de resolução do contrato de empreitada.

Assim, a ré podia optar entre o direito à redução do preço ou à resolução do contrato ou efectuar a reparação ou reconstrução da obra pelos seus meios ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo custo desses trabalhos.

Como refere João Cura Mariano, “o incumprimento definitivo de uma obrigação confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados por esse incumprimento (art.º 798º do C.C.)”, o que, neste caso, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, entretanto efectuadas pelo dono da obra ou por terceiro, indemnização que não está abrangida nas previstas no art.º 1223º do Código Civil que se destinam a compensar os prejuízos não ressarcidos pelo exercício dos direitos de eliminação, redução do preço ou resolução do contrato - cf. op. cit, pág. 125.

No entanto, a ré não alegou ter procedido à reparação dos defeitos, por si ou por terceiro, sendo evidente, conforme decorre do atrás explanado, que se inviabilizou tal reparação, porquanto deixou de ter qualquer utilidade face à resolução do contrato de empreitada por parte da M..., SA..

Aquilo que a ré pretende é não pagar as últimas fracções do preço ainda em dívida e corporizadas nas facturas n.ºs ...00 e ...04.

Ora, não se pode deixar de ter em atenção que se está perante um cumprimento parcial da obrigação, porque, conforme se viu, existiram autos de medição aprovados e valores pagos, sendo que, a final, ocorreu o incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos, que se inviabilizou, não podendo sequer a ré proceder à reparação e fazer recair sobre a autora o respectivo custo.

A propósito da cessação do contrato de empreitada, refere EE que tendo o empreiteiro realizado parte da obra, tornando-se impossível terminá-la, “ele exonera-se entregando a obra parcialmente efectuada, devendo o preço ser reduzido na proporção do que foi executado (art.º 793º, n.º 1, do CC)”, caso em que a contraprestação do dono da obra será determinada em função do valor do trabalho realizado, dos materiais fornecidos pelo empreiteiro e do lucro deste, proporcionalmente reduzido.

Além disso, ainda que o dono da obra possa resolver o contrato se não tiver, justificadamente, interesse no cumprimento parcial da obrigação (cf. n.º 2 do art.º 793º), há que ter presente o estatuído no art.º 1227º, segunda parte do Código Civil, de onde decorre que o empreiteiro tem direito a ser indemnizado pelo trabalho executado e pelas despesas realizadas, norma em que, segundo refere o autor, se consagra uma regra de repartição do risco - cf. Da Cessação do Contrato, 2017 - 3ª Edição, pág. 520; João Serras de Sousa, op. cit, pág. 1582, esclarecendo que a aplicação do preceito (1227º) visa tutelar a posição jurídica do empreiteiro, afastando a aplicação do art.º 795º, e não depende de qualquer utilidade que o dono da obra venha a retirar do trabalho e despesas já realizadas.

Face ao circunstancialismo descrito, não cumprida a obrigação de eliminação dos defeitos e verificada a impossibilidade de a ré a ela proceder e fazer recair sobre a autora os respectivos custos, pela similitude da situação, deve adoptar-se a solução que está prevista para as situações de impossibilidade parcial de cumprimento de uma obrigação por causa não imputável ao devedor - cf. art.º 793º do Código Civil.

Com efeito, os factos apurados não permitem aferir o que se passou posteriormente à data prevista para a inauguração, sabendo-se apenas que a dona da obra enviou à ré a carta cujo teor se mostra transcrito na alínea nn), onde, de facto, refere que a resolução que comunica se baseia também, mas não só, nos factos atinentes à retirada das peças e sua não recolocação, mas de onde também decorre que a dona da obra se transferiu para o local e que terá reparado o que ficou por reparar, mas, na verdade, nada se apurou sobre a correspondência do conteúdo dessa carta com a realidade, sendo que a relação existente entre a dona da obra e a ré não foi objecto de discussão e prova no âmbito destes autos.

Assim, não tendo resultado provado que a cessação do contrato de empreitada ocorreu por força do comportamento da autora, designadamente, por via do incumprimento da obrigação de eliminar os defeitos, não é possível assacar-lhe a responsabilidade pela impossibilidade dessa eliminação.

Admitindo-se que os escritórios onde a M..., SA. instalou a sua sede são aqueles onde a obra decorreu, sabendo-se que a autora apenas retirou peças para reparar (sobretudo as peças lacadas e riscadas, como decorre amplamente da audiência de julgamento), o que significa que no local ficaram todos os caixotes e demais peças que suportavam esses lacados (tampos), deve aceitar-se que a prestação parcial correctamente efectuada pela autora extinguiu uma parte proporcional da obrigação, ou seja, apenas relativamente à parte não cumprida se hão-de aplicar os efeitos do não cumprimento (incumprimento definitivo), decorrente da mencionada impossibilidade - cf. ainda que a propósito da impossibilidade imputável ao devedor, João Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I - Pressupostos da Resolução por Incumprimento, pp. 168-169.

Como tal, porque a ré se pretende eximir do pagamento das facturas n.ºs ...00 e ...04, mas não veio requerer a resolução do contrato, e porque, mesmo a fazê-lo, se teria de considerar que, tratando-se de contrato de execução prolongada, a resolução motivada por impossibilidade não tem efeito retroactivo, extinguindo-se o contrato, nessa parte, por caducidade34, afigura-se adequado, perante o incumprimento definitivo por parte da autora em proceder à eliminação dos defeitos e perante a impossibilidade de a eles proceder por banda da ré, que o preço da empreitada seja reduzido à parte executada e aprovada pela ré - cf. art.º 793º do Código Civil.

Assim, a ré deverá proceder ao pagamento da factura n.º 2021/...00, mas não lhe é exigível o pagamento da factura n.º 2021/...04, porque os trabalhos não foram correctamente concluídos pela autora.

Sobre o valor da factura n.º 2021/...00 incidirão os juros de mora, calculados desde a data do seu vencimento, com base nas normas relativas a dívida comercial (cf. alíneas a) e b) dos factos provados), com base nas taxas mensalmente fixadas por Aviso da Direcção Geral do Tesouro, conforme Portaria n.º 597/2005, de 19 de Julho - cf. art.ºs 804º, 805º, n.º 2, a) e 806º do Código Civil e art.ºs 10º e 102º do Código Comercial.”

Deste modo, a decisão do Tribunal da Relação, nesta parte, não merece censura.

5. Aplicabilidade do artigo 428.º do Código Civil

A Recorrente insurge-se contra o decidido pelo Acórdão recorrido que considerou que não é de aplicar aos presentes autos o regime da exceção de não cumprimento, atendendo a que o instituto da exceção de não cumprimento do contrato, atendendo a que o incumprimento do contrato pela Recorrida assumiu uma forte relevância, com repercussão no contrato de empreitada conexionado e do qual o contrato de subempreitada é dependente.

A Recorrida conclui pela inaplicabilidade da invocada exceção no caso presente.

Vejamos.

Preceitua o n.º1 do artigo 428.º do Código Civil que se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.

A exceção do não cumprimento do contrato, consagrada no artigo 428.º, é uma consequência natural dos contratos sinalagmáticos, pois, neles, cada uma das partes assume obrigações, tendo em vista as obrigações da outra parte, de sorte que se romperia o equilíbrio contratual, encarado pelas partes, se caso uma delas pudesse exigir da outra o cumprimento sem, por outro lado, ter cumprido o que se prestar a cumprir.

A exceção de inadimplência corresponde a uma concretização do princípio da boa fé, constituindo um meio de compelir os contraentes ao cumprimento do contrato e de evitar resultados contraditórios com o equilíbrio ou equivalência das prestações que caracteriza o contrato bilateral.

Por isso, ela vigora, não só quando a outra parte não efetua a sua prestação, porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou não a oferece, porque não pode e vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227.º e 762.º, n.º2, do Código Civil (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, p.406).

Apesar da lei apenas prever a hipótese de não haver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, entende-se, comummente, que a exceção pode ser invocada, ainda que haja vencimentos diferentes, por aquele dos contraentes cuja prestação deva ser feita depois da do outro, só não podendo opô-la o contraente que devia cumprir primeiro (Vaz Serra, RLJ, 108.º - 155 e Antunes Varela, Obrigações, vol. I, 4.ª edição, p.319)

- cf. Acórdão do STJ, de 5 de março de 2009 (processo n.º262/09) –

No caso presente, a Autora reclama o pagamento de uma fatura (2021/...00), no montante de €23 037,06, corresponde ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de junho de 2021.

Esse auto de medição de junho de 2021 foi aprovado pela Autora e pela Ré.

A Autora remeteu essa fatura à Ré, que a não devolveu.

Por outro lado, as instâncias deram como não provado que os trabalhos a que se refere o auto de medição de junho de 2021 apresentasse vários defeitos, cuja correção foi solicitada pela Ré à Autora e que esta recusou.

Assim, em face das respostas que o Tribunal da Relação de Lisboa deu à matéria de facto, estamos perante uma situação em que uma das partes cumpriu (a Autora) - os trabalhos foram entregues e aceites - e a outra não cumpriu (a Ré), que deveria pagar o montante reclamado.

Deste modo, estando cumprida a obrigação de uma das partes, não pode a outra parte (incumpridora) invocar a exceção de não cumprimento do contrato.

Assim, também nesta parte, o Acórdão recorrido não merece censura.

6. A reconvenção

A Recorrente veio deduzir pedido reconvencional, invocando que foi o incumprimento da Autora que determinou o seu cumprimento de empreitada perante a dona da obra, e que esta exige o pagamento de uma indemnização, no valor de €190 496,25 e que se recusa a pagar duas faturas, no montante global de €70 035,70; reclama, ainda, o pagamento da quantia de €5 000,00, por danos não patrimoniais; e, ainda, deduziu um pedido de indemnização de danos futuros, correspondentes a eventuais indemnizações a que seja condenada a pagar à dona da obra, devido ao incumprimento do contrato de empreitada, a liquidar supervenientemente.

O Acórdão recorrido concluiu pela improcedência do pedido reconvencional, por duas ordens de razões: não estava demonstrado o nexo de causalidade entre a resolução do contrato de empreitada pela dona da obra e o cumprimento (ou não) da prestação da Autora, e que não possível relegar para liquidação ulterior a demonstração do dano futuro meramente hipotético.

Como prescreve o artigo 798.º do Código Civil, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.

Na responsabilidade contratual compete ao credor a prova dos elementos constitutivos da responsabilidade (artigos 798.º e 342.º do Código Civil), presumindo-se a culpa (artigo 799.º, n.º1, do Código Civil), devendo a indemnização ser calculada de acordo com as regras gerais da obrigação de indemnização (artigo 562.º e seguintes do Código Civil).

Nos termos do disposto no artigo 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Assim, à Ré reconvinte competia demonstrar o nexo de causalidade entre o incumprimento da Autora e a resolução do contrato por parte da dona da obra.

Ora, da matéria de facto provada, não resulta demonstrado esse nexo de causalidade, não tendo sido apuradas as razões que determinaram a dona da obra a efetuar a resolução do contrato de empreitada.

Não se encontrando demonstrado esse nexo de causalidade, torna-se desnecessária verificar a existência ou não de danos (presentes e futuros), e o pedido reconvencional tinha de improceder.

Deste modo, o recurso tem de improceder.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 10 de abril de 2024

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Jorge Arcanjo

Jorge Leal