Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
564/19.5YLPRT.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
RENDA
RENDAS VENCIDAS NA PENDÊNCIA DA AÇÃO
OBRIGAÇÃO
PAGAMENTO
OBRAS
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
Data do Acordão: 07/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

Entre as várias soluções legais potencialmente invocáveis pelo arrendatário (extinção do contrato, realização de obras, redução de renda), face à existência de vícios ou defeitos na coisa locada que diminuem o seu gozo, não se encontra a hipótese de o arrendatário deixar de cumprir a sua obrigação principal, ou seja, a obrigação de pagar as rendas. Assim, enquanto o contrato de arrendamento se mantiver em vigor, mantendo-se o arrendatário no gozo do imóvel (ainda que diminuído), e mantendo o imóvel a aptidão para servir, na essência, o fim a que é destinado, não lhe é lícito, por ato de sua vontade unilateral, suspender o pagamento total das rendas.

Decisão Texto Integral:


Proc. 564/19.5YLPRT.L1.S1

Recorrente: “Loyal Unicorn, Ldª”

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA propôs procedimento especial de despejo contra “Loyal Unicorn, Ldª”,  peticionando a entrega das frações autónomas designadas pela ...” e letra “B”, destinadas a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., e a condenação da ré no pagamento da quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de rendas vencidas a que acrescem os respetivos juros de mora, calculados às sucessivas taxas legais em vigor para as obrigações de natureza civil, num total de € 498,09, juros de mora vincendos e indemnização devida pela ocupação do locado, após a resolução do contrato.

2. Em 12.03.2019 o requerimento foi recusado pela secretaria do Banco 1..., com a seguinte justificação: “foi requerida a desocupação de mais do que um imóvel (art.8º, n.1 do DL n. l/2012 de 7/10)”.

3. Em 14.03.2019, a requerente esclareceu que as duas frações ... e ... correspondem a um apartamento duplex estando ligadas funcionalmente em moldes que não permitem o seu uso separado; face a essa dependência não há lugar à apresentação de dois requerimentos.

4. Em 19.03.2019, o Banco 1... informou o seguinte: “Requerimento de Despejo foi Recusado em virtude de no PED o pedido não se ajustar à finalidade do procedimento (art. 15.º-C, n.l, al. j), do NRAU); verifica-se que não foi apresentado nos autos documento que comprove a existência de uma dependência funcional- art. 8º, n.2 do DL 1/2013, de 7 de janeiro”.

5. Em 20.03.2019, respondeu a requerente em moldes idênticos ao referido em 3,
reforçando que do contrato de arrendamento consta que o arrendamento versa sobre
as duas frações, por das mesmas não ser possível fazer uso independente.

6. Após nova recusa do Banco 1... veio a requerente apresentar novo requerimento nos seguintes moldes:

“1- A ora Requerente é dona e legítima proprietária da fracção autónoma designada pela ..., destinada a habitação, correspondente ao ... do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...6 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...77 da freguesia ..., conforme certidão predial e caderneta matricial que ora se juntam como Doc. 1 e 2 e se consideram devidamente reproduzidas para todos os efeitos legais.

 2. No passado dia 15 de Novembro de 2017, a Proprietária celebrou com a sociedade Loyal Unicorn, Lda., ora Requerida, um contrato de arrendamento, tendo BB sido fiador, tudo conforme Doc. 3 que ora se junta e se considera devidamente reproduzido para todos os pertinentes efeitos legais.

 3. O contrato de arrendamento, já junto como Doc. 3, incide sobre duas fracções, a saber, a fracção "...", supra melhor identificada, sobre a qual incide o presente procedimento de despejo, e a fracção "...", correspondente ao ... andar, uma vez que as duas fracções estão ligadas entre si e encontram-se funcionalmente dependentes, correspondendo a um apartamento duplex.

 4. Sem prejuízo do supra exposto no número anterior, o presente procedimento incide apenas sobre uma fracção (fracção ...), em virtude do requerimento inicial ter sido objecto de recusa porquanto "foi erradamente requerida a desocupação de mais do que um imóvel".

5. O Imposto de Selo foi devidamente liquidado, conforme Doc. 4 que ora se junta e se considera devidamente reproduzido para todos os pertinentes efeitos legais.

 6. De acordo com este contrato de arrendamento, a sociedade ora Requerida ficou, na qualidade de Arrendatária, obrigada ao pagamento mensal da renda no montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos), a qual se vencia no oitavo dia útil do mês imediatamente anterior àquela a que dizia respeito.

 7. A ora Requerente cumpriu plena e atempadamente as suas obrigações.

 8. Já a Requerida apenas procedeu ao pagamento das rendas até ao mês de Março de 2018 (referente a Abril de 2018).

9. Assim, actualmente, encontram-se em dívida, por falta de pagamento, as rendas correspondentes ao mês de Maio de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Abril de 2018), Junho de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Maio de 2018), Julho de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Junho de 2018), Agosto de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Julho de 2018), Setembro de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Agosto de 2018), Outubro de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Setembro de 2018), Novembro de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Outubro de 2018), Dezembro de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Novembro de 2018), Janeiro de 2019 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Dezembro de 2018), Fevereiro de 2019 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Janeiro de 2019), Março de 2019 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Fevereiro de 2019) e Abril de 2019 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Março de 2019), tudo num montante total de € 30.000,00 (trinta mil euros).

10. A ora Requerente interpelou, por diversas vezes, quer a ora Requerida, quer o Fiador, a cumprirem, conforme Doc. 5 e 6 que ora se juntam e se consideram devidamente reproduzidos para todos os pertinentes efeitos legais.

11. No entanto, e apesar de interpelados a cumprir, nem a ora Requerida nem o Fiador efectuaram qualquer dos pagamentos a que se encontravam obrigados nos devidos prazos de vencimento, verificando-se, por isso, a situação de incumprimento definitivo.

12. Por este motivo, a ora Requerente comunicou à Requerida e ao Fiador a resolução do contrato de arrendamento, conforme Doc. 7 e 8 que ora se juntam e se consideram devidamente reproduzidos para todos os pertinentes efeitos legais.

13. A referida comunicação foi validamente realizada por carta registada com aviso de recepção, atento o facto de no contrato de arrendamento celebrado, as Partes terem convencionado domicílio, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 1084.º do CC e na alínea c) do n.º 7 do artigo 9.º do NRAU.

14. Mantendo então a ora Requerente um crédito no montante de € 30.000,00 (trinta mil euros) sobre a Requerida, a que acrescem os respectivos juros de mora calculados às sucessivas taxas legais em vigor para as obrigações de natureza civil, num total de € 498,09 (quatrocentos e noventa e oito euros e nove cêntimos).

15. Somado o montante de capital em dívida com o dos juros de mora já vencidos, a ora Requerente é credora da Requerida no montante total de € 30.498,09 (trinta mil, quatrocentos e noventa e oito euros e nove cêntimos), ao qual, além da taxa de justiça paga pela Requerente com o presente Procedimento, deverá ainda acrescer o montante de juros vincendos até integral e efectivo pagamento.

 16. Ademais, decorre do número 5 da Cláusula 8.ª do Contrato de Arrendamento que, relativamente às rendas vincendas após a resolução do contrato de arrendamento, fica a Requerida obrigada "a pagar a título de penalização o dobro do valor previsto para a renda a cada mês de atraso até efectiva entrega do locado", pelo que estas se cifrarão no montante de €5.000,00 (cinco mil euros) por cada mês de atraso.

 17. Termos em que deverá a Requerida ser condenada a pagar os montantes acima peticionados, bem como os juros que se vierem a vencer até integral e efectivo pagamento e as custas processuais.

18. Conforme decorre do disposto na Cláusula 10.ª do Contrato de Arrendamento, o Fiador, renunciando ao beneficio da excussão prévia, assume solidariamente com a Requerida o cumprimento de todas as obrigações.

 19. A Requerente peticiona ainda o despejo imediato do locado e a sua entrega, livre de pessoas e bens

7. Notificada, a requerida deduziu oposição onde alegou, em síntese, que o arrendado sofre de inúmeras deficiências (que identifica) e que a impedem de o usar.

Afirma que, em maio de 2018 comunicou á requerente que iria deixar de pagar as rendas até que os problemas estivessem resolvidos.

No âmbito da prova requer:

- que a requerente seja notifica para juntar aos autos cópia de todas as mensagens enviadas pela R ou pelos seus sócios via SMS ou WHATSAPP no ano de 2018;

- que a requerente seja notificada para juntar aos autos toda a documentação de legalização referente às fracções autónomas locadas, nomeadamente as que demonstrem a legalização da utilização de ambas as fracções de forma unitária, como alega no seu requerimento inicial;

- que seja notificada para juntar aos autos todos os comprovativos de pagamentos efectuados pela R ou pelos seus sócios;

- que a requerente seja notificada para juntar aos autos o título constitutivo da propriedade horizontal do imóvel.

8. A requerente impugnou a factualidade respeitante às deficiências do arrendado, e invocou não ter a requerida fundamento válido para suspender o pagamento das rendas devidas.

9. Foi proferido despacho a convidar a requerente a juntar aos autos os documentos mencionados pela Ré.

10. A requerente respondeu defendendo que todos os documentos mencionados podem ser obtidos pela requerida. Mais esclarece que o processo de legalização do uso de ambas as fracções de forma unitária não está concluído.

11. Foi proferida sentença onde se conclui nos seguintes termos:

«Conforme decorre da matéria de facto provada, a comunicação realizada pela autora junto da ré com vista à resolução do contrato celebrado por falta de pagamento de rendas, não respeita a forma legalmente prevista porquanto, na mesma não se mostra devidamente identificado o locado, que é composto pelas fracções "..." e "..." que se encontrarão funcionalmente interligadas entre si, atento o disposto no art. 9º e 10º do NRAU e o art. 1084º do C. Civil.

Em face do exposto, não tendo sido o contrato dos autos, validamente, resolvido inexiste fundamento legal para lançar mão do presente procedimento especial de despejo, que improcede

12. A requerente interpôs recurso de apelação, alegando, além do mais, a nulidade da sentença por não se ter pronunciado sobre o pedido de pagamento de rendas.

O Tribunal da Relação ... veio a anular a sentença, por omissão de pronúncia, entendendo que a primeira instância não se tinha pronunciado sobre as rendas pedidas e em dívida. É o seguinte o teor do seu segmento decisório:

«Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e anula-se a decisão recorrida que vai substituída pelo seguinte:

- declara-se resolvido o contrato de arrendamento relativo às Fracções ... e ... do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., condenando-se a R proceder à sua entrega à A/recorrente livre de pessoas e bens

- condena-se a R no pagamento à A/recorrente das rendas vencidas desde Maio de 2018 à razão de 2.500€/mês e na indemnização correspondente a 5.000€/mês pelo período que mediar desde a data desta decisão até efectiva desocupação, a tudo acrescendo juros de mora a taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento

13. Inconformada, a requerida interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

«a) A R. Loyal procedeu à entrega do imóvel (ambas as fracções autónomas), não havendo, nestes termos, qualquer questão relativamente à cessação do contrato de arrendamento e entrega do imóvel nesta data;

b) A Revista fica delimitada à decisão proferida no Acórdão recorrido, na qual condena a R. no pagamento das rendas vencidas até Abril de 2018 e nas vincendas desde essa data e até Fevereiro de 2021, com a entrega das fracções;

c) Em 1ª Instância, para além da invocação da propriedade sobre a fracção autónoma identificada nos autos, incidia o contrato de arrendamento sobre duas fracções, a saber, a fracção "...", sobre a qual incidiu o procedimento de despejo, e a fracção "...", correspondente ao ... andar, que não foi tratada, e foi a A. a invocar que “o presente procedimento incide apenas sobre uma fracção (fracção ...), em virtude do requerimento inicial ter sido objecto de recusa porquanto "foi erradamente requerida a desocupação de mais do que um imóvel";

d) A aqui recorrente alegou factos na sua contestação que podem consubstanciar o incumprimento do Contrato de arrendamento por parte da senhoria;

e) Os factos dados como provados em 1ª Instância limitaram-se aos alegados pela A. e aceites pela R.,

f) Não tendo a sentença dado como provados, nem ordenou a produção de prova sobre outros alegados pela R., considerando que “não tendo sido o contrato dos autos, validamente, resolvido inexiste fundamento legal para lançar do presente procedimento especial de despejo, que improcede”;

g) Ou seja, considerou verificada uma excepção peremptória, a qual importou a absolvição do pedido;

h) Desta Sentença foi apresentado recurso para o aqui recorrido TR... pela A. no processo, e a R., aqui recorrente, não contra-alegou, nem apresentou recurso, porquanto teve provimento e foi absolvida do pedido feito pela aqui A.;

i) No Acórdão do TR..., o mesmo entendeu que nada do que foi alegado pela R. na sua contestação e se requereu produção de prova em 1ª Instância, carece de qualquer prova.

j) Não tomando o TR... qualquer tipo de posição sobre os factos alegados pela R., aqui recorrente, não os sujeitando ao crivo da prova, tal como a 1ª Instância;

k) A A., recorrente, no seu recurso para o TR..., não requer a produção de prova, apenas alegando que deveria ser dado como não provado o facto referente à questão formal e o TR..., cavalgou essa posição, e ignora completamente tudo o que foi alegado pela R., aqui recorrente, e limita-se a dizer que: “Os argumentos aduzidos pela R. para ter posto termo ao pagamento das rendas não têm qualquer suporte legal, para a ilibar do pagamento das rendas, pelo que entendemos não haver lugar à produção de qualquer prova. A falta de realização de obras por parte do senhorio dá lugar ao desencadeamento de outros mecanismos mas não a omissão do pagamento das rendas.”

l) Ou seja, entendeu o TR... no Acórdão ora recorrido, que nenhum dos factos alegados e que, pelo supra exposto, nunca foram sujeitos ao crivo da prova, não davam lugar a nada;

m) No entendimento do TR..., um arrendatário que se predispõe a pagar dois mil e quinhentos euros por mês, no caso do locado não cumprir rigorosamente com o mínimo das condições que deve ter para cumprir o contrato de arrendamento, a única coisa que pode fazer é assumir os custos com a realização das obras que sejam necessárias para esse fim, mesmo que tais obras, conforme consta dos factos alegados, dizendo respeito a canalizações, fachadas, etc., ou seja, obras que careceriam sempre de autorização do condomínio, ao qual a R. não pertencia (o condómino é o senhorio, não o arrendatário), obras que implicariam possíveis alterações estruturais (canalizações de águas e no sistema de aquecimento) ou à traça do edifício (substituição das portadas e das janelas), poderia e deveria fazê-las, e depois notificar o senhorio para lhe pagar o valor de tais obras, entre as muitas outras necessárias e descritas na contestação, bem como aquelas que, de pequena monta, foram efectuadas e cujo pagamento foi pedido à A., e nunca foi ressarcido;

n) No entendimento do TR... neste Acórdão, um arrendatário, como a R., que arrenda um imóvel com inúmeras deficiências, quer em partes privadas, quer em partes comuns do locado, deve assumir os custos da reparação dessas deficiências, mesmo que, legalmente, não as possa fazer (nomeadamente as que impliquem a alteração das fachadas ou das canalizações de águas ou fumos) e deverá ficar a aguardar pelo pagamento das despesas inerentes a essas obras (para as quais nunca teve autorização) por parte do senhorio ou do condomínio,

o) entendendo também que o arrendatário não pode fazer a compensação no valor das rendas, ou sujeitar o pagamento das rendas à realização das obras necessárias a que o locado cumpra os fins para os quais foi locado;

p) Entendimento este em completa violação de todas as leis aplicáveis à situação em apreço, bem como de uma simples assunção de análise crítica da situação sub juditio;

q) Este entendimento do TR..., ao dizer que nenhuma prova há a realizar nesta sede, ou seja, remeter-se os autos para 1ª Instância para sujeitar ao crivo da prova os factos alegados, é denegação de justiça.

r) O Acórdão recorrido, ao decidir da forma que decide, cercea o Direito de resposta e pedido de produção de prova da aqui recorrente, relativamente a factos que, se provados, terão que implicar necessariamente uma decisão nunca tomada pela 1ª instância – condenação, ou não no pagamento de rendas vencidas – e agora sufragada pelo TR... sem que seja sujeita a prova o pedido (não reconvencional, porque os autos em questão não o admitiam) de verificação dos factos em questão;

s) O TR... não se pode substituir aos factos, até porque os factos nunca foram sujeitos a prova, concluindo que não são suficientes para poder haver uma posição diferente da tomada;

t) Se os factos alegados não foram provados (ou não provados), nem sequer são factos. Seriam meras alegações. Logo, teria que se provar (ou não) a falta da realização das obras necessárias para que o locado tivesse as características necessárias para cumprir o seu fim, sendo certo que o Contrato de Arrendamento é um contrato bilateral, e sendo-o, o cumprimento da prestação de cada parte depende do cumprimento pela outra da prestação sinalagmática;

u) O que é completamente omitido pelo Acórdão recorrido, parecendo entender que só os arrendatários têm obrigações, e os senhorios não;

v) O Contrato de Arrendamento habitacional é um contrato bilateral, no qual uma das partes (senhorio) se obriga a prestar a outra (arrendatário) a utilização de um imóvel para o fim a que o mesmo de destina, a habitação, mediante o pagamento da renda acordada;

x) Conforme consta do contrato de arrendamento junto aos autos, o seu fim era habitação dos sócios gerentes da R. e os mesmos pretendiam fazer no imóvel a sua vida enquanto casal, utilizando o locado para viver em condições de segurança, podendo utilizá-lo em plenas condições de salubridade, e com o conforto exigíveis a um locado com uma renda de 2500 euros mensais;

y) Pretendiam, da mesma forma, confeccionar e tomar as suas refeições, como qualquer família normal, bem como poder fazer a sua higiene sem medo de com isso, estragarem o andar de baixo e os seus bens lá existentes e pretendiam ter, da parte do senhorio, o apoio e a disponibilidade para resolver quaisquer problemas que existissem, em prazo e condições razoáveis;

z) O que nunca conseguiram fazer, nem provar, porquanto o TR... lhes veio cercear essa possibilidade com este Acórdão;

aa) A doutrina e a jurisprudência admitem que na locação (e, portanto, no arrendamento em especial) existe correspectividade entre as obrigações do senhorio de entregar ao locatário a coisa locada e de lhe assegurar o respectivo gozo e a obrigação de pagamento de renda por parte deste (Vaz Serra, “Excepção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus)”, BMJ, nº 67,1957, pp. 22 e 23, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª edição pg. 400, Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção pecuniária Compulsória”, 4ª ed. p. 332, nota 599, e José João Abrantes, “A Excepção de Não Cumprimento do contrato no Direito Civil Português, Conceito e fundamento, Coimbra, 1986, pag. 43. Na jurisprudência, Ac. RP de 11.12.2003 (ww.dgsi.pt), citados por Gravato Morais em “Falta de pagamento da renda no arrendamento urbano”, Almedina, pag. 204 e ss.).

ab) A excepção de não cumprimento do contrato em termos gerais traduz-se na possibilidade de, no âmbito de um contrato bilateral, um dos contraentes recusar a sua prestação, enquanto a outra parte não realizar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo (art. 428.° CC);

ac) Assim, se não é entregue a coisa objecto do negócio, o outro contraente pode, invocando aquele meio de defesa, deixar de cumprir a sua contraprestação até que a outra parte o faça (exceptio non adimpleti contractus). Também no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso é comummente aceite pela doutrina o recurso a este instrumento (exceptio non rite adimpleti contractus) (Menezes Cordeiro “Violação positiva do contrato. Cumprimento imperfeito e garantia de bom funcionamento da coisa vendida; âmbito da excepção do Contrato não cumprido”, ROA, 1981, pag. 147 ss.);

ad) Entende-se que se não se concedesse tal possibilidade a uma das partes quebrar-se-ia o equilíbrio contratual que subjaz às relações sinalagmáticas. Trata-se, portanto, de um meio de compelir à execução do contrato, sendo certo que sem recurso a tal figura poderiam produzir-se resultados contraditórios com o princípio da equivalência das prestações, expressão dos contratos bilaterais;

ae) Pelo que a R. teria o direito de suspender o pagamento das rendas até que o imóvel tivesse as necessárias condições de habitabilidade para ambos os sócios da R., não constituindo a falta de pagamento das rendas motivo para a resolução do contrato de arrendamento, ou, neste momento, passados que estão dois anos sobre o início dos problemas, obrigação do pagamento das rendas;

af) O Acórdão recorrido contradiz o teor do Ac. do TRL, no Proc. 427/19.4YLPTR-A.L1-2, de 26/09/2019, do TRL;

ag) O Acórdão recorrido contradiz o teor do Ac. do STJ de 13707/2017, no Processo 783/16.6T8ALM-A.L1.S1;

ah) Ou seja, o Acórdão sub juditio contradiz aquilo que se pugna, seja relativamente ao Ac. do TRL descrito, seja ao Ac. do STJ, implicando ambos que:

a) Sendo alegados factos que, mesmo não constituindo pedindo reconvencional por não ser admissível nos autos, poderem consubstanciar causa justificativa do não pagamento das rendas devidas, serem os mesmos sujeitos a prova;

b) Não o tendo sido em 1ª Instância, ordenar a Relação a baixa dos autos à 1ª Instância para produção de prova e, aí, decidir-se de mérito sobre a questão;

c) porquanto a simples alegação da falta de pagamento das rendas devidas não constitui obrigação imediata do pagamento das mesmas,

d) no caso de se provarem factos que possam obrigar à consideração de que o não pagamento das rendas se deveu a violação das obrigações contratuais do senhorio e que legitimam o não cumprimento da prestação – pagamento da renda – pelo arrendatário.

ai) No caso do Acórdão recorrido, entendeu, mal, o TR..., que o arrendatário, em quaisquer circunstâncias, seria sempre obrigado a pagar a renda, mesmo em situação de incumprimento do contrato por parte do senhorio, o que constitui violação da Lei.

aj) Pelo que há violação do estatuído nos artigos 671º, nº1, 672º, n.º1, al.c) 674º, nºs 1, al. a) e c) e nº3, todos do CPC, por violação da lei substantiva aplicável e do estatuído no art.º 615º, nº1, al. c) e d) do CPC, e contradição com os Doutos Acórdãos do TRL e STJ transcritos, devendo ser revogado o Acórdão do TR... e substituído por outro que ordene a remessa dos autos à 1ª Instância para produção de prova sobre os factos alegados pela R. na sua contestação (4º a 53º), e o consequente prosseguimento dos autos, agora apenas para dirimir a questão respeitante à obrigação do pagamento das rendas.

Nestes termos e nos demais de Direito que V/Exas., Colendos Conselheiros, doutamente suprirão, deverá ser considerado procedente a REVISTA, revogando-se o Acórdão proferido pelo TR... e, por vias disso, ordenar-se que os autos baixem à 1ª Instância, com vista à produção da prova sobre os factos alegados nos artigos 4º a 53º da Contestação da R., e, com base no que se venha a dar como provado, ou não provado, condenar-se ou absolver-se a R., no todo ou em parte, do montante pedido a título de rendas não pagas, conforme for de Direito.»

14. A recorrida apresentou contra-alegações, sintetizando a sua posição como se transcreve:

«A. Atento o quantitativo mensal das rendas em dívida é possível, mediante puro cálculo

Aritmético é possível computar o montante líquido das rendas em dívida e, por conseguinte, o montante da condenação a que se reporta a sucumbência da R./Recorrente.

B. O sobredito montante situa-se na ordem dos € 80. 000, 00, apesar da R./Recorrente ter dado ao recurso o valor de € 30. 000, 00.

C. A sucumbência da decisão objecto de impugnação determina o valor a dar ao recurso e, consequentemente, da taxa de justiça a liquidar.

D. A R./Recorrente liquidou taxa de justiça por montante inferior ao da sua sucumbência, pelo que omitiu o pagamento da taxa de justiça devida.

E. Assim, salvo melhor opinião, deverá ser notificada a R./Recorrente para proceder ao pagamento da taxa de justiça omitida, acrescida de multa de igual montante, sob pena de, não o fazendo, ser liminarmente rejeitado o recurso interposto por falta de pagamento da taxa de justiça devida.

F. Aquilo contra o que a R./Recorrente se insurge não se consubstancia num qualquer

entendimento sufragado quanto à possibilidade de invocação de contracrédito a título de

excepção que, a verificar-se, poderia modificar ou extinguir o direito da A./Recorrida ao

pagamento do montante das rendas vencidas e não pagas (temática esta última sobre que

versam os Douto Acórdãos citados pela mesma)

G. Diversamente, na base da discordância da R./Recorrente encontra-se a decisão de não se haverem sujeitado tais factos a prova, antes tendo os Autos sido objecto de decisão final, em 1.ª Instância, sem que se procedesse a realização de audiência de discussão e julgamento.

H. Ora, conforme a R./Recorrente o refere sucessivas vezes ao longo da sua alegação, a decisão em causa foi proferida pela 1.ª Instância, tendo sido ali, que não no Douto Acórdão sob recurso, que se veio a entender já se encontrar o Douto Tribunal em posição de conhecer do mérito dos pedidos formulados sem necessidade de se proceder à realização de audiência de discussão e julgamento e/ou produção de prova adicional.

I. Era em sede de ampliação do objecto do recurso que, nos termos do disposto no art. 636.º, nrs.º 1, 2 e 3 do CPC, que a R./Recorrente poderia, e deveria, ter peticionado a apreciação de qualquer fundamento no qual tivesse decaído ou cujo conhecimento tivesse ficado prejudicado pela solução dada ao litígio.

J. Similarmente, era nessa sede que a R./Recorrente poderia, e deveria ter invocado nulidades e/ou impugnado a decisão proferida quanto à decisão de facto quanto a pontos

determinados da matéria de facto não impugnados pela então A./Recorrente.

K. Ora, a R./Recorrente nada fez e, agora, vem impugnar o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... alegando, no fundo, aquilo contra o que não se insurgiu nem suscitou face à Sentença proferida em 1.ª Instância.

L. O que a R/Recorrente imputa ao Douto Acórdão não é um vício da decisão ali proferida mas antes, sim, uma questão que, não tendo sido arguida perante o mesmo, não foi objecto de apreciação e decisão.

M. A parte que repute existir uma nulidade, seja ela processual ou especificamente da Sentença, não pode ficar inerte, optando por não suscitar a questão sob pena de ver precludida a apreciação da mesma por sua própria inércia e conformação tácita.

N. Os recursos visam a reapreciação de decisões e não o conhecimento de questões novas de que o Tribunal recorrido não tenha conhecido. A questão de saber se os Autos deveriam, ou não, ter seguido para produção de prova é uma questão nova que não foi alegada e, por isso, não foi objecto de pronúncia no Douto Acórdão objecto de recurso, pelo que, em conformidade, trata-se de uma questão cujo conhecimento em sede de revista se mostra vedado

O. Nunca a R./Recorrente sequer invocou qualquer contra crédito que pudesse opor, fosse de que forma fosse, à A./Recorrida. Diferentemente, a R./Recorrente limitou-se a alegar existir, no seu entender, fundamento para suspender, na sua totalidade, o pagamento da renda e que, nessa medida, não seria válida a resolução operada com base na falta de pagamento das rendas.

P. Dito de outro modo, em nenhum momento foi objecto de apreciação e decisão a questão de saber se assistiria à R./Recorrente um qualquer direito de crédito que pudesse contrapor ao da A./Recorrida ou se existiria fundamento para, modificando o direito da A./Recorrida, reduzir o montante da renda devida, e não o foi porque tal nunca foi alegado e peticionado pela R./Recorrente.

Q. A R./Recorrente não pode vir recorrer de uma decisão que a condenou no pagamento das rendas vencidas e não pagas quando, em concreto, nada, absolutamente nada alegou e pediu contra esse mesmo pedido antes se havendo limitado a pedir a improcedência do pedido de resolução com base na excepção de não cumprimento.

R. Novamente, trata-se aqui de uma questão nova, desta feita, nunca suscitada, seja perante o Tribunal de 1.ª Instância, seja perante o Douto Tribunal “a quo” pelo que, naturalmente, a par de inexistir o vício invocado, não poderá a dita questão ser apreciada ex novo no âmbito da presente revista.

S. Mesmo que não se concedesse no supra exposto, facto é que, em boa verdade, a única questão suscitada no recurso é a ocorrência de uma alegada nulidade do Douto Acórdão, sendo aliás esta a única disposição legal, alegadamente violada, que a R./Recorrente indica nas suas alegações.

T. Conforme decorre do disposto no art. 615.º, n.º 4 do CPC a arguição das nulidades ali prevista apenas se afigura passível de ser arguida em recurso como fundamento acessório, pois que pressupõe esta via de impugnação que a decisão se mostre recorrível.

U. Dito de outro modo, o recurso não é admissível, salvo melhor opinião, com vista à arguição, em exclusivo, de uma das nulidades tipificadas no art. 615.º do CPC.

V. Motivo este que também deverá levar à rejeição do recurso, conforme muito respeitosamente, se pugna e peticiona.

W. O prosseguimento dos Autos para Audiência de Discussão e Julgamento, ou até mesmo a baixa dos Autos com tal finalidade, sempre seria inútil face aos factos então dados como provados e não provados.

X. Seria-o porque, mesmo que se viessem a dar-se como provadas algumas das deficiências alegadas pela R./Recorrente – o que não se concede e apenas a título de hipótese se suscita – nunca da prova desses factos resultaria que a R./Recorrente se pudesse eximir, suspendendo totalmente, o pagamento da renda devida. Ora, como foi esse, e apenas esse, o pedido formulado pela R./Recorrente, inexistindo alegação acerca da existência de qualquer contra crédito ou até mesmo um pedido de redução da renda devida, naturalmente que, sem mais, a dita excepção sempre se encontraria votada à improcedência, razão esta pela qual não merece qualquer censura o Douto Acórdão ora sob recurso que, como tal, deverá ser mantido.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros, Mui Doutamente suprirão, humildemente se entende que deverá ser rejeitado, por manifesta inadmissibilidade, o Recurso de Revista interposto pela R./Recorrente ou, caso assim não se entenda, o que não se concede mas apenas a título de mera hipótese se excogita, ser o mesmo julgado totalmente improcedente por toda e qualquer falta de fundamento de facto e de Direito

Cabe apreciar.

*

II. FUNDAMENTOS

1. Questões prévias:

1.1.  Admissibilidade do recurso: verificados os pressupostos gerais de recorribilidade (art.629º, n.1 do CPC), e tendo o acórdão recorrido revertido a decisão da primeira instância em sentido desfavorável ao recorrente, a revista é admitida ao abrigo do art.671º, n.1 do CPC.

1.2. A questão da omissão do pagamento da taxa de justiça devida, que a recorrida suscita nas suas contra-alegações, foi oportunamente solucionada, tendo o recorrente pago o complemento da taxa de justiça (em 30.04.2021), face ao despacho da Desembargadora relatora, que assim ordenou e que fixou o valor do recurso em 52.500,00 Euros.

1.3.  Quanto ao objeto da revista:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, como estabelece o art.635º, n.4 do CPC. Por outro lado, na revista cabe conhecer apenas de questões jurídicas, e não de dar resposta a todo e qualquer argumento que o recorrente invoque para defender a sua tese.

Dado que a recorrente não recorre do segmento que determinou a extinção do contrato de arrendamento, e afirma já ter procedido à entrega do imóvel à senhoria, a presente revista tem por objeto apenas a questão do pagamento das rendas. Trata-se, concretamente, de saber se o acórdão recorrido fez a correta aplicação do direito quando condenou a ré no pagamento das rendas vencidas desde maio de 2018 até à resolução do contrato, bem como no pagamento da indemnização correspondente a 5.000 Euros por mês, pelo período decorrido entre a data da prolação da decisão recorrida e a efetiva desocupação do imóvel, ou se o acórdão recorrido devia ter ordenado a baixa do processo para produção de prova de factos alegados pela ré (agora recorrente), justificadores das razões pelas quais deixou de pagar as rendas.

2. A factualidade assente.

As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:

«Da petição:

1º A ora Requerente é dona e legítima proprietária da fracção autónoma designada pela ..., destinada a habitação, correspondente ao ... do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...6 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...77 da freguesia ..., conforme certidão predial e caderneta matricial, que se juntam como Doc. 1 e 2 e se consideram devidamente reproduzidas para todos os efeitos legais.

2º No dia 15 de Novembro de 2017, a Proprietária celebrou com a sociedade Loyal Unicorn, Lda., ora Requerida, um contrato de arrendamento, tendo BB sido fiador, tudo conforme Doc. 3, que se junta e se considera devidamente reproduzido para todos os pertinentes efeitos legais.

3º O contrato de arrendamento, já junto como Doc. 3, incide sobre duas fracções, a saber, a fracção "...", supra melhor identificada, sobre a qual incide o presente procedimento de despejo, e a fracção "...", correspondente ao ... andar, uma vez que as duas fracções estão ligadas entre si e encontram-se funcionalmente dependentes, correspondendo a um apartamento duplex.

4º Sem prejuízo do supra exposto no número anterior, o presente procedimento incide apenas sobre uma fracção (fracção ...).

5º De acordo com este contrato de arrendamento, a sociedade ora Requerida ficou, na qualidade de Arrendatária, obrigada ao pagamento mensal da renda no montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos), a qual se vencia no oitavo dia útil do mês imediatamente anterior àquela a que dizia respeito.

6º Já a Requerida apenas procedeu ao pagamento das rendas até ao mês de Março de 2018 (referente a Abril de 2018).

7º Assim, actualmente, encontram-se em dívida, por falta de pagamento, as rendas correspondentes ao mês de Maio de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Abril de 2018), Junho de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Maio de 2018), Julho de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Junho de 2018), Agosto de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Julho de 2018), Setembro de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Agosto de 2018), Outubro de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Setembro de 2018), Novembro de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Outubro de 2018), Dezembro de 2018 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Novembro de 2018), Janeiro de 2019 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Dezembro de 2018), Fevereiro de 2019 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Janeiro de 2019), Março de 2019 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Fevereiro de 2019) e Abril de 2019 (que deveria ter sido paga até ao oitavo dia útil do mês de Março de 2019), tudo num montante total de € 30.000,00 (trinta mil euros).

8º A ora Requerente interpelou, por diversas vezes, quer a ora Requerida, quer o Fiador, a cumprirem, conforme Doc. 5 e 6 que ora se juntam e se consideram devidamente reproduzidos para todos os pertinentes efeitos legais.

9º Por este motivo, a ora Requerente comunicou à Requerida e ao Fiador a resolução do contrato de arrendamento, conforme Doc. 7 e 8 que ora se juntam e se consideram devidamente reproduzidos para todos os pertinentes efeitos legais.

10. Aditado com base documental (contrato de arrendamento) nos termos da cláusula do número 5 da Cláusula 8.ª do Contrato de Arrendamento convencionaram as partes que relativamente às rendas vincendas após a resolução do contrato de arrendamento, fica a Requerida obrigada “a pagar a título de penalização o dobro do valor previsto para a renda a cada mês de atraso até efectiva entrega do locado”.»

3. O direito aplicável:

3.1. Está em causa a questão de saber se o acórdão recorrido fez a correta aplicação do direito quando condenou a ré no pagamento das rendas devidas à autora, vencidas desde maio de 2018 até à resolução do contrato, declarada na data do acórdão recorrido, no valor de 2.500 Euros por mês, bem como no pagamento da indemnização correspondente a 5.000 Euros por mês, pelo período decorrido entre a data da prolação da decisão recorrida e a efetiva desocupação do imóvel, acrescendo juros de mora a taxa legal, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

 Entende a recorrente que o acórdão recorrido devia ter ordenado a baixa do processo para produção de prova de factos por si alegados, justificadores das razões pelas quais deixou de pagar as rendas em maio de 2018.

3.2. Entendeu-se no acórdão recorrido:

«Em face dos documentos juntos com o requerimento inicial conclui-se que a senhoria notificou a ré para a morada dos autos descriminando as rendas em dívida e fixando prazo para o respectivo pagamento. Cumpriu, pois, os requisitos legais.

Os argumentos aduzidos pela R para ter posto termo ao pagamento das rendas não têm qualquer suporte legal, para a ilibar do pagamento das rendas, pelo que entendemos não haver lugar à produção de qualquer prova

A falta de realização de obras por parte do senhorio dá lugar ao desencadeamento de outros mecanismos, mas não a omissão do pagamento das rendas

E acrescentou-se:

«No caso a R está em mora desde Abril de 2018, tendo a notificação do senhorio ocorrido em Novembro de 1018, portanto temos 8 meses de rendas em dívida, o que dá à senhoria o direito de resolver o contrato.

Cabe assim declarar resolvido o contrato dos autos, condenando a R a restituir o arrendado (Fracções ... e ... do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ...) e condenar no pagamento das rendas vencidas e vincendas até efectivo despejo

3.3. Podemos, desde já, adiantar que o acórdão recorrido não merece censura, pois fez a correta aplicação do direito ao caso concreto.

Vejamos o quadro legal pertinente.

O art.1031º, alínea b), do Código Civil impõe ao locador o dever de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que esta se destina. Entre as configurações que o cumprimento deste dever pode assumir cabe a obrigação de executar obras de conservação, ordinária ou extraordinária, requeridas pelas leis ou pelos fins do contrato, como dispõe o art. 1074º, n.1 do CC, na medida em que o art.1032º do CC considera o contrato não cumprido quando a coisa locada apresente vícios que não lhe permitem realizar cabalmente o fim a que é destinada ou careça das qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador. 

Deste modo, incorrendo o locador em incumprimento, pode o locatário exigir-lhe o cumprimento da obrigação de assegurar o cumprimento do gozo do imóvel, realizando as obras que em concreto se revelem necessárias, na interpretação conjugada dos artigos 1031º, alínea b), 1032º e 1074º, n.1 do CC.

Optando o arrendatário por seguir a via judicial, e persistindo o locador em não realizar as obras a que seja condenado, poderá o arrendatário, de seguida, mover ação executiva para prestação de facto (nos termos do art.868º e seguintes do CPC).

Optando pela interpelação extrajudicial, e verificando-se um incumprimento definitivo do locador, pode o arrendatário resolver o contrato nos termos gerais (art.801º e seguintes do CC), com ressalva das particularidades normativas das obrigações duradouras.

Por outro lado, caso se verifiquem os pressupostos próprios do erro contratual ou do dolo, tem o arrendatário a faculdade de anular o contrato, nos termos do art.1035º do CC.

Caso o local arrendado apresente defeitos que possam pôr em perigo a vida ou a saúde do arrendatário ou dos seus familiares, independentemente da responsabilidade do locador, pode o arrendatário, a todo o tempo, proceder à resolução do contrato, nos termos da alínea b) do art.1050º.

Para além destas soluções legais que conduzem à desvinculação contratual do arrendatário, a lei fornece-lhe meios de autotutela face à existência de vícios ou defeitos que afetem o gozo do imóvel, independentemente de se verificar, ou não, incumprimento contratual imputável ao locador. Assim, nos termos do art.1036º, n.1 do CC, constatando-se a necessidade de realização de obras urgentes, ao arrendatário é conferida a faculdade de se substituir ao locador na realização das obras ou reparações necessárias, logo que o locador entre em mora no cumprimento desse dever. Existindo urgência absoluta na realização de obras ou reparações, o arrendatário pode agir de imediato (em via substitutiva), sem ter de aguardar que o locador entre em mora, nos termos do art.1036º do CC.

Em qualquer uma das hipóteses previstas no art.1036º, tem o arrendatário a faculdade de compensar o custo das obras que realizou com o pagamento das rendas vincendas. Esta solução, que se encontrava-se prevista no n.3 do art.1074º do CC até à entrada em vigor da Lei n.13/2019, encontra-se, a partir daí, prevista (de modo mais detalhado) nos artigos 22º-A, n.1, alínea b) e n.2, bem como no art.22º-D do DL n.157/2006 (os quais foram aditados pela Lei n.13/2019).

Por outro lado, face à existência de vícios ou defeitos que conduzam à privação ou diminuição do gozo da coisa locada, tem ainda o arrendatário a faculdade de invocar a redução do valor da renda, proporcional ao tempo de privação ou diminuição e à correspondente extensão, nos termos do art.1040º do CC.

Conclui-se, assim, que entre as várias soluções legais potencialmente invocáveis pelo arrendatário face à existência de vícios ou defeitos na coisa locada, que afetam o seu gozo, não se encontra a hipótese de o arrendatário deixar de cumprir a sua obrigação principal, ou seja, a obrigação de pagar as rendas. Assim, enquanto o contrato se mantiver em vigor e, sobretudo, enquanto o arrendatário mantiver o gozo da coisa (ainda que diminuído) porque o imóvel mantem, na essência, aptidão para servir o fim habitacional, não lhe é lícito deixar de cumprir o dever de pagar rendas, independentemente do concreto motivo que possa invocar para o efeito.

3.4. Como se afirmou supra, a hipótese de o arrendatário deixar de cumprir a sua obrigação principal, ou seja, a obrigação de pagar as rendas não se encontra prevista entre as várias soluções que a lei confere ao arrendatário em caso de o imóvel arrendado apresentar defeitos que afetem o seu gozo. Como se referiu, o arrendatário pode optar entre extinguir o contrato ou eleger alguma das soluções que conduzem à reparação dos defeitos existentes no local arrendado.

Trata-se, portanto, de um domínio de soluções específicas da relação locatícia, no qual, em princípio, não cabe a figura da exceção de não cumprimento do contrato (prevista no art.428º do CC), face a todo e qualquer tipo de incumprimento, como a recorrente parece entender, tanto mais que, como decorre das suas alegações, a recorrente continuou a habitar o imóvel, e não alegou que, em concreto, o imóvel tivesse perdido a sua aptidão para servir o fim habitacional. Limita-se a alegações vagas e a generalizações, queixando-se, sobretudo, do elevado valor da renda.

Deste modo, no caso concreto, seria absolutamente desnecessário proceder à produção de prova dos factos alegados pela arrendatária (a alegada existência de vários defeitos no imóvel arrendado) para justificar uma solução que a lei não lhe permite, ou seja, para justificar a razão pela qual deixou de pagar as rendas, pois a lei não confere ao arrendatário a faculdade de, por sua decisão unilateral, deixar de cumprir esse dever, quando se mantém no gozo do imóvel sem alegar que este bem tenha perdido a aptidão para servir o fim a que se destina.

Neste quadro concreto, proceder à produção de prova para se demonstrar que o imóvel arrendado apresentava defeitos seria um ato inútil, vedado pelo princípio da proibição da realização de atos processualmente inúteis (art.130º do CPC), pois ainda que esses factos fossem provados, o arrendatário não teria na factualidade que alega uma justificação para ter deixado de pagar as rendas. 

Deste modo, contrariamente ao alegado pela recorrente, este entendimento não constitui qualquer denegação de justiça. A procedência da sua alegação é que constituiria um atropelo à realização da justiça, por violação do referido princípio da proibição de atos inúteis.

Concluiu-se, portanto, que o acórdão recorrido fez a correta aplicação do direito quando entendeu que essa produção de prova seria irrelevante para a solução do caso concreto, tendo entendido que a factualidade provada continha suficiência probatória para se concluir que as rendas não haviam sido pagas desde maio de 2018. Aliás, é a própria recorrente que afirma, de modo expresso, que não procedeu a esse pagamento.

Também não se identifica no acórdão recorrido qualquer fundamento de nulidade, contrariamente ao que a recorrente parece sugerir na alínea aj) das suas conclusões, quando, entre outras normas, invoca a violação do art. 615º, n.1, al. c) e d) do CPC. Todavia, tais fundamentos de nulidade não se encontram explicitados nas conclusões das alegações, as quais, nos termos do art.635º, n.4 do CPC delimitam o objeto do recurso.

Em resumo, o acórdão recorrido não merece censura, pois, além de não incorrer em qualquer causa de nulidade, fez a correta aplicação do direito ao caso concreto.

*

DECISÃO: Pelo exposto, considera-se a revista improcedente e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas na revista pela recorrente.

Lisboa, 05.07.2022

Maria Olinda Garcia (Relatora)

Ricardo Costa

António Barateiro Martins

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).