Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
572/15.5T8SSB.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TERRAÇOS
VARANDAS
PARTES COMUNS
Data do Acordão: 11/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE HORIZONTAL / DIREITOS E ENCARGOS DOS CONDÓMINOS / PARTES COMUNS DO PRÉDIO.
Doutrina:
- Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2.ª Edição, p. 74;
- Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no Código Civil Português, in RES, Ano XXIII, N.ºs 1-2-3-4, p. 84;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª Edição, p. 420.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1421.º, N.ºS 1, ALÍNEA B) E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 08-04-1997;
- DE 15-05-2012, RELATOR HÉLDER ROQUE, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-06-2016, RELATOR ORLANDO AFONSO, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

- DE 14-12-2006.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 23-09-2008.
Sumário :

I Dispõe o art.º 1421º, nº1, alínea b), do CCivil, que «1. São comuns as seguintes partes do edifício: b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.», acrescentando o seu nº3 que «O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.».

II Os terraços de cobertura são parte, imperativamente comum, quando a sua função é exercida no interesse de toda a construção, quando tiverem função análoga à do telhado, quando, por assim dizer, o substituam.

III Se o edifício dos autos, como resulta da materialidade assente « está construído em socalcos e não tem telhado: todas as frações são cobertura das frações inferiores.», o terraço/varanda do apartamento propriedade do Autor, aqui Recorrente, será também cobertura do apartamento nº…que constitui o andar imediatamente inferior e onde ocorreram infiltrações na sua parede poente e tecto, tratando-se deste modo de uma parte forçosa ou necessariamente comum por integrar a estrutura do edifício, sendo um elemento vital da sua construção.

(APB)

Decisão Texto Integral:

 ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I J propôs ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra CONDOMÍNIO X, peticionando a sua condenação nos seguintes pedidos:

- Para que mande realizar as seguintes obras: substituição da totalidade da forra de tijoleira (parede exterior) da parede virada a Sul e reparação de todos os buracos, fissuras e rachas dessa mesma parede de modo a evitar que as águas das chuvas e as humidades do mar continuem a infiltrar-se nessa parede danificando os móveis encastrados e as tijoleiras interiores do chão;

- Para que proceda às obras de impermeabilização do solo do terraço de cobertura do apartamento do Autor e, além disso, mande reparar o ralo de escoamento das águas pluviais;

- Para que mande reparar as portas de um dos armários encastrados de modo que a mesma deixe de ficar empenada, bem como a reparação do chão no interior do apartamento do Autor substituindo toda a tijoleira danificada;

- No pagamento ao Autor de indemnização pelos prejuízos sofridos com a impossibilidade de usufruir, em pleno do seu apartamento, principalmente, nas épocas balneares, cujo montante se relega para execução de sentença;

- No pagamento ao Autor indemnização pelos danos não patrimoniais provocados pelos incómodos, arrelias, dores de cabeça que toda esta situação vem causando devendo esse valor ser na ordem dos dois mil euros.

O Réu contestou, concluindo pela improcedência da acção.

Foi oi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente com a condenação do Réu a proceder à substituição da totalidade da forra de tijoleira (parede exterior) da parede virada a Sul e reparação de todas as suas fissuras; à realização de obras de impermeabilização do solo do terraço, que serve de cobertura, do apartamento do Autor; a proceder à reparação do chão no interior do apartamento do Autor substituindo toda a tijoleira danificada, em quantidade que se relegou para o incidente preliminar à execução de sentença; e absolvendo-o dos restantes pedidos formulados.

Desta sentença recorreram Autor e o Réu, tendo a Apelação deste sido julgada parcialmente procedente e revogada a sentença na parte em que o condenou na realização de obras de impermeabilização do solo do terraço, que serve de cobertura, do apartamento do Autor e na reparação do chão no interior do apartamento do Autor substituindo toda a tijoleira danificada, em quantidade que se relegou para o incidente preliminar à execução de sentença, mantendo no mais o decidido.

Inconformado com este desfecho recorre agora o Autor, de Revista, concluindo do seguinte modo:

- Na decisão do Tribunal da Relação de Évora há uma evidente confusão entre o que se entende por varanda e por terraço de cobertura.

- O facto de se fazer referência, na grande maioria das vezes, a varanda e não a terraço e de, mesmo no registo predial constar como tal, não pode levar um Meritíssimo Juiz dum Tribunal Superior a concluir, pura e simplesmente, que se trata de uma varanda;

- Se assim fosse, a Meritíssima Juiz do Tribunal de 1ª Instância teria logo decidido em conformidade;

- Como se afirma no ponto 10 destas alegações, terraço é uma cobertura plana de um edifício, constituindo plataforma acessível enquanto a varanda é uma plataforma saliente da fachada de um edifício;

- O que acontece é que o terraço de cobertura não serve exclusivamente o autor pois a sua função primordial é "a de ser parte estrutural" do edifício a que pertence.

- O nº 3 do artigo 1424º apenas se reporta aos casos em que a parte comum serve exclusivamente um ou alguns condóminos;

-Todavia, tratando-se de parte comum que serve de cobertura ao edifício, não se verifica o pressuposto estabelecido na disposição em causa (nº3 do artigo 1424º), mesmo que afectada ao uso exclusivo de alguns condóminos, sendo por isso mesmo tais despesas não só para viabilizar o uso mas também para reintegrar um elemento estrutural do edifício, em proveito de todos.

- Portanto, contrariamente à conclusão do Tribunal da Relação de Évora, só se pode concluir que a "varanda" dos autos se integra na previsão do art.s 1421º, n.º 1 do Código Civil.

Nas contra alegações o Réu, aqui Recorrido, pugna pela manutenção do julgado.

II A única questão que se coloca no presente recurso é a de saber se a varanda da fracção do Autor pode, ou não, ser caracterizada como terraço de cobertura intermédio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1421º, nº1, alínea c) do CCivil, por forma a poder-se responsabilizar o Réu pela realização das obras de impermeabilização do solo do terraço.

As instâncias declararam como assente a seguinte factualidade:

A. O Autor é dono e legítimo proprietário da fração autónoma identificada pelas letras…..

B. Já há alguns anos que a fração do Autor vem sofrendo de patologias que se repercutem na parede voltada ao lado sul (lado do mar) que se encontra no referido apartamento, e fazendo com que este fique com humidade e maus cheiros.

C. As patologias consistem no seguinte:

- Humidade e maus cheiros num roupeiro que está encastrado na parede sul do interior do apartamento,

- Chão com tijoleira estragada,

- Parede Sul virada para o mar, com grande parte da tijoleira estragada em toda a sua extensão, com fissuras por onde entra a humidade das chuvas.

D. Em 2008 a Administração do Edifício X mandou proceder a obras de pintura na fachada sul do edifício.

E. A referida fachada sul tem, no caso da fração do Autor revestimento em tijoleira.

F. Essas tijoleiras estavam a desfazer-se, o que não permitiu que a pintura aderisse e criasse uma camada protetora.

G. Por comunicação datada de 30.07.2013 o Réu comunicou ao Autor:

“Exmo. Senhor

Em seguimento dos nossos contactos telefónicos anteriores em relação ao assunto em referência começo por lhe pedir desculpa pelo lapso de tempo que tardei em lhe transmitir a decisão tomada, baseada no parecer técnico do Sr. Eng.º J, e no historial dos problemas que com origem na sua varanda, ter provocado as infiltrações no apto 26, se bem me recordo pelo menos desde há cerca de 30 anos quando os proprietários daquela fração era ainda o casal Almeida (…).

De qualquer maneira entendo que é hora de resolver definitivamente uma situação que se arrasta á demasiado tempo, com manifesto prejuízo dos sucessivos proprietários da fração correspondente ao apto 26 e evidentemente em vários aspetos do próprio condomínio.

Assim, de acordo com o referido relatório do Sr. Eng.º J, o condomínio tomará a seu cargo a substituição da totalidade da forra de tijoleira e embora não tenha obrigação de o fazer, irá reparar o ralo das águas pluviais que é em parte a razão de ser das infiltrações que se têm verificado na parede (…) e no teto do apto 26.

Contudo, ambas as reparações, de acordo com o parecer técnico do Sr. Eng.J, só resultarão se simultaneamente forem levadas a cabo – naturalmente que a cargo do seu proprietário – uma nova impermeabilização do terraço, retificadas as pendentes e substituída a fixação da marquise que mandou levantar (…)”

H. Por comunicação datada de 08.08.2013 o Autor comunicou ao Réu:

“Em meu poder a sua carta de 30 de Julho de 2013.

Devo esclarecer, mais uma vez, V. Ex.ª que as tijoleiras do apartamento 26 foram, há cerca de 30 anos, destruídas, não pelas infiltrações na minha varanda mas por águas que entraram pelas janelas abertas e pela inundação da varanda vizinha por entupimento do ralo.

Disto tenho testemunhas. O sr. L, do apartamento 26, verificou, assim como a sr.ª Porteira, que a minha varanda estava estanque pois o teto do apartamento 26 não tinha a mais pequena humidade.

O facto de se acumular água junto ao envidraçado é a prova de que a varanda não deixa passar água para baixo e, estou certo, qualquer nova impermeabilização será de qualidade inferior à que lá se encontra.

As humidades que em tempos apareceram no teto do apartamento 26 não provieram da minha varanda mas sim do estore elétrico do andar de baixo (apartamento 26).

Venho esclarecê-lo, nos termos da lei, artigo 1421.º n.º 1, alínea b) do Código Civil (CC) que “o telhado ou os terraços de cobertura são partes comuns do edifício ainda que destinados ao uso de qualquer fração” e os seus encargos são pagos por todos os condóminos na proporção do valor das suas frações (art. 1424.º n.º 1 CC).

Nestes termos, entendo que a despesa com a reparação da minha varanda compete ao condomínio. No entanto, agradecia que me informasse qual o montante que terei de despender para a referida obra (…)”.

I. Por comunicação datada de 02.09.2013 o Autor comunicou ao Réu:

“Exmo. Sr.

A minha casa em Sesimbra, apartamento 34, não pode passar outro inverno sem que as tijoleiras do lado Sul sejam substituídas por outras novas.

O Sr. Eng. J diz que as obras têm de ser feitas juntamente com a substituição da impermeabilização da varanda e, portanto, a obra tem de ser feita em conjunto.

Nesta ordem de ideias tenho que pagar a impermeabilização.

Na minha carta de 8 de Agosto solicitava o favor de me informar quanto iria despender nessa obra o que de novo solicito pois consta que a Administração tem feito esses trabalhos a outros condóminos e, portanto, o Sr. está com conhecimento sobre o que há a fazer.

Portanto, aceito que a obra seja feita como a Administração tem feito para os outros condóminos.

Custa-me a acreditar que a minha varanda permita infiltrações pois o envidraçado está lá há 36 anos e nunca tive razão de queixa.

Espero que com as obras a fazer no apartamento 26 se descubra de onde vêm as águas que causaram prejuízos.

Para a realização da obra, que espero seja feita brevemente, agradecia os seguintes esclarecimentos:

- Quanto irei gastar na impermeabilização?

- Em que data vai ser iniciada a obra visto que preciso resguardar os móveis que lá se encontram da poeirada que a obra irá fazer?

- Quem retira o envidraçado? Sou eu ou o pessoal da obra?

- Como a varanda e o envidraçado acumulam águas pretende-se que quem impermeabilizar a varanda tome em consideração o nivelamento da mesma de modo a não se acumularem águas face ao envidraçado.

- Quem coloca, definitivamente, o envidraçado?

A obra tem que ser feita. Só pergunto como é que se vai processar (…)”

J. Por comunicação datada de 09.10.2014 a Câmara Municipal de … comunicou ao Autor:

“Através da exposição supra referenciada, em resposta ao ofício n.º 11635 de 21/07/2014, Vem V. Exa. como proprietário do apartamento n.º 34, apresentar prova do licenciamento da construção de marquise (documentos que não faziam parte do processo de obras), assim como a respetiva autorização do condomínio. Deste modo, informa-se V. Exa.ª que se considera ultrapassada a necessidade de ser apresentada comunicação prévia para legalização da referida marquise (…)”

K. O envidraçado encontra-se instalado na varanda da fração do Autor há mais de 36 anos.

L. O envidraçado está licenciado.

M. O envidraçado está colocado por cima do mosaico que serve de piso à varanda enquanto a camada impermeabilizante está colocado por baixo desse mosaico.

N. Ocorrem infiltrações na parede poente e no teto do apartamento 26.

O. O Réu não interveio na parede exterior virada a sul na sequência das comunicações referidas em I. e J.

P. Este edifício está construído em socalcos e não tem telhado: todas as frações são cobertura das frações inferiores.

Q. À data da propositura da ação o Autor tinha 93 anos.

R. O Autor suportou despesas com a pintura do apartamento 26.

S. O facto vertido em F. deve-se ao seu estado de degradação, à acumulação de água sob o revestimento em mosaico do piso da varanda, o que origina a subida de água por capilaridade do piso da varanda, e à existência de outros pontos de infiltração no topo da parede ao nível da laje superior.

T. A acumulação da água sob o revestimento de mosaico ocorre em virtude (i) da falta de drenagem da betonilha inferior da varanda, agravada pela água acumulada durante as chuvas devido ao parcial barramento da drenagem da água pela existência da caixilharia da varanda na zona de passagem de água para a entrada pluvial, e (ii) na existência de pendentes erradas no pavimento do terraço.

U. O tempo de vida útil da impermeabilização da tela de isolamento da varanda é de cerca de 10 anos.

V. A obra de revestimento da fachada sul, com nova forra cerâmica deve ser realizada na mesma altura do que a substituição da impermeabilização da varanda, dado que esta última tem de ter uma entrega mínima na fachada de 20 cm.

W. A varanda da fração do Autor é do seu uso exclusivo, apenas se tendo acesso à mesma através da sua fração e fazendo a mesma parte integrante da fração do A.

Insurge-se o Autor, aqui Recorrente, contra a decisão impugnada, uma vez que no seu entendimento houve na mesma uma evidente confusão entre o que se entende por varanda e por terraço de cobertura, pois o facto de se fazer referência, na grande maioria das vezes, a varanda e não a terraço e de, mesmo no registo predial constar como tal, não pode levar à conclusão de que se trata de uma varanda.

A este propósito lê-se no Acórdão:

«[o] que interessa frisar é que o terraço (na fracção do A.  e que é também cobertura do prédio imediatamente abaixo) que aqui se discute é aparentemente uma coisa comum, de acordo com o critério da citada al. b); pois que o terraço é simultaneamente cobertura, sendo indiferente se cobre todo o prédio ou só uma fracção. Como se escreve na sentença, os terraços intermédios são, para as fracções inferiores, os últimos pavimentos e, assim, de cobertura.

Mas só aparentemente.

O terraço de cobertura é a cobertura do edifício onde estão implantadas as fracções autónomas e não cobertura de cada fracção.

E outras razões acrescem.

Mas isto é um terraço de cobertura ou uma varanda?

O terraço é uma cobertura plana de um edifício; a varanda (que a lei considera como coisa diferente daquele; cfr. art.º 1360.º, n.º 2) é algo semelhante mas murada, com balaústres (que sustentam um peitoril) ou balcão e não é por estar por cima de outra fracção que é um terraço de cobertura; a ser assim, também a sala seria, na mesma, um terraço.

A função de uma ou outra coisa é diferente. O terraço serve apenas de cobertura de um andar inferior para proteger a casa aí existente, tal como o telhado serve a mesma função (aliás, não deixa de ser explícita a equiparação que o preceito legal aqui em discussão faz de telhado e terraço). Já a varanda é uma extensão da casa, um prolongamento da sala (geralmente) onde o dono pode colher luz solar e ar fresco, gozar a vista e fazer a sua vida social. Tendo em mente um prédio típico (como uma torre), com varanda por cima de varanda, será que cada uma delas, face à nova redação do art.º 1421.º, n.º 1, al. b), é um terraço a que se aplica a qualificação de coisa comum? Será que o solo de cada varanda é cobertura da fracção inferior?  E se a varanda estiver fechada? Cremos que ninguém chegou a tal conclusão e, no entanto, estas varandas também estão sujeitas à chuvas, poeiras, folhas, etc. como qualquer outra cobertura.

No sentido aqui defendido pode ver-se o ac. do STJ, de 8 de Abril de 1997, e o da Relação de Guimarães, de 14 de Dezembro de 2006. Neste escreve-se que o terraço, em tudo semelhante ao deste caso, não serve de cobertura ou protecção do imóvel visto na sua globalidade. Em sentido contrário pode apontar-se o ac. da Relação de Coimbra, de 23 de Setembro de 2008, onde se afirma que o legislador quis «nesta actual versão [que] passassem a estar abrangidos os chamados terraços de cobertura intermédios, isto é, os terraços que apesar de servirem de cobertura a alguma ou algumas fracções, se situavam ao mesmo nível doutra ou doutras fracções, podendo servir de pátio ou varandas a estas». Mas isto, salvo o devido respeito, é esquecer que varanda e terraço de cobertura são coisas diferentes e têm funções diferentes.

Na matéria de facto descreve-se o local em questão como varanda e sempre como varanda. As próprias partes assim a ela se referem tal como é isso que consta da descrição do Registo Predial (uma divisão assoalhada, cozinha, instalação sanitária e varanda). Concluímos daqui que a varanda dos autos não se integra na previsão do art.º 1421.º, n.º 1, al. b), Cód. Civil.

E não se presume comum porque ela está afectada ao uso exclusivo de um condómino [art.º 1421.º, n.º 2, al. e)].

Sendo assim, a conclusão que se tira é que a varanda integra-se na fracção do A. e a ele pertence.

Logo, as despesas com a sua impermeabilização são por conta do A.. E nada de estranho existe nisto. O proprietário é responsável pela boa condição do apartamento e tem a obrigação de evitar que a sua má condição provoque danos aos demais vizinhos (no caso, o apartamento 26). É exactamente a mesma obrigação que o proprietário tem de evitar derrames de águas da sua casa de banho ou cozinha — e ninguém duvida que elas se integram na fracção e não pertencem às partes comuns do edifício.».

Analisemos.

A problemática daqui incide sobre a dicotomia que é efectuada no Aresto, entre varanda e terraço, problemática essa que transcende a mera análise semântica, porquanto a funcionalidade material do espaço que aqui releva, se sobreporá à terminologia utilizada.

Dispõe o art.º 1421º, nº1, alínea b), do CCivil, que «1. São comuns as seguintes partes do edifício: b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.», acrescentando o seu nº3 que «O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.».

Daqui deflui que os terraços de cobertura são parte, imperativamente comum, quando a sua função é exercida no interesse de toda a construção, quando tiverem função análoga à do telhado, quando, por assim dizer, o substituam, o que acontece no edifício dos autos, porquanto como resulta do ponto P. da materialidade assente «Este edifício está construído em socalcos e não tem telhado: todas as frações são cobertura das frações inferiores.».

Deste modo, sendo todas as fracções cobertura das fracções inferiores, a varanda ou terraço do apartamento nº34, da propriedade do Autor, aqui Recorrente, será também cobertura do apartamento nº26 que constitui o andar imediatamente inferior e onde ocorreram infiltrações na sua parede poente e tecto (ponto N.), tratando-se deste modo de uma parte forçosa ou necessariamente comum por integrar a estrutura do edifício, sendo um elemento vital da sua construção, cfr Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª Edição, 420.

Estamos, assim, em sede de terraços intermédios, abrangidos pela previsão legal inserta no apontado artigo 1421º, nº1, alínea c) do CCivil, tratando-se assim de uma parte comum de edifício constituído em propriedade horizontal, o que deita por terra a conclusão a que se chegou no Acórdão recorrido de que «O terraço de cobertura é a cobertura do edifício onde estão implantadas as fracções autónomas e não cobertura de cada fracção.».

O Acórdão recorrido, sempre s.d.r.o.c., parece ter esquecido a configuração particular do edifício que foi construído, como dissemos supra, em socalcos e, assim sendo, não podemos falar nesse terraço de cobertura global da propriedade onde se situam as fracções, mas antes em várias coberturas constituídas por estas mesmas fracções com os terraços ou varandas que delas fazem parte integrante, veja-se aliás a descrição predial uma divisão assoalhada, cozinha, instalação sanitária e varanda, sendo inócua esta designação face à construção onde se inserem as fracções, ex adverso do considerado pelo segundo grau que fez incidir a sua decisão numa dualidade aparentemente contrária quando conclui que O terraço serve apenas de cobertura de um andar inferior para proteger a casa aí existente, tal como o telhado serve a mesma função (aliás, não deixa de ser explícita a equiparação que o preceito legal aqui em discussão faz de telhado e terraço). Já a varanda é uma extensão da casa, um prolongamento da sala (geralmente) onde o dono pode colher luz solar e ar fresco, gozar a vista e fazer a sua vida social, quando no caso sub judice se apurou que todas as fracções são cobertura das fracções inferiores, de onde a tal varanda que ali se desconsiderou, sendo a mesma uma extensão da casa, incorpora a própria estrutura do prédio, independentemente de ser utilizada exclusivamente pelo respectivo condómino, cfr neste sentido Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª Edição, 74 «[O] telhado é a cobertura de um edifício, isto é, o dispositivo que permite protege-lo (…) Os terraços de cobertura são coberturas horizontais (…) A sua sustentação é um pouco diferente da das coberturas ordinárias dado que a sua constituição e finalidade também é diferente (…) Os terraços de cobertura, que tanto se podem situar ao nível do primeiro andar por servirem de cobertura, por exemplo, a uma garagem ou a um estabelecimento, como ao nível de qualquer outro ou até do último piso, cobrindo parte do edifício, mesmo quando estejam afectados ao uso exclusivo de um condómino, são parte comum».

Para o efeito é-nos indiferente a terminologia utilizada, de varanda ou terraço não só porque frequentemente ambos os vocábulos são usados como sinónimos, como também pela circunstância de na espécie a específica e particular construção do prédio impor que cada uma das fracções – no seu todo – são cobertura das fracções imediatamente inferiores, ou dito de outro modo, são o telhado umas das outras., de onde o tal prolongamento da fracção consubstanciada na varanda ou terraço, constituir, nos termos do normativo inserto no artigo 1421º, nº1, alínea b) do CCivil, uma parte comum e visto o problema nesta perspectiva, única possível, atenta a configuração material da propriedade, não se poderá manter a tese sufragada no Aresto impugnado, cfr inter alia os Ac STJ de 15 de Maio de 2012 (Relator Hélder Roque) e de 9 de Junho de 2016 (Relator Orlando Afonso), in www.dgsi.pt.

O artigo 1420º, nº1 do CCivil dispõe que «Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.», de onde resulta para cada um dos condóminos a obrigação de participar, na proporção do valor da sua fracção, nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, de harmonia com o preceituado no artigo 1424º, nº1 do mesmo diploma, apenas estando excepcionadas dessa comparticipação as despesas referidas no seu nº3, isto é as “relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem”, situação esta que transcende a configurada nos autos, «[O] que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária – o que, necessariamente, há-de criar especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo pelo que respeita às fracções autónomas», apud Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no Código Civil português, in RES, Ano XXIII, Nºs 1-2-3-4, 84.

Sendo a varanda/terraço do Recorrente parte comum como é e tendo resultado da materialidade apurada nos pontos D., E., F., S. e T., danos na mesma, impenderá sobre o Recorrido a sua reparação.

Procedem, assim, in totum, as conclusões de recurso.

III Destarte, concede-se a Revista, revogando-se a decisão plasmada no Acórdão recorrido, repristinando-se a sentença de primeiro grau.

Custas pelo Recorrido.

Lisboa, 6 de Novembro de 2018

 

Ana Paula Boularot (Relatora)

Pinto de Almeida

José Rainho