Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17/09.0PJAMD.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
REINCIDÊNCIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA ACESSÓRIA
ESTRANGEIRO
PENA DE EXPULSÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática: DIREITO PENAL - TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
Legislação Nacional: DL Nº 15/93, DE 22-1 : - ARTIGO 21.º.
LEI Nº 23/2007, DE 4-7: - ARTIGO 151.º, N.º 2.
Sumário : I - O crime p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, representa um crime privilegiado de tráfico de estupefacientes, em função da menor ilicitude do facto, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
II - Existe uma vastíssima jurisprudência sobre esta matéria, com algumas oscilações, mas concordante no fundamental, que assim poderemos sintetizar: a constatação da menor ilicitude terá de resultar de uma avaliação global da situação de facto, em que assumem relevo, entre outros eventuais factores, a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o grau de adesão a essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo pessoal de drogas, a duração e a intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores contactados e a posição do agente na rede de distribuição clandestina dos estupefacientes.
III - É a partir da ponderação conjunta desta pluralidade de factores que se deverá elaborar um juízo sobre a verificação da menor ilicitude do facto.
IV - Provado que:
- o recorrente foi detido quando se preparava, dentro de um automóvel conduzido por um consumidor, para vender a este uma quantidade indeterminada de um produto estupefaciente;
- na sua posse foram encontradas 61 embalagens de heroína, com o peso líquido de 10,279 g e 40 doses de cocaína, com o peso líquido de 5,438 g, tendo ainda na sua posse três telemóveis, e € 162,30 em dinheiro, proveniente de vendas de estupefacientes;
- realizada, de seguida, uma busca a sua casa foram aí localizadas 1 embalagem de heroína, com 2,791 g e 5 embalagens de cocaína com o peso de 0,718 g e encontradas embalagens de lactose, paracetamol e cafeína, bem como um frasco de amónio, produtos estes utilizados pelo recorrente na preparação, mistura e embalagem dos estupefacientes que destinava à venda, uma tesoura, uma lâmina, uma colher e uma balança de precisão, de que se servia para a mesma finalidade;- se dedicava à comercialização de estupefacientes desde data não apurada, actividade que só cessou com a detenção, sendo os lucros daí obtidos a sua única fonte de rendimentos;
- tinha na sua posse, no momento da detenção, vários telemóveis (3), como é típico dos vendedores de estupefacientes intensamente procurados pelos seus clientes;
- não é consumidor de estupefacientes;
este conjunto de factos revela uma dedicação intensa e exclusiva à actividade de venda de estupefacientes (sem que tal fosse influenciado sequer pela necessidade de financiamento do consumo pessoal, já que o recorrente não era consumidor), que é incompatível com o grau menor de ilicitude exigido pela previsão típica do art. 25.º do DL 15/93.
V - Os pressupostos formais da reincidência são a prática de crimes reiterados dolosos, a condenação em penas de prisão efectiva por ambos os crimes, o trânsito em julgado da primeira condenação e o não decurso de mais de 5 anos entre a prática do crime anterior e a do novo crime.
VI - No caso dos autos, mostra-se provado que o recorrente foi condenado na pena de 3 anos de prisão, por um crime de tráfico de estupefacientes, por decisão transitada, de 23-10-2003, e nos presentes provou-se um crime idêntico, mas, ignorando-se quando teve início a actividade de venda de estupefacientes, só pode ser considerada, para efeitos de reincidência a data em que foi detido, ou seja, 30-01-2009.
VII - Tendo mediado, pois, mais de 5 anos entre a condenação anterior e a data da prática dos factos destes autos, não se verifica o preenchimento da agravante qualificativa da reincidência.
VIII - Mostra-se arredada a formulação do juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recorrente, se o arguido se encontra em Portugal desde 2002 e nunca manteve uma actividade profissional regular, estando aliás com a situação de permanência no nosso País não regularizada. Acresce ainda ter-se dedicado muito cedo à prática de tráfico de estupefacientes e nela reiterou, depois de cumprida uma primeira pena de prisão. Perante estes factos, é obviamente de excluir a possibilidade de acreditar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão sejam suficientes para realizarem os fins das penas, pelo que não é de se suspender a execução da pena de prisão que lhe foi imposta.
IX - O art. 34.º, n.º 1, do DL 15/93, permitia a expulsão de estrangeiros condenados por crimes previstos no mesmo diploma por período não superior a 10 anos, sem aparentemente estabelecer outros requisitos para a expulsão, para além da própria condenação.
X - Apesar de essa norma não ter sido expressamente revogada, a publicação do art. 101.º, n.º 1, do DL 244/98, de 08-08, veio estabelecer o regime geral da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. Tem-se entendido que esse regime é igualmente aplicável aos condenados por crimes de tráfico de estupefacientes, o que sempre resultaria do art. 7.º, n.º s 2 e 3, do CC, dada a manifesta intenção do legislador de estabelecer um novo e único regime jurídico naquela matéria.
XI - De acordo com a Lei 23/2007, de 04-07, que actualmente vigora, sendo o recorrente um cidadão estrangeiro residente em Portugal desde 2002, mas sem a situação de permanência regularizada, tendo sido condenado em pena de prisão superior a 1 ano e por um crime doloso, sendo diminuto ou inexistente o grau de inserção social que revela, a carência absoluta de inserção laboral, a prática de um crime anterior do mesmo tipo e a inexistência de ligações familiares no nosso País, mostra-se amplamente fundamentada a expulsão, nos termos do art. 151.º, n.º 2, da citada Lei.
XII - Não é requisito da expulsão dos estrangeiros residentes a verificação de ameaça grave para a ordem pública ou a segurança nacional, que é condição, sim, da expulsão dos cidadãos estrangeiros com residência permanente – n.º 3 do art. 151.º do invocado normativo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I. RELATÓRIO

AA, cidadão de Cabo Verde, com os sinais dos autos, foi condenado na 7ª Vara Criminal de Lisboa, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22-1, e na qualidade de reincidente, na pena de 6 anos de prisão, e ainda na pena acessória de expulsão por 10 anos, nos termos do art. 34º, nº 1 do mesmo diploma e do 101º, nº 1 do DL 244/98, de 8-8.
Desse acórdão recorreu o arguido, que conclui assim:

1ª- O recorrente não se conforma com a qualificação penal dos factos provados;
2ª- O recorrente defende que a prática de tais factos integra o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.° 25° do DL 15/93, de 22/01;
3ª- Fazendo a valoração global dos factos verifica-se que o facto de o recorrente actuar sozinho, sem sofisticação de meios, sem a obtenção de grandes proventos económicos, na sua área de residência, local frequentado por muitos toxicodependentes, sem indução de novos consumos, sendo certo, para além do mais, que a prova de venda em quantidade e período de tempo indeterminados não pode ser valorada em desfavor do recorrente, demonstra que o mesmo não passa de um vendedor de rua, de um pequeno traficante;
4ª- A actuação do recorrente não pode ser colocada ao mesmo nível da dos grandes traficantes, organizados numa rede sofisticada;
5ª- Em todo o caso e quanto à pena aplicada ao recorrente a mesma é desproporcional à culpa e gravidade dos factos por si praticados, ainda mais que o recorrente confessou os factos, violando deste modo o disposto nos art.°s 40° e 71° do Código Penal;
6ª- A conduta do recorrente não apresenta elementos bastantes e determinantes que constituam uma ameaça suficientemente grave para a sociedade, para a ordem pública ou segurança nacional que justifiquem a expulsão do recorrente.

O Magistrado do Ministério Público junto daquele tribunal respondeu, defendendo a manutenção do acórdão recorrido.
Neste Supremo Tribunal de Justiça, o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

1. Emitindo parecer sobre o mérito do recurso começa-se por afrontar a primeira questão suscitada pelo recorrente – deve a sua conduta integrar o crime previsto no art. 25.º do Dec-Lei n.º 15/93, com a consequente redução da pena.
1.1. Nesta matéria o recorrente apela às circunstâncias concretas que rodearam a prática da infracção – actuou sozinho, sem que fizesse parte de uma organização ou de uma rede, de forma directa, sem intermediários, assumindo directamente e só os riscos da actividade, num local específico, que é o da área da sua residência, frequentado por consumidores e, como tal, onde não havia indução de novos consumos – mas também o não se ter apurado em concreto o número de transacções realizadas e em que quantidades, falta que não pode ser valorada contra si, para defender que nesse contexto se mostra consideravelmente diminuída a ilicitude do facto, o que justificaria a integração da sua conduta no referido art. 25.º.
1.2. Porém, salvo o devido respeito, não nos parece que o circunstancialismo fáctico provado permita o enquadramento jurídico pretendido pelo recorrente.
Com efeito, como vem sendo aceite de forma pacífica, o art. 25.º do DL 15/93 contém um tipo privilegiado de tráfico de estupefacientes, cujo acento tónico é colocado na diminuição acentuada da ilicitude, em relação à ilicitude pressuposta no tipo-base descrito no art. 21.º, diminuição acentuada essa que depende da verificação de determinados pressupostos, entre os quais, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações. Ora no caso, estamos perante uma situação em que: o arguido tinha na sua posse, dentro duma bolsa, 61 embalagens contendo 10,279 gramas de heroína, mais 40 embalagens contendo 5,438 grs. de cocaína, e se preparava para realizar uma venda a outrem, e na sua residência lhe foram apreendidos, 1 embalagem contendo lactose, com o peso bruto de 24,997g, l embalagem com o peso bruto de 3,152 grs. e com o peso líquido de 3,218 grs., 5 embalagens contendo heroína com o peso bruto de 0,930 grs. e com o peso líquido de 0,718 grs., uma balança de precisão com resíduos de cocaína e heroína, 1 colher com resíduos de cocaína, l cartão com resíduos de cocaína, 1 frasco com a inscrição “Produtos Sodacasa – Amónia a 25%, contendo no seu interior essa substancial, uma tesoura, 1 lâmina, vários plásticos recortados em forma de círculo.
O arguido trazia também consigo três telemóveis que eram utilizados na actividade de tráfico a que destinava os apreendidos produtos estupefacientes, balança, plásticos, tesoura lâmina e outras substâncias.
Pretendia vender a heroína e a cocaína por preços não apurados, não tinha qualquer trabalho regular, vivendo exclusivamente dos proventos obtidos com a venda de droga.
Agindo voluntária, livre e consciente, conhecia a natureza dos produtos que detinha e vendia – heroína e cocaína – e queria vendê-los, ciente embora da natureza criminosa da sua conduta. O arguido tem uma condenação anterior (de 23.10.03) pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
1.3. Por isso cabe perguntar se a valorização global da factualidade considerada assente e acima reproduzida permite, no quadro legal regulamentador do tráfico de droga e com o entendimento que a jurisprudência vem firmando, que se conclua que a ilicitude dos factos se mostra consideravelmente diminuída.
E a resposta, a meu ver, não pode deixar de ser negativa.
O arguido era detentor de porções, de algum relevo quantitativo, que permitiriam abastecer algumas dezenas de consumidores, de heroína e cocaína, dos mais perniciosos estupefacientes conhecidos, até pelos malefícios que directamente e mesmo indirectamente lhe estão associados.
Destinava tais produtos à venda, por preço superior à sua aquisição, em que o móbil era precisamente a obtenção de vantagens económicas e, por isso, não tinha qualquer trabalho regular, vivendo exclusivamente dos proventos obtidos com a venda aos consumidores, sendo certo também, que lhe não é conhecida qualquer ligação por via do consumo ao mundo da droga.
Significativo da “qualidade” da sua intervenção são todos os objectos e produtos apreendidos na sua residência que bem demonstram que o arguido procedia à divisão, “corte” e pesagem dos produtos estupefacientes para obtenção de maiores lucros, actividade essa que já se distancia do mero “dealer” de rua por conta de outrem.
Em suma: trata-se de alguém que com pouco mais de 50 anos de idade prefere optar pela via do lucro fácil, exercendo uma actividade com um mínimo de organização e sofisticação, utilizando telemóveis nos contactos com os compradores, mesmo sabendo que a essa actividade é fortemente prejudicial para a saúde pública e proibida, não sendo por isso difícil a conclusão de que a imagem global do facto retirada da constatação das quantidades apreendidas, sua qualidade e perigosidade, o móbil da sua actuação afasta claramente a ideia de uma ilicitude consideravelmente diminuída, funcionando em pleno o tipo legal de crime por que foi condenado – art. 21.º do Dec-Lei n.º 15/93.
2. Mas sendo correcta em nossa opinião essa qualificação jurídica deve o arguido ser condenado como reincidente, questão que o recorrente não suscita mas que sempre este Supremo Tribunal, enquanto órgão que tem a última palavra nessa matéria, sempre pode apreciar?
Entendemos que não.
Com efeito, é pacífico o entendimento jurisprudencial de que a punição por reincidência, para além dos pressupostos formais previstos no art. 75°, do CP, necessita de uma referência factual específica que estabeleça, em termos inequívocos, a ocorrência de conexão entre a condenação anterior e a prática do novo crime, através da qual se revele, em concreto, que aquela condenação não foi suficientemente dissuasora para que o arguido não voltasse a delinquir, o chamado requisito material.
E isto porquanto a prática de novas infracções pode resultar apenas de causas fortuitas ou exógenas, situação que afastaria o fundamento para a agravação da pena. No caso concreto, sabe-se que o arguido foi condenado na pena de 3 anos de prisão efectiva por sentença transitada em julgado em 23.10.03 pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e que no início de 2009 voltou a praticar nova infracção de idêntica natureza.
Ora, nos termos do n.º 2 do art. 75.º do CP, “O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade”.
E se apesar da situação de homotropia de condutas, a matéria de facto provada já era escassa para comprovar a ocorrência da conexão entre a condenação anterior e a prática do novo crime por parte do arguido, mais escassa é em relação aos pressupostos de ordem formal, ao não permitir saber em que data foram praticados os factos da 1ª condenação e se o arguido chegou a cumprir pena ou medida de segurança privativa de liberdade.
Nessa medida, não pode deixar de concluir-se que verificados não estão esses pressupostos e, como tal, a condenação do arguido como reincidente se mostra incorrecta.
3. Resta a medida da pena que, em nossa opinião, deve ser enquadrada na qualificação jurídica considerada pela instância (art. 21.º) mas sem a consideração da reincidência.
E é então a pena de 6 anos de prisão aplicada ao arguido adequada e justa?
Também aqui, entendemos que não.
Se é certo que não é possível detectar uma acentuada diminuição da ilicitude na conduta do recorrente, também se não vê razão para dentro do grande leque proporcionado pela moldura penal do citado art. 21.º, determinar uma pena que respeitando os fins da punição e todos as circunstâncias que no caso confluem ultrapasse em muito o respectivo mínimo legal.
É que, repete-se, do conjunto de factos provados resulta, sem dúvida, um grau de ilicitude diminuto, mas não consideravelmente diminuto, ou dito de outra forma, dentro das inúmeras hipóteses da escala de ilicitude pressuposta na previsão do art. 21.º do Dec-Lei n.º 15/93, seguramente se situará ao nível dos limites mais baixos dessa valoração.
Por outro lado, deve dar-se relevância à confissão e situação pessoal do arguido e, de sentido contrário, os seus antecedentes criminais que fazem ressaltar as necessidades de prevenção especial.
Por isso, considerando o conjunto dessas circunstâncias, e em termos comparativos as penas aplicadas por este Supremo Tribunal em situações semelhantes para um tráfico de relevo não acentuado, temos a pena de 6 anos como excessiva, pensando que a mesma se deve aproximar antes dos 5 anos de prisão, prisão essa efectiva por não se justificar minimamente a formulação dum prognóstico social favorável ao arguido.
4. Termos em que se emite parecer no sentido da procedência parcial do presente recurso.

Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP), o arguido respondeu como segue:

1. O arguido concorda e aceita o parecer do Ministério Público na parte em que entende que o arguido não deve ser condenado como reincidente.
2. Não concorda, porém, com o Ministério Público quando aquele entende não dever ser alterada a qualificação jurídica do crime pelo que o recorrente foi condenado, crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo n.° 1 do art.° 21° do DL 15/93, de 22/01, para o crime de tráfico de droga de menor gravidade p. e p. pelo art.° 25° do DL 15/93, de 22/01. Se não vejamos.
3. Quanto a este ponto, o Ministério Público assenta o seu parecer nas quantidades de droga que o arguido tinha na sua posse e nas que foram apreendidas na sua casa; nos objectos que também ali foram apreendidos, os quais, juntamente com os três telemóveis que o arguido trazia consigo, eram, de acordo com o Ministério Público, utilizados na actividade de tráfico.
4. Não lhe assiste, no entanto razão, porquanto
5. Quanto aos objectos, embora tenha sido dado como provado que na residência do arguido foram encontradas e apreendidas uma embalagem contendo lactose; uma embalagem contendo heroína; duas embalagens contendo paracetamol e cafeína; cinco embalagens contendo heroína; uma balança de precisão com resíduos de cocaína e heroína; uma colher com resíduos de cocaína; um cartão com resíduos de cocaína; um frasco contendo amónia; uma tesoura e uma lâmina - ponto 2.1.8. do acórdão, na parte que diz respeito à matéria de facto provada, a fls. 402 e 403 dos autos - e que essa balança, plásticos, tesoura, lâmina e a substância "paracetamol, cafeína, lactose e amónio" apreendidas na residência do recorrente eram utilizadas em actividade de comercialização de produtos estupefacientes - ponto 2.1.12 do acórdão, na parte que diz respeito à matéria de facto provada, a fls. 403 dos autos -, não foi, porém, dado como provado que aqueles utensílios e produtos tivessem sido usados pelos arguidos, onde se inclui o ora recorrente, ou que os mesmos lhe pertencessem.
6. Com efeito, não ficou provado “Que nessa residência os arguidos com auxílio de balanças, tesouras e lâminas, misturavam os produtos estupefacientes com outras substâncias habitualmente designadas por "produtos de corte", repartindo-os por embalagens individuais em plástico transparente que previamente recortavam de sacos desse material de forma a facilitar a sua comercialização directamente aos consumidores que se lhes dirigissem para o efeito” - ponto 2.2 do acórdão na parte que diz respeito à matéria de facto não provada, a fls. 406 dos autos -; “Que as substâncias estupefacientes, objectos e produtos indicados em 2.1.8 eram pertença dos arguidos” - ponto 2.2 do acórdão na parte que diz respeito à matéria de facto não provada, a fls. 407 dos autos: “Que a balança, plásticos, tesoura, lâmina e a substância "paracetamol, cafeína, lactose e amónio'' apreendidas eram utilizadas pelos arguidos” - ponto 2.2 do acórdão na parte que diz respeito à matéria de facto não provada, a fls. 407 dos autos.
7. Pelo que, tem de improceder, nesta parte, o parecer do Ministério Público.
8. Acresce que, também não foi apurado que o recorrente auferisse grandes lucros, limitando-se nesta matéria a ficar provado que o arguido angariava lucros, não concretizados, que constituíam a sua única fonte de rendimento - ponto 2.1.1 da matéria de facto provada, a fls. 400 dos autos; também não ficou provado que o recorrente traficasse noutras zonas, nomeadamente de Lisboa, o que faz diminuir os riscos de disseminação de produtos estupefaciente - ponto 2.2 da matéria de facto não provada, a fls. 406 dos autos, onde não resulta provado “Que os produtos estupefacientes eram depois entregues directamente por ambos os arguidos aos indivíduos interessados na aquisição destas substâncias e que se lhes dirigiam para esse efeito ou à residência de ambos ou nas várias artérias do B… de S… F… e da zona do I… em Lisboa”; nem quais as quantidades que foram por si efectivamente transaccionadas, nem quantas vezes procedeu à venda de heroína e cocaína, sendo que, quanto a esta matéria ficou apenas provada a transacção do dia 30 de Janeiro de 2009 - ponto 2.1.2 da matéria de facto provada, a fls. 400 dos autos - e que “Desde data não concretamente apurada o arguido AA dedicava-se à venda de produtos estupefacientes, designadamente cocaína e heroína...” - ponto 2.1.1 da matéria de facto provada, a fls. 400 dos autos.
9. Ora, as imputações genéricas, onde não se concretiza o lugar, nem as quantidades, nem as qualidades, não podem por si só sustentar a condenação do recorrente por um crime mais grave, neste caso, pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.° 21°, n.° 1 do DL 15/93, de 22/01.
10. Pelo que, o fundamento baseado na quantidade e qualidade dos estupefacientes transaccionados também não pode proceder.
11. O mesmo se diga em relação à utilização pelo recorrente de vários telemóveis, a qual não é de modo algum demonstrativa de sofisticação de meios.
12. Com efeito, como é de conhecimento comum, a utilização do telemóvel está generalizada, sendo normal uma pessoa deter mais do que um telemóvel no seu dia-a-dia.
13. Improcedendo em parte os argumentos apresentados pelo Ministério Público, pelos motivos e nos termos atrás expostos, e havendo alteração da qualificação jurídica para um crime de menor gravidade, essa alteração tem obrigatoriamente de ter consequências a nível da medida da pena a aplicar ao recorrente.
14. Assim sendo e face ao atrás exposto, deve o parecer do Ministério Público proceder na parte em que considerou que o arguido não deve ser condenado como reincidente e improceder na parte em que entendeu não haver lugar à alteração da qualificação jurídica e, nessa parte, ser dado provimento ao recurso apresentado pelo recorrente AA.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O recorrente questiona a qualificação dos factos que pretende que sejam subsumidos ao art. 25º do DL nº 15/93, assim como a pena concreta aplicada, e ainda a pena acessória de expulsão.
Por sua vez, o sr. Procurador-Geral Adjunto suscita a questão da falta dos pressupostos formais da reincidência.
Analisemos as diversas questões propostas.
Antes de mais, importa conhecer a matéria de facto apurada, na parte referente ao recorrente:

2.1.1. Desde data não concretamente apurada o arguido AA dedicava-se à venda de produtos estupefacientes, designadamente, cocaína e heroína (actividade que só cessou com a sua detenção e sujeição a prisão preventiva), angariando lucros que constituíam a sua única fonte de rendimento.
2.1.2. No dia 30 de Janeiro de 2009, pelas 15h55, Agentes da PSP que se encontravam na E… M…, no B… de S… F…, em exercício de funções, suspeitaram do comportamento do arguido AA, que já se encontrava referenciado pelas autoridades policiais, o qual, depois de ter recebido um telefonema no telemóvel e se ter deslocado para o interior do bairro, acabou por voltar e entrar na viatura de matrícula …-…-HD, sentando-se no lugar do pendura; esta viatura havia sido vista, momentos antes, pelos mesmos agentes numa rotunda circulando ininterruptamente.
2.1.3. Os Agentes da P.S.P. que estavam a acompanhar as movimentações do arguido, usando uma viatura descaracterizada, moveram-lhe, então, perseguição policial, acabando por interceptar a referida viatura pouco depois, nos semáforos existentes na Avª G… H… D… .
2.1.4. Quando procediam à abordagem do arguido e do condutor da viatura, BB, os Agentes da P.S.P visualizaram entre as pernas do arguido uma bolsa em pele preta habitualmente usada para guardar os produtos estupefacientes, tendo constatado que no seu interior o arguido dissimulava:
- 61 (sessenta e uma) embalagens contendo heroína, com o peso líquido de 10,279g;
- 40 (quarenta) embalagens contendo cocaína, com o peso líquido de 5,438g.
2.1.5. Nessa altura o arguido foi sujeito a revista e na sua posse foram ainda encontrados e apreendidos:
- 1 (um) telemóvel da marca "Nokia" com o IMEI …, com cartão da operadora Uso inserido;
- 1 (um) telemóvel da marca "Nokia" com o IMEI …, com cartão da operadora Uso inserido;
- 1 (um) telemóvel da marca "Nokia" com o IMEI …, com cartão da operadora Uso inserido;
- 162,30 € (cento e sessenta euros e trinta cêntimos);
- 1 (um) porta-chaves contendo sete chaves e uma lanterna, sendo umas das chaves correspondente à fechadura da porta da residência onde o arguido residia.
2.1.6. O arguido e o condutor do veículo, BB, encontravam-se naquele local por terem, previamente e por contacto telefónico, marcado o referido encontro para o arguido lhe vender produto estupefaciente.
2.1.7. O referido contacto tinha sido realizado BB para um dos telemóveis usados pelo arguido, com o número …-…, sendo certo que, usando este procedimento já em datas anteriores, esta testemunha tinha adquirido estupefacientes ao arguido para o seu consumo.
2.1.8. De seguida, os Agentes da P.S.P. deslocaram-se à residência do arguido e da arguida Ilda Borges e, na presença de ambos, realizaram busca à mesma, tendo aí encontrado e apreendido:
• 1 (uma) embalagem contendo lactose, com o peso bruto de 24,997g;
• 1 (uma) embalagem contendo heroína, com o peso bruto de 3,152g e com o peso líquido de 2,791g;
• 2 (duas) embalagens contendo paracetamol e cafeína, com o peso bruto de 3,218g;
• 5 (cinco) embalagens contendo heroína, com o peso bruto de 0,930g e com o peso líquido de 0,718g;
• 1 (uma) balança de precisão com resíduos de cocaína e heroína;
• 1 (uma) colher com resíduos de cocaína;
• 1 (um) cartão com resíduos de cocaína;
• 1 (um) frasco com a inscrição "Produtos Sodacasa - Amónia a 25%" contendo no seu interior essa substância;
• 1 (uma) tesoura;
• 1 (uma) lâmina;
• 4 (quatro) cartuchos, calibre.12;
• 1 (uma) pistola de alarme de calibre 8mm, destinada essencialmente a deflagrar munições de alarme, de sinais ou para controlo da vida selvagem, posteriormente adaptado para disparar munições com projéctil de calibre 6,35mm, em condições de realizar disparos;
• Vários plásticos recortados em forma de círculo;
• 485 € (quatrocentos e oitenta e cinco euros).
2.1.9. As substâncias estupefacientes apreendidas e indicadas em 2.1.4. eram pertença do arguido, tendo sido adquiridas por este com o intuito de proceder à sua venda.
2.1.10. Os telemóveis apreendidos eram utilizados pelo arguido nos contactos que mantinha no âmbito dessa actividade.
2.1.11. A quantia monetária apreendida ao arguido (indicada em 2.1.5) era proveniente da venda de produto estupefaciente.
2.1.12. A balança, plásticos, tesoura, lâmina e a substância "paracetamol, cafeína, lactose e amónio" apreendidas eram utilizadas em actividade de comercialização de produtos estupefacientes.
2.1.13. O arguido conhecia as características e natureza estupefaciente da heroína e cocaína que detinha e comercializava, e mesmo assim, decidiu adquirir, deter na sua posse e proceder à venda a terceiros de tais substâncias, tendo concretizado os seus propósitos.
2.1.14. A quantia monetária indicada em 2.1.8. (485 €) apreendida em casa dos arguidos pertencia à arguida CC era proveniente de poupanças suas.
2.1.15. O arguido AA agiu, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei.
2.1.16. O arguido AA foi julgado e condenado, no âmbito do Processo Comum 98/03.0PALSB da 1ª Vara Criminal de Lisboa, na pena de três anos de prisão efectiva por sentença transitada em julgado em 23/10/2003, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes.
(…)
2.1.18. O arguido AA é natural de Cabo Verde, sem vinculação com figuras parentais (conheceu o pai quando contava cerca de onze anos de idade e praticamente não conheceu a progenitora), tendo crescido no agregado familiar da avó e tias maternas, em ambiente rural de forte precariedade a nível económico.
2.1.19. O arguido não frequentou a escola não sabendo ler nem escrever.
2.1.20. Veio para Portugal em 2002, com um irmão, tendo a sua mulher e filhos permanecido em Cabo Verde.
2.1.21. O arguido nunca conseguiu manter uma actividade profissional regular, não se encontrando com a sua situação de permanência em Portugal regularizada.
2.1.22. O arguido não tem neste momento ligações familiares estruturadas em Portugal e pretende regressar a Cabo Verde.
2.1.23. O arguido confessou os factos. (…)

Antes de mais, refira-se que não se questiona a competência deste Supremo Tribunal para o julgamento da causa, já que o recurso é apenas de direito e o arguido se encontra condenado numa pena superior a 5 anos de prisão (art. 432º, nºs 1, c) e 2 do CPP).
Passamos então a analisar as diversas questões propostas ao conhecimento deste Supremo Tribunal.


Qualificação jurídica dos factos

Pretende o recorrente que os factos sejam integrados no crime do art. 25º do DL nº 15/93, de 22-1, e não no do art. 21º do mesmo diploma.
Prevê aquele preceito (epigrafado de “tráfico de menor gravidade”) um crime privilegiado de tráfico de estupefacientes, em função da menor ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”.
Existe uma vastíssima jurisprudência sobre esta matéria, com algumas oscilações, mas concordante no fundamental, que assim poderemos sintetizar: a constatação da menor ilicitude terá de resultar de uma avaliação global da situação de facto, em que assumem relevo, entre outros eventuais factores, a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o grau de adesão a essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo pessoal de drogas, a duração e a intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores contactados e a posição do agente na rede de distribuição clandestina dos estupefacientes.
É a partir da ponderação conjunta desta pluralidade de factores que se deverá elaborar um juízo sobre a verificação da menor ilicitude do facto.
Analisemos os factos apurados.
Provou-se que o recorrente foi detido quando se preparava, dentro de um automóvel conduzido por um consumidor, para vender a este uma quantidade indeterminada de um produto estupefaciente. Foram-lhe então encontradas na sua posse 61 embalagens de heroína, com o peso líquido de 10,279 gramas, e 40 doses de cocaína, com o peso líquido de 5,438 gramas. Tinha ainda na sua posse três telemóveis, e 162,30 € em dinheiro, proveniente de vendas de estupefacientes.
Realizada, de seguida, uma busca a casa do recorrente, foram aí localizadas uma embalagem de heroína, com 2,791 gramas, e cinco embalagens de cocaína com o peso de 0,718 gramas. Foram igualmente encontradas embalagens de lactose, paracetamol e cafeína, bem como um frasco de amónio, produtos estes utilizados pelo recorrente na preparação, mistura e embalagem dos estupefacientes que destinava à venda. Tinha também uma tesoura, uma lâmina, uma colher e uma balança de precisão, de que se servia para a mesma finalidade.
Mais se provou que se dedicava à comercialização de estupefacientes desde data não apurada, actividade que só cessou com a detenção, sendo os lucros daí obtidos a sua única fonte de rendimentos. Tinha na sua posse, no momento da detenção, vários telemóveis (três), como é típico dos vendedores de estupefacientes intensamente procurados pelos seus clientes.
Não é consumidor de estupefacientes.
Este conjunto de factos revela uma dedicação intensa e exclusiva à actividade de venda de estupefacientes (sem que tal fosse influenciado sequer pela necessidade de financiamento do consumo pessoal, já que o recorrente não era consumidor), que é incompatível com o grau menor de ilicitude exigido pela previsão típica do art. 25º do DL nº 15/93.
Por isso, os factos não podem deixar de ser subsumidos ao crime do art. 21º do mesmo diploma, improcedendo, pois, o recurso, nesta parte.

Medida da pena e reincidência

Convirá tratar conjuntamente estas duas questões, que estão conexionadas.
Considera o recorrente que a pena é desproporcional à culpa e à gravidade dos factos.
Recorde-se que a pena foi fixada em 6 anos de prisão, mas com base na verificação da agravação por reincidência.
Contudo, o Ministério Público entende que não estão preenchidos os pressupostos formais dessa agravação previstos no art. 75º do Código Penal (CP).
Os pressupostos formais da reincidência são, nos termos desse preceito, a prática de crimes reiterados dolosos, a condenação em penas de prisão efectiva por ambos os crimes, o trânsito em julgado da primeira condenação e o não decurso de mais de cinco anos entre a prática do crime anterior e a do novo crime.
No caso dos autos, sabemos que o recorrente foi condenado na pena de 3 anos de prisão, por um crime de tráfico de estupefacientes, por decisão, transitada, da 1ª Vara Criminal de Lisboa de 23.10.2003. Ignora-se a data da prática dos factos que motivaram essa condenação.
Nestes autos, provou-se um crime idêntico, mas, ignorando-se igualmente quando teve início a actividade de venda de estupefacientes, só pode ser considerada, para efeitos de reincidência a data em que foi detido, ou seja, 30.1.2009.
Mediaram, pois, mais de cinco anos entre a condenação anterior e a data da prática dos factos destes autos, daí decorrendo necessariamente a omissão de um pressuposto essencial da reincidência: o decurso de um prazo não superior a cinco anos entre a data da prática do crime anterior e a do novo crime.
Importa, pois, fixar a pena concreta, desconsiderando a agravante qualificativa da reincidência.
Ponderando o circunstancialismo global dos factos, a confissão (de escasso valor, dado o flagrante delito), a precária, se não nula, inserção social e laboral do recorrente, as necessidades de prevenção geral e especial (esta tendo em consideração a condenação anterior), julga-se adequada a pena de 5 anos de prisão.
Há que ponderar ainda se essa pena deverá ser suspensa na sua execução, face ao disposto no art. 50º, nº 1 do CP. Poderá formular-se um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recorrente?
A resposta é necessariamente negativa. O arguido encontra-se em Portugal desde 2002 e nunca manteve uma actividade profissional regular, estando aliás com a situação de permanência no nosso País não regularizada. Dedicou-se muito cedo à prática de tráfico de estupefacientes e nela reiterou depois de cumprida uma primeira pena de prisão.
Perante estes factos, é obviamente de excluir a possibilidade de acreditar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão sejam suficientes para realizarem os fins das penas.

Pena acessória de expulsão

Entende o recorrente que a sua conduta “não apresenta elementos bastantes e determinantes que constituam uma ameaça suficientemente grave para a sociedade, para a ordem pública ou segurança nacional que justifiquem a expulsão”.
O recorrente foi condenado na pena de expulsão do território nacional ao abrigo do art. 34º, nº 1 do DL nº 15/93, e do art. 101º, nº 1 do DL nº 244/98, de 8-8 (incorrectamente citado como DL nº 144/98).
O primeiro preceito referido permitia a expulsão de estrangeiros condenados por crimes previstos no mesmo diploma por período não superior a 10 anos, sem aparentemente estabelecer outros requisitos para a expulsão, para além da própria condenação.
Apesar de essa norma não ter sido expressamente revogada, com a publicação do segundo diploma citado, que veio estabelecer o regime geral da “Entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional”, tem-se entendido que esse regime é igualmente aplicável aos condenados por crimes de tráfico de estupefacientes, o que sempre resultaria do art. 7º, nºs 2 e 3 do Código Civil, dada a manifesta intenção do legislador de estabelecer um novo, e único, regime jurídico naquela matéria.
Hoje vigora a Lei nº 23/2007, de 4-7 (que é a lei aplicável, por estar já em vigor ao tempo dos factos), cujo art. 151º dispõe:

Pena acessória de expulsão
1 – A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses.
2 – A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.
3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.
(…)

Por sua vez, o art. 135º do mesmo diploma estabelece:

Limites à expulsão
Não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:
a) Tenham nascido em território português e aqui residam;
b) Tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal;
c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação;
d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.

O recorrente é um cidadão estrangeiro residente em Portugal desde 2002, mas sem a situação de permanência regularizada, pelo que lhe é aplicável o disposto no nº 2 do art. 151º.
Analisado o preceito, logo se conclui que, em princípio, a expulsão é admissível, já que o recorrente foi condenado em pena de prisão superior a 1 ano e por um crime doloso.
Por outro lado, o diminuto ou inexistente grau de inserção social que revela, a carência absoluta de inserção laboral, a prática de um crime anterior do mesmo tipo e a inexistência de ligações familiares no nosso País fundamentam amplamente a expulsão.
Não é requisito da expulsão dos estrangeiros residentes a verificação de ameaça grave para a ordem pública ou a segurança nacional, que é condição, sim, da expulsão dos cidadãos estrangeiros com residência permanente (nº 3 do art. 151º).
Não se verifica, por outro lado, nenhum dos limites à expulsão enunciados no art. 135º da mesma Lei.
Consequentemente é de confirmar a pena de expulsão, embora com fundamento legal diferente.

III. DECISÃO

Com base no exposto, no provimento parcial do recurso, decide-se:
a) Revogar a decisão recorrida na parte em que condenou o recorrente como reincidente;
b) Condenar o recorrente, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
c) Confirmar a pena acessória de expulsão, nos termos do art. 151º, nº 2 da Lei nº 23/2007;
d) Condenar o recorrente em 5 UC de taxa de justiça.


Supremo Tribunal de Justiça,

Lisboa, 15 de Abril de 2010.

Maia Costa (Relator)
Pires da Graça
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(1) Foi ainda julgada a arguida CC, que foi absolvida.