Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S1832
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDES CADILHA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONVENÇÃO DE BRUXELAS
CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: SJ200701170019324
Data do Acordão: 01/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO.
Sumário : Interposta acção emergente de contrato de trabalho contra diversas rés, uma das quais sediada no Reino Unido, e não tendo sido possível determinar um elemento de conexão com território português por referência ao local da situação do estabelecimento que contratou o trabalhador, para efeito do funcionamento da regra especial de competência do artigo 5º, n.º 1, da "Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial" (designada Convenção de Bruxelas), o tribunal internacionalmente competente para conhecer da acção é o inglês, por efeito da regra geral que resulta das disposições conjugadas dos artigos 2º e 3º da mesma Convenção. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório.

"AA" intentou, no Tribunal de Trabalho do Porto, a presente acção emergente do contrato de trabalho contra Empresa-A, Empresa-B, e Empresa-C pedindo a condenação da primeira ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e a condenação dessa e todas as restantes rés a restituírem-lhe determinadas verbas e a pagar-lhe a diferença salarial relativa ao subsídio de férias do ano de 1996.

O juiz de primeira instância, no despacho saneador, julgou procedente a excepção dilatória da incompetência internacional do tribunal.

Tendo o autor agravado desse despacho, o Tribunal da Relação do Porto concedeu provimento ao recurso e declarou o Tribunal de Trabalho do Porto internacionalmente competente para conhecer da acção (acórdão de fls. 1056-1060) .

Em agravo de 2ª instância, o Supremo Tribunal de Justiça anulou o acórdão da Relação e determinou a baixa do processo à primeira instância para dilucidação da questão de saber qual o local de celebração do contrato de trabalho que vinculou o autor (fls. 1106-1117).

Em diligência de inquirição de testemunhas, o autor veio desistir da totalidade do pedido deduzido contra a terceira ré, e, na sequência, o juiz, pelo despacho de fls. 1201-1211, julgou válida a desistência quanto ao pedido formulado contra essa ré, assim a absolvendo do pedido, e procedente a excepção dilatória da incompetência internacional, absolvendo todas as demais rés da instância.

O autor de novo agravou deste despacho e as rés interpuseram recurso subordinado, pretendendo que, caso venha a ser julgado procedente o recurso principal, se não admita a desistência do pedido contra a ré Empresa-C, e, em consequência, se faça prosseguir o processo contra todos os iniciais demandados.

A Relação julgou procedente o recurso principal e negou provimento ao recurso subordinado, assim revogando o despacho recorrido na parte em que havia declarado a incompetência internacional do tribunal (acórdão de fls 1356-1373).

As Rés interpuseram então recurso de agravo de 2ª instância (fls 1377 e segs.), em que formularam as seguintes conclusões:

1. O Acórdão sob censura padece de vício de omissão de pronúncia quanto à questão prévia de rejeição do recurso por incumprimento por parte do Recorrido dos ónus de especificação prescritos nos artigos 690.º-A do Código de Processo Civil, suscitada pelas Recorrentes em sede de contra-alegações de recurso de Agravo em 1.8 instância, não tendo tal questão sido objecto de decisão, nem em sede de exame preliminar do recurso, nem no corpo do próprio Acórdão em apreço, o que representa violação do disposto no artigo 660.°, n.º 2, do Código de Processo Civil, determinante da nulidade do mesmo, nos termos da alínea d) do n.o 1 do artigo 668.°, aplicável por força do artigo 716.°, todos do mesmo diploma legal, cuja declaração se requer.
2. O ora Recorrido ao impugnar a interpretação preconizada pelo Tribunal de 1.8 instância relativamente à questão do local celebração do contrato em função dos factos dados como provados, não cumpriu os ónus de especificação previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, pois não discriminou nas alegações e conclusões do recurso principal de agravo em 1.8 instância os factos concretos que considera incorrectamente julgados, quais os meios de prova constantes dos autos, e da gravação nele realizada que, por referência ao assinalado na acta nos termos do n.º 2 do artigo 522.º-C do mesmo diploma legal, impunham decisão diversa relativamente aos factos que considera incorrectamente julgados.
3. O Tribunal a quo, sem prejuízo do Acórdão sob censura ser nulo por omissão de pronúncia, ao ter admitido o recurso interposto pelo Recorrido e conhecido do seu objecto - a interpretação preconizada pelo Tribunal de 1.ª instância relativamente à questão do local celebração do contrato em função dos factos dados como provados -, violou o disposto no aludido artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, pois este estabelece como consequência para os casos de incumprimento por parte do recorrente dos ónus de especificação, a rejeição do recurso interposto.
4. O Acórdão em apreço encontra-se em contradição com uma corrente jurisprudencial unânime, vertida, a título de exemplo nos Acórdãos da Relação do Porto, de 1 de Março de 2001 e de 19 de Novembro de 2001, a qual debruçando-se sobre os casos em o recorrente tenha impugnado a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1. a instância sem ter dado cumprimento aos ónus previstos no artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, o Tribunal ad quem não poderá conhecer do objecto do recurso interposto, devendo o mesmo ser liminarmente rejeitado, o que deverá ser igualmente transportado para os casos em que o fundamento do recurso é impugnação da interpretação realizada pelo Tribunal de 1.ª instância relativamente à questão do local celebração do contrato, de acordo com os factos dados como provados, sem que tenha cumprido os ónus referidos.
5. A alteração pelo Tribunal recorrido da interpretação preconizada pelo Tribunal de 1.a instância relativamente à questão do local de celebração do contrato, em função dos factos dados como provados não tem qualquer sustentabilidade jurídica, pois das alíneas d) a f) dos factos assentes apenas se constata que: o representante da Empresa-D afirmou ao Recorrido que o contactaria em momento posterior, se fosse seleccionado; que o mesmo representante regressou a Londres e apresentou as conclusões sobre os candidatos entrevistas, sendo o procedimento normal enviar uma proposta de emprego, com os termos e condições, acompanhado de um cópia, destinada a ser datada, assinada e remetida posteriormente para Londres; e que a carta enviada pelo representante da Empresa-D para a Empresa-A, em Luanda, foi acompanhada de um formulário preenchido pelo Recorrido entretanto remetido por este último para aquele.
6. Atendendo aos factos acima descritos, apenas se poderia concluir que o local da celebração do contrato, entendendo este como o local em que as declarações de vontade do Recorrido e da Empresa-D se encontrara, foi efectivamente Londres, como o havia sustentado o Tribunal de 1.ª Instância, de acordo com o disposto no artigo 224.°, n.º 1, do Código Civil.
7. A interpretação preconizada pelo Tribunal recorrido de que, dos factos assentes - em especial do vertido na alínea f) - não seria possível determinar o local da celebração do contrato por, na data da remessa da declaração do representante da Empresa-D ainda não estar concluído nenhum contrato, para além de não ter valorado a confissão judicial feita pelo Recorrido no artigo 5.° da petição inicial (expressamente aceite no artigo 3.° da Contestação), não atendeu ao facto de que as vontades do Recorrido e daquela empresa se encontraram mediante a remessa de uma proposta-tipo, tendo o recorrido remetido um formulário para aquela empresa, o qual foi enviado pelo representante da Empresa-D para a Empresa-A, em Luanda.
8. Pelo que, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 224.°, n.º 1, do Código Civil, tendo ilicitamente desconsiderado a existência de uma proposta contratual e de aceitação respectiva por parte da Empresa-D e do Recorrido, ..., de um verdadeiro contrato, em contradição com o facto confessado no artigo 5.° da Petição Inicial, de que foi aquela empresa que o contratou, o que representa violação do disposto no n.º 1 do artigo 358.° do Código Civil que fixa a força probatória plena da confissão judicial escrita, o que não foi tido em consideração pelo Tribunal Recorrido.
9. Bem como representa contradição do Acórdão recorrido com o decidido nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Julho de 1981, e 17 de Dezembro de 1997, relativos respectivamente ao valor de prova plena da confissão judicial, e à forma pela qual se processa a formação de um qualquer contrato.
10. Sendo o local da celebração do contrato Londres, é este o factor de conexão pelo qual se terá de aferir a competência internacional dos tribunais portugueses, não sendo aplicável o artigo 11.º do Código de Processo de Trabalho de 1981 mas antes o artigo 2.º da Convenção de Bruxelas, donde se conclui que são competentes para conhecer da presente acção os tribunais ingleses, em detrimento dos tribunais portugueses, porque absolutamente incompetentes em razão da nacionalidade por força da norma aludida.
11. O Tribunal recorrido, não obstante ter considerado que a competência do tribunal fixa-se no momento da propositura da acção, sendo irrelevantes as modificações de facto supervenientes para efeitos do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, deu relevância aos efeitos jurídicos da desistência do pedido e à sua homologação respectiva.
12. A desistência do pedido, nos termos do artigo 295.º do Código de Processo Civil, extingue, quer o direito que o autor pretendia fazer valer na acção respectiva, quer os respectivos factos constitutivos oportunamente alegados na petição inicial, o que implica assim a ocorrência de modificações de facto e de direito para efeitos do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, que ficarão cobertas pelo efeito de caso julgado da sentença homologatória da desistência.
13. Nos termos e para efeitos do artigo 22.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, o momento em que a competência do tribunal deverá ser apreciada é sempre o da propositura da acção, atendendo aos elementos da relação jurídica processual e da relação material controvertida e ao direito aplicável nesse preciso momento, todas e quaisquer modificações de facto e de direito supervenientes dão irrelevantes.
14. Pelo que, no presente caso a competência do tribunal deveria ter sido aferida por referência ao momento da propositura da acção, qualificando os efeitos da desistência do pedido contra a 3.ª Recorrente Empresa-C como irrelevantes, não tendo o Tribunal recorrido realizado tal qualificação, o mesmo violou o disposto no artigo 22.° da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, o que apenas sucedeu por o mesmo ter exercido ilicitamente os poderes de modificação da decisão sobre a matéria de facto do tribunal de 1.ª instância em contradição com o estabelecido no artigo 712.° do Código de Processo Civil.
15. Sendo o momento relevante para fixação da competência do Tribunal o da propositura da acção, é inaplicável o disposto no artigo 11.° do Código de Processo de Trabalho de 1981, devendo ser antes aplicado o estabelecido no artigo 2.° da Convenção de Bruxelas (cf. Resolução da Assembleia da República n.º 33/91, de 30 de Outubro de 1991), segundo o qual as pessoas domiciliadas no território de um Estado outorgante apenas podem ser demandadas perante os tribunais do Estado do seu domicílio.
16. Por força do artigo 22.° da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e do artigo 2.° da Convenção de Bruxelas, os tribunais internacionalmente competentes são os tribunais do Reino Unido, uma vez que a 3.ª Recorrente tem a sua sede em Londres, e o Recorrido sempre prestou trabalho fora do território de qualquer Estado outorgante da convenção.
17. Pelo que, o Tribunal recorrido, ao considerar aplicável o critério vertido no artigo 11.° do Código de Processo de Trabalho de 1981, violou as normas patentes no artigo 22.° da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e do artigo 2.° da Convenção de Bruxelas.
18. No Despacho de fls. 1203 a 1211 dos autos, o Tribunal de 1.ª instância apenas conheceu da oposição à desistência deduzida por parte das co-recorrentes Empresa-A e Empresa-B, não tendo conhecido da oposição deduzida pela Recorrente Empresa-C, tendo as Recorrentes requerido a declaração de nulidade do Despacho em apreço por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668.°, n.º 1, alínea d) e 666.°, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, o que não mereceu provimento pelo Tribunal recorrido que considerou que o Tribunal de 1.ª instância apenas desconsiderou um dos argumentos invocados pelas Recorrentes.
19. A oposição da 3.ª Recorrente Empresa-C à desistência do pedido formulada pelo ora Recorrido assume a natureza de questão prévia à sua respectiva homologação, pois o sentido da decisão quanto à oposição da desistência, é susceptível de influir no sentido da decisão de homologação ou não, o que não foi objecto de apreciação por parte do Tribunal de 1.ª instância no Despacho de fls. 1203 a 1211 dos autos, conforme prescrito no artigo 660.°, n.º 2, do Código de Processo Civil.
20. Pelo que, o Despacho de fls. 1203 a 1211 dos autos padece de vício de omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.° do Código de Processo Civil, por violação do aludido artigo 660.°, n.º 2, do mesmo diploma legal.
21. No Acórdão sob censura foi considerado que o Despacho de fls. 1203 a 1211 dos autos realizou uma mera desconsideração dos argumentos aduzidos pela 3.ª Recorrente Empresa-C, contudo não atendeu à questão prévia e distinta da colocada pelas restantes Recorrentes quanto à possibilidade de desistência do pedido por parte do Recorrido, pelo facto da 3.ª Recorrente deter um interesse sério e digno de tutela jurídica na manutenção da acção, pois a desistência representa um prejuízo de um direito entretanto criado na sua esfera jurídica por força do pedido de condenação solidária: o direito de apenas responder na medida da sua quota parte de responsabilidade no crédito comum, visando ilidir a sua respectiva responsabilidade.
22. A incorrecta qualificação do caso em apreço como uma situação de mera desconsideração de uma linha de argumentação da 3.ª Recorrente e não como um caso de verdadeira omissão de pronúncia a uma questão prévia, adicional e distinta à homologação da desistência do pedido por parte do Tribunal de 1.ª instância, implica, em primeiro lugar, a violação dos referidos artigos 660.°, n.º 2 e 668.°, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, e, em ­segundo lugar, a contradição do Acórdão sob censura com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Março de 2001.
23. Uma vez que o Recorrido limitou-se a imputar a responsabilidade pelo pagamento dos créditos peticionados sem afirmar a fonte de tal dever em relação a cada uma das Recorrentes, nem diferencia nos pedidos que formulou contra as mesmas a medida da sua respectiva responsabilidade, o mesmo conformou a causa de pedir da presente acção em função da existência de uma pluralidade de devedores peticionando a sua condenação numa prestação única e global, ou seja, peticionou a condenação das Recorrentes enquanto devedores solidários, o que tem de ser aferido independentemente do mérito ou sustentabilidade jurídica dos pedidos deduzidos.
24. A desistência do pedido formulado contra um dos devedores solidários tem dois efeitos jurídicos imediatos, por um lado, impede-o de ilidir a sua responsabilidade no crédito pretensamente comum, por outro, os devedores que respondam nesses termos ficarão titulares de direito de regresso contra o devedor relativamente o qual a desistência operou.
25. Assim, se nestes casos a desistência do pedido pudesse operar sem a anuência do réu visado, da desistência nasceria um prejuízo para a sua esfera jurídica, traduzido na possibilidade dos demais réus deduzirem uma subsequente acção de regresso contra o réu alvo da desistência, sem que o mesmo pudesse ilidir a sua responsabilidade na acção onde se visa a declaração da existência do direito de crédito e a consequente condenação dos devedores no seu pagamento, e para a qual o mesmo havia sido inicialmente demandado.
26. À desistência do pedido deduzida pelo Recorrido, as Recorrentes deduziram oposição, sendo que a 3.ª Recorrente, como directamente visada, alegou precisamente que o facto da desistência não impediria as restantes Recorrentes, em caso de procedência da presente acção, de lhe exigirem o pagamento da sua quota parte de responsabilidade por via de acção de regresso, daí que o mesmo seja titular de um interesse sério e merecedor de tutela jurídica na presente acção, visando ilidir a sua responsabilidade, redundando a desistência do pedido no presente caso, caso fosse admitida, num prejuízo de um direito entretanto criado na sua esfera jurídica.
27. As 1.ª e 2.ª Recorrentes, Empresa-A e Empresa-B, opuseram-se a tal desistência invocando serem titulares de um idêntico interesse sério e merecedor de tutela jurídica em que a dita 3.ª R. Empresa-C se mantenha na posição de ré nos presentes autos, sustentando em síntese que, em caso de eventual procedência da tese sustentada nos autos pelo Recorrido, se a desistência fosse admitida, as mesmas seriam forçadas a exigir da 3.ª Recorrente Empresa-C a medida da sua responsabilidade nos créditos peticionados pelo Recorrido, e em que poderão ser condenadas a final, em sede de acção de regresso, onde irá impender sobre elas o ónus de provarem que tudo fizeram para evitar a condenação, nos termos e para os efeitos dos artigos 524.° e 525.° do Código Civil.
28. De acordo com jurisprudência superior, a desistência do pedido não pode operar quando a sua concretização represente prejuízo de um direito já nascido para o sujeito passivo da relação processual, conforme o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Julho de 1974.
29. No Acórdão sob censura considera-se que o objectivo do Recorrido com a presente acção é diverso da questão em apreço no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Julho de 1974, pois o mesmo visa a declaração da existência de certos direitos e a condenação das Recorrentes, contudo não se atendeu ao facto do Recorrido ter demandado todos os sujeitos que considerou ser solidariamente responsáveis pelos créditos de que peticionou, precisamente as 1ª a 3ª Recorrentes.
30. Por a demanda de todos os devedores solidários - sem prejuízo da eventual procedência ou improcedência da acção - ter por efeito imediato a atribuição a estes de uma vantagem jurídica: a de ser ilidir a sua responsabilidade por todos os mecanismos de defesa possíveis na acção principal onde se visa a declaração do direito de crédito respectivo, o que implica que os mesmos sejam titulares do direito de não satisfazerem o crédito peticionado além da parcela do débito da sua respectiva responsabilidade.
31. Assim, se, como foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Julho de 1974, A desistência do pedido não pode operar-se quando a sua concretização represente o prejuízo de um direito já nascido para o sujeito passivo da relação processual (sublinhado nosso), o Acórdão sob censura encontra-se em contradição com o decidido no aresto do Supremo Tribunal de Justiça referido.
32. Bem como, ao julgar válida a homologação por parte do Tribunal de 1.8 Instância da desistência do pedido contra a 3.8 R. Empresa-C, os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores violaram o disposto nos artigos 293.°, n.º 1 e 296.°, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis aos presentes autos ex vi artigo 1.°, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do trabalho, na redacção aplicável aos autos.
Termos em que, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso, e, por via dele:
(i) Declarar-se a nulidade do Despacho de fls. 1203 a 1211 por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos dos artigos 660°, n.º 2 e 668.°, n.º 1, alínea d), aplicáveis por força do artigo 666.°, n.º 3, todos do Código de Processo Civil.
(ii) Revogar-se o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que julgue o Tribunal do Trabalho do Porto internacionalmente incompetente para preparar e julgar a presente a acção e absolva as ora Recorrentes da instância, em conformidade com o decidido em 1.ª instância.

Não tendo havido contra-alegação, o relator no Supremo Tribunal de Justiça determinou que os autos baixassem à Relação para que esta se pronunciasse sobre a arguida nulidade de acórdão (fls 1467).

A Relação, admitindo a omissão de pronúncia, na sua anterior decisão, quanto à questão da rejeição do recurso interposto pelo autor por não ter sido cumprido o ónus especial de alegação a que se refere o artigo 690º-A do Código de Processo Civil, supriu a nulidade, vindo a declarar que não havia lugar à pretendida rejeição do recurso porquanto o recorrente (nesse caso, o autor) não impugnou os factos dados como assentes, antes defendeu, no recurso, uma diferente interpretação jurídica desses factos (acórdão de fls. 1473-1476).

As rés interpuseram então um novo agravo, invocando, no respectivo requerimento de interposição de recurso, e para efeito da sua admissibilidade, que o decidido estava em contradição com a jurisprudência uniforme e, entre outros, com o acórdão da Relação do Porto de 1 de Março de 2001, que incidiu sobre a mesma questão (fls 1479).

As recorrentes, tendo interposto recurso acompanhado da respectiva alegação, notificaram o mandatário do recorrido da prática desse acto processual, nos termos e para os efeitos do artigo 229º-A e 260º do Código de Processo Civil.

No entanto, o autor, recorrido, veio requerer que lhe fosse feita, pela secretaria, a notificação da alegação de recurso, para efeito de poder exercer o contraditório, invocando que a notificação efectuada através de mandatário, nos termos dos supracitados dispositivos, o foi antes da prolação do despacho judicial de admissão do recurso (fls. 1493).

O relator, na Relação, deferiu o requerido (fls 1497), e, perante a oposição das rés, manifestada através do requerimento de fls. 1499, que entendiam que o direito de contra-alegação, por parte do autor, já se encontrava precludido, confirmou esse despacho (fls. 1505).

As rés vieram então arguir a nulidade processual que teria resultado do facto de o relator ter tomado posição sobre o falado requerimento de fls. 1493, deferindo-o, ainda antes de as recorrentes terem tido oportunidade de sobre ele se pronunciaram, com o que se teria violado o princípio do contraditório (fls. 1508), ao mesmo tempo que interpuseram recurso de agravo daquele mesmo despacho de fls 1505 (fls. 1511).

Pelo seu despacho de fls. 1550-1553, o relator indeferiu a arguição de nulidade processual, e, considerando que o seu anterior despacho de fls. 1505 não era susceptível de recurso, convidou as recorrentes a convolarem o recurso em reclamação para a conferência (despacho de fls. 1553-1554).

As rés vieram a efectuar essa convolação, pedindo que o seu requerimento de recurso, apresentado a fls. 1511, fosse interpretado como reclamação para a conferência (fls. 1159), e sobre a qual, todavia, a Relação ainda se não pronunciou, mas impugnaram também, mediante reclamação para a conferência, o despacho de fls 150-1553 que indeferiu a arguição de nulidade (fls 1162), reclamação esta que veio a ser indeferida por acórdão de fls. 1190-1194 (ocorreu entretanto um erro de paginação, visto que o escrivão, a partir de fls. 1556, atribuiu a numeração de 1157).

Deste acórdão, de que foram notificadas por registo postal com data de 18 de Janeiro de 2006, as rés interpuseram um novo recurso de agravo (fls. 1199), entrado em 3 de Fevereiro desse ano, juntando as respectivas alegações em 24 de Março seguinte.

Tendo os recursos subido ao Supremo, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer, pronunciando-se no sentido de ser considerado inadmissível o terceiro recurso de agravo (de fls. 1505) e deserto o quarto (de fls. 1190), neste caso, por a respectiva alegação não ter sido apresentada juntamente com o requerimento de interposição ou dentro do respectivo prazo. Quanto à matéria dos dois primeiros recursos, a representante do Ministério Público entendeu que seriam de julgar improcedentes as questões neles suscitadas, porquanto: o autor, no agravo que interpôs da decisão da primeira instância, não impugnou a matéria de facto, e não tinha de cumprir o ónus especial de alegação a que se refere o artigo 690º-A do Código de Processo Civil; não existe qualquer oposição de julgados entre o acórdão da Relação que se pronunciou sobre a desistência do pedido e o citado acórdão do STJ de 6 de Julho de 1974, que se refere a uma questão de direito substancialmente diversa; não sendo possível definir, face à matéria de facto apurada, qual o local da celebração do contrato de trabalho, o Tribunal de Trabalho do Porto é internacionalmente competente para conhecer dos pedidos dirigidos contra a 2ª e 3ª rés (únicos agora em causa), face ao disposto nos artigos 11º e 15º do Código de Processo de Trabalho de 1981, aqui aplicável.

As rés ainda se pronunciaram quanto às questões prévias relativas à admissibilidade dos recursos.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto.

Os factos que interessa considerar, tendo em conta o objecto do recurso, são os seguintes:

a) Em finais de 1967, o autor respondeu a um anúncio para a contratação de um contabilista, publicado nos jornais portugueses pela Empresa-D.
b) O contabilista a contratar destinava-se a ser destacado para Angola, onde trabalharia ao serviço da Empresa-A.
c) Na sequência da resposta ao anúncio referida na alínea a), o autor foi entrevistado em Lisboa por um enviado da Empresa-D, BB, que nessa data entrevistou mais três ou quatro candidatos.
d) Nessa altura o referido BB tomou as suas anotações e informou todos os candidatos, entre os quais o autor, das condições gerais de trabalho que lhes eram propostas e que a Empresa-D os contactaria posteriormente, se tivessem sido seleccionados.
e) Na sequência das entrevistas referidas o BB, regressou a Londres e apresentou as suas conclusões sobre os candidatos na Empresa-D, sendo prática habitual desta, após a selecção do candidato a contratar, enviar-lhe dos escritórios de Londres uma proposta de emprego com os termos e condições, juntamente com uma cópia, que se destinava a ser datada e assinada e remetida posteriormente para os escritórios de Londres.
f) Escrita em papel timbrado da Empresa-D, datada de 3 de Janeiro de 1968 e assinada pelo referido BB, foi enviada à Empresa-A, para Luanda, Angola, a carta junta aos autos e fls. 1147 e traduzida a fls. 1146, cujo teor é o seguinte:
«Caro CC,
Sr. R. AA
Junto remeto um Formulário preenchido pelo acima nomeado, respeitante à sua candidatura ao lugar de Contabilista. Não acredito que a sua experiência o qualifique para aquele lugar, mas após falar com ele durante a minha recente visita de recrutamento a Lisboa, penso que poderá ter interesse como potencial Supervisor.
Ele regressará brevemente a Angola para trabalhar numa empresa privada, mas eu sugeri-lhe que recorresse directamente a ti em Luanda. Não assumi qualquer compromisso relativamente à possibilidade de emprego, mas estou impressionado com a atitude do homem e acredito que, com treino, poderá tornar-se num Supervisor activo e alerta.
Cumprimentos
C. M. BB»
g) Na sequência da entrevista referida na alínea c), em 13 de Março de 1968, o Autor iniciou as suas funções na Empresa-A, em Angola.

3. Fundamentação de direito.

As rés, ora recorrentes, interpuseram recurso de agravo do acórdão da Relação que, pronunciando-se sobre decisão proferida pela primeira instância, declarou o Tribunal de Trabalho do Porto internacionalmente competente para conhecer da causa e julgou válida a desistência do autor relativamente ao pedido deduzido, na acção, contra a terceira ré.

Interpuseram depois diversos outros recursos de agravo sobre questões incidentais suscitadas no decurso ou na sequência do processamento daquele primeiro agravo.

Importa começar por tomar posição quanto às questões prévias relativas à admissibilidade dos recursos, que a Exma Procuradora-Geral invocou e sobre as quais as partes tiveram já oportunidade de se pronunciarem.

Recorde-se que o juiz de primeira instância, face à factualidade apurada e acima descrita, considerou que o contrato de trabalho que vinculou o autor fora celebrado em Londres e que eram os tribunais ingleses os competentes para conhecer da causa, pelo que declarou a incompetência internacional do Tribunal de Trabalho do Porto, em que a acção foi proposta. Por outro lado, face ao requerimento de desistência do pedido no tocante à ré Empresa-C, formulado pelo autor durante a inquirição de testemunhas em vista à decisão do incidente da incompetência internacional, o tribunal julgou válida a desistência, em face do disposto nos artigos 294º, nº 1, do Código de Processo Civil e 51º e 52º, do Código de Processo do Trabalho (fls 1203-1211).

Discordando do julgado quanto à absolvição da instância por incompetência internacional do tribunal, o autor interpôs agravo para a Relação, em que alegou a violação do disposto nos artigos 11º e 15º do Código de Processo do Trabalho, invocando, além do mais, nas respectivas conclusões da alegação, o seguinte:

15º Acresce que da matéria de facto dada como provada resulta que o contrato não foi celebrado em Londres;
16º Declarando o representante da Empresa-D que não tinha assumido qualquer compromisso relativamente à possibilidade de emprego, tal significa que, em Londres, não foi celebrado o contrato;
17º A Recorrente foi, pois, contratado em território português, o que significa que, mesmo que fosse aplicável a Convenção de Bruxelas - e não é! -, ­sempre seria o Tribunal do Trabalho do Porto internacionalmente competente para julgar a presente acção.

Por outro lado, as rés interpuseram recurso subordinado quanto à questão da desistência do pedido em relação à terceira ré, aduzindo, em resumo, que esta entidade tem interesse em intervir no processo, porquanto, caso a acção proceda, poderá vir a ser chamada a responder, pelos demais demandados, em acção de regresso, pela sua quota parte de responsabilidade. E também suscitaram a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, por esta, em relação à referida questão da desistência do pedido, ter apenas conhecido da oposição deduzida pelas 1ª e 2º rés, e não ter apreciado a oposição deduzida pela 3ª ré.

A Relação julgou procedente o recurso do autor, considerando que, não sendo possível concluir, face à factualidade apurada, qual o local da celebração do contrato, não era aplicável a Convenção de Bruxelas, e a acção poderia ser proposta no tribunal do domicílio do autor, com base no disposto no artigo 15º do Código de Processo do Trabalho de 1981. Quanto à questão da desistência do pedido, que constituía o objecto do recurso subordinado, o tribunal de segunda instância entendeu que, na acção, se configura uma mera situação de litisconsórcio voluntário passivo, pelo que nada impedia que o autor exercesse a faculdade de desistir do pedido quanto a uma das rés (e fls 1356-1374). E ainda quanto à arguida nulidade por omissão de pronúncia, o acórdão recorrido entendeu que as rés apresentaram oposição conjunta contra requerida desistência do pedido e a decisão pronunciou-se expressamente sobre essa questão, julgando válida a desistência, pelo que não incorreu em nulidade.

No recurso de agravo, interposto desta decisão, estão, pois, em causa duas questões: a eventual violação das regras de competência internacional do tribunal; a viabilidade da desistência do pedido, por parte do autor, em relação a uma das rés (fls 1377).

Quanto àquela primeira questão, o recurso é admissível por força do que dispõe o artigo 754º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Na verdade, nos termos do n.º 2 desse artigo, "não é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão de 1ª instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme". Mas o subsequente n.º 3 excepciona ao disposto nesse preceito os agravos a que se referem os n.ºs 2 e 3 do artigo 678º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 734º, pelo que, estando em causa uma questão de competência internacional do tribunal, justamente salvaguardada nesse n.º 3, nada obsta a que se aprecie o objecto do recurso de agravo, independentemente de, no caso, poder ter havido ou não contradição com qualquer outra decisão dos tribunais superiores sobre a mesma matéria.

Já o mesmo julgamento não é possível fazer quanto à questão da desistência do pedido, visto que estamos aqui perante uma mera questão processual, que a Relação decidiu em conformidade com o julgado na primeira instância, e que não se encontra salvaguardada pelas citadas disposições dos n.ºs 2 e 3 do artigo 678º. É certo que as rés invocam como fundamento do recurso, para efeitos de se considerar abrangido pelo artigo 754º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a contradição com o acórdão do STJ de 6 de Julho de 1974, publicado no BMJ n.º 239, pág. 162. Mas basta compulsar o referido acórdão para verificar que nenhuma similitude existe entre a situação versada na decisão recorrida e a que foi analisada naquele outro aresto, já que enquanto neste se declara que a desistência do pedido se não ajusta aos casos em que o processo visa, não fazer valer um direito contra o réu, mas facultar a um interessado o exercício do seu próprio direito (no caso, um direito de preferência), no caso dos autos o que se discute é saber se o eventual interesse da ré Empresa-C em participar no processo (por possuir um interesse igual ao dos restantes réus ou com ele conexo) é incompatível com o exercício, por parte do autor, do seu direito processual de desistir do pedido em relação a ela.

Conforme observa Alberto dos Reis, a admissibilidade do recurso, sempre que este seja aceite apenas com base em certo fundamento, não se basta com a simples invocação, pelo recorrente, desse fundamento, tornando-se necessário acrescentar o suficiente para que o juiz ou relator se convença de que a indicação é verosímil e séria. De outro modo, o recurso teria de ser sempre admitido logo que as partes aludissem a algum dos motivos especificamente previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 678º do Código de Processo Civil ou invocassem um conflito de jurisprudência, ainda que não existisse qualquer correlação entre essa menção e o objecto do recurso (Código de Processo Civil Anotado, vol. V (Reimpressão), Coimbra, págs. 236-237).

Como é de concluir, o recurso de agravo primeiramente interposto não é admissível quanto à matéria da desistência do pedido, por não se verificar o fundamento de oposição de acórdãos de que dependia.

4. No entanto, no referido recurso de agravo, as rés tinham também suscitado a nulidade de acórdão, por omissão de pronúncia, por virtude de a Relação, ao apreciar o agravo vindo da 1ª instância, não ter tomado posição quanto à questão prévia, invocada nas contra-alegações, relativa ao incumprimento, por parte do autor-recorrente, do ónus especial de alegação a que se refere o disposto no artigo 690º-A do Código de Processo Civil.

O relator no Supremo Tribunal de Justiça determinou a baixa do processo para que a Relação se pronunciasse sobre essa matéria nos termos do artigo 668º, n.º 4, do Código de Processo Civil, e o tribunal recorrido proferiu então o acórdão de fls. 1473-1476, em que, reconhecendo embora a nulidade, supriu a omissão, dizendo que não houve qualquer inobservância do ónus de alegação, visto que o recorrente não pretendeu impugnar a matéria de facto, mas unicamente fornecer uma interpretação da factualidade tida como assente para sustentar o seu ponto de vista no sentido de que se não verificava a incompetência internacional do tribunal para conhecer do pleito.

É contra esta decisão que as rés igualmente se insurgem, mediante agravo de 2ª instância, invocando como fundamento do recurso a contradição com o decidido no acórdão da Relação do Porto de 1 de Março de 2001 (fls. 1479).

O que se diz no aludido acórdão, procurando especificar o alcance da citada disposição do artigo 690º-A do Código de Processo Civil (por referência à sua primitiva redacção), é o seguinte: "quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, o apelante tem de indicar, em concreto, quais os artigos da base instrutória que deviam receber resposta diferente da que se fixou na 1ª instância e qual o teor da resposta que deve ser dada na instância de recurso, e indicar os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida e proceder à transcrição das partes dos depoimentos produzidos em sede de audiência de julgamento e que, em seu entender, permitem retirar decisão, diferente da acolhida pelo tribunal "a quo" quanto à matéria de facto".

Todavia, não se vê em que é que o acórdão ora recorrido contraria esta jurisprudência.

O que o acórdão de fls. 1473-1476 considera - aliás, com pleno cabimento -, é que o agravante não tinha deduzido qualquer impugnação da matéria de facto, e antes tinha partido da factualidade tida como assente pela 1ª instância para tentar demonstrar que não havia motivo para considerar verificada a excepção dilatória da incompetência internacional.

O recorrente limitou-se, portanto, a apontar à decisão recorrida um erro de qualificação jurídica, sem pôr em causa, de nenhum modo, os factos materiais da causa.

Bem se vê, assim, que o acórdão recorrido, ao considerar que, nessa circunstância, não era exigível o cumprimento do ónus de alegação a que se refere o artigo 690º-A do Código de Processo Civil, não contrariou o citado acórdão de 1 de Março de 2001, que, ao invés, tem pressuposta a ideia de que foi interposto um recurso relativo à matéria de facto, limitando-se, nessa perspectiva, a indicar em que deverá consistir o ónus afirmatório, à luz do referido preceito da lei processual civil.

Há que concluir, invocando de novo a doutrina de Alberto dos Reis, que não existe qualquer conexão entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento, pelo que, não se verificando o condicionalismo do artigo 754º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não é admissível o recurso.

5. As rés suscitaram, no entanto, um outro incidente.

Ao apresentarem este segundo recurso de agravo, o mandatário das rés notificou o advogado da parte contrária da prática do acto processual, nos termos e para os efeitos dos artigos 229º-A e 260º do Código de Processo Civil. E, tendo o autor (aí recorrido) solicitado a renovação da notificação para efeito de apresentar as suas contra-alegações (fls 1493), o que foi deferido pelo relator (fls. 1497), as rés vieram deduzir a sua oposição, invocando que o direito processual do autor já se encontrava precludido (fls. 1499). E, perante um novo despacho do relator, confirmando o anteriormente decidido (fls. 1505), as rés vieram não só arguir nulidade processual (fls 1508), como também agravar desse despacho (fls 1511).

A arguição de nulidade foi indeferida por novo despacho do relator (fls 1550), e deste despacho interpuseram as rés reclamação para a conferência (fls 1162), que foi indeferida pelo acórdão de fls 1190-1194.

No que respeita ao recurso de agravo interposto a fls 1511, este foi convolado, a convite do tribunal, em reclamação para a conferência (fls. 1159), que ainda não foi decidida.

A Exma Procuradora-Geral Adjunta alude, a este propósito, a um "terceiro agravo", que não haveria de conhecer-se por não ter ainda recaído acórdão da Relação sobre a reclamação para a conferência; a que a rés contrapõem que, por razões de economia processual, se justificava também conhecer desse agravo.

No entanto, o que sucede é que o requerimento inicialmente dirigido à impugnação, através de recurso de agravo, do despacho de fls. 1550 foi convolado em reclamação para a conferência, sobre a qual a Relação ainda se não pronunciou. Não temos, por isso, nenhum recurso de agravo, mas uma reclamação para a conferência, por virtude da convolação entretanto efectuada, pelo que é à Relação que compete pronunciar-se sobre a matéria desse requerimento, se ainda houver utilidade.

Contudo, as rés vieram também impugnar jurisdicionalmente a decisão de fls 1190-1194, isto é, a decisão que recaiu sobre a reclamação para a conferência interposta do despacho do relator que indeferiu a arguição de nulidade, por sua vez suscitada contra o mesmo despacho de fls 1550.

O fundamento desta reclamação era a violação do princípio do contraditório, consubstanciando uma nulidade processual, porquanto o relator teria deferido a renovação da notificação ao autor para contra-alegar ainda antes de ter dado oportunidade às rés para dizerem o que se oferecesse quanto a essa questão.

A Relação, em conferência, indeferiu a reclamação por considerar que o relator se limitou a regular o normal andamento do processo, servindo-se dos seus poderes de direcção, e que, além disso, o tribunal havia mantido a anterior decisão já após a oposição deduzida pelas rés quanto a essa mesma matéria (fls. 1190-1194).

As rés vêm também agravar desta decisão; e sublinhe-se que, neste caso, o objecto do recurso já não consiste em acórdão da Relação que tenha confirmado anterior decisão da primeira instância, a que se torne aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 754º do Código de Processo Civil, mas antes em decisão da Relação proferida ex novo sobre questão processual suscitada no decurso do processamento de um anterior agravo e que, como tal, é susceptível de recurso nos termos do n.º 1 desse artigo.

Todavia, como bem nota a Exma magistrada do Ministério Público, nos termos dos artigos 75º e 76º do Código do Processo de Trabalho de 1981, ao caso aplicável, o prazo de interposição de recurso era de 8 dias (que o artigo 6º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, ampliou para 10 dias) e o requerimento de interposição deveria incluir ou juntar a respectiva alegação.

Ora, no caso, presumindo-se feita a notificação da decisão recorrida em 23 de Janeiro de 2006 (fls 1198) e terminando o prazo de interposição de recurso e de apresentação de alegações em 2 de Fevereiro seguinte, as recorrentes vieram a interpor o recurso em 3 de Fevereiro (e, portanto, no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo, que, ainda assim, poderia considerar-se coberto pelo disposto no artigo 145º, n.º 5, do Código de Processo Civil), e apenas apresentaram as correspondentes alegações em 14 de Março e, assim, muito para além do prazo legalmente previsto.

A alegação é intempestiva, pelo que cabe declarar deserto o recurso.

6. Temos, por conseguinte, que apenas é possível conhecer de um recurso, o apresentado através do requerimento de fls 1377, e apenas no que se refere à competência internacional do tribunal, visto que a parte dispositiva do acórdão recorrido que respeita à viabilidade da desistência do pedido em relação a uma das rés, não se encontra abrangido pelo regime de excepção do artigo 754º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e não é passível de recurso.

Nestes termos, o Supremo não pode conhecer da matéria das conclusões 24ª a 32º da alegação de recurso.

Do mesmo modo que não tem de apreciar as questões suscitadas nas conclusões 3ª e 4ª.

Nas alegações do recurso, como se observou, as rés invocaram a omissão de pronúncia do acórdão recorrido quanto à questão prévia da inadmissibilidade do recurso do autor por incumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 690º-A do Código de Processo Civil, e, sem prejuízo dessa arguição, ainda imputam ao dito acórdão a violação da referida disposição processual (conclusões 3ª e 4ª).

Como foi já explicitado, o processo baixou à Relação para se pronunciar sobre a invocada nulidade, e este Tribunal acabou por proferir uma nova decisão, em que, suprindo a nulidade, considerou que não tinha qualquer aplicação ao caso o disposto no artigo 690º-A do Código de Processo Civil. Esta decisão foi objecto de agravo, por parte das rés, pelo que só nesse recurso seria possível apreciar o mérito da decisão que, nesse domínio, foi proferida.

Sendo certo que se decidiu já não tomar conhecimento do recurso (supra n.º 4), a questão está prejudicada.

Em qualquer caso, se a Relação omitiu pronúncia sobre a referida questão - como, aliás, veio a reconhecer -, não poderia ter incorrido em erro de julgamento por violação do artigo 690º-A do Código de Processo Civil, visto que, justamente, o erro de julgamento pressupõe a existência de uma decisão.


Há, no entanto, uma questão correlacionada com desistência do pedido sobre o qual o Tribunal tem de pronunciar-se autonomamente. É a questão relativa à omissão de pronúncia que foi imputada à decisão de 1ª instância no recurso subordinado das rés e a que se faz agora de novo referência na conclusão 18ª.

No recurso subordinado interposto perante a Relação, as rés invocaram que o juiz de 1ª instância só conheceu da oposição deduzida à desistência do pedido pelas 1ª e 2ª rés, ignorando a oposição deduzida pela 3ª ré. O acórdão recorrido considerou não verificada a nulidade por ter entendido que as rés apresentaram uma oposição conjunta, através dos fundamentos aduzidos a fls 1199, e que a questão foi analisada pelo tribunal de 1ª instância, que, assim, rejeitou o entendimento formulado pelas demandadas.

Conforme se entendeu ainda no recente acórdão do STJ de 18 de Outubro de 2006 (Processo 2064/06), a decisão da Relação que se pronuncia sobre a existência ou inexistência de nulidade de sentença é recorrível com fundamento em erro de julgamento. Trata-se de uma decisão nova, e não de uma decisão que incida sobre outra já proferida pela 1ª instância, que se encontra, como tal, abrangida pelo princípio geral do artigo 754º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Nada obsta, portanto, que se tome posição sobre a questão que assim vem suscitada pelas recorrentes, embora se afigure, desde já, que nenhuma censura há fazer ao entendimento expresso pela Relação.

Como refere Alberto dos Reis, a nulidade de sentença a que se reporta o artigo 668º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código de Processo Civil está em directa correspondência com o comando do artigo 660º, n.º 2, do mesmo diploma, pelo qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua a apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. A nulidade por omissão de pronúncia aí prevista resulta precisamente da infracção a esse dever.

Nestes termos, conforme é orientação jurisprudencial corrente, não enferma de nulidade a sentença que, tendo conhecido a questão que era colocada no processo, deixou de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte (ob. cit., págs. 142-143).

Não é outra, de resto, a opinião sufragada pelo acórdão de 8 de Março de 2001 (Processo n.º 3277/00), que as rés dizem estar em contradição com o decidido pela Relação, em que justamente o Supremo não deixa de efectuar a distinção entre "questões" e "argumentos" ou "razões", para concluir que não se verifica a nulidade desde que tenham sido analisadas todas as questões colocadas ao tribunal, embora não as meras considerações ou juízos de valor aduzidos pelas partes.

A Relação decidiu, pois, correctamente ao considerar que se não verificou a nulidade por omissão de pronúncia, já que a sentença não deixou de se pronunciar sobre a questão da desistência do pedido que lhe tinha sido colocada, ainda que não tivesse expressamente quaisquer considerandos formulados a esse propósito pela 3ª ré.

7. Resta assim apreciar a única questão que está em debate e que se reporta ao aspecto fulcral de saber se os tribunais portugueses mantêm a competência internacional para conhecer do pleito.

No acórdão deste Supremo de fls. 1106-1117, que definiu o regime jurídico aplicável ao caso, em matéria de competência internacional, e que faz caso julgado formal no processo, firmou-se o entendimento de que o elemento determinante para a solução da questão em causa é o do local da celebração do contrato, concluindo-se o seguinte: "se esse local tiver sido Lisboa, como sustenta o autor, os tribunais portugueses serão internacionalmente competentes; se tiver sido em Londres, como sustentam as rés, e atendendo a que a 3.ª ré tem aí a sua sede, serão os tribunais ingleses".

Em consequência, o aresto, tendo em conta que esse é um ponto litigioso, que o despacho saneador considerou irrelevante apurar, mas que, pelas razões que aí foram amplamente expostas, se entendeu como decisivo, anulou o acórdão recorrido e determinou que, na 1.ª instância, se procedesse a diligências de prova para dilucidação da questão de saber qual o local de celebração do contrato que vinculou o autor.

Foi em cumprimento do julgado que se realizaram diligências de prova no âmbito de incidente de competência internacional e o juiz de 1ª instância veio a fixar a matéria de facto que se encontra transcrita no antecedente n.º 3.

Cabe, no entanto, explicitar em que termos é que o citado acórdão chegou à solução jurídica que determinou a necessidade de ampliação da matéria de facto.

Tendo em conta que a acção foi instaurada em 16 de Dezembro de 1999, o acórdão de fls. 1106-1117 começou por afastar o regime do Código de Processo do Trabalho de 1999 (que só se aplica aos processos instaurados a partir de 1 de Janeiro de 2000), e considerou, por isso, aplicáveis as regras dos artigos 11.º e 15.º do Código de Processo do Trabalho de 1981 pelas quais a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de acções emergentes de contrato de trabalho intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal podia basear-se em situar-se em Portugal: (i) o lugar da prestação do trabalho; (ii) o domicílio do autor; ou (iii) o lugar da celebração do contrato, sendo português o trabalhador.

Entretanto, com o início da vigência em Portugal da "Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial", celebrada em Bruxelas, em 27 de Setembro de 1968, passaram a prevalecer no direito interno português, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição, as normas desta Convenção (designada como Convenção de Bruxelas), tornando-se relevantes para o presente caso as dos artigos 2.º, 3.º e 5.º. O artigo 2.º dispõe que "Sem prejuízo do disposto na presente Convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado. As pessoas que não possuam a nacionalidade do Estado em que estão domiciliadas ficam sujeitas nesse Estado às regras de competência aplicáveis aos nacionais." O artigo 3 estipula que: "As pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado Contratante por força das regras enunciadas nas secções II a VI do presente título. Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente: (...) - em Portugal: o n. 1, alínea c), do artigo 65.°, o n.º 2 do artigo 65.º e a alínea c) do artigo 65.°-A do Código de Processo Civil e o artigo 11.° do Código de Processo do Trabalho; (...). Por sua vez, o artigo 5.º, inserido na Secção II (Competências especiais) do Título II em causa, prevê que: "O requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado Contratante: 1) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida; em matéria de contrato individual de trabalho, esse lugar é o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho e, se o trabalhador não efectuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, a entidade patronal pode igualmente ser demandada perante o tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador; (...)."

Destas normas resulta que em acção em que existam elementos de conexão com mais do que um dos respectivos Estados Contratantes, a regra geral é a da competência (internacional) do tribunal do domicílio do réu, mas, tratando-se de matéria de contrato individual de trabalho, a acção pode ser proposta no tribunal do lugar da execução habitual do trabalho ou, se o trabalhador não efectuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, o tribunal do lugar onde se situa ou situava o estabelecimento que o contratou.

Procurando aplicar estes princípios à situação dos autos, o acórdão que temos vindo a acompanhar, começou por alinhar os factos que podem considerar-se assentes, e que são os seguintes: (i) o autor trabalhador tem nacionalidade portuguesa e domicílio no Porto; (ii) a 1.ª ré (CABGOC) tem sede nas Bermudas e sucursal em Angola, a 2.ª ré (COPI) tem sede nos Estados Unidos da América e a 3.ª ré (CUKL) tem sede no Reino Unido; e (iii) o contrato foi executado em Angola (quer enquanto era parte integrante do território português, quer após a independência), no Gabão, nos Camarões e nos Estados Unidos da América.

E teceu depois as considerações que seguem. Quanto ao local da celebração do contrato, o despacho saneador considerou-o irrelevante, mas o acórdão recorrido considerou que dos autos resultava que ele fora celebrado em Lisboa e esse foi o um dos fundamentos pelos quais julgou os tribunais portugueses internacionalmente competentes. Porém, as recorrentes alegam - e com razão - que a questão do local da celebração do contrato é matéria controvertida, tendo elas impugnado a versão do autor de que o contrato fora celebrado em Lisboa, sustentando que em Lisboa ocorreu apenas uma entrevista, a que se seguiu a remessa, pela B - Empresa-D, dos escritórios de Londres, de uma proposta de contrato, que o autor aceitou e assinou, reenviando-a para Londres, devendo, assim o contrato ter-se por concluído com a recepção desse contrato em Londres (cfr. artigos 52.º a 61.º da contestação das rés).

De onde resulta que relativamente às 1.ª e 2.ª rés nenhuma conexão existe com a Convenção de Bruxelas, enquanto que relativamente à 3.ª ré opera a conexão resultante de se encontrar domiciliada em Estado Contratante da Convenção, que justifica a aplicação das referidas normas em detrimento das regras do Código de Processo do Trabalho de 1981 (artigos 11.º e 15.º).

Porém, o mesmo aresto pondera que, à luz da Convenção de Bruxelas, que se tem por aplicável, a competência internacional dos tribunais portugueses poderia apoiar-se, nos termos do seu artigo 5.º, n.º 1, no facto de, não efectuando o trabalhador habitualmente o seu trabalho no mesmo país, ser em Portugal o lugar onde se situava o estabelecimento que contratou o autor.

Tomando assim como assente que poderia existir um elemento de conexão que poderia determinar, mesmo à luz da Convenção de Bruxelas, a atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses, o acórdão reputou como necessário apurar o local da celebração do contrato, tendo em conta que se tratava de matéria controvertida.

Foi na sequência do assim decidido que foi proferida uma nova decisão, julgando o Tribunal de Trabalho do Porto internacionalmente incompetente, que foi entretanto revogada pelo acórdão da Relação que constitui agora objecto de recurso.

Perante os elementos de facto coligidos, conforme lhe foi determinado, o juiz de 1ª instância concluiu que o contrato se deve ter como celebrado em Londres, após a recepção do documento de aceitação enviado pelo autor, visto que era nessa cidade que encontrava sediava a empresa contratante (Empresa-D), excluindo que o tivesse sido nos escritórios da Empresa-A, ao contrário do que o autor alegara nos artigos 2º a 5º da petição inicial, já que aqui apenas teve lugar a entrevista preparatória da contratação. E, nesses termos, considerou verificada a excepção dilatória da incompetência internacional.

A Relação, porém, considerou que os factos não permitem determinar qual o local da celebração do contrato, pelo que, assim sendo, entendeu como inaplicáveis as disposições da Convenção de Bruxelas.

Afigura-se, porém, que sem razão.

Um non liquet probatório quanto ao local da celebração do contrato não permite excluir sem mais a aplicação da Convenção.

Vimos que o entendimento do acórdão fls. 1106-1117 era o de determinar, por efeito da ampliação da matéria de facto, um elemento de conexão que fizesse intervir a regra do artigo 5.º, n.º 1, da Convenção de Bruxelas, que, sendo uma regra de competência especial aplicável em matéria de contrato individual de trabalho, permitia atribuir a competência internacional ao tribunal do lugar onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador. Não sendo possível aplicar essa regra, não resulta daí a inaplicabilidade das disposições da Convenção, mas antes a necessidade de averiguar qual é o tribunal internacionalmente competente à luz de qualquer das outras regras convencionais.

O próprio acórdão de fls. 1106-1117 aceita essa eventualidade ao enumerar como disposições relevantes as dos artigos 2.º, 3.º e 5.º da Convenção de Bruxelas.

Ora, afastada a possibilidade de definir o tribunal competente por apelo ao artigo 5º, n.º 1, dessa Convenção, haverá que recorrer à regra geral do artigo 2º, que estipula que "As pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado". Essa regra só poderia ser postergada, como refere a subsequente disposição do artigo 3º, se as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante pudessem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado Contratante por força das regras enunciadas nas secções II a VI do presente título". E uma das normas que podia afastar a regra geral do domicílio da demandada era justamente a do artigo 5º, n.º 1, que está incluída na referida Secção II; mas, como vimos, essa regra não é aplicável ao caso por virtude do non liquet probatório a que se chegou quanto ao local da celebração do contrato.

Em qualquer caso, a norma do artigo 11º do Código de Processo de Trabalho de 1981 - a que a Relação se arrimou - é que não poderia ser aplicada ao caso, já que por força do citado artigo 3º, segunda parte, essa é uma das disposições expressamente mencionadas no preceito que não poderão ser invocadas para afastar o princípio geral do artigo 2º da Convenção.

Além de que, como já se anotou, as disposições da Convenção têm prevalência sobre o direito interno.

Haverá, pois, de concluir-se que a competência internacional terá de ser definida em função do disposto no artigo 2º da Convenção, e deferida aos tribunais ingleses, tendo em conta que a ré Empresa-C tem a sua sede no Reino Unido, sendo para o efeito inconsequente a desistência do pedido em relação a essa ré, entretanto operada, visto que, nos termos do artigo 22º da LOFTJ, "A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente"

O Tribunal de Trabalho do Porto é, pois, incompetente internacionalmente para conhecer do litígio, não pela razão avançada pelo juiz de 1ª instância, mas por efeito da aplicação da regra do artigo 2º da Convenção, tendo em consideração que os elementos dos autos não são conclusivos para efeito de se aplicar ao caso a regra de competência especial do artigo 5º, n.º 1.

Decisão.

8. Pelo exposto, acordam em:

a) não tomar conhecimento do recurso de agravo interposto a fls 1377 no que se refere à parte dispositiva do acórdão da Relação que respeita à desistência do pedido;

b) não tomar conhecimento do recurso de agravo interposto a fls 1479;

c) julgar deserto o recurso de agravo interposto a fls 1190;

d) conceder provimento ao recurso interposto a fls 1377 quanto à matéria da competência internacional, e, em consequência, julgar o Tribunal de Trabalho do Porto incompetente internacionalmente para conhecer do litígio.

Custas pelas recorrentes quanto aos recursos de agravo interpostos a fls. 1377, 1479 e 1190, na parte em que deles se não conheceu.

Custas pelo recorrido na acção e no recurso interposto a fls. 1377 na parte em que nele decaiu.


Lisboa, 17 de Janeiro de 2007
Fernandes Cadilha - relator
Mário Pereira
Maria Laura Leonardo