Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | PEREIRA MADEIRA | ||
| Nº do Documento: | SJ200206060017745 | ||
| Data do Acordão: | 06/06/2002 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Sumário : | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Acusada, em 25/11/93, por autoria, em concurso real de quatro crimes de falsificação de documento, p. e p. no artigo 228.º, n.º 1, a), e n.º 2, bem como de quatro crimes de burla, p. e p. no artigo 313.º, n.º 1, do Código Penal, a arguida A, com os sinais dos autos, foi declarada contumaz, por despacho de 26/5/95. Tendo comparecido em juízo a 19/10/98, foi declarada a cessação de contumácia, por despacho desse mesmo dia. O MP promoveu então a designação de data para julgamento, mas a juíza, considerando que "o prazo prescricional do procedimento criminal para os crimes em apreço é de 5 anos", as datas dos factos (13/3/92, 17/3/92 e 18/3/92, respectivamente), a data da notificação do despacho que designou dia para julgamento (19/10/98), e ainda que «a declaração de contumácia não fazia parte das circunstâncias interruptivas e suspensivas da prescrição, elencadas no artigo 120.º do Código Penal de 1982, disposições penais aplicáveis, atento o preceituado no artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal de 1995», declarou que «a prescrição do procedimento criminal destes autos ocorreu em 13/3/97, 17/3/97 e 18/3/97», pelo que, por despacho de 26/1/99, julgou «extinto o procedimento criminal deduzido contra a arguida». Notificado tal despacho ao MP em 23/4/01 - dois anos menos três dias depois (!!), portanto - a magistrada respectiva não se conformou com o decidido no despacho em causa e, «com fundamento em violação de jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça vem dele interpor recurso obrigatório e extraordinário [...] nos termos dos artigos 411.º, n.º 3, 412.º, n.º 1 e 2, 427.º, 446.º, n.º 1, e 448.º, do Código de Processo Penal». Concomitantemente apresentou a respectiva motivação onde acaba por concluir: 1. Nos autos referidos em epígrafe foi deduzida acusação contra a arguida A na qual se imputou à mesma a prática de quatro crimes de falsificação e quatro crimes de burla, p. e p. pelos artigos 228°, n.o 1 al. a) e n.º 2 e 313°, n.o 1 do Código Penal de 1982, cometidos em 13.02.92, 17.02.92, 18.02.92, cujo prazo prescricional de procedimento criminal é de 5 anos ( cfr. art. 117°, n. ° 1, al. c) do Código Penal de 1982) . 2. O despacho recorrido, proferido em 26.01.1999, que foi notificado ao recorrente em 23.04.2001, declarou extinto, por prescrição, o procedimento criminal, por ter acolhido o entendimento que a declaração de contumácia da arguida, proferida em 25.05.95, não faz parte das circunstâncias interruptivas e suspensivas do prazo de prescrição previstas nos artigos 119 .º e 120° do Código Penal de 1982 . 3. A posição adoptada e referida em 2. viola o sentido da jurisprudência obrigatória fixada pelo Assento n.º 10/2000 de 19/10/2000, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República -I Série- A, de 10/11/2000, que estabeleceu que : " No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal". 4. O despacho impugnado violou o Assento n. 10/2000 de 19/10/2000, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República - I Série - A, de 10/11/2000; artigos 336°, n.º l do Código de Processo Penal e artigo 119, n. 1, do Código Penal de 1982, pelo que terá de ser revogado e substituído por outro em que se julgue suspenso o prazo de prescrição do procedimento criminal desde a data - 25.05.1995 - em que foi proferido despacho de declaração de contumácia da arguida. A juíza a quo sustentou o decidido. Subidos os autos, manifestou-se a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no sentido de os autos serem remetidos à Relação do Porto por ser o tribunal competente para conhecer do recurso. No despacho preliminar do relator foi dada pertinência à questão prévia suscitada pela MP junto deste Supremo Tribunal, com adição da questão de haver erro na espécie do recurso. 2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Os recursos extraordinários, por definição, têm o seu campo de aplicação condicionado pela inexistência de solução, pela via dos meios comuns ou ordinários, para determinada questão. Enquanto houver possibilidade de a resolver por essa via comum ou ordinária não é legítimo lançar mão de um expediente processual concebido como remédio de excepção para situações que o normal funcionamento do sistema processual deixa passar nas suas malhas, por mais apertadas que elas se apresentem. Em regra, não é possível nem necessário lançar mão de tal expediente excepcional e o caso julgado que sobrevém à decisão apaga ou faz esquecer eventuais vícios de processamento ou mesmo alguns relativos ao mérito do decidido. Pressuposto para abertura desta instância de excepção, é assim, a impossibilidade definitiva de o procedimento comum dar resposta à questão em causa, por outras palavras, o trânsito em julgado ou a mera insusceptibilidade de recurso ordinário da decisão que se pensa inquinada. «Transitada em julgado uma decisão, atingida assim a sua imutabilidade relativa, sanaram-se - com o trânsito em julgado - os vícios processuais que porventura nela existissem. A decisão julgou mal, a decisão tinha nulidades? Pois bem, face à ordem jurídica, dado o trânsito em julgado, tudo se passa como se os vícios não existissem; sanaram-se. Há, porém, certos casos em que o vício assume uma gravidade tal que faz com que a lei entenda que o trânsito em julgado não possa importar sanação do vício. E então a lei admite excepcionalmente a impugnação depois do trânsito em julgado. É para esses casos excepcionais que existem os recursos extraordinários: o recurso para fixação de jurisprudência e o de revisão» (1) (2). A exigência de caso julgado ou, em certa perspectiva, o esgotamento da via ordinária de recurso como pressuposto de qualquer recurso extraordinário logrou assento expresso e positivado na lei do processo, como se colhe nomeadamente do estatuído nos artigos dos artigos 437.º (fixação de jurisprudência propriamente dito), 446.º, n.º 2 (recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, como se viu, uma modalidade do antecedente) e 449.º, n.º 1 (recurso de revisão), todos do Código de Processo Penal. No caso, como se viu, a decisão recorrida não havia ainda sido objecto de trânsito em julgado, e era, aliás, ainda passível de recurso ordinário para a Relação, nos termos gerais - art.ºs 399.º, 427.º, 432.º e 434.º, do Código de Processo Penal. Portanto, a via de impugnação que se impunha era, não a do recurso extraordinário, e sim a do recurso ordinário - art.ºs citados - incorrendo o recorrente em erro na espécie do recurso a resolver nos termos específicos previstos nas disposições conjugadas nos artigos 414.º, n.º 3, 417.º, n.ºs 3 a), e 4 a) (3), do Código de Processo Penal. Neste sentido não será de inteiro cabimento argumentar com o precedentemente decidido em outros arestos deste Supremo Tribunal, nomeadamente no Acórdão de 26/9/96 (4), citado pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, e também pelo Prof. Germano Marques da Silva (5), e cujo sentido decisório, não obstante, é agora aqui retomado, uma vez que, ressalvado sempre o devido respeito, as considerações tecidas no aresto citado e noutros invocados no mesmo sentido, o são ainda no pressuposto de se tratar de tramitação de um recurso extraordinário, quando o certo é que, como se viu, enquanto a decisão do juiz de primeira instância for passível de recurso ordinário, está fora de alcance o expediente excepcional de que o recorrente pretendeu lançar mão. Isto é, no caso, a possibilidade legal de abertura da instância excepcional do recurso extraordinário está dependente do que a Relação, ainda em via ordinária, vier a decidir com trânsito em julgado, ou, pelo menos (6), sem possibilidade de recurso ordinário. Sendo assim, e porque o requerimento de interposição obedece grosso modo aos requisitos formais de interposição de recurso ordinário, é pela via ordinária que deverá seguir. O que é intuitivo. Com efeito, se não é um dado adquirido que a decisão recorrida se transforme em definitiva na hipótese de ser revogada pela Relação, não fará qualquer sentido pretender-se e muito menos decidir-se que foi proferida contra «jurisprudência fixada». Se o tiver sido, ou o tiver sido ilegitimamente (7), a alegada «violação jurisprudencial» não terá passado de uma decisão intercalar efémera que a decisão definitiva em recurso ordinário, substituindo-se-lhe, fará desaparecer... ou não... O mesmo é dizer que a «violação jurisprudencial» relevante como pressuposto do recurso extraordinário de que nos ocupamos pressupõe a intangibilidade do decidido, pela via comum. 3. Termos em que, pelo exposto, sendo caso de recurso ordinário cujo conhecimento é de competência da Relação do Porto, deliberam não conhecer do presente recurso e ordenam a remessa dos autos àquele tribunal superior para os devidos efeitos. Sem tributação. Lisboa, 6 de Junho de 2002 Pereira Madeira, Simas Santos, Abranches Martins (Vencido. O recurso foi interposto como extraordinário e como tal deve ser tratado, nos termos do artigo 446º do C.P.P., fundando-se na violação de jurisrudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Não houve erro na espécie do recurso, o qual, aliás, não acarreta, a existir, o não conhecimento do recurso e a remessa do processo para outro tribunal - v. o artigo 702º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil. Tratando-se de um recurso extraordinário, aplica-se, quanto à interposição, o disposto no artigo 438º, n.º 1 do C.P.P., "ex vi" do artigo 446º, n.º 2 do mesmo Código. Logo, tendo sido interposto o recurso antes do trânsito em julgado da decisão recorrida, o mesmo é intempestivo (o que sucederia, igualmente, nos outros casos de recurso extraordinário), pelo que deveria ter sido rejeitado, nos termos do artigo 441º, n.º 1 do C.P.P., por força do disposto no artigo 446º, n.º 2 do mesmo diploma). --------------------------------------- (1) Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal III, 2.ª edição Verbo, 2000, págs. 373. (2) De notar que o recurso de decisões contra jurisprudência fixada constitui uma modalidade de recurso para fixação de jurisprudência. (Neste sentido, cf. o autor citado, ibidem, págs. 380). (3) Não havendo pois que observar a disciplina do Código de Processo Civil prevista para situação paralela, nomeadamente, o disposto no artigo 702.º do respectivo Código, não só por inexistência no CPP de qualquer lacuna de regulamentação, como por razões específicas de celeridade se sobreporem aqui à disciplina mais minuciosa e temporalmente mais arrastada prevista na lei adjectiva civil. (4) Publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - IV, T3, págs. 146. (5) Ob. cit., págs. 380, nota 3. (6) Nesta limitação se inclui a possibilidade de acolhimento da tese segundo a qual a interposição do especifico recurso extraordinário de que nos ocupamos - « recurso contra jurisprudência fixada» - não depende do trânsito em julgado. (Neste entendimento, por exemplo, Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2.ª edição, págs. 1037). (7) Não se pode descartar, com efeito, a hipótese de a decisão não ter aplicado «jurisprudência fixada», mas haver fundamento jurídico para tanto - caso em que a aplicação não seria ilegal - nomeadamente por implicação do regime da lei penal em concreto mais favorável ao arguido artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal. |