Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8689/21.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

Independentemente de posterior acordo das partes nesse sentido, logo que cesse a situação que motivou a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho, o empregador pode deixar de pagar a remuneração especial a que, em contrapartida desse regime, se obrigou.

Decisão Texto Integral:

Revista n.º 8689/21.0T8LSB.L1.S1


MBM/DM/JG


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1.1. AA instaurou ação declarativa de condenação, na forma de processo comum, contra PARQUE ESCOLAR, EPE, pedindo:


a) a declaração de que o valor pago pela Ré a título de complemento de função e de isenção de horário de trabalho (doravante, abreviadamente, IHT), é parte integrante da sua remuneração base;


b) a condenação da Ré no pagamento dessa rubrica salarial, no montante mensal de 1.051,00 €, já vencido e vincendo, desde setembro de 2020, incluindo o mês de férias, o subsídio de férias e de Natal e bem assim, as diferenças salariais que se forem vencendo até à sua efetiva integração no seu salário base, o que atualmente perfaz o valor de 11.561,00 €;


c) a condenação da Ré a pagar-lhe os valores devidos a título de diferenças salariais, no valor mensal de 139,28 €, e anual de 1.949,92 €, incluindo o mês de férias, o subsídio de férias e de Natal e bem assim, as diferenças salariais que se forem vencendo até à sua efetiva integração no seu salário base, o que atualmente perfaz o total de 19.499,20 €, considerando que o Autor deveria ter sido integrado no nível 10 da categoria de técnico desde janeiro de 2011, após a cessação, de facto, da comissão de serviços;


d) a condenação da Ré a pagar-lhe, a título de indemnização por danos morais, um valor nunca inferior a 15.000,00 €.


Subsidiariamente, caso não proceda o pedido principal de retoma do pagamento da componente retributiva recebida a título de complemento de função, peticiona a condenação da Ré no pagamento do por si recebido a título de IHT, no valor atualizado de 720,00 € mensais, desde 1 de setembro de 2020, incluindo o mês de férias, o subsídio de férias e de Natal, e, bem assim, as diferenças salariais que se forem vencendo até à sua efetiva integração no seu salário base, o que até maio de 2021 perfaz o valor global de 7.200,00 €.


1.2. Para tanto, alega que: celebrou com a Ré um contrato de trabalho a termo, no âmbito do qual foi acordada uma remuneração de 2.982,00 €, desdobrada em retribuição base e subsídio de isenção de horário de trabalho, para exercício das funções de Técnico; em dezembro de 2009, foi celebrado um contrato de comissão de serviço, no âmbito do qual passou a auferir uma retribuição base de 2.630,00€, acrescida de um complemento de função; essa retribuição foi mantida até junho de 2020, data em que a Ré fez cessar o contrato de comissão de serviço; a partir de setembro desse ano, a Ré deixou de pagar o complemento de função até então recebido, tal como deixou de pagar o subsídio por Isenção de Horário de Trabalho.


2. Foi proferida sentença, a julgar a ação improcedente quanto ao peticionado a título principal e procedente o pedido subsidiário formulado.


3. Interposto recurso de apelação pela R., o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), julgando-o procedente, revogou a sentença quanto ao pedido subsidiário, absolvendo a apelante quanto ao mesmo.


4. O A. interpôs recurso de revista, dizendo essencialmente:


– Em face do art. 218º, do CT, a isenção de horário de trabalho tem na sua génese um negócio jurídico bilateral.


– O trabalhador tem um fundado interesse em usufruir de tal liberdade de horário, não sendo correto entender-se que o IHT visa satisfazer exclusivamente interesses gestionários do empregador.


– As razões pelas quais o legislador exigiu a forma escrita para a celebração do acordo de IHT igualmente impõem a redução a escrito de qualquer alteração ao acordo, bem como da sua revogação, em face do disposto no n.º 2 do art. 221º, do C. Civil.


– No caso concreto, o A. apenas aceitou ingressar na R. por auferir o montante correspondente à soma da retribuição base e do subsídio de isenção de horário de trabalho.


– É desajustado entender que o acordo de IHT foi revogado tacitamente em junho de 2010, através de nova celebração de contrato de trabalho a termo, numa altura em que o A. estava em comissão de serviço, exercendo as suas funções em regime de IHT, uma vez que não decorre da matéria de facto que, apesar da cessação das funções de Diretor, tenha igualmente cessado o regime de IHT no exercício das funções de origem a que regressou, tudo apontando precisamente no oposto.


5. A recorrida contra-alegou, sustentando, nomeadamente, que a revista carece de objeto, em virtude de o A. assentar o recurso numa questão nova, consistente em aferir da necessidade de acordo escrito para a cessação do acordo atinente à IHT.


Sem razão, uma vez que nos encontramos perante um mero argumento deduzido no plano da questão que em substância está em apreciação no recurso: saber se cessou, ou não, a obrigação de a ré empregadora pagar ao autor o subsídio de IHT.


6. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.


7. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), em face das conclusões das alegações de recurso, a única questão a decidir1 é a referenciada em supra nº 5.


Decidindo.


II.


8. Com relevo para a decisão, foi fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto:


1. (…)


2. O Autor celebrou um contrato de trabalho a termo certo com a Ré, por 12 meses, com início no dia 1 de junho de 2009 e termo a 31 de maio de 2010 para o exercício das funções de engenheiro inerentes à categoria de Técnico, na carreira pluricategorial igualmente designado por Técnico, com o período normal semanal de 40 horas, prestadas de segunda a sexta-feira.


3. Para coadjuvar o Diretor da Direção de Instalações Especiais (…), na área AVAC, na manutenção das escolas, na análise de projetos e no apoio às delegações nestas áreas.


4. No contrato subscrito pelas partes consta das respetivas cláusulas sexta e sétima:


Cláusula Sexta (Período normal de trabalho)


1. O período normal de trabalho (…) é de 40 horas semanais (…)


2. Considerando a responsabilidade e a especial confiança inerentes ao exercício de funções na Direção de Instalações Especiais e o facto de as mesmas terem, necessária e frequentemente, de ser desempenhadas sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, o Segundo Contratante desempenha as suas funções em regime de isenção de horário de trabalho, para cuja prestação dá desde já sua concordância, nos termos legais e do acordo de isenção de horário de trabalho que se junta em Anexo (…).


Cláusula Sétima (Retribuição)


1. Como contrapartida do seu trabalho, o Segundo Contratante aufere a retribuição mensal ilíquida correspondente à sua categoria profissional, no valor de 2.367, 00 € (…) e demais regalias sociais em vigor na Primeira Contratante, designadamente, seguro de saúde e seguro de acidentes pessoais.


2. Como contrapartida pela prestação dos seus serviços em regime de isenção de horário de trabalho, o Segundo Contratante aufere, enquanto exercer as funções referidas no número 2 da cláusula anterior e/ou enquanto se mantiver a necessidade do regime de isenção de horário de trabalho, a retribuição especial mensal ilíquida, calculada nos termos legais, no valor de 615,000 € (…) a ser paga em catorze prestações mensais, iguais e sucessivas.


5. O Autor aceitou ingressar na Ré e celebrar o contrato de trabalho supra referido, auferindo em contrapartida o montante correspondente à soma da retribuição base com o subsídio de isenção de horário de trabalho.


6. Face à tabela rígida das posições remuneratórias da categoria de técnico nela vigentes, tal montante foi repartido nas duas parcelas identificadas.


7. Com o período normal semanal de 40h semanais e 8 horas diárias, numa plataforma fixa, da parte da manhã e da parte da tarde no seu local de trabalho.


8. A 3 de fevereiro de 2010, com efeitos retroativos a 1 de dezembro de 2009, as partes celebraram um contrato de comissão de serviços no âmbito do qual o Autor foi nomeado Diretor da Área de Conservação e Manutenção.


9. Consta da cláusula quarta do mencionado contrato:


Cláusula Quarta (Período normal de trabalho)


Dadas as funções de Diretor da Área de Conservação e Manutenção (…) o Colaborador exerce as suas funções em regime de isenção de horário de trabalho constituindo esse regime o regime normal de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, não lhe sendo devido por este facto qualquer retribuição especial.


10. Relativamente à retribuição no mesmo contrato consta:


Cláusula Quinta (Retribuição e Complemento)


1. O Colaborador foi contratado com a categoria de Técnico - Nível 9, auferindo a retribuição mensal ilíquida correspondente à sua categoria profissional, no valor de 2.630, 00 € (…) e demais regalias sociais em vigor na Primeira Contratante, designadamente, seguro de saúde e seguro de acidentes pessoais.


2. Pela prestação das funções de Diretor da Área de Conservação e Manutenção, em regime de comissão de serviço, à retribuição referida no número anterior (…) acresce um Complemento de Função mensal ilíquido no montante de 1.051,00 € (…) o qual engloba a retribuição especial por isenção de horário de trabalho.


3. O Complemento de função referido no número 2 acima será devido apenas durante o tempo em que as funções atuais forem exercidas, findas as quais (…) deixará de ser automaticamente devido.


11. Foi ainda fixado no dito contrato:


Cláusula Décima Primeira (Cessação)


1. Qualquer das partes pode fazer cessar o presente contrato a todo o tempo. (…)


2. A cessação do presente contrato após o primeiro ano de vigência confere ao Colaborador o direito de ser reintegrado na sua categoria profissional, (…) na posição remuneratória imediatamente superior àquela em que se encontra na presente data.


12. O Autor iniciou as funções de Diretor da Área de Conservação e Manutenção a 1 de dezembro de 2009, integrado na então Direção de Conservação e Manutenção, que passou a chefiar, exercido a título de comissão de serviços.


13. O Autor exerceu de facto o cargo de Diretor da Área de Conservação e Manutenção até 31 de dezembro de 2010.


14. No período de janeiro de 2011 a julho de 2013 o Autor foi transferido para a Direção Geral de Operação – Instalações Especais e Manutenção, regressando à função e categoria de Técnico.


15. De julho de 2013 a julho de 2014 esteve na alçada da mesma Direção, mas com a função de coordenador de área, na categoria de Técnico.


16. De 1 de agosto de 2014 a fevereiro de 2019 esteve como coordenador da Unidade Técnica de Manutenção, na categoria de técnico, na mesma Direção.


17. Em 1 de Março de 2019 é transferido para o Gabinete de Controlo Técnico regressando à função de técnico, mantendo a categoria de técnico.


18. Passando em 30 de junho de 2020 para a Divisão de Manutenção ... mantendo a função e categoria de Técnico, até à presente data.


19. No dia 31 de maio de 2010 o contrato de trabalho do Autor foi renovado por 12 meses com efeitos a partir de 1 de junho de 2010.


20. Consta de tal renovação:


Cláusula Quinta (Retribuição)


Como contrapartida do seu trabalho, o Segundo Contratante aufere a retribuição mensal ilíquida correspondente à sua categoria profissional, no valor de 2.630 € (…) e demais regalias sociais em vigor na Primeira Contratante, designadamente, seguro de saúde e seguro de acidentes pessoais.


21. Com efeitos a 1 de junho de 2011 foi de novo renovado o contrato com termo a 31 de maio de 2012.


22. Nessa altura a Ré comunicou ao Autor que se mantinham as condições em vigor.


23. A 8 de novembro de 2012 o contrato de trabalho do Autor converteu-se em contrato por tempo indeterminado, mantendo o Autor as condições laborais, no que se reporta à categoria profissional, estatuto remuneratório, e antiguidade.


24. No período de julho a novembro de 2009, auferiu o montante de € 2.367,00 e o valor de € 615,00, a primeira denominada remuneração de base e a segunda denominada subsídio de isenção de horário de trabalho.


25. A 1 de dezembro de 2009 a março de 2020, auferiu 14 vezes por ano o montante de € 2.630,00 e o valor de € 1.051,00, a primeira denominada remuneração de base e a segunda denominada complemento de função.


26. Em 1 de Abril de 2020, o Autor viu aumentado o seu salário, mantendo-se em duas parcelas, a rubrica de remuneração de técnico no valor de € 2.637,89 e a componente de complemento de função no valor de € 1.051,00, mantendo este vencimento até junho de 2020.


27. A 1 de julho de 2020, o Autor subiu de nível salarial passando para o nível 10, com uma remuneração base no valor: € 2.769,28 e o montante de € 1.051,00, de complemento de função.


28. A 30 de junho de 2020, o Conselho de Administração da Ré deliberou aprovar a mobilidade do Autor para a Divisão ... da Direção Geral de Manutenção para exercer funções de Gestor de Contrato de Manutenção.


29. No mesmo dia, o Conselho de administração da Ré procedeu à denúncia da comissão de serviço do Autor, assinada a fevereiro de 2010.


30. A Ré comunicou ao Autor tal decisão nos seguintes termos:


“(…)


Vimos pela presente comunicar-lhe que o Conselho de administração (…) deliberou fazer cessar o seu contrato de comissão de serviço, celebrado em 3 de fevereiro de 2010, e respetivo complemento de função, nos termos da Cláusula Décima Primeira (…) e dos nºs 1 e 2 do art. 163ª da Lei 7/2009 (…), com efeitos a partir de 1 de julho de 2020.


31. A partir de setembro de 2020, ao Autor, a Ré não processou de complemento de função.


32. O Autor, através dos seus mandatários, por meio de carta datada 17 de dezembro e recebida a 22 de dezembro de 2020, solicitou à Ré que repusesse o complemento de função.


33. A 5 de março de 2021 a Ré remete ao Autor uma carta com o seguinte teor:


«(…) foram identificados erros no seu processamento salarial, (…) entre janeiro de 2011 e julho de 2013 e entre março de 2019 e junho de 2020 (…) que (…) se referem ao processamento e pagamento de (…) “Complemento de Função” cujo pressuposto (…), o exercício de funções de coordenação/direção, não se verificou (…), tendo sido apurado o valor total de 50.170,82 € (…), que deverá ser reposto (…).»


34. A Ré, em 18 de março de 2021, suspende preventivamente o A. sem perda de retribuição invocando uma alegada infração disciplinar indiciariamente cometida por este (…).


35. Em maio de 2009, foi submetida ao Conselho de Administração da Ré Proposta de Deliberação (…) onde é proposto (…) a contratação do Autor.


36. Segundo tal proposta, o Autor tinha a “a missão de coadjuvar o Diretor DIE na área do AVAC, na Área da Manutenção da Escolas e no Apoio às Delegações nestas áreas bem como na Análise de projetos.”


37. Tal Proposta de Deliberação indica como condições da contratação:


1. Contrato de trabalho a termo certo pelo período de 12 meses, com início previsto a 1 de Junho de 2009;


2. Remuneração base ilíquida mensal de 2.367 €, correspondente à categoria profissional Técnico – Nível 4, acrescida de IHT no valor de 615 €, e do subsídio de refeição em vigor na empresa;


3. Telemóvel de serviço com um valor mensal limite de comunicações de € 30,00 (trinta euros);


4. Benefícios sociais em vigor na empresa, designadamente os seguros de saúde e de acidentes pessoais.


38. Tal proposta foi aprovada pelo Conselho de Administração da Ré.


39. O Autor foi convidado (…) a candidatar-se ao posto de trabalho em aberto.


40. As referidas condições de contratação foram acordadas verbalmente e transmitidas ao Autor por email de 20 de maio de 2009.


41. Ao referido email, o Autor não apresentou qualquer reclamação, reserva, condição, ou qualquer outra manifestação de discordância.


III.


9. Numa primeira aproximação à matéria em discussão na presente revista, pode dizer-se que “quando a isenção de horário de trabalho é estabelecida no contrato de trabalho, resultando assim de um acordo expresso da vontade das partes, a sua retirada apenas pode ter lugar com o acordo de ambas as partes, sob pena de violação do regime constante do artigo 406º do Código Civil” (Acórdão de 25.11.2014, Proc. nº 284/11.9TTTVD.L1.S1, desta Secção Social – como todos os acórdãos do STJ citados sem menção em contrário).


Todavia, independentemente de posterior acordo das partes nesse sentido, “logo que cesse a situação que motivou a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho, o empregador pode deixar de pagar a remuneração especial a que se obrigou” (Acórdão do STJ de 27.01.2021, Proc. nº 11947/17.5T8LSB.L1.S1), como constitui jurisprudência pacífica desta Secção Socia e se patenteia v.g. nos seguintes arestos:


“A remuneração especial por isenção do horário de trabalho, assumindo natureza retributiva, não se encontra submetida ao princípio da irredutibilidade da retribuição, podendo o empregador suprimi-la, quando os pressupostos que estiveram na base da sua atribuição deixarem de se verificar” (Acórdão de 01.03.2018, Proc. nº 606/13.8TTMATS.P1.S2).


– “O subsídio de isenção de horário de trabalho, pese embora tenha o carácter de retribuição, não está abrangido pelo princípio da irredutibilidade da retribuição, pois corresponde à contrapartida do modo específico de execução do trabalho e como tal está absolutamente dependente do exercício de funções no regime de isenção de horário de trabalho, regime esse que não tem a ver diretamente com a categoria profissional que é atribuída ao trabalhador, mas sim com a submissão do trabalhador a um específico esquema temporal de prestação laboral, sendo a sua remuneração apenas devida enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento” (Acórdão de 23.09.2009, Proc. nº 3843/08).


“O princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no art. 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho/2009, não é impeditivo da supressão de certas atribuições patrimoniais conexas com condições específicas do modo de prestação de trabalho, e quando essas condições específicas deixem de existir” (Acórdão de 24.02.2015, Proc. 178/12.0TTCDL.L1.S1).


Em sentido idêntico se vem pronunciando a doutrina, referindo a este propósito o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu douto Parecer proferido nos autos:


«Sobre a problemática da cessação do pagamento da retribuição por IHT prevalece na doutrina e na jurisprudência, a teoria contratual mitigada pela teoria institucional, na terminologia de Menezes Cordeiro. Escreve, a esse propósito, este autor que o acordo de IHT “(…) só pode ceder por novo acordo. Mas se a isenção estiver ligada ao exercício de certas funções, haverá cessação do acordo com o termo dessas funções (in “Direito do Trabalho II – Direito individual”, Almedina, 2019, p. 546).


Também nesse sentido se pronuncia António Nunes de Carvalho, ao referir que se a isenção assentar “(…) no acordo das partes, a sua cessação não está mais na inteira disponibilidade do empregador.” Acrescentando esse autor que só assim não será “(…) quando a isenção estiver associada a uma determinada função ou posição na organização em si mesmo temporária ou reversível.” (“Isenção de horário de trabalho – alguns problemas”, in Estudos APODIT 4, Tempo de trabalho e tempos de não trabalho, reimpressão, AAFDL, 2018, p. 222).


Igualmente, nessa linha de entendimento, escrevem Milena da Silva Rouxinol e Joana Nunes Vicente que a cessação do regime de IHT se deve fazer, em princípio, por acordo das partes, mas que poderá ser passível de revogação unilateral pelo empregador se a cláusula de isenção não revestir caráter de essencialidade (“Direito do Trabalho – Relação individual”, 2.ª ed. revista e atualizada, AA. VV., Almedina, 2023, p. 892).»


10. No plano das vicissitudes atinentes ao percurso profissional do A. ao serviço da R., há que distinguir duas dimensões contratuais diversas: uma, relativa à sua função e categoria de Técnico; a outra, atinente às funções de direção/coordenação que, concomitantemente, foi exercendo em comissão de serviço, durante cerca de 10 anos.


No tocante às funções e categoria de base do A., as partes celebraram um contrato de trabalho a termo, com início em 01.06.2009 e com termo a 31.05.2010, tendo sido convencionada, para além da retribuição mensal ilíquida de 2.367,00 €, a retribuição especial mensal ilíquida de 615,00 € x 14 meses, a título de “contrapartida pela prestação dos seus serviços em regime de isenção de horário de trabalho”(cfr. pontos 4 a 6, 35, 36, 37, 38, 40 e 41 dos factos provados).


Ao contrário do alegado pelo recorrente, decorre do nº 2 da Cláusula Sexta (Período normal de trabalho) deste contrato que a IHT visou satisfazer exclusivamente os interesses gestionários do empregador, concretamente, “a responsabilidade e a especial confiança inerentes ao exercício de funções na Direção de Instalações Especiais e o facto de as mesmas terem, necessária e frequentemente, de ser desempenhadas sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho”, no mesmo sentido apontando, também concludentemente, o teor do nº 2 da Cláusula Sétima (Retribuição), segundo a qual só “enquanto [o trabalhador] exercer as funções [contratadas] e/ou enquanto se mantiver a necessidade do regime de isenção de horário de trabalho” seria paga a correspondente contrapartida.


Assim, e sendo ainda certo que os termos da vigência da isenção de horário de trabalho constam de contrato escrito livremente celebrado entre as partes, igualmente carece de razão o recorrente quando sustenta que in casu a cessação da IHT só poderia ter tido lugar por acordo escrito.


11. O primeiro contrato de trabalho a termo certo celebrado entre as partes renovou-se em 31.05.2010, passando então a estipular-se que o A. auferiria a retribuição mensal ilíquida, correspondente à sua categoria profissional, de 2.630 €. Uma vez que este contrato não incluía, ao contrário do primeiro, qualquer cláusula ou acordo de IHT, foi naturalmente excluída do texto da cláusula epigrafada “retribuição” a referência que antes aí se fazia ao subsídio devido a título de IHT, tudo em termos que não deixam qualquer dúvida relativamente à intenção assim visada pelas partes (cfr. pontos 19 e 20 da matéria de facto provada).


Em 01.06.2011, foi novamente renovado o contrato a termo, mantendo-se as anteriores condições (cfr. pontos 21 e 22 dos factos provados).


E, em 08.11.2012, o contrato de trabalho converte-se em contrato por tempo indeterminado, mantendo-se as “condições laborais”, nomeadamente quanto ao estatuto remuneratório (ponto 23 dos factos provados).


12. Paralelamente, a partir de 01.12.2009 e até fevereiro de 2019, o A. foi sendo chamado para desempenhar variadas funções de direção e de coordenação, em comissão de serviço (a qual viria a cessar com efeitos a partir de 01.07.2020), cabendo-lhe por isso, para além da retribuição-base, um Complemento de Função mensal, que englobava a retribuição da isenção de horário de trabalho inerente a tais funções, nos termos contratados pelas partes (cfr. pontos 8 a 13, 15, 16, 29, 30 e 31 dos factos provados).


Deste modo, aquando da cessação do contrato de comissão de serviço (em 01.07.2020), passou a aplicar-se ao A. o estatuto remuneratório contratado entre as partes em 08.11.2012, o qual, como vimos, não inclua qualquer subsídio por IHT.


Como cristalinamente se afirma no acórdão recorrido:


“(…)


[O] contrato de trabalho do Autor, no decurso da vigência do contrato de comissão de serviço, foi evoluindo, e, logo em 31 de Maio de 2010, as partes acordaram na sua renovação, mas, para o que ao caso interessa, alterando o estatuto remuneratório, deixando de prever o subsídio de IHT, previsto no contrato primitivo. E o contrato prosseguiu a sua vida, com outra renovação, que também não previu tal subsídio, até que se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado, e, também aí, mediante novo encontro de vontades contratuais, as partes mantiveram o estatuto remuneratório existente, que não previa o subsídio de IHT. Era este o regime em vigor à data da cessação do contrato de comissão de serviço.”


Na verdade, e como bem sinaliza o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu Parecer:


«A celebração de um contrato de trabalho em comissão de serviço por um trabalhador que já estava anteriormente contratado pelo empregador através de um contrato de trabalho comum (a designada comissão de serviço interna – n.º 1 do art.º 162.º do CT) determina a suspensão da execução do contrato de trabalho originário e aquando da cessação da comissão de serviço o trabalhador tem direito a voltar a exercer a atividade desempenhada anteriormente e que deixou temporariamente de desempenhar enquanto durou a comissão de serviço, conforme se prevê na al. a) do n.º 1 do art.º 164.º do CT, com “(…) todas as vantagens que teria adquirido se se tivesse mantido na categoria inicial (promoções automáticas, aumentos salariais) (…)”, na expressão de Luís Miguel Monteiro (“Código do Trabalho anotado”, AA. VV. 13.º ed., Almedina, 2020, p. 422), sendo que o tempo da comissão de serviço continua a contar para a sua antiguidade (n.º 5 do art.º 162.º do CT).


Todavia, o exercício de funções por um trabalhador “interno” em regime de comissão de serviço não tem qualquer outra projeção legal sobre o contrato de trabalho originário. Pelo que, cessando a comissão de serviço, é retomada a execução do contrato de trabalho nos termos contratualmente previstos, não podendo o trabalhador arrogar-se o direito a manter determinadas condições contratuais que estavam previstas para o contrato de comissão de serviço, designadamente em matéria de retribuição.»


13. Sem necessidade de desenvolvimentos complementares, improcede, pois, a revista.


IV.


14. Em face do exposto, acorda-se em negar a revista.


Custas pelo recorrente.


Lisboa, 8 de fevereiro de 2024


Mário Belo Morgado (Relator)


Domingos Morais


Júlio Manuel Vieira Gomes





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1. O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.↩︎