Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B4386
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: DUARTE SOARES
Descritores: DIREITO DE RETENÇÃO
PENHORA
VENDA JUDICIAL
Nº do Documento: SJ200301230043862
Data do Acordão: 01/23/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3045/02
Data: 07/11/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG.
DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 442 ARTIGO 755 F.
CPC95 ARTIGO 869 N1.
Sumário : O direito de retenção, como poder de facto de recusar abrir mão da coisa enquanto o crédito não for satisfeito, não é incompatível com a penhora que, nessas circunstâncias, não poderá envolver a entrega efectiva a terceiro, nem com a venda judicial.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Por apenso à execução que "A", SA move a B para cobrança de um crédito de 13.191.349$00 com juros de mora, na qual foi penhorada a fracção autónoma "R" correspondente ao quarto andar - A, sito na R. ..., lote ... em Algueirão - Mem Martins, vieram C e mulher D seduzir embargos de terceiro alegando que são possuidores da fracção penhorada, que ocupam desde 1991, por efeito de contrato promessa de compra e venda que celebraram com o executado, como promitente vendedor, tendo já entregue, a título de sinal, a quantia de 1.500 contos. Nunca foi celebrada a escritura de compra e venda por causa imputável ao promitente vendedor, pelo que lhes assiste o direito de retenção sobre a fracção pelo seu crédito correspondente ao valor do prédio mais as despesas que já realizaram na fracção. Pedem que se lhes reconheça o direito de retenção e que sejam declarados nulos os actos de processo posteriores ao cumprimento do art. 864º do CPC por não terem sido citados nos termos do nº 3 desse artigo e que seja dada sem efeito a venda e suspensa a graduação de créditos até que os ora embargantes obtenham sentença exequível.
Apreciando liminarmente os embargos, o Mmo. Juiz logo concluiu pela sua falta de fundamento indeferindo-os e que nada obstava ao prosseguimento da execução.
Conhecendo do agravo interposto pelos embargantes, o Exmo Relator na Relação de Lisboa, usando da faculdade prevista no art. 705º do CPC, por considerar que não foram especificados os factos provados, e invocando a norma do art. 712º do CPC, anulou o despacho liminar e ordenando que o tribunal "a quo" elencasse a matéria facto e "prolatasse", em conformidade, nova decisão que proceda à adequada subsunção de jure da factualidade elencada.
Baixados os autos, o Mmo. Juiz, de imediato e sem mais, proferiu novo despacho repetindo a decisão anterior.
Conhecendo do novo agravo dos embargantes, a Relação de Lisboa negou-lhe provimento.
Agravam agora para o Supremo e, alegando, concluem assim:
1 - A posição perfilhada no acórdão recorrido no sentido de que o direito de retenção não é incompatível com a penhora ou com a venda judicial não é a que melhor se coaduna com a letra do art. 351º nº1 do CPC e neste sentido se pronunciou já este Supremo Tribunal em vários acórdãos.
2 - Nesta jurisprudência está subjacente a ideia de que os embargos de terceiro são o meio próprio para defender o direito de retenção de que são titulares.
3 - Neste caso estão preenchidos os requisitos positivos da norma do art. 351º do CPC pois, ainda que os agravantes não tenham a posse da fracção em causa, têm um direito de retenção que lhes é facultado nos termos do art. 755 n. 1 f) do CC sendo que já intentaram acção declarativa de condenação de condenação que legitima e titula o mesmo direito de que foi junta certidão referente à pendência desse processo que corre termos na 2ª Vara Mista de Sintra sob o nº 289/80.
4 - Pela própria natureza que caracteriza o direito de retenção, este torna-se incompatível com a penhora e venda da fracção para efeitos da norma do art. 351 n. 1 do CPC pois não podem aqueles reter aquilo que vai ser devolvido a um terceiro na medida em que tal implica um esvaziamento do conteúdo do direito de retenção.
5 - Se assim se não entender, o direito de retenção perde o seu sentido prático de utilização, pois de nada serviria o direito de retenção sobre uma fracção se, em seguida, pudesse da mesma ser despejado.
6 - Os embargos de terceiro são, neste caso, meio idóneo para a defesa do direito de retenção uma vez que estão presentes os requisitos positivos do nº 1 do art. 351 n. 1 do CPC e, por outro lado não estão preenchidos os requisitos negativos do nº 2 do mesmo art. uma vez que não se trata aqui de processo de falência.
7 - Uma interpretação como a que foi adoptada no acórdão recorrido, é manifestamente inconstitucional por violar o art. 20º da CRP.
Respondeu a agravada batendo-se pela confirmação do julgado.
Foram colhidos os vistos. Cumpre decidir.
A questão da admissibilidade do agravo, bastar-se ia com a invocação de que tinha por objecto uma decisão que põe termo ao processo.
Na verdade, nos termos do n. 2 do art. 754 do CPC, é esse um dos casos em que o agravo para o Supremo é admissível.
O objecto do recurso tem a ver com a solução do problema da verdadeira natureza e consistência prática do direito de retenção, conferida ao beneficiário da promessa de transmissão constituição de um direito real que obteve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável promitente nos termos do art. 442 que a lei estabelece no art. 755 al. f) do CC.
Não temos dúvidas em concluir que, tratando-se embora de um verdadeiro direito de retenção configurado como um poder de facto que, em determinadas circunstâncias, é conferido ao credor de recusar abrir mão de certos bens enquanto lhe não for pago o seu crédito, ele não é incompatível com a penhora nem com a venda judicial do mesmo bem.
Na verdade, a essência de tal direito é a sua natureza de garantia real que confere ao seu titular, requerendo a execução do seu crédito, o direito de ser pago pelo produto da sua venda com preferência dos demais credores do executado inclusive do titular de hipoteca (art. 759 do CC).
Isto é, tal direito de retenção, na perspectiva do poder de facto de recusar abrir mão da coisa, manter-se-á até ser pago do seu crédito.
Mas isso não é incompatível com a penhora que, nessas circunstâncias não poderá envolver a entrega efectiva a terceiro que eventualmente seja nomeado fiel depositário, nem com a venda judicial a qual, precisamente, é essencial para a efectivação do direito de retenção enquanto garantia real do crédito do seu titular.
Aliás, não é esta a única situação em que a lei admite que os bens penhorados se mantenham na posse de quem os detém bastando, como exemplo, invocar a situação em que os imóveis penhorados estão arrendados.
A única consequência na marcha do processo executivo, quando se invoca um direito de retenção é, nos termos do n. 1 do art. 869 do CPC, relativamente aos bens objecto do direito de retenção, a da sustação da graduação dos créditos até que credor obtenha em acção própria, sentença exequível.
Mas isso, obviamente, em nada contende com a penhora nem com a venda judicial.
Assim, reconhecido o crédito do titular do direito de retenção e devidamente invocado no processo executivo, tal direito, mesmo na perspectiva do poder de facto atrás referido, manter-se-á, até que lhe seja pago o seu crédito.
E isto, como vimos, em nada mais interfere com o processo executivo não sendo minimamente afectado pela penhora.
Daqui decorre a improcedência das conclusões do recurso.

Nestes termos, negam provimento ao agravo com custas pelos agravantes.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2003
Duarte Soares,
Abel Freire,
Ferreira Girão.