Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
661/18.4YRLSB.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: DECISÃO ARBITRAL
AÇÃO DE ANULAÇÃO
PROCESSO ARBITRAL
PROCESSO ESPECIAL
ALEGAÇÕES ORAIS
FORMALIDADES
RECURSO DE APELAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
NULIDADE PROCESSUAL
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
SANAÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
DIREITO AO RECURSO
DIREITO DE DEFESA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - O processo arbitral assenta em princípios fundamentais próprios contidos, no caso da lei portuguesa, no artigo 30º nº 1 da LAV, que não se confundem, embora possam parcialmente coincidir, com os que são próprios do processo civil. A sua aplicação prática, porém, obedece às características da arbitragem, designadamente ao seu menor formalismo e à desejada eficácia em vista do seu desígnio final que é a resolução do litígio.

II - O processo arbitral deve por natureza ser simples, directo à sua finalidade e o menos formal possível, ou dito de outro modo, apenas suficientemente formal até ao ponto em que o cumprimento dos princípios fundamentais do processo arbitral o exijam e o escopo final do processo e a vontade das partes, expressa no momento e no local próprios – a convenção de arbitragem -, o requeiram.

III – O carácter profundamente restritivo dos fundamentos legais que habilitam a pedir ao tribunal estadual que anule a decisão proferida pelo tribunal arbitral constitui precisamente a afirmação da própria independência e autonomia da jurisdição arbitral.

IV - Conjugando a tramitação da acção especial de anulação de sentença arbitral prevista no nº 2 do artigo 46º da LAV com a marcha do processo do recurso de apelação, verifica-se que não existe qualquer imposição normativa, explícita ou implícita, de que haja lugar a alegações orais após a produção de prova.

V - Produzida a prova (alínea d)), segue-se a tramitação do recurso de apelação (alínea e)). Esta solução legal demonstra que o legislador se afastou deliberadamente da tramitação do processo comum declarativo. Com efeito, tivesse o legislador pretendido que o julgamento da acção especial de anulação de decisão arbitral seguisse a tramitação do processo comum declarativo, teria simplesmente remetido os termos ulteriores do processo para esta tramitação, abstendo-se de o fazer para a tramitação do recurso de apelação.

VI – O nº 2 do artigo 46º da LAV regula o regime do pedido de anulação como forma processual autónoma, enunciando de forma sumária os seus trâmites, evitando a aplicação do processo declarativo ordinário, mas caracterizando-o como acção para efeitos de distribuição. Trata-se, assim, de uma acção declarativa com processo especial regulado no artigo 891º e seguintes do Código de Processo Civil.

VII – São conformes ao princípio da tutela jurisdicional efectiva prevista no artigo 20º da Constituição as tramitações processuais que, por razões de celeridade e agilização processual, maximizem determinadas vertentes processuais em detrimento de outras.

VIII - A requerente deve ser condenada como litigante de má-fé se nega factos pessoais que vieram a ser declarados provados.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO


BOGARVE - Construção, Gestão e Venda de Imóveis, S.A., intentou acção de anulação (impugnação) de sentença arbitral, contra VILAMOURA LUSOTUR - S.A., tendo formulado os seguintes pedidos:

- que seja anulado o Acordo de Arbitragem, celebrado em 24/02/2017, junto aos presentes autos e os demais actos subsequentemente praticados no processo arbitral, maxime a decisão arbitral prolatada pelo árbitro nomeado em 27/11/2017, mas objecto de um pedido de aclaração, o qual veio a ser julgado improcedente por decisão prolatada em 22/01/2018, com as respectivas consequências legais.


Em síntese, alegou que a sentença arbitral, para além do mais:

1. Declarou a resolução do contrato celebrado em 31 de Dezembro de 2003 entre a requerida e a requerente por escritura pública intitulada "Permuta";

2. Ordenou o cancelamento das inscrições registais feitas com base na sobredita escritura, nomeadamente a de aquisição a favor da ora requerente e de reserva de propriedade a favor da ora requerida, e,

3. Condenou a ora requerente a restituir à requerida, a quantia de €498.798,00 referida na escritura em causa como estando já pagos na data da mesma, em execução de obrigações contratuais.


Tal sentença foi prolatada, em 27/11/2017, no âmbito do Processo Arbitral n° …/2017/ADHOC/ASB, que correu trâmites junto do Centro de Arbitragem da Associação de Lisboa, pela qual a ora requerente foi condenada nos termos supra já sintetizados. A mesma sentença foi objecto de um pedido de aclaração, o qual veio a ser julgado improcedente por decisão prolatada em 22.01.2018. Tal processo arbitral surgiu em decorrência de um anterior processo arbitral, o qual correu os seus trâmites sob o n° 1…/ADHOC/2016, junto do Concórdia - Centro de Conciliação, Mediação de Conflitos e Arbitragem, na qual a ora requerente foi demandada e a aqui requerida foi igualmente demandante e pelo qual foi decidido, para além do mais, a fixação judicial de prazo contra a aqui requerente para designadamente cumprir com quanto se comprometeu com a requerida à luz do sobredito "contrato de permuta" (designadamente a feitura de demolição do prédio melhor identificado no aludido contrato e o pagamento à ora requerida de determinado montante).

Chegou ao recente conhecimento da aqui requerente, após ter compulsados os respectivos autos, que em 24 de Fevereiro de 2017 veio a ser apresentado junto do Tribunal Arbitral, um documento denominado "Acordo de Arbitragem", assinado na mesma data pelo árbitro ali designado e dos alegados mandatários da ali demandante (aqui requerida) e da demandada (aqui requerente).

Resulta da cláusula 3ª de tal Acordo de Arbitragem que "[o] árbitro signatário declara aceitar exercer as funções em causa e não conhecer factos que possam levantar dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência, para além dos que foram comunicados às partes em anterior arbitragem";

Confrontada com tal novidade, totalmente desconhecida da requerente, compulsou esta os autos da alegada anterior arbitragem mencionada no documento em apreço, tendo constatado que na sua Cláusula Terceira reza o seguinte: "o árbitro signatário declara aceitar exercer as funções em causa e não conhecer factos que possam levantar dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência, tendo, por mera cautela, informado previamente a demandante e a demandada ter sido advogado da Garveorasa, SGPS, 5.A. e da Grupo Pra, SM., empresas que integram um grupo empresarial que deteve a demandante durante alguns anos, num processo arbitral relacionado com a compra que tal grupo empresaria fez, em 2004, de participações representativas de 100% do capital social da demandante".

Todavia, ao contrário do que vem mencionado na sobredita cláusula, nunca a ora requerente veio por alguma forma ou meio e fosse por quem fosse, a ser alguma vez informada da factualidade ali mencionada pelo respectivo árbitro, quer aquando da primeira arbitragem, e muito menos na segunda arbitragem; o qual se afigura de uma enorme relevância, atenta a circunstância de ter sido fixada, quer na primeira arbitragem, quer na segunda, a nomeação de um árbitro único, não obstante a convenção de arbitragem acordada com a ora requerida e prevista em escritura pública de compra e venda e de permuta de bens futuros celebrada em 31.12.2013 prever na sua cláusula nona -b) que o Tribunal Arbitral seria composto por três árbitros, e para além disso, se encontrar liminarmente afastado o direito a recurso de tal decisão. Chegou também agora ao conhecimento da requerente que o árbitro único nomeado na primeira e segunda arbitragens - o Professor Doutor AA - é, com bastante frequência, o árbitro indicado pelas partes patrocinadas pelos advogados pertencentes à sociedade de advogados BB, onde se inserem os mandatários que patrocinaram a ora requerida quer na primeira, quer na segunda arbitragens. Donde, caso os representantes legais da ora requerente tivessem sido informados (previamente, como se impunha), sobre o conteúdo da já supra mencionada Cláusula Terceira do Acordo de Arbitragem (apenas junto com a primeira arbitragem e para a qual o segundo Acordo de Arbitragem apenas remete sinteticamente) ou até mesmo do Acordo de Arbitragem efectuado por ocasião da segunda arbitragem- ou seja, que o árbitro a nomear havia sido advogado de determinadas entidades que detiveram a demandante aqui requerida durante alguns anos - não teriam certamente admitido como possível tal árbitro ser nomeado e, pior do que isso, constituir árbitro único num processo que não admitiria recurso e cuja importância era e é de enorme significado económico para a requerente. Por outro lado, o segundo Acordo de Arbitragem foi outorgado pelo alegado mandatário constituído pela ali demandada (aqui requerente) o I. M. Dr. CC, mas a verdade é que, à data da sua outorga, nem sequer ao mesmo tinha a ora requerente lhe atribuído quaisquer poderes forenses, os quais só lhe foram atribuídos somente por procuração outorgada em 5 de maio de 2017 e a qual não veio a prever qualquer ratificação do anteriormente processado; Ademais, a respeito do mandatário da ali demandante (aqui requerida), compulsados os respectivos autos por via telemática fornecida pelo respectivo Centro de Arbitragem também não se vislumbrou que a requerida, à data da outorga do respectivo segundo Acordo de Arbitragem pelo mandatário, lhe tivesse sequer conferido os necessários poderes forenses para outorgar o sobredito acordo. Em bom rigor, nem sequer a ora requerente encontrou nos respectivos autos físicos da arbitragem ora em apreço a respectiva procuração forense a emitir pela requerida a favor dos seus mandatários, a qual se encontra, pois, omissa nos mesmos como bem se alcança da declaração emitida pela respectiva secretária de processos junto do Centro de Arbitragem em apreço. A factualidade supra descrita constituirá em causas diversas de pedido de anulação do processo arbitral onde se inclui, pois, a sentença arbitral em apreço, nomeadamente por enquadramento no disposto na alínea a), ponto i) do n° 3 do art° 46° da Lei n° 63/2011, de 14 de Dezembro, denominada Lei da Arbitragem Voluntária, que refere que a sentença arbitral pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se a parte que faz o pedido demonstrar que uma das partes da convenção de arbitragem estava afectada por uma incapacidade: ou que essa convenção de arbitragem não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da presente lei (...).

Tanto o EOA como a Lei n° 49/2004, relativamente ao mandato forense, mandam aplicar o regime previsto na Lei Processual Civil. Decorre do legal enquadramento que a simples junção da procuração sanará a falta de mandato, mas não valida o processado que, entretanto, se desenvolveu e que necessita necessariamente de ratificação.

Volvendo à procuração forense relativa ao mandatário da demandada (aqui requerente), constata-se que a mesma foi outorgada pela ora requerente apenas em 05.05.2017, entrou nos respectivos autos em 16.05.2017 (conforme se constata do doc. 4 junto) e não prevê expressamente a ratificação dos actos já anteriormente praticados pelo causídico ali mandatado, onde se inclui a outorga da Convenção da Arbitragem celebrada pelo mesmo em nome e representação da ora requerente e cujo conteúdo o mesmo não deu sequer conhecimento a esta última, maxime sobre factos que podiam colocar em questão a independência e imparcialidade do árbitro nomeado.

E, semelhante problema se encontrará ao nível da aqui requerida, visto que quanto a esta, dos autos de processo arbitral em apreço, nem sequer consta a função a estes de qualquer procuração forense, seja pretérita à outorga da Convenção de Arbitragem, seja posterior à sua assinatura.

Pelo que o(s) mandatário(s) da demandante aqui requerida agiram em nome desta com absoluta falta de poderes para tal. O que determina que, conhecendo este tribunal oficiosamente de tais circunstâncias (falta de procuração, por banda da requerida e de falta de ratificação do processado, por banda da requerente), deverá declarar a anulação do Acordo de Arbitragem celebrado em nome das partes e todos os actos ao mesmo subsequentes, qual seja a respectiva decisão arbitral, por manifesta falta de poderes dos respectivos mandatários. E, tomando em linha de conta que tais faltas de poderes são pretéritos à celebração do Acordo de Arbitragem o qual veio constituir o próprio Tribunal Arbitral, o qual deverá ser declarado nulo, s. m. o. tudo terá de regressar a tal origem, ou seja, ao momento anterior à constituição do respectivo Tribunal Arbitral.

Por seu lado, o art° 46º, n° 3, alª, a), ponto ii ou iv), e alª b), ponto ii),da LAV, prevê a possibilidade da anulação da sentença arbitral com fundamento na falta de independência ou imparcialidade do(s) árbitro(s). Os árbitros têm, assim, um dever de independência e de imparcialidade equivalente aos dos juízes, sendo o seu escrutínio transparente, sério e objectivo peça fundamental da credibilidade da arbitragem enquanto meio adjudicatório e definitivo de resolução de litígios. Um árbitro nomeado pela parte está tão obrigado aos deveres de independência e imparcialidade como um árbitro nomeado pela instituição arbitral, pelo tribunal judicial, pelas duas partes ou pelos dois árbitros. A declaração de independência do árbitro deverá ser de molde a que as partes sejam totalmente informadas quanto aos factos ou circunstâncias de que o árbitro entendeu revelar. Quanto à forma que deve assumir a obrigação de revelação, esta tem de ser por escrito e na forma de uma declaração de independência, sendo esta a regra consagrada no Código Deontológico do Árbitro (art.° 4,°, n.° 3) e em alguns regulamentos de centros de arbitragem nacionais.

À requerente, quer na primeira arbitragem, quer na segunda arbitragem, não lhe foi dado a conhecer a informação fornecida pelo árbitro nomeado, a qual tem de ser qualificada como muito relevante, de molde a permitir-lhe decidir acerca do acordo sobre sua nomeação ou se, pelo contrário, a devia desde logo afastar. Deste modo, a requerente encontrava-se em erro quanto às qualidades do árbitro e que conduziram à nomeação do árbitro designado como árbitro único, pelo que tal circunstância, por ser absolutamente relevante na escolha de árbitro e a qual - repete-se a mesma nunca foi por qualquer meio ou forma informada - implicará a nulidade do Acordo de Arbitragem e, consequentemente, de todo o processo arbitral que lhe sucedeu.

Por outro lado, afigura-se ainda à requerente que, em face da factualidade que só agora também lhe chegou ao conhecimento, acerca da circunstância do árbitro único nomeado constituir árbitro recorrentemente indicado pela sociedade de advogados que patrocinou ao ora requerida, jamais ter sido sequer revelada, constituir também fundamento para anulação da decisão arbitral.

A afigurando-se, assim, justificável que a parte questione esses atributos perante uma reiterada nomeação do mesmo árbitro pelos mandatários de uma das partes, sobretudo quando o árbitro não cumpriu o dever de revelação a que se encontra obrigado.

Estamos perante uma circunstância que não veio a ser sequer revelada antes da constituição do Tribunal Arbitral ou durante o decurso do respectivo processo, a qual assume particular relevância quando estamos perante um caso particular de Acordo de Arbitragem de Árbitro Único e que é, também ela, fundamento legítimo de anulação da sentença arbitral, e a qual pode e deve ser admitida conhecer após prolação da respectiva sentença arbitral.

A acção foi instaurada em 04/04/2018.


A requerida deduziu oposição ao pedido de anulação da sentença arbitral ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 46º da LAV (fls 201 a 227).

Por excepção:

Verifica-se a caducidade do direito de pedir a anulação da sentença arbitral. Com efeito, tendo a acção sido proposta em 04/04/2018, o prazo de 60 dias previsto no nº 6. do artº 46º da LAV já se encontrava esgotado em tal data.

 Efectivamente, o despacho de esclarecimento da sentença arbitral data de 22/01/2018, sendo esta a data a ter em conta para o início da contagem daquele prazo, independentemente da data da notificação dessa decisão, pelo que o prazo para requerer a anulação terminou em 23/03/2018, tendo a requerente deixado caducar o seu direito de pedir a anulação da decisão arbitral.

Ainda que se considerasse que a data relevante para o começo daquele prazo de 60 dias seria a data em que a parte tomou conhecimento do despacho de esclarecimento, tal ocorreu no próprio dia 22/01/2018, pelo que o prazo para requerer a anulação terminava igualmente no dia 23/03/2018;

Ademais, ainda que se considerasse que a notificação havia sido efectuada em 23/01/2018, e que o primeiro dia para a propositura da acção fosse o 24/01/2018, o prazo terminaria no dia 26/03/2018 (termina a 24/03/2018, sábado, pelo que se transferia para o primeiro dia útil seguinte). Com efeito, o período entre 25/03 e 02/04/2018 correspondeu a férias judiciais, mas aquele prazo de 60 dias não suspendeu durante aquele período, pois trata-se de um prazo substantivo de caducidade, e não um prazo processual. Por outro lado, a tal prazo não acrescem os dias de multa previstos no nº 5, do artº 139º, do Cód. de Processo Civil.

Ainda que se considerasse tal prazo interrompido naquele período de férias judiciais, tal prazo terminaria no dia 03/04/2018, donde, a propositura da acção em 04/04/2018 surge como extemporânea, devendo a requerida ser absolvida do pedido.

Por impugnação:

Em 28 de Janeiro de 2016 foi outorgado entre a Lusotur e a Bogarve um acordo de arbitragem, o denominado Primeiro Acordo de Arbitragem.

Da parte da Lusotur, ora requerida, tal 1º acordo foi subscrito por parte do seu mandatário DD, ao abrigo de procuração outorgada em 23/11/2015. Por parte da Bogarve, ora requerente, foi subscrito pelo mandatário CC, ao abrigo de procuração outorgada em 27/01/2016.

Já consta do Primeiro Acordo de Arbitragem (cláusula 3ª) a declaração do árbitro que a ora requerente alega desconhecer. Todavia, apesar de tal alegação de desconhecimento, a simples assinatura de tal Acordo de Arbitragem por parte do mandatário da requerente determina que a requerente adquiriu conhecimento da mesma, pois, o conhecimento da requerente, enquanto pessoa colectiva, é formado não apenas pelas pessoas singulares que compõem a sua administração, mas também pelas pessoas singulares mandatadas pela administração para praticar actos em sua representação. E, por outro lado, as circunstâncias reveladas pelo árbitro nomeado foram-no cautelarmente, pois nada na lei, regulamentos ou soft law obrigava sequer à sua revelação, pois tais circunstâncias em nada inquinam a independência ou a imparcialidade do árbitro. Sendo irrelevantes, pelo que o árbitro poderia até nunca ter revelado tais factos, tendo-o feito apenas pela sua preocupação em ser absolutamente transparente. A Primeira Decisão Arbitral transcrevia na íntegra, e logo na sua segunda página, as circunstâncias anteriormente reveladas pelo árbitro no Primeiro Acordo de Arbitragem, pelo que os administradores da requerente não terão deixado de consultar tal processo e de ler o teor daquela decisão arbitral, atenta a confessada importância que o processo tinha para a mesma. Nada tendo feito ou dito a ora requerente, pois a Primeira Decisão Arbitral foi-lhe favorável ao considerar improcedentes os pedidos da Lusotur. Tendo sido evidente a satisfação das partes com a prestação do árbitro AA naquela Primeira Arbitragem.

Donde, contrariamente ao que alega, a requerente sempre conheceu acerca das circunstâncias reveladas pelo árbitro, não passando a presente acção de uma tentativa oportunista de reverter a Segunda Decisão Arbitral, por esta lhe ter sido desfavorável.

O Segundo Acordo de Arbitragem foi celebrado em 24 de Fevereiro de 2017, pelos mandatários que já haviam subscrito o Primeiro Acordo de Arbitragem, tendo sido subscrito ao abrigo das procurações outorgadas pela Bogarve e Lusotur antes da Primeira Arbitragem, que se encontravam plenamente em vigor, pois não haviam sido revogadas. Foi ainda clausulado no nº 4, da Cláusula 6ª do Segundo Acordo de Arbitragem não ser necessário juntar aos autos documentos que já se encontrem juntos na Primeira Arbitragem, o que incluía, obviamente, as procurações que haviam sido juntas aos autos na Primeira Arbitragem.

Mais, uma vez, após as partes terem escolhido o Professor AA como árbitro, atenta a ponderação e imparcialidade demonstrada, por cautela, este após a mesma declaração no Segundo Acordo de Arbitragem.

Sendo evidente que os administradores da ora requerente sempre estiveram a par da celebração deste acordo e do litígio existente, embora tal não fosse necessário, nos termos já explicitados, em 05/05/2017, a Bogarve, ora requerente, outorgou a favor do seu mandatário nova procuração, vindo a apresentar contestação em 08/05/2017.

Todos os actos processuais praticados pela Bogarve foram-no sempre ao abrigo de todos os poderes necessários para o efeito, pelo que nenhum acto praticado pelo Advogado CC carecia de ratificação. Ainda que assim não fosse, e caso inexistisse sequer qualquer convenção arbitral, aquando da apresentação da sua contestação, em 08/05/2017, a requerente teria logo que ter suscitado a incompetência do tribunal arbitral, sob pena de não mais o poder fazer.

A requerente sempre esteve a par da Segunda Arbitragem e vicissitudes desta, não só pelo facto de ter estado devidamente representada em Juízo pelo indicado advogado, como ainda pelo facto do seu administrador EE ter estado presente em todas as diligências probatórias da Segunda Arbitragem.


Termina, pedindo o seguinte:

a) Deve o pedido de anulação do Segundo Acordo de Arbitragem dos actos praticados durante a segunda arbitragem e da segunda decisão arbitral ser julgado improcedente, por caducidade do prazo para a sua apresentação; caso assim não se entenda;

b) Deve a requerente ser notificada para esclarecer os factos relativos à alegação conclusiva de que o Professor AA é recorrentemente nomeado em arbitragens pelos mandatários da requerida;

c) Deve o pedido de anulação do Segundo Acordo de Arbitragem dos actos praticados durante a Segunda Arbitragem e da Segunda Decisão Arbitral ser julgado improcedente, por não provado;

d) Deve o valor da causa ser fixado em € 12.523.001,51.


Em 11.09.2018 foi proferido despacho pelo Exmº Desembargador, Relator, determinando a notificação da requerente Bogarve, SA para, querendo, apresentar articulado, no qual poderá responder às excepções invocadas pela opoente, pronunciar-se acerca da imputada litigância de má fé e ainda acerca do deduzido incidente de verificação do valor da causa (Vol I, fls 346).


A requerente Bogarve, SA pronunciou-se (Vol II fls 349 a 359), pedindo que todos os pedidos efectuados pela requerida Vilamoura Lusotur, SA devem ser julgados improcedentes.

 

Houve lugar à produção de prova, tendo a Relação, em 24 de Janeiro de 2020, proferido ACÓRDÃO nos seguintes termos:

“ Na total improcedência da presente acção especial de impugnação/anulação da sentença arbitral proferida em 27/11/2017 - mas objecto de um pedido de aclaração, o qual veio a ser julgado improcedente por decisão prolatada em 22/01/2018 -, a qual mantém, assim, a sua plena e total validade, bem como o Acordo de Arbitragem que lhe subjaz, celebrado em 24/02/2017;

- em condenar a requerente Bogarve, S.A., como litigante de má-fé, em multa e indemnização, fixando-se aquela no montante de 20 (vinte) UCs;

- nos quadros do artº 527º nºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil, decaindo a requerente na pretensão accional deduzida, deverá ser responsabilizada pelo pagamento das custas devidas.


Nos termos do nº 3 do artº 543º do Cód. de Processo Civil, determina-se a notificação de requerente e requerida para, querendo, no prazo de 10 dias, emitirem a pronúncia ali consignada, no sentido de se proceder, consequentemente, à fixação da requerida indemnização decorrente da provada litigância de má-fé da ora requerente Bogarve, S.A”- fls 1152 vº.


Após a audição das partes nos termos do disposto no nº 3 do artigo 543º do CPC, a Relação, por acórdão de 11.05.2020, em complemento do anteriormente proferido, decidiu fixar na quantia de € 12.000,00, acrescido do competente IVA, o valor da indemnização a pagar pela requerente Bogarve – Construção, Gestão e Venda de Imóveis, S.A., à requerida Vilamoura Lusotur, S.A., a título sancionatório e compensatório pela provada litigância de má-fé.


Não se conformando com aquele acórdão, dele recorreu a autora, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

A) A recorrente discorda do douto acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos presentes autos porquanto, no seu entendimento, face aos factos e ao direito aplicável, deve o pedido de anulação da sentença arbitral proceder.

B) Carece o aresto de fundamentação no que concerne à decisão ali vertida, tendo havido, salvo o devido respeito pelo douto acórdão proferido, violação da lei substantiva, como errada aplicação da lei de processo.

C) Nesta senda, o presente recurso tem como objecto a decisão do acórdão proferido pelo tribunal a quo no presente processo, nas partes que se reportam à improcedência da anulação da sentença arbitral e à condenação da recorrente como litigante de má-fé.

D) Assim, na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2016, prolatado no Proc. n.º 1052/14.1TBBCL.P1.S1, Rel. Lopes do Rego, vem a recorrente, inconformada com a respeitável decisão proferida em 1.ª instância, interpor o presente recurso, admissível, designadamente, pelos fundamentos no acórdão indicado.

E) O regime da impugnação de sentença arbitral está contido no artº 46º da Lei da Arbitragem Voluntária, sob a epígrafe “Pedido de anulação”.

F) Nos termos do nº 2 do mencionado preceito, a prova é oferecida com o requerimento, sendo a parte requerida citada para se opor e oferecer prova e admitindo-se um articulado de resposta do requerente às eventuais excepções, após o que é produzida a prova a que houver lugar, seguindo-se, conforme estatui a alínea f), “a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações”.

G) Remete, assim, o referido diploma para as normas constantes do Código de Processo Civil (doravante CPC) relativas à tramitação do recurso de apelação, que hão-de ser adequadamente conformadas pelo juiz, à luz do dever de gestão processual consignado no art.º 6.º do mesmo diploma legal, e da própria norma de remissão, que determina que se proceda à devida adaptação.

H) Pese embora a fase de alegações orais seja omitida na tramitação do recurso de apelação tout court, solução idêntica não pode ser extraída aquando da aplicação do respectivo trâmite em sede de primeira instância – como, in casu, ocorreu -, cuja própria natureza exige necessariamente que seja levado a cabo o impreterível exercício de adequação formal e conformação processual necessários à realização da justiça no caso concreto.

I) Com efeito, o respeito pelos princípios do contraditório (art.º 3.º CPC), da cooperação (art.º 7.ºCPC), e mesmo da protecção de confiança – posto que as alegações finais são fase tendencialmente obrigatória na generalidade dos processos quando julgados na primeira instância -, bem como o cunho eminentemente garantístico que perpassa todo o Código de Processo Civil, exigia a realização de alegações orais antes da prolação do acórdão.

J) Devendo as mesmas ter tido lugar por um imperativo de adequação formal do processo que, no que toca ao direito positivo, resulta não só do plasmado no art.º 46.º, n.º 2, al. f) da Lei da Arbitragem Voluntária, mas estando também expressamente vertido nas normas dos art.ºs 547.º e 6.º do CPC.

L) De facto, a omissão da fase de alegações finais – preferencialmente orais, ex vi princípio da oralidade, mas que, em virtude constrições de tempo ou espaço que soçobrassem perante o princípio da celeridade processual, poderiam ter lugar por escrito – constitui uma violação ou errada aplicação da lei de processo.

M) Efectivamente, ao impor que, posteriormente à produção de prova, a acção de anulação de sentença arbitral siga “a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações”, a lei pretende precisamente antecipar e salvaguardar as especificidades inerentes ao julgamento da acção em primeira instância.

N) É que as normas relativas à tramitação do recurso de apelação consistem numa previsão concretamente orientada para, como a própria expressão indica, a fase de recurso, sendo então que, por excelência, tem lugar a respectiva aplicação, aí tipicamente realizada em toda a sua longitude.

O) Todavia, quando nos reportamos à acção especial de anulação de sentença estrangeira, as normas respeitantes à tramitação do recurso de apelação são-lhe aplicáveis não em sede de recurso, mas em primeira instância.

P) Quer isto significar que as mesmas não poderão ser alvo de uma transposição rígida ou estanque, mas antes mobilizadas numa lógica de adequação formal que terá de ser necessariamente levada a cabo pelo julgador, tendo por referência a circunstância de não se tratar de um recurso de uma decisão proferida por tribunal a quo, mas antes do próprio julgamento em primeira instância.

Q) Salvo o devido respeito por interpretação diversa, que se não sufraga, fazer tábua rasa deste entendimento equivalerá a esvaziar de conteúdo a norma do art.º 46.º, n.º 2, f) in fine, da Lei da Arbitragem Voluntária, porquanto o segmento que estatui “com as necessárias adaptações” revelar-se-ia inútil, posto que, face à aplicação decalcada de toda a tramitação do recurso de apelação, jamais haveria lugar a adaptações, deparando-nos com um total alheamento daquela parte da estatuição.

R) E, bem assim, com a absoluta desconsideração pelo facto de aquela acção não estar a ser apreciada em sede de recurso, mas antes em primeira instância, o que impõe que as normas adjectivas sejam adequadas em função dessa circunstância.

S) Também a circunstância de se estar perante uma acção especial importa, só per se, a necessária adaptação no que concerne à respectiva tramitação, devendo convocar as normas próprias do processo comum que se adeqúem e revelem úteis à boa decisão da causa.

T) Acresce que as boas práticas de metodologia jurídica exigem ao julgador que, na sua tarefa de interpretação jurídica e de realização do direito, atenda à unidade e coerência do sistema, perante o que devem as normas relativas ao julgamento no âmbito do recurso de apelação ser consideradas por referência à parte em que estão sistematicamente inseridas – a dos recursos, e, tratando-se o caso concreto de uma decisão de primeira instância, adequadas aquelas normas por referência às que norteiam a mesma fase na primeira instância, só assim se alcançando as aludidas matrizes da unidade e coerência.

U) De tudo o que vem exposto resulta que, considerando tratar-se de um julgamento em primeira instância da acção especial de anulação de sentença arbitral, deveria ter havido lugar a alegações orais.

V) Não pode ignorar-se que o art.º 46.º, n.º 2, da Lei da Arbitragem Voluntária estabelece um elenco de trâmites ordenado e sistemático, no qual a tramitação segundo as normas do recurso de apelação devidamente adaptadas é imediatamente precedido da produção de prova – desde logo porque nos encontramos no âmbito da primeira instância.

X) De facto, anteriormente a essa tramitação, produz-se “a prova a que houver lugar”, e, no caso concreto, houve lugar à produção de prova, tanto por parte da recorrente, como da recorrida, mormente por via de inquirição de testemunhas.

Z) Face à omissão da fase de alegações orais/finais entre a fase de produção de prova e a prolação do douto acórdão do Tribunal a quo, as partes – às quais assiste o direito de se pronunciarem em cada fase do processo, em particular sobre a prova carreada para os autos – viram preterido o exercício do contraditório, designadamente, quanto à prova testemunhal produzida, inexistindo momento processual posterior na qual pudessem fazer valer o princípio contido no art.º 3.º do CPC.

AA) Posto isto, a fase das alegações orais na acção especial de anulação de sentença arbitral na qual haja sido produzida prova constitui uma fase necessária do processo cuja realização foi subtraída à recorrente, da mesma resultando coarctado o contraditório.

BB) Neste sentido, e estribando-se em idêntico entendimento, veja-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, prolatado em19.04.2018, Proc.n.º 533/04.0TMBRG-K.G1, Rel. Eugénia Cunha.

CC) E, decidindo, porém, em sentido inverso, mas com os fundamentos aqui aduzidos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.03.2017, Proc. n.º 796/16.8YRLSB.S1, Rel. Rosa Tching, no qual pode ler-se que “havendo produção de prova, compreende-se que o requerido e o MP possam exprimir as suas posições sobre o resultado da diligência, habilitando o tribunal com os seus pontos de vista sobre a questão. Não havendo produção de prova, as respectivas posições decorrem já do pedido formulado pelo MP e da oposição deduzida do requerido, não existindo razão para, nestas situações, haver lugar a alegações”.

DD) Como, de resto, in casu, sucedeu, tendo havido lugar a produção de prova e omitindo-se posteriormente o necessário exercício do contraditório mediante o proferimento de alegações orais pelas partes, tal consubstanciará uma violação ou errada aplicação da forma de processo e, bem assim, uma nulidade insanável, passível de contaminar a decisão proferida, enfermando-a de vício, o que desde já se deixa aqui arguido, para os devidos e legais efeitos.

EE) Por fim, dir-se-á que interpretar o art.º 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária no sentido de que havendo produção de prova, inexistirá o direito das partes de produzirem alegações orais, tal interpretação será ferida de inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Com efeito, esta garantia constitucional postula a efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas.

FF) Ora, esta dimensão de efectividade do princípio do contraditório, enquanto segmento do direito fundamental a processo equitativo, impede em absoluto negar às partes a oportunidade de intervir nos debates, alegando de facto e de direito antes de ser proferida a correspondente decisão.

GG) Finalmente, a postergação do princípio do contraditório e dos direitos vertidos no art.º 3.º do CPC operada através da omissão de alegações orais consubstanciará ainda a violação da norma constante do art.º 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.

HH) Em face do que deve a douta decisão recorrida ser revogada.

II) Entende ainda a recorrente que houve lugar a errada aplicação da lei no que concerne à sua condenação por litigância de má-fé no pagamento de multa e indemnização;

JJ) A decisão vertida no aresto foi assim sustentada: “Ora, ao alegar que o árbitro nomeado era recorrentemente nomeado como árbitro pela sociedade de advogados de que fazem parte os mandatários da Vilamoura Lusotur, SA (ora requerida), fundando tal alegação em rumores e no que alegadamente um dos seus administradores ouviu falar a “outros advogados”, de forma genérica, não tendo tido a requerente o cuidado de, previamente, averiguar acerca da veracidade de tais factos – vindo-se, antes a provas o contrário -, agiu de forma claramente temerária, ao invocar factualidade, com clara relevância, sem previamente se ter assegurado da sua veracidade, o que lhe era manifestamente exigível.”.

LL) Afirma-se categoricamente a nossa discordância perante o ali plasmado, no que ao caso concreto se refere.

MM) Pois ao contrário do que sucede habitualmente com os processos que correm trâmites nos tribunais judiciais, na justiça privada, em concreto nos processos arbitrais, não há qualquer registo passível de ser consultado ou escrutinado/verificado a fim de saber que processos existem, onde, quais as pretensões em confronto, quem foi o(s) árbitro(s) designado.

NN) Tal acontece porque enquanto é característica do processo civil a publicidade – art.º 163.º CPC -, já assim não sucede nos processos arbitrais, cujo acesso é muitas vezes dificultado ou impossível.

OO) In casu, por se tratarem de processos arbitrais que não se encontram registados ou publicitados em nenhuma plataforma ou espaço de que permita o respectivo acesso ou consulta, ainda que limitada, por parte da recorrente (ou de outrem), designadamente na parte relativa aos árbitros nomeados, a recorrente não tinha qualquer forma de “averiguar acerca da veracidade dos factos”, conforme consta no acórdão.

PP) De facto, não se pode impor à recorrente um dever de verificação impossível de concretizar (tal equivaleria a fazer-lhe corresponder uma obrigação impossível);

QQ) O supracitado fundamento aposto no douto acórdão recorrido reconduz-se às alíneas a) e b) do art.º 542.º, n.º 2, do CPC.

RR) No entanto, no caso concreto, não há qualquer dolo ou negligência grave sequer passíveis de serem sancionados pela “litigância temerária” a que faz referência o douto acórdão recorrido, pois para que um destes pressupostos se tivesse verificado, a recorrente teria de ter o domínio do facto quanto à possibilidade de verificação dos factos invocados.

SS) Também apenas nesse caso se poderia dizer que deduzira pretensão “cuja falta de fundamento não devia ignorar”, uma vez que este dever só lhe poderia ser imposto se fosse possível ou viável, o que, como de resto já se demonstrou, não sucede, uma vez que os processos arbitrais e respectivos árbitros nomeados não se encontram registados, conforme acontece com os processos que correm termos nos tribunais comuns;

TT) Assim, a verificação da veracidade dos factos trazidos ao conhecimento do respeitável tribunal a quo só poderia ter lugar no âmbito do próprio processo de anulação de sentença arbitral (que é, aliás, a sede própria para se fazer prova sobre a matéria impugnada), sob pena de, não carreando para os autos esses factos, os mesmos jamais serem conhecidos, com prejuízo para a própria recorrente e para a boa decisão da causa;

UU) Não lhe sendo, por isso, exigível qualquer dever prévio de verificação, posto que a mesma se prefigurava impossível;

VV) O expendido a este respeito não só abala, como deita por terra as premissas em que o acórdão funda a condenação da recorrente.

XX) À luz do que ora se expõe, o argumento aduzido para sustentar a condenação da recorrente por litigância de má-fé é manifestamente improcedente, não podendo, em virtude do mesmo, haver lugar a condenação no pagamento de multa ou sequer qualquer indemnização;

ZZ) Carece, assim, de fundamentação a douta decisão recorrida, também aqui merecendo reparo a douta decisão do tribunal a quo, devendo a mesma ser revogada e substituída pela absolvição da recorrente, tanto na parte tocante à condenação em pagamento de multa como ao pagamento de indemnização.


Termina, pedindo que seja dado provimento ao recurso.


A parte contrária contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


Colhidos os vistos, cumpre decidir


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto


Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

1. No âmbito do Processo Arbitral nº …/2017/ADHOC/ASB, que correu trâmites junto do Centro de Arbitragem da Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa, sita em …, em que figurou como demandante Vilamoura Lusotur, S.A., e como demandada Bogarve - Construção, Gestão e Venda de Imóveis, S.A., foi proferida, em 27 de Novembro de 2017, decisão arbitral, a qual consta de fls. 27 a 100 dos presentes autos, e que aqui integralmente se reproduz;

2. Tal decisão (sentença) arbitral foi objecto de um pedido de aclaração, o qual veio a ser julgado improcedente, por despacho prolatado em 22/01/2018, conforme fls. 101 a 103 dos presentes autos, que aqui integralmente se reproduz;

3. Tendo este despacho sido notificado, nomeadamente aos mandatários de demandante e demandada, através de e-mail remetido em 22/01/2018.

4. Cuja recepção e leitura não foi acusada pelo mandatário da Bogarve, S.A., nomeadamente na indicada data de remessa do e-mail.

5. Tal processo arbitral surgiu em decorrência de um anterior Processo Arbitral, o qual correu os seus trâmites sob o n.c …/ADHOC/2016, junto do Concórdia - Centro de Conciliação, Mediação de Conflitos e Arbitragem, na qual a ora requerente foi demandada (Bogarve - Construção, Gestão e Venda de Imóveis, S.A.) e a aqui requerida foi igualmente demandante (Vilamoura Lusotur, S.A.) e pelo qual foi decidido, para além do mais, a fixação judicial de prazo contra a aqui requerente para designadamente cumprir com quanto se comprometeu com a requerida à luz do sobredito "contrato de permuta" (designadamente a feitura de demolição do prédio melhor identificado no aludido contrato e o pagamento à ora requerida de determinado montante).

6. Tendo-se ainda decidido condenar a "demandada a pagar à demandante € 498.798,00, devidos como segunda prefação da contrapartida pecuniária contratualmente ajustada, considerando-se que o vencimento de tal obrigação se dará por força da notificação desta sentença, na data em que a mesma ocorra", bem como absolver a demandada dos demais pedidos.

7. Tendo a demandante Vilamoura Lusotur, S.A., formulado em tal processo os seguintes pedidos:

"a) Declarar a resolução do contrato e, em consequência, ordenar o cancelamento do registo de aquisição a favor da demandante efectuado pela apresentação 55 de 2004/10/19;e

b) Condenar a demandada a pagar € 1.964.121,14 à demandante, acrescido de juros legais à taxa comercial até efectivo e integral pagamento;

Subsidiariamente, deve o tribunal arbitral:

a) Condenar a demandada a pagar imediatamente à demandante € 1.664.833,89 sob pena de a demandante poder imediatamente resolver o Contrato e exigir à demandada o pagamento de € 1.964.121,14;

b) Fixar um prazo máximo - não superior a 6 meses - a partir da data da sentença dentro do qual deve ser demolido o antigo casino e iniciada a construção do Conjunto, correndo o risco de não obtenção das necessárias licenças e autorizações nesse prazo por conta da demandada, sob pena de a demandante poder imediatamente resolver o contrato e exigir à demandada o pagamento de 1.964.121,14;

c) Fixar um prazo - não superior a 18 meses - a partir da data da sentença para que a demandada (i) conclua a construção do Conjunto e (ii) permute os espaços que, nos termos do contrato, deverão ser entregues à demandante, sob pena de a demandante poder imediatamente resolver o contrato e exigir à demandada o pagamento de 1.964.121,14;

d) Fixar uma sanção pecuniária compulsória de € 25.000,00 por cada dia de incumprimento das obrigações referidas nas alíneas anteriores";

8. No dia 24/02/2017, foi celebrado entre a Vilamoura Lusotur, S.A., anteriormente denominada Lusotur - Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., representada por DD, designada como "Demandante", e Bogarve - Construção,

Gestão e Venda de Imóveis, S.A., representada por CC, designada por "Demandada", e no qual figurou ainda AA, Advogado, Acordo de Arbitragem (Segundo), o qual se encontra junto aos autos a fls. 104 a 108, e aqui se dá por integralmente reproduzido;

9. Consta, nomeadamente, sob os Considerandos D) a H) de tal acordo, o seguinte:

"D)

Que a demandante e a demandada designaram como árbitro único o signatário AA;

E)

Que decorreu uma arbitragem entre a demandante e a demandada ("Primeira Arbitragem"), que culminou com a decisão arbitral proferida pelo signatário AA em 28 de Outubro de 2016 ("Primeira Decisão Arbitral");

F)

Que surgiu um novo litígio entre a demandante e a demandada relativo ao Contrato;

G)

Que a demandante e a demandada estão de acordo em designar novamente como árbitro único o signatário AA;

H)

Que foram definidas algumas das regras a que a arbitragem obedecerá, além do previsto na cláusula compromissória, e que se mostra conveniente formalizar num único documento essas regras";

10. Constam sob as Cláusulas 1ª, 3ª, 4ª e 5ª do mesmo Acordo de Arbitragem, o seguinte:

“1ª

A demandante e a demandada reiteram o seu acordo em submeter a arbitragem o litígio que tem por objecto a validade, eficácia, interpretação e o cumprimento do Contrato, designando como árbitro único o signatário AA.


O árbitro signatário declara aceitar exercer as funções em causa e não conhecer factos que possam levantar dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência, para além dos que já foram comunicados às partes em anterior arbitragem.


Não caberá recurso da decisão arbitral.


A arbitragem obedecerá às regras constantes do anexo a este acordo e, nos casos omissos, às regras do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa, na versão de 2014";

11. Consta do Anexo referenciado na Cláusula 5ª, denominado "Anexo ao Acordo de Arbitragem Regras Processuais" - que aqui integralmente se reproduz -, entre outras, as regras processuais identificadas nas alíneas f), aa), bb) e dd), com o seguinte teor:

"f) Com excepção dos documentos já juntos na Primeira Arbitragem - os quais não terão que ser juntos novamente -, os documentos para prova dos factos invocados devem ser juntos com a primeira peça processual que refira os factos para cuja prova relevam; se a parte só tiver acesso ao documento após a junção da peça que o refira, deverá fazer a sua junção no prazo máximo de 10 dias a contar da data em que tenha acesso ao documento, indicando e justificando a data em que teve esse acesso; o árbitro poderá recusar a junção de documentos feita em infracção das regras desta alínea;

aa) Os actos do árbitro poderão ser notificados às partes por correio registado, por correio privado ("courier") e por correio electrónico com aviso de recepção e leitura; bb) As notificações por correio registado consideram-se efectuadas no terceiro dia, que seja útil, posterior ao registo; as notificações por correio privado consideram-se efectuadas no dia da sua recepção; as notificações por correio electrónico consideram-se efectuadas no dia seguinte ao do seu envio;

dd) Os prazos serão contínuos ; aqueles cujo último dia ocorra em sábado, domingo ou feriado terminarão no primeiro dia útil seguinte; os prazos serão suspensos durante as férias judiciais";

12. No dia 28/01/2016, foi celebrado entre a Vilamoura Lusotur, S.A., anteriormente denominada Lusotur - Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., representada por DD, designada como "Demandante", e Bogarve - Construção,Gestão e Venda de Imóveis, S.A., representada por CC, designada por "Demandada", e no qual figurou ainda AA, Advogado, Acordo de Arbitragem (Primeiro), o qual se encontra junto aos autos a fls. 234 e 235, e aqui se dá por integralmente reproduzido;

13. Consta, nomeadamente, sob os Considerandos D) e E) de tal Acordo, o seguinte:

"D)

Que a demandante e a demandada estão de acordo em designar como árbitro único o signatário AA;

E)

Que, entretanto, foi possível definir algumas das regras a que a arbitragem obedecerá, além do previsto na cláusula compromissória, e que se mostra conveniente formalizar num único documento essas regras";

14. Constam sob as Cláusulas lª, 3ª, 4ª e 5ª do mesmo Acordo de Arbitragem, o seguinte:

"1ª

A demandante e a demandada reiteram o seu acordo em submeter a arbitragem o litígio que tem por objecto a interpretação e o cumprimento do Contrato, designando como árbitro único o signatário AA.


O árbitro signatário declara aceitar exercer as funções em causa e não conhecer factos que possam levantar dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência, tendo, por mera cautela, informado previamente a demandante e a demandada ter sido advogado da Garveprasa, SGPS, S.A. e da Grupo Pra, S.A., empresas que integram um grupo empresarial que deteve a demandante durante alguns anos, num processo arbitral relacionado com a compra que tal grupo empresarial fez, em 2004, de participações representativas de 100% do capital social da demandante.


Não caberá recurso da decisão arbitral.


A arbitragem obedecerá às regras constantes do anexo a este acordo e, nos casos omissos, às regras do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa, na versão de 2014";


15. O mesmo Acordo de Arbitragem (Primeiro) foi subscrito, por parte da Vilamoura Lusotur, S.A., pelo seu mandatário DD, ao abrigo da procuração forense datada de 23 de Novembro de 2015.

16. Constando desta, entre o mais, que "VILAMOURA LUSOTUR, S.A. (...) confere mandato judicial aos Senhores Drs. GG e DD (...), aos quais concede poderes para: (...) outorgar convenções de arbitragem e representar o mandante em processos arbitrais, de mediação, conciliação e em julgados de paz", conforme procuração junta a fls. 239, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

17. Nunca tendo tal procuração sido revogada.

18. Enquanto que, por parte da Bogarve - Construção, Gestão e Venda de Imóveis, S.A., foi subscrito pelo seu mandatário CC, ao abrigo de procuração forense outorgada em 27 de Janeiro de 2016.

19. Constando da mesma, para além do mais, que "Bogarve-Construção, Gestão e Venda de Imóveis, SA (...) constitui seus bastantes procuradores os senhores Drs. CC e GG (...), a quem, com o de substabelecer, confere poderes forenses gerais e especiais, para confessar, transigir e desistir e, ainda, para concluir e subscrever em sua representação com a sociedade VILAMOURA LUSOTUR, S.A., anteriormente denominada Lusotur - Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, S.A. (...), compromisso arbitral, determinar-lhe a sede, o objecto e o direito aplicável e designar árbitro, que pode ser único, para dirimir o litígio existente entre as duas sociedades relativamente ao cumprimento ou não cumprimento, total ou parcial, por qualquer uma delas, ou por ambas, do contrato de permuta celebrado em 31 de Dezembro de 2003 (...)", conforme procuração junta a fls. 240, que aqui se dá por integralmente reproduzida;

20. Não constando dos identificados processos arbitrais que a mesma tenha sido revogada;

21. No dia 29/01/2016, o árbitro nomeado, AA, enviou e-mail aos mandatários da Bogarve, S.A., e da Vilamoura Lusotur, S.A., juntando cópias do Primeiro Acordo de Arbitragem, datado de 28/01/2016, do Anexo ao Acordo de Arbitragem Regras Processuais, da procuração da Bogarve datada de 27 de Janeiro de 2016 e de carta enviada à Concórdia datada de 29/01/2016, conforme cópia junta aos autos a fls. 1038 a 1050, que aqui se dá por integralmente reproduzida;

22. O administrador da Bogarve, S.A., HH, emitiu cheque de € 3.075,00, destinado ao pagamento dos custos administrativos com a Primeira Arbitragem.

23. Os identificados processos arbitrais tiveram por base o contrato de compra e venda e permuta de bens futuros, celebrado entre a Vilamoura Lusotur, S.A., anteriormente denominada Lusotur - Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., e a Bogarve - Construção, Gestão e Venda de Imóveis, S.A., por escritura pública, denominada Permuta, datada de 31/12/2003, e respectivo documento complementar, juntos aos autos a fls. 115 a 124, que se dão por integralmente reproduzidos.

24. Constando expressamente sob as alíneas a) e b), da Cláusula nona de tal Documento Complementar que:

"a) - As partes acordam em submeter todos os litígios emergentes da execução ou interpretação deste contrato ao Tribunal Arbitral, que funcionará em conformidade com o disposto na Lei número trinta e um/oitenta e seis de vinte e nove de Agosto.

b) - O Tribunal Arbitral será composto por três árbitros, cabendo a cada uma das partes a escolha de um dos árbitros e sendo o Presidente do Tribunal designado por acordo entre as partes ou, na falta deste, pelo Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Évora".

25. Constituindo tal contrato, objecto do litígio, a única actividade exercida pela ora requerente.

26. A ora requerente Bogarve, S.A., soube que o Segundo Processo Arbitral decorria em moldes distintos dos que haviam sido consagrados na transcrita cláusula nona do Contrato.

27. Sabendo, ainda, que o mesmo Processo Arbitral era conduzido por árbitro único, nomeadamente o Professor AA.

28. Ainda no Processo Arbitral identificado em 1. – nº …/2017/ADHOC/ASB (Segundo Processo Arbitral) -, a petição foi apresentada pela Lusotur, S.A., em 27/03/2017, tendo a contestação sido apresentada pela Bogarve, S.A. em 08/05/2017.

29. No mesmo processo foi junta, em 16/05/2017, pela demandada Bogarve -Construção, Gestão e Venda de Imóveis, S.A., procuração forense a favor dos Senhores Drs. CC e GG.

30. Consta de tal procuração ter sido outorgada em 05 de Maio de 2017, e conferir "poderes forenses gerais e especiais, para confessar, transigir e desistir e, ainda, para concluir e subscrever em sua representação com a sociedade VILAMOURA LUSOTUR, S.A., anteriormente denominada Lusotur - Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, S.A. (...) compromisso arbitral, determinar-lhe a sede, o objecto e o direito aplicável e designar árbitro, que pode ser único, para dirimir o litígio existente entre as duas sociedades, relativamente ao cumprimento ou não cumprimento, total ou parcial, por qualquer uma delas, ou por ambas, do contrato de permuta celebrado em 31 de Dezembro de 2003 (....)".

31. Tal procuração não prevê qualquer ratificação do anteriormente processado.

32. Consta a fls. 127 dos presentes autos uma Declaração, datada de 02 de Abril de 2018, emitida por II, Secretária de Processos, do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, com o seguinte teor: "Declara-se, para os devidos e legais efeitos, que o Senhor Dr. KK, esteve, na presente data, a consultar a versão em papel do processo ad hoc, registado com o nº …/2017/AHC/ASB, e que correu os seus termos neste Centro de Arbitragem Comercial, não tendo sido possível encontrar nos autos - quer em papel, quer em versão digital -a procuração forense da demandante VILAMOURA LUSOTUR, S.A." .

33. Não tendo a ora requerente encontrado, nos autos físicos daquele Processo Arbitral, qualquer procuração emitida pela ora requerida VILAMOURA LUSOTUR, S.A., anteriormente denominada Lusotur - Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, S.A.  

34. Os presentes autos de acção especial de anulação de sentença arbitral foram apresentados na secretaria judicial deste Tribunal da Relação no dia 03/04/2018.

35. O árbitro nomeado em ambos os processos arbitrais nunca foi advogado da Lusotur, S.A.

36. Tendo a assessoria do mesmo à Grupo PRA, S.A., e à Garveprasa, SGPS, S.A., feita constar em ambos os Acordos de Arbitragem, decorrido no âmbito de um único processo arbitral.

37. Tal árbitro não era recorrentemente nomeado como árbitro pela sociedade de advogados de que fazem parte os mandatários da Vilamoura Lusotur, S.A. (ora requerida);

38. Possuindo o representante (mandatário forense) da Bogarve, S.A., todas as condições para aferir acerca da sua adequação para o desempenho das funções de árbitro único.

39. A afirmação da requerente Bogarve, S.A., que o árbitro único nomeado na Primeira e Segunda Arbitragens - o Professor Doutor AA -, era recorrentemente nomeado pela sociedade de advogados de que fazem parte os mandatários da requerida Vilamoura Lusotur, S.A., fundou-se em rumores e no que alegadamente um dos seus administradores ouviu falar a "outros advogados", de forma genérica.

40. Não tendo a mesma requerente tido o cuidado de, previamente, averiguar acerca da veracidade de tais factos.

41. Durante o Primeiro Processo Arbitral a Bogarve, S.A., esteve sempre representada pelo seu mandatário, o advogado CC.

42.Tendo intervindo na Primeira Arbitragem, como testemunhas arroladas pela Bogarve, S.A., HH, administrador e sócio de tal sociedade, e EE, sócio da mesma sociedade.

43. A sentença arbitral (primeira) foi proferida em 28 de Outubro de 2016, conforme consta do teor da mesma, junto aos autos a fls. 257 a 328, que aqui integralmente se reproduz.

44. Tendo sido notificada aos mandatários de demandante e demandada, através de e-mail remetido em 28/10/2016.

45. Transcrevendo a mesma, na segunda e terceira páginas, as circunstâncias reveladas pelo árbitro na Cláusula 3ª do Primeiro Acordo de Arbitragem.

46. As quais, pelo menos desde data não determinada do Primeiro Processo Arbitral, sempre foram do conhecimento da administração da ora requerente Bogarve, S.A.

47. Que nunca levantou qualquer objecção às mesmas.

48. Tendo, apesar disso, alegado tal desconhecimento nos termos expostos no requerimento inicial.

49. À mesma requerente nunca lhe foi comunicada a declaração de aceitação, disponibilidade, independência e imparcialidade em modelo fornecido pelo Centro de Arbitragem que veio a ser escolhido.

50. No âmbito do Primeiro Processo Arbitral foram apresentadas alegações escritas pela demandada Bogarve, S.A., na qual esta, através do seu mandatário, refere que "desta arbitragem resultou, antes do mais, demonstrado o acerto da demandante e da demandada ao enveredarem pela solução do árbitro único e, mais, ao escolherem para o cargo e o encargo o Senhor Doutor AA. Se a ciência do Preclaro Jurista não carecia de demonstração, menos ainda de glosa, importa acrescentar-lhe a exibição, que deleitou, de sentido de equilíbrio e de justiça e a sensatez com que desempenhou o seu cargo" ;

51. Durante o Segundo Processo Arbitral, a Bogarve, S.A., fez-se representar, pelo seu administrador KK, nas seguintes diligências de prova:

- em 04/09/2017, na inspecção do  prédio discutido nos autos e inquirição de testemunhas;

- em 06/09/2017, à inquirição de testemunhas.


Foram considerados não provados os seguintes factos:

i) Que só após a prolação da segunda sentença arbitral, a ora requerente Bogarve, S.A., tenha tido conhecimento das circunstâncias reveladas pelo árbitro na Cláusula 3ª do primeiro acordo de arbitragem, reproduzidas na primeira sentença arbitral e reiteradas no segundo acordo de arbitragem;

ii) Sendo até aí absolutamente desconhecidas da mesma;

iii) Que, antecedentemente à prolação daquela segunda sentença arbitral, nunca a mesma requerente tenha sido informada, por qualquer forma ou meio e fosse por quem fosse, quer na primeira, quer na segunda arbitragens, da factualidade revelada pelo árbitro naquelas circunstâncias, de forma a permitir-lhe decidir acerca do acordo sobre a sua nomeação, ou se, pelo contrário, a devia desde logo afastar;

iv) Que o árbitro único nomeado na primeira e segunda arbitragens - o Professor Doutor AA -, seja, com bastante frequência, o árbitro indicado pelas partes patrocinadas pelos advogados pertencentes à sociedade de advogados BB, onde se inserem os mandatários que patrocinaram a ora requerida, em ambas as arbitragens;

v) Que à data da outorga do Segundo Acordo de Arbitragem a ora requerente Bogarve, S.A., não tivesse atribuído ao Dr. CC quaisquer poderes forenses, e que estes apenas lhe tenham sido atribuídos pela procuração referenciada em 30;

vi) Que à data da outorga do mesmo Segundo Acordo de Arbitragem, pelo mandatário da ora requerida Vilamoura Lusotur, S.A., esta não lhe tivesse conferido os poderes necessários para tal outorga;

vii) Que o mandatário da ora requerente Bogarve, S.A., Dr. CC, não tenha dada a conhecer a esta o conteúdo do Segundo Acordo de Arbitragem;

viii) Que os presentes autos de acção especial de anulação de sentença arbitral tenham sido apresentados na secretaria judicial deste Tribunal da Relação no dia 04/04/2018;

ix) Que a ora requerente Bogarve, S.A., tenha tomado conhecimento do despacho referenciado em 2. e 3. no dia 22/01/2018;

x) Que as regras referenciadas em 24. tenham sido adaptadas pela Bogarve, S.A., e pela Vilamoura Lusotur, S.A., em virtude destas considerarem tais regras como inadequadas à resolução do referido litígio (desde logo, pelo excessivamente curto prazo de decisão);

xi) Que a assessoria descrita em 36. tenha decorrido durante pouco mais de um ano, nomeadamente de 16/04/2009 a 10/08/2010, cerca de cinco anos e meio antes da assinatura do Primeiro Acordo de Arbitragem;

xii) Que o grupo empresarial que integrava as empresas Grupo PRA, S.A., e Garveprasa, SGPS, S.A., tivesse deixado de ter participações na Vilamoura Lusotur, S.A., desde 2010;

xiii) Que o conhecimento da administração da ora requerente Bogarve, S.A., referenciado em 46., ocorresse, precisamente, desde 28/01/2016, data do Primeiro Acordo de Arbitragem ;

xiv) Que as circunstâncias referidas pelo árbitro na Cláusula 32 do Primeiro Acordo de Arbitragem sempre tivessem sido do conhecimento da ora requerente Bogarve, S.A.;

xv) Que a ora requerente Bogarve, S.A., soubesse que o árbitro único nomeado na Primeira e Segunda Arbitragens - o Professor Doutor AA -, não era recorrentemente nomeado pela sociedade de advogados de que fazem parte os mandatários da Requerida Vilamoura Lusotur, S.A.;

xvi) Que a requerente Bogarve, S.A., tivesse proposto a presente acção, deduzindo o respectivo petitório, bem sabendo que havia renunciado à possibilidade de impugnar a segunda sentença arbitral, com fundamento na incompetência do tribunal ou pretenso desrespeito por disposições derrogáveis da LAV ou condições enunciadas na convenção de arbitragem, por não ter deduzido de imediato a respectiva oposição;

xvii) Que, apesar de alegar que não, a mesma requerente bem soubesse que o advogado a quem outorgou procuração tinha todos os poderes para assinar, em sua representação, o segundo acordo de arbitragem e para a representar no segundo processo arbitral;

xviii) Que a mesma requerente Bogarve, S.A., bem soubesse não estar em erro quanto à alegação de que o árbitro AA seria recorrentemente nomeado árbitro de parte pela sociedade de advogados que representou a Lusotur na primeira e segunda arbitragens;

xix) Que a requerente soubesse, igualmente, que os factos vertidos nas Declarações do mesmo árbitro não constituíam qualquer causa que afectasse a sua independência e imparcialidade.


B) Fundamentação de direito


As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, são as seguintes:

- Omissão de alegações orais e postergação do princípio do contraditório;

- Violação dos princípios constitucionais dos artigos 20º e 202º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

- A litigância de má fé.


OMISSÃO DE ALEGAÇÕES ORAIS E POSTERGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

A última produção de prova dos autos (ACTA DE INQUIRIÇÃO) teve lugar no dia 07 de Março de 2019 - fls 1057-A e 1058. Após a inquirição da última testemunha, fez-se imediatamente constar que se “deu por encerrada a audiência de inquirição”.

Estavam presentes os mandatários das partes e nenhum deles suscitou a questão atinente à omissão das alegações orais, questão central das conclusões da demandante, ora recorrente.


Efectivamente, considera a recorrente que, tratando-se de um julgamento em primeira instância da acção especial de anulação de sentença arbitral, deveria ter havido lugar a alegações orais no final da produção de prova; não acontecendo, ocorreu a preterição do exercício do contraditório, designadamente quanto à prova testemunhal produzida, inexistindo momento processual posterior na qual as partes pudessem fazer valer o princípio contido no artigo 3º do CPC. Finalmente, alega a recorrente que a omissão das alegações orais consubstancia uma nulidade insanável.


A parte contrária tem entendimento diferente, argumento que a tramitação do processo especial de anulação de sentença arbitral não contempla alegações orais, nem remete para uma tramitação que as contemple.


Cumpre decidir.

A arbitragem voluntária tem o seu quadro legal previsto na Lei 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV).

Trata-se de uma lei que se limita a definir alguns princípios delimitadores e um conjunto de regras, na sua maioria susceptíveis de serem afastadas pelas partes, sem qualquer preocupação de prever um regime exaustivo regulador das arbitragens.

Esclarece o nº 1 do artigo 1º deste diploma que, “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros”.

Preceitua o nº 3 que “ a convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que afecto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória).

A convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito, embora o legislador seja bastante flexível na forma de tal acordo (artigo 2º), podendo uma mera troca de correspondência ser aceite como consubstanciando um válido compromisso arbitral.


Iniciada a arbitragem, a tramitação deverá respeitar os seguintes princípios fundamentais, previstos no artigo 30º, cuja ofensa poderá inquinar a validade da decisão arbitral:

a) O demandado será citado para se defender;

b) As partes serão tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final;

c) Em todas as fases do processo é garantida a observância do princípio do contraditório, salvas as excepções previstas na presente lei.

O tribunal arbitral pode ser constituído por um único árbitro ou por vários, em número ímpar – artº 8º nº 1.


A propósito do princípio do contraditório, escreveu Manuel Pereira Barrocas[1]: “O princípio do contraditório é comum, tal como genericamente os restantes princípios, ao processo civil e encontra expressão em várias disposições da LAV, como é por exemplo o artigo 34º. A sua observância requer que nenhuma solicitação dirigida ao tribunal arbitral por qualquer das partes poderá ser decidida sem que à outra parte ou às outras partes seja previamente dada a possibilidade de serem ouvidas sobre aquela solicitação. O tribunal arbitral só deve tomar posição sobre a solicitação que lhe tenha sido efectuada após cumprido este imperativo. Claro que, no exercício do poder de moderação que compete aos árbitros, estes podem decidir certas solicitações apresentadas de um modo imediato e sem necessariamente ouvir as partes se elas respeitarem apenas a questões de expediente processual e não carecerem da contribuição da parte contrária ou das restantes partes para sobre elas o tribunal arbitral se informar e decidir, em obediência igualmente aos interesses de simplicidade e objectividade que são próprias do processo arbitral. De resto, a alínea c) do número 1 deste artigo prevê a existência de excepções ao princípio do contraditório previsto na lei. Este é, por exemplo, o caso das ordens preliminares”.

E o mesmo autor escreveu[2]: “ O processo arbitral tem características próprias que o distinguem do processo nos tribunais do Estado. Todavia, partilhando com estes a mesma função de resolução de conflitos e de contribuição para a pacificação social, apresenta necessariamente pontos de contacto em muitos aspectos. No entanto, o modo como se organiza e se desenvolve o processo arbitral e o método utilizado na sua condução são distintos. Antes de mais, o Código de Processo Civil não se aplica ao processo arbitral”.

“Estes actuam e as suas decisões tornam-se obrigatórias e exequíveis com fundamento em dois pilares: a vontade das partes expressa na convenção de arbitragem (sem esta não há arbitragem) e a lei que dá conteúdo e força jurídica aos tribunais arbitrais e às suas decisões. Desprovidos de potestas, os tribunais arbitrais afirmam a sua legitimidade pela vontade das partes e a sua autoridade por disposição legal. A coercibilidade vão buscá-la ao apoio dos tribunais estaduais.

Por tudo isto, os tribunais arbitrais distinguem-se dos tribunais estaduais. Mas também quanto ao método isso sucede. Os tribunais arbitrais, se bem que possam inspirar-se ocasionalmente no CPC relativamente à adopção de algumas soluções processuais a título meramente instrumental e utilizem conceitos provenientes dos estudos efectuados por processualistas, tais como os da competência, legitimidade, litisconsórcio, coligação, etc, que não são, aliás, exclusivos do CPC, mas adquiridos pela ciência jurídica, o certo é que, sobretudo no domínio da atitude mental dos árbitros e na necessidade de tornar simples, desformalizado e objectivo o processo arbitral, se bem que rigoroso na aplicação dos seus princípios e da vontade das partes, ele distingue-se claramente do processo civil e até, eventualmente, no modo de encarar a solução do litígio”.


E o mesmo autor escreveu[3]:

“ O processo arbitral assenta em princípios fundamentais próprios contidos, no caso da lei portuguesa, no artº 30 nº 1 da PAV, que não se confundem, embora possam parcialmente coincidir, com os que são próprios do processo civil. A sua aplicação prática, porém, obedece às características da arbitragem, designadamente ao seu menor formalismo e à desejada eficácia em vista do seu desígnio final que é a resolução do litígio” (…) “ Apenas a analogia com o regime legal do processo civil pode, eventual e muito parcimoniosamente, ser útil ao processo arbitral como repositório de conceitos técnico-científicos e, eventualmente, como exercício analógico, não obrigatório parar o árbitro do preenchimento de uma lacuna legal verificada num processo arbitral. Não é, assim, admissível a invocação de uma norma legal do processo civil para fundamentar uma invalidade do processo ou do próprio laudo arbitral. E o mesmo é relevante para a exclusão do seio da arbitragem de princípios processuais que não sejam os que são próprios do processo arbitral (sobre os princípios fundamentais do processo arbitral, ver o artº 30º nº 1 da LAV). Se assim fosse, introduzir-se-iam no processo arbitral regimes processuais incompatíveis com a arbitragem e que esta rejeita em nome da sua razão de existir como método de resolução de litígios dotada da sua própria identidade, funcionalidade e eficácia.

Na verdade, importa reforçar ainda as seguintes ideias que não podem ser olvidadas quando falamos de arbitragem: o processo arbitral deve por natureza ser simples, directo à sua finalidade e o menos formal possível, ou dito de outro modo, apenas suficientemente formal até ao ponto em que o cumprimento dos princípios fundamentais do processo arbitral o exijam e o escopo final do processo e a vontade das partes, expressa no momento e no local próprios – a convenção de arbitragem -, o requeiram. Nada mais do que isto, evidentemente sem prejuízo do cumprimento das disposições da lei e de algum regulamento arbitral aplicável ao caso por vontade das partes.

É-nos, por isso difícil aceitar, por se tratar de argumentação contra natura, que se possa defender que determinada decisão arbitral viola princípios ou máximas do processo civil e, deste modo, atacar-se uma decisão arbitral válida. Num passado não muito distante eram conhecidas decisões absurdas de tribunais estaduais que chegaram a aplicar o regime das nulidades da sentença judicial previstas no CPC na apreciação da validade de uma sentença arbitral”.

E o mesmo autor, em jeito de conclusão refere: “ Qualquer interferência de outros valores e formas processuais estranhas à arbitragem, seguramente que desequilibram a estrutura e os alicerces do edifício arbitral e, seguramente, a sua eficiência”.

Convém ainda salientar que o carácter profundamente restritivo dos fundamentos legais que habilitam a pedir ao tribunal estadual que anule a decisão proferida pelo tribunal arbitral constitui precisamente a afirmação da própria independência e autonomia da jurisdição arbitral[4].

Basicamente, a acção especial de anulação cuida apenas da detecção dos vícios graves de natureza processual susceptíveis de revestir influência decisiva na resolução do litígio [5].

Conforme refere Mariana França Gouveia[6].: “Na arbitragem, o Estado de Direito demonstra-se precisamente através de imposições processuais que estabelece. São princípios básicos que têm de ser cumpridos para que uma decisão possa ser reconhecida judicialmente (no nosso ordenamento jurídico, para que possa não ser anulada)”. 

Há, portanto, que tomar apenas em consideração as (eventuais) violações graves de princípios basilares e estruturantes de qualquer processo de composição de interesses, mormente os que têm a ver com os princípios da igualdade das partes e do contraditório 

Está absolutamente afastada, neste tipo de acção anulatória, a reapreciação do mérito da causa realizada pelo tribunal arbitral e, em geral, a valoração dos termos processuais que foram previamente estabelecidos na convenção de arbitragem e voluntariamente aceites por ambos os contendores.

Há portanto que tomar apenas em consideração as (eventuais) violações graves de princípios basilares e estruturantes de qualquer processo de composição de interesses, mormente os que têm a ver com os princípios da igualdade das partes e do contraditório. 

O Acórdão da Relação de Lisboa de 15.03.2016[7] decidiu deste modo:

“ O carácter profundamente restritivo dos fundamentos legais que habilitam a pedir ao tribunal estadual que anule a decisão proferida pelo tribunal arbitral constitui, precisamente, a afirmação da própria independência e autonomia da jurisdição arbitral.

Basicamente, a acção especial de anulação da decisão arbitral cuida apenas da detecção dos vícios graves de natureza processual susceptíveis de revestir influência decisiva na resolução do litígio.

Há, portanto, que tomar apenas em consideração as (eventuais) violações graves de princípios basilares e estruturantes de qualquer processo de composição de interesses, mormente os que têm a ver com os princípios da igualdade das partes e do contraditório”.

A tramitação do processo especial de anulação da sentença arbitral, que é o caso dos autos, vem previsto no artigo 46º da LAV.


Dispõe o nº 2 desse artigo o seguinte:

“2 - O pedido de anulação da sentença arbitral […] é apresentado no tribunal estadual competente, observando-se as seguintes regras, sem prejuízo do disposto nos demais números do presente artigo:

a) A prova é oferecida com o requerimento;

b) É citada a parte requerida para se opor ao pedido e oferecer prova;

c) É admitido um articulado de resposta do requerente às eventuais excepções;

d) É em seguida produzida a prova a que houver lugar;

e) Segue-se a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações;

f) A acção de anulação entra, para efeitos de distribuição, na 5ª espécie”.


Como bem refere a recorrida, conjugando a tramitação da acção especial de anulação de sentença arbitral prevista no nº 2 do artigo 46º da LAV com a marcha do processo do recurso de apelação (cfr. artigos 652º e seguintes do CPC), verifica-se que não existe qualquer imposição normativa, explícita ou implícita, de que haja lugar a alegações orais após a produção de prova.


Produzida a prova (alínea d)), segue-se a tramitação do recurso de apelação (alínea e)). Esta solução legal demonstra que o legislador se afastou deliberadamente da tramitação do processo comum declarativo. Com efeito, tivesse o legislador pretendido que o julgamento da acção especial de anulação de decisão arbitral seguisse a tramitação do processo comum declarativo, teria simplesmente remetido os termos ulteriores do processo para esta tramitação, abstendo-se de o fazer para a tramitação do recurso de apelação.

 

“Perquirindo o preceito, a lei diz que o processo de recurso a seguir é o correspondente ao recurso de apelação com as necessárias adaptações.

Deve, pois, adaptar-se o regime daquele recurso à circunstância de se tratar de um recurso processado no Tribunal da Relação ou no Tribunal Central de Círculo e interposto para o STJ ou o STA”[8]


Anotando este nº 2 do artigo 46º, Dário Moura Vicente (coordenador)[9] ensinou que: “ Esta disposição regula o regime do pedido de anulação como forma processual autónoma, enunciando de forma sumária os seus trâmites, evitando a aplicação do processo declarativo ordinário, mas caracterizando-o como acção para efeitos de distribuição. Trata-se, assim, de uma acção declarativa com processo especial regulado nos artigo 891º e seguintes do Código de Processo Civil”.

Mário Esteves de Oliveira e outros[10], referem que «terminada a fase da realização da prova “[s]egue-se a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações” […] - ficando assim precludidas, parece, as normas sobre a modificação da matéria de facto e sobre os poderes parar autorizar ou ordenar a produção de prova não requerida na petição ou contestação - diz-se na alínea e) deste artº 46º/2.

Não havendo disposição legal explícita sobre a matéria, entendemos que se aplicarão às questões de tramitação da impugnação não reguladas na LAV, mesmo quando se trate de aspectos anteriores à produção de prova, as regras do recurso de apelação do Código de Processo Civil”.


Por conseguinte, também a propósito do nº 2 do artigo 46º da LAV, Robin de Andrade[11] entende que a opção legislativa exclui a aplicação do processo declarativo:

“Esta disposição regula o regime do pedido de anulação como forma processual autónoma, enunciando de forma sumária os seus trâmites, evitando a aplicação do processo declarativo ordinário, mas caracterizando-o como acção para efeitos de distribuição. Trata-se assim de uma acção declarativa com processo especial regulada nos artigos 891.º e seguintes do Código de Processo Civil”.


Dito isto e tendo em conta a noção e o alcance do princípio do contraditório tal como ele é concebido para o processo arbitral, não vemos razões plausíveis para que haja violação do mesmo pela Relação por causa da ausência de alegações orais.


Remetendo a lei para a tramitação do recurso de apelação, ficam irremediavelmente precludidas as normas do processo comum declarativo, devendo ser seguida, tanto quanto se justifique aplicar ao processo especial em questão, a marcha do processo do recurso de apelação.

O afastamento das regras do processo comum declarativo é uma opção clara do legislador com o intuito de simplificar ao máximo um processo especial que se debruça apenas sobre as questões taxativamente elencadas no nº 3 do artigo 46º da LAV.


É, portanto, perfeitamente compreensível a ausência de quaisquer alegações finda a produção de prova


**


Verifica-se, por outro lado, que não consta dos autos que a recorrente tenha, por qualquer modo, reagido na Acta de Inquirição de testemunhas de 7 de Março de 2019 (fls 1057-B, in fine) ao facto de que não lhe foi dada oportunidade para proferir alegações orais. Nem sequer pediu a palavra para produzir alegações orais.


Alega a recorrente que a falta de alegações constitui uma omissão de um acto prescrito pela lei processual, qualificando-o como nulidade processual.

Discordamos de tal alegação e estamos de acordo com o acerto da resposta da recorrida.

Ainda que se estivesse perante uma nulidade processual por a ausência de alegações orais ter influído na decisão da causa, uma tal nulidade deveria ter sido arguida - e não foi- na própria audiência do dia 7 de Março de 2019, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 199º do CPC – fls 1057-B, in fine.

E ainda que a nulidade não devesse ter sido arguida no final da audiência, deveria a recorrente tê-la arguido no prazo de dez dias, conforme dispõe o nº 1 do artigo 149º do CPC.


Improcedem, desde modo, as conclusões A) a DD)


VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DOS ARTIGOS 20º E 202º Nº 2 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.


Nas conclusões EE) a HH) refere a recorrente que interpretar o artº 46º da Lei da Arbitragem Voluntária no sentido de que havendo produção de prova, inexistirá o direito das partes de produzirem alegações orais, tal interpretação será ferida de inconstitucionalidade, por violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Com efeito, esta garantia constitucional postula a efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas.

Finalmente, a postergação do princípio do contraditório e dos direitos vertidos no artº 3º do CPC operada através da omissão de alegações orais consubstanciará ainda a violação da norma constante do artº 202º nº 2 da Constituição da República Portuguesa: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.


A recorrida respondeu, referindo, em síntese, que as inconstitucionalidades invocadas não têm cabimento no caso concreto.


Cumpre decidir.


Violação do artigo 20º da Constituição

Como acima ficou dito, refere a recorrente nas conclusões EE) a FF) que o acórdão recorrido violou o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

O artigo 20º da CRP (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) preceitua o seguinte:

1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

2. (…).

3. (…).

4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

Os argumentos que a recorrente deduziu, não determinam uma modificação do resultado a que se chegou e são improcedentes.

Com efeito, nem a lei ordinária nem a Constituição da República Portuguesa têm interferência decisiva para a decisão do caso, nem permitem que se conclua em sentido contrário ao aqui pugnado, nem a interpretação que se fez das normas citadas colide com qualquer princípio constitucional.

Por outro lado, o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrado não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

A Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limites ou ad infinitum (cf. Acórdão do TC nº 125/98).

A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos “patamares” de recurso (cf. Acs do TC. nºs 72/99, 431/02 e 106/06)[12].


Com efeito, tal como o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar, não resulta da Constituição nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20° da Constituição.

A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil, apenas o contendo no âmbito do processo penal.

Todavia, como a Lei Fundamental prevê a existência de tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática.

Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira[13]:

“A imposição constitucional da tutela jurisdicional efectiva impende, em primeiro lugar, sobre o legislador, que a deve tomar em consideração na organização dos tribunais e no recorte dos instrumentos processuais, sendo-lhe vedado: (1) a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas no direito de acesso aos tribunais; (2) a criação de “situações de indefesa” originadas por conflitos de competência negativos entre vários tribunais”.

O legislador ordinário tem margem de discricionariedade para estabelecer limitações em face de outros valores, contanto que não se comprimam de forma intolerável os restantes princípios, como é o caso do princípio do contraditório.

Assim, como bem refere a recorrida, são conformes à Constituição e ao princípio da tutela jurisdicional efectiva as tramitações processuais que, por razões de celeridade e agilização processual, maximizem determinadas vertentes processuais em detrimento de outras.

É este o caso, naturalmente, da tramitação prevista no nº 2 do artigo 46ºda LAV e, por maioria de razão, das normas previstas para a tramitação do recurso de apelação.

Não se vislumbra, por isso, que a interpretação normativa efectivada no despacho reclamado ofenda aquele preceito constitucional[14].

Soçobra, assim, com os presentes fundamentos e sem necessidade de mais considerações, a pretensão da recorrente, pois a ausência de alegações orais nas circunstâncias já relatadas não ofende o disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.


Improcede, assim, a argumentação constante das Conclusões EE) a FF).


Violação do artigo 202º nº 2 da Constituição

Mais alega a recorrente na Conclusão GG) que a postergação do princípio do contraditório e dos direitos vertidos no artigo 3º do CPC operada através da omissão de alegações orais consubstanciará ainda a violação da norma constante do artº 202º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.


A recorrida respondeu, referindo que a suscitada inconstitucionalidade não tem cabimento no caso concreto.

Cumpre decidir.

O artigo 202º nº 2 preceitua o seguinte:

“Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.


O entendimento acima exposto quanto à invocada inconstitucionalidade por violação do artigo 20º da CRP vale integralmente para a inconstitucionalidade suscitada relativamente ao nº 2 do artigo 202º da Constituição, pelo que a mesma não tem cabimento.


Improcede, deste modo, a argumentação expendida na Conclusão GG).


A LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

Alega ainda a recorrente a decisão vertida no aresto sobre o tema em causa, em que a condenou como litigante de má fé foi assim sustentada: “Ora, ao alegar que o árbitro nomeado era recorrentemente nomeado como árbitro pela sociedade de advogados de que fazem parte os mandatários da Vilamoura Lusotur, SA (ora requerida), fundando tal alegação em rumores e no que alegadamente um dos seus administradores ouviu falar a “outros advogados”, de forma genérica, não tendo tido a requerente o cuidado de, previamente, averiguar acerca da veracidade de tais factos – vindo-se, antes a provas o contrário -, agiu de forma claramente temerária, ao invocar factualidade, com clara relevância, sem previamente se ter assegurado da sua veracidade, o que lhe era manifestamente exigível.”.

Termina, referindo que é manifestamente improcedente o argumento plasmado no acórdão recorrido para sustentar a condenação da recorrente como litigante de má fé.


A recorrida respondeu, pronunciando-se pela improcedência da alegação, também nesta parte, devendo manter-se a condenação da recorrente como litigante de má fé.


Cumpre decidir.

O artigo 542º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe, “Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé”, preceitua o seguinte:

“1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

3 – (…) 


Como refere Lebre de Freitas, a propósito das alterações introduzidas pelo nº 2 do Decreto-Lei nº 329-A/95, a lei processual “ passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má fé, com o intuito, com se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes”[15].

A lide temerária ocorre quando se actua com culpa grave ou erro grosseiro. É dolosa quando a violação é intencional ou consciente. Mas será sempre de exigir que a prova de tal culpa ou do dolo seja clara e indiscutível.

Agora, o incumprimento gravemente culposo ou doloso dos deveres de cooperação e das regras de boa fé é sancionado civilmente através do instituto da litigância de má fé previsto no artigo 542º do C.P.C.

Tal como está hoje configurado, o instituto da litigância de má-fé visa permitir ao juiz, quando necessário, proceder a uma “disciplina” imediata do processo, oferecendo resposta pronta, ainda que necessariamente limitada, para atitudes aberrantes, iniquidades óbvias, erros grosseiros ou entorpecimento evidente da justiça[16].


Ora, no dia 1 de Setembro de 2013 entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, conforme consta do seu artigo 8º.


Conforme já decidimos no nosso acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 18.10.2018[17] “a lide temerária ocorre quando se actua com culpa grave ou erro grosseiro. É dolosa quando a violação é intencional ou consciente. Mas será sempre de exigir que a prova de tal culpa ou do dolo seja clara e indiscutível.

Agora, o incumprimento gravemente culposo ou doloso dos deveres de cooperação e das regras de boa-fé é sancionado civilmente através do instituto da litigância de má-fé previsto no artigo 542º do C.P.C”.


No caso dos autos, importa observar alguns factos nucleares para podermos tirar as respectivas conclusões.

Assim, está provado que:

- A ora requerente Bogarve, S.A., soube que o Segundo Processo Arbitral decorria em moldes distintos dos que haviam sido consagrados na transcrita cláusula nona do Contrato – (Facto provado 26.)

- Sabendo, ainda, que o mesmo Processo Arbitral era conduzido por árbitro único, nomeadamente o Professor AA – (27).

- Tal árbitro não era recorrentemente nomeado como árbitro pela sociedade de advogados de que fazem parte os mandatários da Vilamoura Lusotur, S.A. (ora requerida) – (37).

 - A afirmação da requerente Bogarve, S.A., que o árbitro único nomeado na Primeira e Segunda Arbitragens - o Professor Doutor AA -, era recorrentemente nomeado pela sociedade de advogados de que fazem parte os mandatários da requerida Vilamoura Lusotur, S.A., fundou-se em rumores e no que alegadamente um dos seus administradores ouviu falar a "outros advogados", de forma genérica – (39). - Não tendo a mesma requerente tido o cuidado de, previamente, averiguar acerca da veracidade de tais factos – (40).

- A sentença arbitral (primeira) foi proferida em 28 de Outubro de 2016, conforme consta do teor da mesma, junto aos autos a fls. 257 a 328, que aqui integralmente se reproduz – (43).

- Tendo sido notificada aos mandatários de demandante e demandada, através de e-mail remetido em 28/10/2016 – (44).

- Transcrevendo a mesma, na segunda e terceira páginas, as circunstâncias reveladas pelo árbitro na Cláusula 3ª do Primeiro Acordo de Arbitragem – (45).

- As quais, pelo menos desde data não determinada do Primeiro Processo Arbitral, sempre foram do conhecimento da administração da ora requerente Bogarve, S.A. – (46).

- Que nunca levantou qualquer objecção às mesmas – (47).

- Tendo, apesar disso, alegado tal desconhecimento nos termos expostos no requerimento inicial – (48).


Por outro lado, no que concerne à factualidade imputada como potencialmente traduzindo efectiva litigância de má-fé por parte da Requerente, não se logrou provar:  - Que só após a prolação da Segunda Sentença Arbitral, a ora requerente Bogarve, S.A., tenha tido conhecimento das circunstâncias reveladas pelo árbitro na Cláusula 3ª do Primeiro Acordo de Arbitragem, reproduzidas na Primeira Sentença Arbitral e reiteradas no Segundo Acordo de Arbitragem – (i).

- Sendo até aí absolutamente desconhecidas da mesma – (ii).

- Que antecedentemente à prolação daquela Segunda Sentença Arbitral, nunca a mesma requerente tenha sido informada, por qualquer forma ou meio e fosse por quem fosse, quer na Primeira, quer na Segunda Arbitragens, da factualidade revelada pelo árbitro naquelas circunstâncias, de forma a permitir-lhe decidir acerca do acordo sobre a sua nomeação, ou se, pelo contrário, a devia desde logo afastar - (iii).

- Que o árbitro único nomeado na Primeira e Segunda Arbitragens - o Professor Doutor AA -, seja, com bastante frequência, o árbitro indicado pelas partes patrocinadas pelos advogados pertencentes à sociedade de advogados BB, onde se inserem os mandatários que patrocinaram a ora requerida, em ambas as arbitragens – (iv).

- Que a ora requerente Bogarve, S.A., soubesse que aquele árbitro único nomeado não era recorrentemente nomeado pela sociedade de advogados de que fazem parte os mandatários da requerida Vilamoura Lusotur, S.A. – (xv).


Quanto ao fundamento jurídico da presente acção, não se provou:

- Que a requerente Bogarve, S.A., tivesse proposto a presente acção, deduzindo o respectivo petitório, bem sabendo que havia renunciado à possibilidade de impugnar a Segunda Sentença Arbitral, com fundamento na incompetência do tribunal ou pretenso desrespeito por disposições derrogáveis da LAV ou condições enunciadas na convenção de arbitragem, por não ter deduzido de imediato a respectiva oposição (xvi).

- Que apesar de alegar que não, a mesma requerente bem soubesse que o advogado a quem outorgou procuração tinha todos os poderes para assinar, em sua representação, o Segundo Acordo de Arbitragem e para a representar no Segundo Processo Arbitral - (xvii).

- Que a mesma requerente Bogarve, S.A., bem soubesse não estar em erro quanto à alegação de que o árbitro AA seria recorrentemente nomeado árbitro de parte pela sociedade de advogados que representou a Lusotur na Primeira e Segunda Arbitragens – (xviii).

- Que a requerente soubesse, ainda, que os factos vertidos nas Declarações do mesmo árbitro não constituíam qualquer causa que afectasse a sua independência e imparcialidade.


Ora, o acórdão da Relação no tocante à condenação da requerente como litigante de má fé está assim redigido:

Ora, ao alegar que o árbitro nomeado era recorrentemente nomeado como árbitro pela sociedade de advogados de que fazem parte os mandatários da Vilamoura Lusotur, S.A. (ora requerida), fundando tal alegação em rumores e no que alegadamente um dos seus administradores ouviu falar a "outros advogados", de forma genérica, não tendo tido a requerente o cuidado de, previamente, averiguar acerca da veracidade de tais factos - vindo-se, antes, a provar o contrário -, agiu de forma claramente temerária, ao invocar factualidade, com clara relevância, sem previamente se ter assegurado da sua veracidade, o que lhe era manifestamente exigível.

Por outro lado, ao aduzir que nunca teve conhecimento das circunstâncias reveladas pelo árbitro logo aquando do Primeiro Acordo de Arbitragem, sendo aquele conhecimento recente, pois nunca lhe foi transmitido, nem durante o Primeiro Processo Arbitral, e muito menos no Segundo, e provando-se que tais circunstâncias sempre foram do conhecimento da administração da requerente, pelo menos desde data não determinada do Primeiro Processo Arbitral, nunca tendo levantado qualquer objecção às mesmas, resulta concludentemente que a requerente alterou a verdade factual, com implicações na dedução da consequente pretensão cuja falta de fundamento bem conhecia.

Ora, tal factualidade, tendo natureza pessoal, e, como tal, não sendo desconhecida da requerente, traduz uma conduta totalmente ausente de lisura processual, justificando plenamente um juízo de censura, a título de litigância de má-fé.

O que determina, sem outras delongas, a condenação da requerente Bogarve, S.A., a tal título, em multa e indemnização, tendo sido esta devidamente peticionada pela requerida Vilamoura, Lusotur, S.A.”.


Os argumentos aqui trazidos pela recorrida, pela sua pertinência e acerto, serão aqui transcritos nos seguintes termos:

Ao negligenciar o seu dever de indagação quanto à existência de fundamento suficiente para a sua pretensão, é manifesto que a ora recorrente Bogarve litigou de forma temerária.

Conforme decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa:

«III. A parte deduz pretensão, cuja falta de fundamento não devia ignorar, quando negligencia o dever de indagação quanto à existência de fundamento suficiente para a pretensão que deduz, actuando com desleixo. Para este efeito, basta a demonstração de que era exigível à parte a consciencialização da falta de fundamento da pretensão, não sendo necessário demonstrar que a parte sabia, efectivamente, da falta de fundamento, sob pena de se inviabilizar o funcionamento da regra prevista no Artigo 542º, nº2, alínea a), do Código de Processo Civil» (realçado da recorrida) (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Dezembro de 2016, proferido no âmbito do processo 1220/14.6TVLSB.L1-7, (…) disponível em www.dgsi.pt).

O desleixo da recorrente Bogarve foi tanto mais grave porquanto a alegação era particularmente viciosa em relação à pessoa do Professor AA, pondo em causa o seu prestígio e bom nome.

É também absurda a alegação de que a decisão recorrida padeceria de falta de fundamentação relativamente à condenação da recorrente Bogarve como litigante de má fé”.


A Relação decidiu com acerto, não havendo motivos para decidir de outro modo e nada há a censurar no acórdão recorrido.

 Nesta conformidade, improcedem as Conclusões II) a ZZ).


SUMÁRIO

(i) - O processo arbitral assenta em princípios fundamentais próprios contidos, no caso da lei portuguesa, no artigo 30º nº 1 da LAV, que não se confundem, embora possam parcialmente coincidir, com os que são próprios do processo civil. A sua aplicação prática, porém, obedece às características da arbitragem, designadamente ao seu menor formalismo e à desejada eficácia em vista do seu desígnio final que é a resolução do litígio.

(ii) - O processo arbitral deve por natureza ser simples, directo à sua finalidade e o menos formal possível, ou dito de outro modo, apenas suficientemente formal até ao ponto em que o cumprimento dos princípios fundamentais do processo arbitral o exijam e o escopo final do processo e a vontade das partes, expressa no momento e no local próprios – a convenção de arbitragem -, o requeiram.

(iii) – O carácter profundamente restritivo dos fundamentos legais que habilitam a pedir ao tribunal estadual que anule a decisão proferida pelo tribunal arbitral constitui precisamente a afirmação da própria independência e autonomia da jurisdição arbitral.

(iv) - Conjugando a tramitação da acção especial de anulação de sentença arbitral prevista no nº 2 do artigo 46º da LAV com a marcha do processo do recurso de apelação, verifica-se que não existe qualquer imposição normativa, explícita ou implícita, de que haja lugar a alegações orais após a produção de prova.

(v) - Produzida a prova (alínea d)), segue-se a tramitação do recurso de apelação (alínea e)). Esta solução legal demonstra que o legislador se afastou deliberadamente da tramitação do processo comum declarativo. Com efeito, tivesse o legislador pretendido que o julgamento da acção especial de anulação de decisão arbitral seguisse a tramitação do processo comum declarativo, teria simplesmente remetido os termos ulteriores do processo para esta tramitação, abstendo-se de o fazer para a tramitação do recurso de apelação.

(vi) – O nº 2 do artigo 46º da LAV regula o regime do pedido de anulação como forma processual autónoma, enunciando de forma sumária os seus trâmites, evitando a aplicação do processo declarativo ordinário, mas caracterizando-o como acção para efeitos de distribuição. Trata-se, assim, de uma acção declarativa com processo especial regulado no artigo 891º e seguintes do Código de Processo Civil.

(vii) – São conformes ao princípio da tutela jurisdicional efectiva prevista no artigo 20º da Constituição as tramitações processuais que, por razões de celeridade e agilização processual, maximizem determinadas vertentes processuais em detrimento de outras.

(viii) - A requerente deve ser condenada como litigante de má-fé se nega factos pessoais que vieram a ser declarados provados.


III - DECISÃO


Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 10 de Setembro de 2020


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)


Nuno Manuel Pinto Oliveira


Ferreira Lopes

______________

[1] Lei de Arbitragem Comentada, Almedina, 2013, pág. 119 e 120.

[2] Ob cit, pág. 117 e 118.

[3] “ A RAZÃO POR QUE NÃO SÃO APLICÁVEIS À ARBITRAGEM NEM OS PRINCÍPIOS NEM O REGIME LEGAL DO PROCESSO CIVIL”, in ROA, Ano 75, Lisboa, Jul/Dez 2015, pág 625 a 630.

[4] Manuel Pereira Barrocas, “ Manual de Arbitragem”, pág. 521.

[5] Paula Costa e Silva in “Anulação e Recursos da Decisão Arbitral”, publicado in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 52,  págs. 938 a 939.

[6] , “Curso de Resolução Alternativa de Litígios”,pág. 259:

[7] Proc.º nº 871/15.6YRLSB-1, in www.dgsi.pt/jtrl.

[8] Manuel Barrocas, “Lei da Arbitragem Comentada, Almedina, 2013, pãg.170.

[9] Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 2ª Edição, 2015, pág 123.

[10] Lei da Arbitragem Voluntária, Comentada, Almedina, 2014, pág. 553-554.

[11] Lei de Arbitragem Voluntária Anotada, Coimbra: Almedina, 2017 (3ª Edição, revista e actualizada), p. 147).

[12] Neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, pág. 418.

[13] Ob cit, pág. 416.

[14] Acórdão do STJ, de 19.2.2014, processo nº 2657/10.5TTLSB.L1-A.S1, in www.dgsi.pt/jstj.

[15] “ Código de Processo Civil Anotado”, pág. 196-197.

[16] Regime Jurídico da Litigância de Má fé, Estudo de Avaliação de Impacto, DGPJ, Ministério da Justiça, Novem de 2010, acessível na Internet.

[17] Procº nº 74300/16.1YIPRT-E1-A.S1, in www.dgsi.pt/jstj, citado pelo acórdão recorrido na pág 94